Sociedade civil e ribeirinhos aliam-se para implementar áreas protegidas da Terra do Meio (PA)

Representantes da sociedade civil e de populações ribeirinhas reuniram-se em Altamira com o objetivo de formular um plano de ações para proteger a floresta e sua biodiversidade, além de buscar alternativas para defender as comunidades locais das agressões que vêm sofrendo nos últimos anos. Rede de ação pela conservação da região terá como base a implementação de novas Unidades de Conservação e a proteção de seu entorno.

Uma aliança entre sociedade civil e populações tradicionais da Terra do Meio, no Pará, foi firmada, na semana passada, para implementar o mosaico de Unidades de Conservação (UCs) previsto para a região. Entre terça e quarta-feira, dias 16 e 17 de maio, 45 representantes de ONGs, do governo federal, dos movimentos sociais e das comunidades locais de ribeirinhos estiveram reunidos em Altamira (PA), a 830 quilômetros de Belém, durante o seminário Perspectivas para a Terra do Meio, para trocar informações sobre os principais problemas ambientais locais, discutir e definir estratégias comuns para a implementação de iniciativas de conservação.

O objetivo foi formular um plano de ação para proteger a floresta e sua grande biodiversidade, além de buscar alternativas para defender as comunidades locais das agressões que vêm sofrendo nos últimos anos. Foram debatidas propostas referentes a temas como regularização fundiária, gestão das áreas protegidas, alternativas econômicas, fortalecimento institucional das comunidades e atendimento às suas necessidades básicas. O seminário foi organizado por um conjunto de organizações que atuam direta e indiretamente na área, como a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Fundação Viver, Produzir e Preservar (FVPP), o Instituto Socioambiental (ISA) e o WWF-Brasil.

Um dos resultados do encontro foi a criação de uma rede de ação pela conservação da Terra do Meio que terá como base a criação e implementação de novas UCs, a proteção de seu entorno, a integridade do mosaico e das populações tradicionais locais. De acordo com o documento elaborado pelos participantes ao final do evento, entre os objetivos da articulação estão: a inclusão social das populações tradicionais garantindo o direito à sua plena participação na gestão das áreas protegidas; a promoção da presença do Estado e a fiscalização de atividades ilegais; o desenvolvimento econômico e social em bases sustentáveis e socialmente justas; a garantia da conservação da biodiversidade e a repartição dos benefícios oriundos dos serviços ambientais (confira a íntegra do texto clicando aqui).

Luta antiga

Em 2002, a equipe do Programa Xingu do ISA foi responsável, em parceria com organizações locais, por um estudo encomendado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) que identificou o mosaico de UCs da Terra do Meio. O mapeamento revelou que a região é uma das menos conhecidas e menos povoadas do País, apresenta cerca de 98% de sua área bem preservada e é rica em biodiversidade e vários recursos naturais, como jazidas de ouro e grande concentração de madeiras-de-lei. Por isso, tornou-se palco de um intenso conflito fundiário que opõe grandes fazendeiros, grileiros e madeireiras ilegais, de um lado, e famílias de ribeirinhos e extrativistas, de outro. A luta por proteger a Terra do Meio é antiga, faz parte da agenda do movimento social do Pará desde a década de 1970. Vários outros estudos e pesquisas, além do trabalho do ISA, apontam a região como de alta prioridade para a conservação e o uso sustentável de seus recursos.

Em fevereiro de 2005, o governo federal decretou a criação da Estação Ecológica (Esec) da Terra do Meio, a maior do planeta, com 3,3 milhões de hectares, e, contígua a ela, ao sul, o Parque Nacional da Serra do Pardo, com 445 mil hectares (saiba mais). Em novembro de 2004, já havia sido criada a Reserva Extrativista (Resex) Riozinho do Anfrísio, com cerca de 736 mil hectares (confira). O MMA está finalizando o processo de instituição de mais duas Resex no local: a do Médio Xingu, com 301 mil hectares, e do Iriri, com aproximadamente 396 mil hectares, ambas na altura do município de Altamira. Falta ainda oficializar a Floresta Estadual do Iriri e a Área de Proteção Ambiental (APA) de São Felix do Xingu.

A consolidação final do mosaico de UCs da Terra do Meio poderá significar o estabelecimento de um outro grande mosaico contínuo de áreas protegidas ao longo da Bacia do Rio Xingu, desde o norte do Mato Grosso, atravessando o centro do Pará até a altura da sede urbana do município de Altamira. Trata-se de 18 Terras Indígenas (de 24 diferentes etnias) e de dez UCs contíguas, num total de mais de 26 milhões de hectares de floresta amazônica protegidos – provavelmente um dos maiores conjuntos de áreas protegidas do mundo.

"O início da implantação do mosaico da Terra do Meio, com a criação da Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio, da Esec e do Parque Nacional, já foi um passo significativo para a concretização desse bloco de áreas", admite Cristina Velásquez, assessora do Programa de Política e Direito Socioambiental (PPDS), do ISA, e uma das organizadoras do seminário realizado em Altamira. Ela insiste, no entanto, que o conjunto permanece incompleto e que só sairá efetivamente do papel com investimentos e presença permanente do Estado.

A decretação das áreas, nos últimos dois anos, contribuiu significativamente para a diminuição da pressão do desmatamento na região (veja tabela abaixo).

UC Federais Área total da UC (ha) Desmatamento até 2002 (ha) Desmat.2002-2004 % Desmat. 2004-2005 %
ESEC da Terra do Meio 3.373.110,0 8.088,93 31.218,87 385,95 11.199,39 35,87
PARNA da Serra do Pardo 445.392,0 4.226,37 19.338,96 457,58 2.708,55 14,01
RESEX Riozinho do Anfrízio 736.340,0 1.068,82 685,72 64,16 1.358,49 198,11

Fonte: Instituto Socioambiental 2006.

Processo paralisado

Apesar da grande expectativa das comunidades e do movimento social pela criação das Resex do Iriri e do Médio Xingu, o processo está paralisado desde as duas reuniões de esclarecimento dos moradores que foram organizadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em janeiro deste ano (leia mais). Na época, o governo federal prometeu aumentar sua presença no local e agilizar a instituição das UCs. Durante o seminário da semana passada, o responsável pela Diretoria Socioambiental do Ibama, Paulo Oliveira, comprometeu-se a finalizar o quanto antes o trâmite burocrático para a instituição das áreas.

Enquanto isso, representantes do movimento social local contam que os ribeirinhos continuam sofrendo ameaças e a tentativa de cooptação da parte de grileiros e madeireiras ilegais (veja mais). Na Resex do Riozinho do Anfrísio, os ribeirinhos continuam sem escolas, sem atendimento médico e sem a fiscalização do Ibama. Segundo dados levantados pelo Laboratório de Geoprocessamento do ISA, o desmatamento na UC aumentou 198% entre 2004 e 2005.

Publicação lançada ao final do seminário aponta prejuízos de Belo Monte

Ao final do seminário, no dia 17, foi lançado o livro Custos e Benefícios do Complexo Hi

drelétrico Belo Monte: Uma Abordagem Econômico-Ambiental, de autoria dos pesquisadores Wilson Cabral de Sousa Júnior, John Reed e Neidja Cristine Silvestre Leitão. Além do público do seminário, estudantes, representantes do governo municipal, da igreja e do movimento social local compareceram. A publicação é uma iniciativa da organização não-governamental Conservação Estratégica (CSF-Brasil) e também foi lançada em Brasília, na última quinta-feira, dia 18.

O estudo aponta que a baixa vazão do rio Xingu na estação seca torna inviável economicamente o projeto hidrelétrico, pois a capacidade do reservatório previsto seria limitada, não permitindo armazenar água suficiente para aproveitar a capacidade instalada. As perdas poderiam chegar a US$ 3,6 bilhões ao longo de 50 anos. Os autores concluem isso pode tornar necessária a construção de uma ou mais barragens adicionais na Bacia do Xingu, alagando mais TIs e UCs. A obra, uma das mais polêmicas já projetadas no País, pode afetar diretamente a vida de nove povos indígenas que vivem na região e vem suscitando mobilizações e intensos protestos do movimento social da Amazônia nos últimos dezessete anos.

Medidas como fiscalização e regularização fundiária, entretanto, são urgentes e fundamentais para garantir a conservação da biodiversidade e a proteção do território das comunidades locais. "Isso vai contribuir ainda mais para a diminuição da grilagem de terras públicas, dos assassinatos de líderes sindicais e de seus defensores, além de promover a melhoria nas condições de vida dessas populações", diz Cristina.