Quartiero deixa Raposa após destruir outra sede de fazenda e mobilizar grande aparato policial

O produtor de arroz Paulo César Quartiero provocou a mobilização de um grande aparato policial por quase 12 horas para deixar a Terra Indígena Raposa Serra do Sol (RR), um dia após o fim do prazo dado pela Justiça para a saída espontânea dos não-índios da reserva.

Ele recebeu em torno de 25 agentes da Polícia Federal e da Força Nacional de Segurança sentado sozinho em frente à segunda sede de fazenda que mandou demolir.

O rizicultor disse que, após “desbravar Roraima”, não aceitaria “ser tirado como um cachorro” por “brucutus anabolizados” e só aceitou sair de lá quando recebeu um mandado de desocupação escrito à mão pelo presidente do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, desembargador Jirair Meguerian. O produtor definiu como “muito amadorismo” escrever um mandado debaixo de um pé de manga.

O desembargador informou a Quartiero que a União se responsabilizaria pela colheita dos 400 hectares de arroz plantados na fazenda, com posterior indenização, desde que o produtor disponibilizasse suas máquinas para o trabalho. O rizicultor – que expandiu áreas plantadas na região quando o processo de demarcação já estava em andamento – reagiu com indignação.

“Esse pessoal do governo não sabe colher e ainda vão estragar minhas máquinas. O senhor [Jirair Meguerian] vem aqui, toma o que é meu sem prazo nenhum, me obriga a retirar gado na marra, me toma o arroz. Só falta a mulher, os filhos e tudo”, reclamou Quartiero, ao dizer que não cederá as máquinas em hipótese alguma. “Se eu tiver que ceder meu maquinário, prefiro colocar fogo em tudo”, acrescentou.

“Não posso discutir o mérito. Estou apenas fazendo cumprir a decisão judicial”, respondeu Meguerian, lembrando que decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que selou a manutenção da demarcação contínua da reserva, com saída dos não-índios, tinha execução imediata. Quartiero chegou a propor colher o arroz a partir da próxima quarta-feira (6) e entregá-lo à União, para receber depois e para que o alimento não se perca, mas o presidente do TRF da 1ª Região reiterou que isso não seria possível.

Durante mais de cinco horas – entre o final da manhã e a chegada de Jirair à Fazenda Providência , no fim da tarde –, Quartiero, deitado em uma rede, leu por mais de uma vez o mesmo jornal. Chegou a se declarar desempregado e sem-terra. Suas roupas estavam sujas porque, segundo ele, virou a noite providenciando retirada de materiais. Policiais, agentes da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Instituto Brasileiro dos Recursos Naturais e Renováveis (Ibama) que permaneceram durante todo o tempo na fazenda foram orientados pelo desembargador a não efetuar uma prisão.

Questionado pela Agência Brasil sobre o seu futuro na atividade produtiva, Quartiero disse ter se entusiasmado com propostas do governo da Guiana, que cederia terras ao produtor por até 99 anos. Mas não deu suas fazendas na Raposa Serra do Sol como caso perdido. “Minha história aqui não acabou. Foi só um capítulo. Houve muita ilegalidade no processo e ainda tenho esperança que mais gente reconheça isso.”

Nos próximos meses, entretanto, Quartiero terá de responder por condutas irregulares que cometeu ou que lhe foram atribuídas. A destruição das sedes de suas duas fazendas, cuja ordem ele admite ter dado, deverá ser configurada como crime, porque as benfeitorias já tinham sido indenizadas pela União. O Ibama aplicou-lhe multas por degradação ambiental, que somadas chegam a R$ 50 milhões. “Isso é retaliação política”, comentou o produtor.

A Fazenda Providência já tem novos donos. O tuxaua (cacique) Avelino Pereira, da comunidade Santa Rita, anunciou que dez famílias indígenas viverão na área, onde pretendem plantar arroz, feijão, milho e macaxeira. O grupo já teria máquinas agrícolas. São silvícolas ligados à Sociedade dos Índios Unidos em Defesa de Roraima (Sodiu-RR), entidade que sempre se posicionou favoravelmente à permanência dos arrozeiros. “Ele [Quartiero] sempre foi nosso parceiro, legal com a gente, muitos índios trabalharam com ele. Podia ter deixado a casa para nós, mas fazer o quê, achou melhor de outro jeito. A gente constrói uma”, lamentou Avelino.

Ministro do STF proíbe busca e apreensão de armas em Raposa Serra do Sol

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Ayres Britto negou hoje (8) pedido da União e da Fundação Nacional do Índio (Funai) para a expedição de mandado de busca e apreensão de armas, munições e explosivos na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.

A petição tinha sido juntada ao processo ajuizado pelo governador de Roraima e que resultou na suspensão da Operação Upatakon 3, da Polícia Federal, criada com objetivo de retirar não-índios da área. Entretanto, o ministro entendeu que, pela natureza do pedido, a competência processual seria da Justiça Federal de Roraima.

A União e a Funai queriam que o Supremo autorizasse o ingresso da Polícia Federal e da Força Nacional de Segurança Pública nas fazendas ocupadas pelos não-índios  para  recolher armas que estivessem na posse dos fazendeiros. O pedido foi apresentado após dez indígenas terem sido baleados na última segunda-feira (5) por funcionários da Fazenda Depósito, do líder dos arrozeiros, Paulo César Quartiero.

Ayres Britto ressaltou, entretanto, que o pedido deveria abranger também armas eventualmente utilizadas pelos próprios índios. “Mesmo porque é pública e notória a animosidade recíproca, na região, entre índios e não-índios, cada parte ameaçando a outra com a ‘lei da força’ e não com a ‘força da lei’”, avaliou.

O ministro também disse ter “dúvida” sobre o caráter pacífico da ocupação que os índios promoveram na fazenda de Quartiero.

“As próprias lideranças envolvidas no litígio – em quem se presume um certo nível de esclarecimento – resolveram fazer justiça por conta própria, sem aguardar o pronunciamento definitivo do Poder Judiciário. Certamente, não é uma atitude que mereça o beneplácito desse mesmo Poder”, concluiu.