Funcionários da Funai protestam contra política indígena do governo

Os funcionários da Fundação Nacional do Índio (Funai) paralisaram suas atividades durante todo o dia de ontem (13) e a tarde de hoje (14). O objetivo da paralisação é chamar a atenção do governo para a "lastimável situação em que se encontram as políticas públicas voltadas para os povos indígenas do Brasil", diz nota divulgada pelos funcionários.

De acordo com a nota, o compromisso assumido pelo governo Lula com os povos indígenas "gerou uma grade expectativa" entre os índios e os indigenistas de melhoria de qualidade de vida para os povos. Mas "o governo não chega a resultados satisfatórios", diz o texto.

Os funcionários da Funai reclamam também do "sucateamento do órgão, desvalorização de seu papel institucional, maus tratos dos recursos humanos e achatamento salarial".

Indígenas discutem em Washington Declaração Americana de Direitos

Diplomatas e representantes indígenas de 34 países estão em Washington, onde debatem a proposta para a criação da Declaração Americana dos Direitos Indígenas, elaborada há dez anos pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) e vem sendo discutida há dois anos.

O maior problema é encontrar um consenso entre as diferentes legislações dos vários países. "Todo mundo é obrigado a ceder um pouco e o que vai sair no final é um texto negociado e consensual", afirma o primeiro secretário da Missão do Brasil junto à OEA, Silvio Albuquerque Silva.

Um dos pontos mais conflitantes é sobre a propriedade das terras. Os povos indígenas pedem a propriedade dos recursos do solo e do subsolo. Porém, pela Constituição brasileira, as terras indígenas são de propriedade da União, com "posse permanente" dos povos, o que não dá aos índios o direito sobre os recursos do "subsolo". O Brasil pede a retirada do termo do projeto de Declaração.

O mesmo acontece com o Suriname, onde as terras indígenas também pertencem ao Estado. Já na Venezuela, por exemplo, é diferente. Os índios têm o direito à propriedade coletiva das terras. Nos Estados Unidos, as terras indígenas foram ganhas em guerras, não são territórios historicamente ocupados e, por isso, o país não concorda com o "direito originário", na qual os índios devem ter direito às terras onde viviam antes da ocupação branca.

"Não queremos uma declaração de acordo com as legislações, queremos que elas avancem", diz Azelene Kaigang, vice-presidente da Cactus dos Povos Indígenas, conselho que reúne representantes indígenas dos 34 países participantes da OEA. Para a brasileira, o Brasil "terá que mudar sua Constituição".

Segundo o secretário brasileiro, o Brasil "tem posições avançadas e não entra em conflito com os povos, na maioria dos casos", afirma. De acordo com a sua avaliação, os Estados Unidos e o Canadá são os países onde mais há divergências com os povos indígenas.

Para Azelene, a situação atual dos índios é semelhante em todos os países latinos. "A violação histórica e a integração forçada é comum a todos", diz. A brasileira liderou ontem um protesto contra o Estado norte-americano,porque o país é contra a maioria dos artigos da proposta de Declaração:ela se recusou a ir a um jantar oferecido aos representantes indígenas dos 34 países presentes e mobilizando os demais para o protesto. Nenhum representante indígena compareceu ao jantar e o fiasco americano foi notícia hoje em vários jornais.

O encontro começou na segunda-feira e só termina na sexta. A próxima etapa de negociações está marcada para junho, na Flórida, mas a Declaração só estará pronta em 2006.

Cinta Larga começam a receber dinheiro de diamantes

Os índios Cinta Larga já estão recebendo parte do dinheiro do leilão dos diamantes que será feito pela Caixa Econômica Federal (CEF). O indígena que entregar a pedra – extraída, nos últimos anos das reservas Roosevelt, Parque Indígena Aripuanã, Serra Morena e Aripuanã, no sul do estado de Rondônia e oeste do Mato Grosso – recebe no mesmo momento um adiantamento.

Um posto da CEF, com apoio da Polícia Federal (que faz a escolta) e da Fundação Nacional do Índio (Funai), está instalado nas terras. Ao entregar o diamante, uma conta é aberta em nome do índio e o CPF também é fornecido na hora. "O valor é variável, depende da pureza e dos quilates", explica o vice-presidente da Funai, Roberto Aurélio Lustosa.

Segundo a medida provisória 225, publicada na terça-feira, os índios têm 15 dias para entregarem todos os diamantes que possuem. "É uma anistia assim como a questão das armas. Quem tem arma sem documento vai poder entregar e não se fará perguntas sobre aquela arma e não haverá nenhuma investigação. A mesma coisa se dá com o diamante arrecadado na terra Roosevelt, esse é o espírito da MP", ressalta Lustosa.

Até o momento não há informações de quantas pedras foram entregues. "No posto onde entra o índio ou a sua liderança para fazer a avaliação do diamante, só o funcionário da Caixa tem acesso, além do avaliador", afirma o vice-presidente.

As pedras serão leiloadas pela CEF no Rio de Janeiro e o dinheiro será depositado na conta aberta pelo índio, após serem descontados os impostos e valores referentes aos custos operacionais. Um perito da Caixa também está no local e faz, já no momento da entrega, a avaliação do valor do objeto.

A mineração em terras indígenas é ilegal. Em abril, os cinta-larga mataram 29 garimpeiros que extraiam diamantes da Reserva Roosevelt. O garimpo foi fechado pelo governo federal. O objetivo da medida é por fim aos conflitos.

Samba de roda do Recôncavo Baiano poderá ser patrimônio da humanidade

O samba de roda do Recôncavo Baiano poderá ser considerado Obra-prima do Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco). A manifestação cultural será apresentada hoje como candidata a integrar o projeto durante lançamento do Programa Nacional do Patrimônio Imaterial, às 11h30, no Palácio do Planalto.

Durante a solenidade, haverá apresentação do grupo de samba chula Os Filhos da Pitangueira, de São Francisco do Conde, na Bahia.

Na semana passada, o Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural aprovou a inscrição de duas manifestações da cultura brasileira no Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial: o Círio de Nossa Senhora de Nazaré, de Belém (PA), no Livro das Celebrações; e o Samba de Roda do Recôncavo Baiano, no Livro das Formas de Expressão.

Marina Silva: diálogo é o melhor caminho para resolver conflitos em reservas ambientais

As negociações com os índios ashaninka e demais comunidades do Parque Nacional da Serra do Divisor, no Acre, são consideradas um exemplo de como a lei pode ser aplicada a partir do diálogo e de como é possível preservar o meio ambiente sem prejudicar os homens que vivem nas unidades de conservação ecológica. “O diálogo será sempre a melhor ferramenta para resolvermos os conflitos e encontrarmos um caminho entre a agenda sócio-ambiental e a preservação”, diz a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.

Segundo o presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Marcos Barros, dentro das unidades de conservação há problemas seríssimos e um deles é como dialogar com as comunidades. "O diálogo e o cumprimento da lei são o desafio e este é um exemplo”, afirma. Hoje, três comunidades indígenas e cinco comunidades de população ribeirinha vivem do parque. Como é considerado reserva ambiental, por lei os habitantes do local devem sair de lá, com exceção dos índios que tiveram sua terra demarcada em 1992 e, assim, são protegidos pela Constituição.

Para tentar resolver a questão, em março deste ano, entidades, representantes do Ibama e as comunidades se juntaram durante 15 dias de debate. O trabalho foi registrado em vídeo e deu origem ao documentário, “O Divisor que nos Une”, exibido ontem (20) no Cine Brasília, durante a abertura da Semana Ashaninka, promovida pela Universidade de Brasília (UnB). “Nossa comunidade vem lutando pela nossa terra e estamos aqui para buscar aliados porque vocês respiram o mesmo ar que nós e, para isso, precisam da floresta que a gente defende”, lembrou o índio ashaninka Moisés Piyãko.

Há 522 famílias cadastradas no censo de 1996, o que representa nove mil pessoas vivendo no parque. Algumas querem continuar vivendo da criação de gado e por isso precisam de outro lugar. Mas uma grande parte destas famílias quer continuar no parque. “As famílias que não querem sair são o lado mais difícil. Elas podem estar dentro do parque, preservando. É essencial, em primeiro lugar, um diagnóstico de como vivem, porque não se sabe quanto elas caçam ou pescam”, afirma o antropólogo Eduardo Barnes, que coordenou as discussões.

Para que as famílias não fossem retiradas à força, um termo de compromisso foi assinado entre o governo e as comunidades. O documento estabelece restrições para ambas as partes. “Enquanto não houver uma terra para a população se deslocar, que seja tão boa quanto a que está, ela tem o direito de permanecer desde que faça certas formas de gestão, com manejo de recursos e sem degradação ambiental”, resume o antropólogo.

Com o termo, todas as partes pensam juntas como fazer esta gestão sócio-ambiental. Hoje, cinco analistas do Ibama são responsáveis pela preservação do Parque Nacional da Serra do Divisor. As discussões agora giram em torno da possibilidade da coexistência e de uma gestão para a preservação. “É uma experiência que está ousando dizer que a ocupação humana não significa devastação, ela pode ser a conservação também”, ressalta Eduardo Barnes.

Entre os exemplos, estão os sistemas agroflorestais, uma agricultura de corte raso, sem que a floresta seja derrubada, “mas manejada com pesquisas e tecnologia, em que esses grupos sejam os protagonistas e não objeto de pesquisa”, explica o antropólogo.

“Você tem de tudo na natureza e de lá consegue tirar a sua veste, comida e água de beber. Tem um lado capitalista em que a riqueza é destruir o que a floresta tem, na madeira e nos minérios. Para nós, a riqueza é manter a floresta de pé porque é aí que está toda a medicina, toda a vida e saúde da gente”, ensina o ashaninka Moisés.

Para o presidente do Ibama, a questão é “não tirar as pessoas unicamente, mas achar um caminho para a solução. Este é o primeiro grande exemplo de um diálogo, pegar um conselho de preservação de um parque nacional e fazê-lo migrar para outras unidades de conservação e dizer que aquilo existe na prática. Esse é o grande gol”.

Ashaninka é o povo indígena mais numeroso da América do Sul

Os ashaninka é um dos mais numerosos povos indígenas da América do Sul. Eles estão em maior número no Peru e, no Brasil, se encontram perto dos rios Envira, Breu e Amônea, no Acre. São 70 mil índios. Deste total, aproximadamente 900 vivem no Brasil.

Para esses índios, o segredo da vida está em aprender com a natureza. Os sons deste aprendizado foram gravados no CD “Homãpani Ashaninka”, em 2000, que gerou um convite da organização da terceira edição do Rock’n Rio (2001). No dia 20 de janeiro de 2001, o show de rock abria espaço para as flautas e percussão da música tradicional dos índios, que foi passada de geração em geração de forma ritualística. Ontem à noite, os músicos se apresentaram no Cine Brasília, na abertura da Semana Ashaninka, que teve a presença da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.

Os ashaninka chegaram ao Brasil há aproximadamente um século, vindos do Peru, e foram usados como mão-de-obra escrava, o que os levou a conhecer costumes brancos. A cultura deste povo foi preservada pela organização. As músicas retratam momentos de tristeza ou alegria, pedem força aos pássaros, animais, florestas, plantas, estrelas, lua, sol e água para superar todas as dificuldades e ajudam nos momentos de concentração, Para os ashaninka, música não é apenas diversão, mas resume o conhecimento que garante a sobrevivência. “A música transmite energias de amor, espirituais e formas como Deus monta a natureza e manda ela para nós. Tem músicas que você canta para espantar o mal e trazer a energia do bem. Tem as que você canta louvando a Deus e pedindo vida longa”, explica o índio ashaninka Moisés Piyãko.

Ainda em 2000, os ashaninka produziram o filme "Ari Okãta Haka" (Aqui é assim), que será exibido hoje (21), às 18h, no auditório da reitoria da Universidade de Brasília (UnB). O vídeo foi exibido no 33° Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, no Festival de Cinema do Porto, em Portugal, e na Holanda.

A cultura deste povo inclui também artesanato, manejo de abelhas, pesquisa de aromas e óleos essenciais, educação tradicional e gestão ambiental. Vídeos, exposição de fotos e debates compõem a Semana Ashaninka, que vai até o dia 24 e quer mostrar não apenas a arte, mas o manejo de recursos sustentáveis, a lutas e conquistas desses índios, que tiveram suas terras demarcadas em 1992. Na área de 87 mil hectares vivem aproximadamente 450 ashaninkas. As atividades da Semana serão realizadas no Cine Brasília (106 Sul) e na Universidade de Brasília.