Polícia Federal investiga morte de índia guarani-kaiowá em desocupação forçada

A Polícia Federal de Ponta Porã instaurou inquérito policial nesta quarta-feira (10) para investigar o assassinato da índia guarani-kaiowá Zulita Lopes, também conhecida como Kurutê. Ela foi morta na última segunda-feira, entre Amambai e Coronel Sapucaia (MS), durante confronto pela desocupação da fazenda Madama, denominada pelos índios como tekoha (terra tradicional) Kurusu Amba.

Durante a desocupação, pistoleiros também teriam ferido com três tiros nas pernas o índio Valdeci Gimenez, 28 anos. Não havia mandato de reintegração de posse. A suspeita do Ministério Público Federal, segundo informou ontem o procurador  Charles Pessoa, é a de que o grupo armado que atacou os índios estaria a serviço dos fazendeiros da região e teria relação com outras duas mortes recentes de indígenas.

Segundo nota divulgada hoje pela manhã pela Polícia Federal, "as primeiras análises indicam que os disparos ocorreram durante confronto entre índios e funcionários da fazenda Madama para desocupação desta". "Uma das vias de acesso à fazenda estava interditada, mesmo assim foram realizadas perícias no local, sendo encontrado alguns rojões usados, cápsulas de munições deflagradas, arcos, flechas e um galpão incendiado ."

A assessoria da PF informa que já foram ouvidos funcionários da empresa de segurança, que declararam ter ouvido o barulho gerado pelo conflito, sem ter participado de nada. Segundo o procurador Charles Pessoa, foi comprovada a participação de funcionários da mesma empresa em outros dois crimes recentes.

A PF diz já ter ouvido também representantes dos índios que ocupavam a fazenda. Segundo o Conselho Indigenista Missionário, 50 famílias guarani-kaiowá ocupavam a Madama desde o sábado (8). Outras 11 pessoas ainda devem ser ouvidas pela PF nos próximos sete dias.

Os índios que ocuparam a Madama, segundo a PF, procediam da área indígena Taquaperi, no município de Amambai. A Taquaperi é uma das oito áreas indígenas criadas pelo antigo Serviço de Proteção ao Índio, entre os anos 20 e 30, próximas às nascentes cidades do sul de Mato Grosso do Sul. Com a expansão do agronegócio, nos anos 60 e 70, milhares de índios Guarani-Kaiowá foram expulsos das áreas que ocupavam à beira de córregos da região, nos "fundos de fazendas", sendo levados para essas áreas, que ficaram superlotadas.

Desde os anos 80, os Guarani-Kaiowá tentam retomar as áreas de ocupação tradicional na região. Com a falta de terras, pobreza e violência dominaram as comunidades indígenas. Hoje, os cerca de 35 mil a 40 mil Guarani-Kaiowá de MS, vivendo em cerca de 50 mil hectares de terra, sofrem com um índice de assassinatos que é praticamente o dobro da média brasileira e taxas de suicídios, principalmente entre os jovens, que estão entre as mais altas do mundo.

ndios permanecem acampados à espera da Justiça

O líder Guarani-Kaiowá Loretito Vilhalva interrompe a conversa para apontar o homem corpulento a chacoalhar na carroceria da caminhonete que passa pela estrada pedregosa. "Aquele ali é um que pilotou o trator que passou em cima da casa da gente e depois ajudou a queimar", mostra ao repórter da Agência Brasil, que visitou na última quarta-feira (18) o acampamento das cerca de 200 famílias à beira da MS-384, entre Antonio João e Bela Vista (450 quilômetros a sudoeste de Campo Grande).

Rapidamente, Vilhalva volta a mostrar as pessoas que estão sem seus documentos pessoais, por terem tido suas casas queimadas pelos fazendeiros, logo após a desocupação feita pela polícia por ordem judicial, em 15 de dezembro. A maioria conseguiu trazer consigo pouco mais que a roupa do corpo. Desde o início do mês, a Fundação Nacional do Índio (Funai) vem trazendo funcionários para ajudar os índios a recuperar os documentos, evitando que tenham problemas para, por exemplo, receber benefícios sociais como as aposentadorias.

É corriqueiro o convívio entre os Guarani-Kaiowá que esperam há quase dez anos o processo de criação da terra indígena de Nhanderu Marangatu e os fazendeiros que contestam essa reivindicação. Nhanderu fica a poucos quilômetros da cidade de Antonio João, onde reside boa parte dos produtores rurais da área.

Antes de iniciarem a ocupação dos 9,3 mil hectares de Nhanderu, no início de abril do ano passado, os índios moravam provisoriamente em 26 hectares cedidos por fazendeiros. E parte da comunidade sobrevivia de trabalhos temporários nas fazendas próximas, como conta Vilhalva.

Hoje, essas saídas para o trabalho estão suspensas. O grupo procura se organizar para evitar a repetição do que ocorreu com o cunhado de Vilhalva, Dorvalino Rocha. Na porteira que dá acesso a área de 26 hectares, ele foi assassinado na véspera de Natal por um segurança contratado pelos fazendeiros para vigiar o local. Um suspeito já confessou o crime, mas alega legítima defesa, segundo informação da Funai, contestada pelos índios.

A definição sobre o mandante pode ser ainda mais difícil. Há 23 anos, foi assassinado a poucas centenas de metros do lugar onde Dorvalino foi baleado, na vila do Campestre, outro guarani, o líder Marçal de Souza. Na época, ele denunciava esforços de fazendeiros da região para expulsar índios que tradicionalmente ocupavam áreas transformadas em propriedades rurais onde hoje é a terra indígena Pirakuá. O crime prescreveu em 2003 sem que o culpado por mandar matar Marçal fosse conhecido.

No sul do Mato Grosso do Sul, janeiro é mês de sol forte e muita chuva. Em tempo de cuidar da plantação de verão, os Kaiowá estão afastados à força das roças que plantaram há alguns meses. O milho branco sagrado, as abóboras, a batata-doce estão logo além das cercas, em meio aos troncos queimados da palmeira bacuri que, por alguns meses, serviram para sustentar as paredes das novas casas de Nhanderu Marangatu.

Enquanto o milho branco "saboró" cresce fora do alcance dos xamãs que deveriam rezar para evitar as pragas e trazer boa colheita, os índios vivem das cestas básicas doadas pelo governo estadual. "Nós não somos animais de confinamento pra viver recebendo alimento de mês em mês", discursa o professor Isaías Sanches Martins.

Além das cestas básicas, os índios vêm recebendo água potável, assistência médica e odontológica no acampamento à beira da estrada de terra. Os cuidados não impediram a morte de uma criança, na semana passada, por desidratação, segundo os líderes da comunidade. Com seus maracás e adornos coloridos de algodão e penas, os xamãs estão benzendo a estrada, para proteger as crianças e evitar novas mortes.

"Esse sol quente está judiando da gente. Não pára doença aqui", diz o kaiowá Braz Silva Gonçalves, um dos acampados. Ele especula sobre as razões do mal-estar. "Essa lona preta que está cobrindo as barracas tem cheiro. É igual veneno", diz ele. "Essa água que a gente está bebendo sai quente da torneira. A criança bebeu, uma semana depois já morreu".

Debaixo da lona, por causa da chuva forte a cair do fim de tarde, prossegue a reunião da comunidade com os representantes da Funai. O procurador-geral da fundação, Luiz Fernando Villares e Silva, explica aos índios o que o governo vem fazendo para acompanhar a tramitação do julgamento da ação dos fazendeiros que pede a suspensão da criação de Nhanderu, no Supremo Tribunal Federal. Mais tarde, enquanto esperamos a chegada do carro da Funai que nos levaria para passar a noite no hotel, desabafa: "Não dá para explicar para eles que nós estamos dependendo da Justiça. Para eles, é tudo responsabilidade do governo, não existe a separação de poderes que para nós é senso comum".

"Eu já não sei mais a quem pedir. A gente corre aqui, o pessoal diz que tem que ir lá. Vai lá, não é…", lamentava, mais cedo, Isaías. "A gente já não sabe mais em quem confiar", relata a professora Léia Aquino, outra das lideranças dos índios da área.

Kuarup este ano se realizou próximo a sítios arqueológicos

O Kuarup, homenagem tradicional aos mortos ilustres do Xingu, foi realizado este ano próximo a sítios arqueológicos cuja descoberta rendeu em 2003 um artigo em uma das principais revistas científicas do mundo, a americana Science. A aldeia de Ipatse, dos Kuikuro, que hoje tem pouco menos de 500 habitantes, fica próxima do local onde uma equipe liderada pelo americano Michael Heckenberger, da Universidade da Flórida, mapeou, nos últimos anos, vestígios da presença de uma população superior a 50 mil pessoas – hoje, em todo o parque o número de habitantes é de cerca de 5 mil.

Dois dos principais chefes de Ipatse, Afukaká Kuikuro e Urissapá Tabata Kuikuro, assinaram junto com a equipe do arqueólogo o artigo publicado na Science. "A gente fez questão de assinar junto. Nós escolhemos os dois chefes como forma de apontar para uma colaboração muito mais ampla da comunidade na pesquisa", explica o antropólogo Carlos Fausto, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ele foi um dos integrantes da equipe que fez as descobertas.

Os vestígios descobertos indicam a existência no Alto Xingu, entre os séculos XIV e XVI, de aldeias estruturalmente similares às atuais, mas fortificadas com paliçadas e fossos, com até 500 mil m² de área e até 5 mil habitantes. Foram 19 aldeias descobertas com a ajuda dos Kuikuro, que consideram os vestígios como sendo de seus ancestrais, conforme conhecimento que lhes foi transmitido oralmente. As aldeias eram ligadas por caminhos de cerca de 5 quilômetros de extensão e até 50 metros de largura.

A ocupação humana na região do Xingu tem cerca de 1.000 anos, segundo esses estudos. O presidente da Fundação Nacional do Índio, Mércio Pereira Gomes, que também é antropólogo, lembra que a região sofreu grande redução populacional após a chegada dos colonizadores europeus. "Só agora estamos chegando ao mesmo nível de população que havia por aqui no fim do século XIX", diz ele.

Mércio estima que os atuais níveis de fecundidade, com crescimento populacional de cerca de 4% ao ano, levam a população a dobrar a cada 12 anos. Ele diz que a instalação de poços artesianos na aldeia, com fornecimento de água tratada, foi um dos principais fatores responsáveis pela queda da mortalidade infantil, que, calcula, chegava a 200 por mil nascidos vivos algumas décadas atrás.

Para saber mais sobre as pesquisas arqueológicas no Xingu, veja o livro "Os povos do Alto Xingu–história e cultura" , coletânea organizada por Bruna Franchetto e Michael Heckenberger.

Índios aproveitam Kuarup para pedir preservação das nascentes do Xingu

O Kuarup, homenagem tradicional aos mortos ilustres do Xingu, foi também palco este ano de articulações políticas em prol da preservação ambiental. A cerimônia que se encerrou ontem (26/08) aconteceu este ano na aldeia kuikuro de Ipatse. Um dos líderes kalapalo, Kurikaré, aproveitou a presença no evento do coordenador de Políticas Indígenas de Mato Grosso, José Seixas da Silva, para pedir que o governo do estado desautorize a construção das barragens Paranatinga I e II, no rio Culuene, cerca de 100 km ao sul do parque.

Segundo o antropólogo Carlos Fausto, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, os Kalapalo dizem ser possível demonstrar por vestígios arqueológicos que a área era ocupada por seus ancestrais e relacionam esse território às origens históricas do próprio Kuarup. Kurikaré considera a área "sagrada". O governo do estado alega que o projeto é particular e que não pode se envolver na questão. As obras estão atualmente paradas por ordem da Justiça Federal.

Fausto lembra que o problema de as nascentes não estarem dentro dos limites do parque remonta à sua demarcação, no início da década de 60. Ele conta que o projeto original, defendido pelos irmãos Villas Boas, por Darcy Ribeiro e pelo marechal Cândido Rondon junto a Getúlio Vargas, previa uma área quatro vezes maior para o parque. Por causa da redução, várias áreas que podem ser cientificamente comprovadas como indígenas e que ficam na região das nascentes, explica, ficaram de fora dos limite do parque. "Metade das terras kalapalo está fora, por exemplo", diz ele.

Segundo a antropóloga e sanitarista Cibele Verani, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz e uma das convidadas para o Kuarup, a devastação na região já se constitui num "enorme problema de saúde" no parque." Vinte anos atrás, nós tínhamos água limpa para beber em qualquer uma dessas aldeias. Hoje, a maioria das pessoas já não pode beber água de alguns rios. E, de lá pra cá, nós temos visto a poluição descer, inclusive fazendo escassear a pesca", conta ela.

O Parque Indígena do Xingu conta atualmente com cerca de 2,6 milhões de hectares e tem hoje quase 5 mil habitantes. Junto com a área Kayapó, com que faz divisa ao norte, constitui-se, segundo a Fundação Nacional do Ìndio, na maior área contínua de preservação da sociobiodiversidade brasileira, num total de quase 15 milhões de hectares.

O problema é que, ao sul, ficam fora do parque as nascentes dos rios formadores do Xingu, o principal da região, e considerado o maior "rio indígena" do Brasil, pela grande quantidade dessas comunidades às suas margens. Em volta das nascentes de rios como Culuene, Tanguro, Arraias, Ronuro, Batovi e Curisevo, têm se alastrado nos últimos anos as lavouras extensivas de soja e algodão.

Em algumas fazendas, como é visível de avião, as plantações não respeitam as matas ciliares, e as marcas de erosão se multiplicam. O resultado já perceptível pelos índios é o assoreamento. "Hoje, dá pra atravessar a pé o rio. Antigamente, era fundo", conta Fadiuvi, líder dos índios kalapalo. Ele conta também que as comunidades se incomodam com a presença crescente do turismo de pesca nos rios da região. O lixo deixado nas praias pelos turistas desce para dentro do parque na época das chuvas, e aparece na barriga dos peixes e tartarugas que servem de alimentação para os xinguanos – tradicionalmente, todos os povos do Alto Xingu evitam a carne de caça.

O que os índios temem, mas ainda não dispõem de estudos para comprovar, é a possível contaminação das águas por agrotóxicos. Segundo Carlos Fausto, o perigo é real, principalmente por causa desse hábito xinguano de comer peixe. "Nós sabemos que os efeitos da acumulação de alguns componentes, como os metais pesados, na carne do peixe, só são sentidos a longo prazo", alerta ele.

ndios do Xingu elegem vereador e vencem campeonato de futebol em cidade vizinha ao parque

Melhorias nas estradas da região do Parque Indígena do Xingu e a relação crescente dos índios com as cidades do entorno levaram público local recorde ao Kuarup que aconteceu esta semana na aldeia Ipatse, dos Kuikuro. A relação dos povos do Alto Xingu com esses municípios chegou a tal ponto que, no ano passado, os índios da região elegeram um vereador e foram campeões de futebol no campeonato municipal de Gaúcha do Norte (cerca de 50 km ao sul do parque, com 11 mil habitantes).

De Gaúcha, vieram cerca de 30 pessoas para o Kuarup, inclusive o prefeito da cidade, Edson Harold Wegner. A pedido de lideranças do Alto Xingu, a prefeitura da cidade cedeu máquinas recentemente para a recuperação das estradas dentro do parque. A benfeitoria foi intermediada por Tamaluí, índio Mehinaku que foi o vereador mais votado do município nas eleições do ano passado, com 183 votos, segundo ele. Eram tantos votos dos índios que até um outro vereador, branco, elegeu-se com o apoio de Tamaluí.

O vereador também é um dos organizadores do time de futebol dos Mehinaku, que, no ano passado, foi campeão na cidade, disputando a final contra um time dos brancos, o Juventude – este ano, dois times indígenas, o dos Mehinaku e o dos Kuikuro, chegaram às semifinais.

O discurso do vereador é conciliador. No futebol e na política. "Fui eleito para ver o lado do povo. Os caciques pedem e a gente corre atrás dos recursos lá fora", diz ele. "A gente entra no campo para jogar, para fazer gol, não para reclamar do juiz, para falar mal do bandeirinha ou do outro time."

Tamaluí explica que a reforma nas estradas ajuda as comunidades principalmente em caso de atendimentos de saúde. Ele diz que apenas as ligações entre as comunidades estão recebendo melhoria, para não facilitar a entrada de brancos no parque. Mas a prefeitura também reformou a estrada que liga a sede do município até a divisa com o Xingu, o que possibilitou, por exemplo, o público recorde de Gaúcha do Norte no Kuarup desta semana.

Tamaluí conta que, recentemente, conseguiu aprovar na Câmara Municipal uma medida em favor da preservação das matas ciliares dos formadores do rio Xingu. Ele acredita que é possível conseguir a colaboração dos agricultores do município na preservação e conta que a queda do preço da soja no mercado ajudou nesse sentido, porque está forçando os habitantes da região a pensarem em alternativas de renda. "Pra evitar o desmatamento, nós vamos trazer turista aqui pra Gaúcha. O rio está secando. Antes de acabar o rio, a gente tem que falar, não pode ficar quieto", diz.

Na quinta-feira à tarde, os visitantes de Gaúcha, com rosto pintado pelos anfitriões, faziam um churrasco, ao lado da aldeia kuikuro, enquanto esperavam o início da fase final do Kuarup. Ao lado dos turistas, Tamaluí, que diz ter se tornado vereador apenas pela vontade das lideranças, fala sobre as idéias que tem tentado levar aos brancos da cidade: "O rio não é só de uma pessoa. Não tem dono, é de todo mundo. Eu digo para eles: vamos cuidar do que é nosso. Vocês falam que o rio é do índio, mas é de todos nós."

Sebastião Salgado defende mobilização nacional pela ampliação do Parque do Xingu

O fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado foi presença ilustre no Kuarup que aconteceu esta semana na aldeia Ipatse, dos Kuikuro, no Alto Xingu. Mundialmente conhecido por imagens que divulgam lutas sociais e denunciam mazelas nos países em desenvolvimento, Salgado defende a criação de um movimento nacional em defesa do parque. Ele considera o Xingu uma referência cultural para o Brasil e a humanidade. "Eu espero que haja uma ação nacional contra essa corrida ao lucro, essa ganância do mundo da soja. É preciso tomar cuidado para não destruir essa referencia nacional", diz.

O fotógrafo conta que está no Xingu colhendo imagens para seu novo projeto, intitulado Gênesis. "Estou procurando referências do início da humanidade, culturas que representem o início do gênero humano como um todo. Com muito prazer, é o que acabei de encontrar aqui no alto Xingu", disse ele, em entrevista exclusiva à Agência Brasil.

O Gênesis foi lançado em 2003, tem duração prevista de oito anos e conta com apoio da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). No Alto Xingu há 40 dias, Salgado documenta não só o Kuarup, mas vários outros rituais dos xinguanos. Antes, o fotógrafo conta que esteve nas ilhas Galápagos, no oceano Pacífico, e também na Antártida. Do Xingu, irá para a Namíbia, na África, onde fotografará povos do deserto, como os Bushmen. Depois, passará pela Etiópia e o Sudão.

Economista, Salgado iniciou a carreira na Organização Internacional do Café, nos anos 70, na Europa. A partir desse trabalho, visitou países africanos e asiáticos em missões ligadas ao Banco Mundial e, ali, passou a fotografar o mundo em desenvolvimento. Hoje, é embaixador especial da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e membro honorário da Academia de Artes dos Estados Unidos. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Agência Brasil – Qual é a importância do Xingu para o Brasil?

Sebastião Salgado – O Xingu, principalmente para as pessoas da minha geração, que estão hoje no comando do país, em função da idade, foi muito importante. Quando éramos jovens, os primeiros contatos feitos aqui, na época do Getulio Vargas, as primeiras apresentações do Kuarup, tudo isso teve um simbolismo muito grande.

Aos poucos, isso aqui passou a ser uma referência nacional da tradição indígena, e hoje é essencial a preservação desses rituais e das culturas aqui do Alto Xingu. Tudo isso está muito ameaçado. A fronteira do parque hoje termina dentro de uma quantidade imensa de fazendas de soja. Hoje, as fontes do rio Culuene, que na realidade é a base do rio Xingu, estão ameaçadas pela construção de barragens. Uma barragem já começou e houve uma liminar, graças à ação dos indígenas aqui do Alto Xingu. A construção foi paralisada temporariamente.

Eu espero que haja uma ação nacional contra essa corrida ao lucro, essa ganância do mundo da soja. É preciso tomar cuidado para não destruir essa referência nacional. Há muito risco. É uma cultura aquática, eles não comem outra carne senão a do peixe, então eles dependem das águas dos rios, e tudo isso está realmente ameaçado.

A minha proposta seria a de se começar uma luta nacional para transformar toda essa região, incluindo todas as fontes do rio Xingu, em parte da extensão do parque. O governo poderia fazer uma indenização dessas fazendas de soja e replantar as matas na região.

ABr – Como o mundo enxerga hoje o Xingu?

Salgado – A história das tribos do Xingu é muito anterior à história do Brasil moderno. Existem escavações aqui na região em que se encontraram aldeias antiqüíssimas, com populações imensas, com uma verdadeira cultura. Isso deveria ser divulgado no Brasil, para a gente ter a honra de ter as nossas origens a partir um pouco dessa região. É uma região importante e poderosa dentro da cultura brasileira. Não pode só haver lucro e ganância, a cultura tem que ser preservada.

ABr – Qual o sr. pensa que deveria ser a atitude da população amazônica em relação a esse tipo de ameaça?

Salgado – A população realmente amazônica tem que ficar atenta à destruição da região. A região amazônica é forte, é potente, em função das águas, pela floresta que tem, pelas reservas indígenas. Essa penetração na região para a retirada da madeira, para o lucro rápido, não serve à população real da Amazônia, serve apenas às empresas que estão à cata do lucro. A ganância não serve à população real da região.

A verdadeira população da Amazônia tinha que lutar pela preservação, porque essas é que são suas riquezas reais. Se essas riquezas se forem, isso aqui passará a ser uma região devastada e pobre. Temos a maior reserva de água doce do planeta, a maior reserva de floresta tropical: essa possivelmente deve ser a maior riqueza do Brasil hoje.

No Alto Xingu, sertanista morto é homenageado no Kuarup entre kuikuros e kalapalos

O sertanista Apoena Meireles, assassinado no ano passado em Rondônia, foi um dos homenageados no Kuarup que terminou hoje (26) na aldeia Ipatse, dos Kuikuro, no Parque Indígena do Xingu. O Kuarup é uma celebração fúnebre de mortos ilustres do Xingu e, desde que os índios começaram a ter contato mais intenso com os brancos, passou a incluir também a homenagem a brancos que tiveram alguma relação com a causa indígena.

A cerimônia, que se dá sempre nesta época do ano, pode acontecer em qualquer uma das aldeias das 14 etnias que habitam a região meridional do parque, o chamado Alto Xingu. Para isso, é preciso que haja um morto ilustre (chefe ou parente de um chefe) a ser homenageado. Este ano, já tinha acontecido um Kuarup na aldeia Waurá, quinze dias atrás.

No Kuarup que terminou hoje, os homenageados principais dos Kuikuro foram Nahu e Sesuaká, pais de Jakalo, um dos principais líderes kuikuro, além de um morto kalapalo; povo que é o principal aliado dos Kuikuro. Ao todo, foram quatro troncos decorados em homenagem aos mortos. Segundo o antropólogo Carlos Fausto, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Nahu era um dos três únicos xinguanos que falava português na época da implantação do Parque Indígena do Xingu, nos anos 60. "Por isso ele se tornou intermediário
importante e ganhou prestígio, apesar de não pertencer a uma família tradicional de chefes",
explica ele. Há cinco anos, Fausto auxilia os Kuikuro em um projeto de preservação da sua memória tradicional.

"O Kuarup é a festividade mais conhecida dos povos indígenas do Brasil", afirmou o presidente da Fundação Nacional do Índio, Mércio Pereira Gomes, que acompanhou o Kuarup na aldeia Kuikuro entre ontem e hoje. "Apoena foi desde os 17, 18 anos uma pessoa dedicada aos índios. O pai, Francisco Meireles, também foi, e conheceu os índios daqui nos anos 40. Então, é como se fosse uma linhagem de indigenistas, e esse reconhecimento é emocionante para nós." Gomes lembrou que foi ele próprio quem tinha convidado Apoena a voltar para o trabalho na Funai, já que o sertanista estava aposentado.

No ano passado, Apoena, que, na década de 60, ainda adolescente, aos 17 anos, tinha ajudado a contatar os Cinta-Larga, índios tupi de Rondônia, foi auxiliar a Funai na mediação do caso em que cerca de 29 garimpeiros foram mortos pelos índios na área indígena Roosevelt. A área vive conflito pela posse de uma jazida de diamantes. Desde o fim de 2003, ele era coordenador regional da Funai em Rondônia. Apoena foi assassinado por um adolescente quando saía de um caixa eletrônico em Porto Velho.

Rede que criou programa das cisternas apresenta novas propostas para o semi-árido

Depois de garantir a mobilização que já construiu quase 100 mil cisternas em 11 estados, a Articulação do Semi-Árido Brasileiro (ASA) está apresentando ao governo federal um programa para equipar os pequenos agricultores do Nordeste com fontes de água para produção. "Para não morrer imediatamente, beber água e cozinhar, o agricultor precisa de uma fonte de água potável. Mas, para sobreviver, a longo prazo, ele também precisa de uma fonte de água para garantir a produção. Por isso, criamos o programa", explica Lourival Almeida de Aguiar, um dos 11 coordenadores da ASA.

O programa, segundo Aguiar, é conhecido como "P 1 + 2", ou seja, "uma terra, duas águas – uma para beber, outra para produzir". A inspiração é chinesa. "No clima semi-árido do Norte da China, na Província de Gansu, as precipitações são irregulares e baixas (mais ou menos 300 mm/ano), a evaporação é alta (2000 mm/ano) e as águas subterrâneas são escassas. A agricultura nesta região depende principalmente da chuva como fonte de água. Nos últimos anos, o governo da província colocou em prática o projeto ‘Providenciando água para uso humano e para animais, desenvolvendo a economia agricultural e melhorando o meio ambiente através do uso de água de chuva’, denominado "Projeto 1-2-1"", explica texto disponível na pagina da internet da Ong ABCMAC (Associação Brasileira de Captação e Manejo de Água de Chuva).

"O governo auxiliou cada família a construir uma área de captação de água, dois tanques de armazenamento de água e uma terra para plantação de culturas comercializáveis. Até o final de 2002, 1.944.000 tanques de água foram construídas e com diferentes métodos de captação de água de chuva uma área de 305.000 hectares de sequeiro foi beneficiada, melhorando o uso eficiente da água de chuva e diminuindo a evaporação", completa o texto.

Aguiar conta que nos próximos dois anos o programa brasileiro estará em fase piloto em quatro estados, com apoio da agência alemã de cooperação Misereor, ligada à Igreja Católica. "Nessa primeira fase, queremos promover um intercâmbio de informações sobre soluções técnicas para captar e armazenar essa água". Entre essas soluções, Aguiar lembra as barragens subterrâneas (técnica que permite criar pequenos "lençóis freáticos" sob o leito de riachos temporários), os caxios (reservatórios de água de chuva cavados na rocha) e as mandalas (equipamentos para agricultura irrigada que diminuem o desperdício e a evaporação).

Outro projeto em estudo pela ASA, segundo Aguiar, é o de instalação de "bombas manuais" em cerca de 50 mil poços artesianos que, segundo ele, encontram-se atualmente sem aproveitamento pelo Nordeste. A "bomba popular", explica, é inspirada em um modelo holandês e possibilita até 1000 litros por hora de vazão. Até agora, o obstáculo era o custo do modelo importado, em torno de R$ 25 mil. Segundo ele, a ASA descobriu que uma empresa catarinense está habilitada a produzir o equipamento no Brasil por cerca de R$ 6 mil, o que deve viabilizar o projeto.

Semi-árido comemora nos próximos dias a construção de 100 mil cisternas

O Brasil deve comemorar até setembro a construção da centésima milésima cisterna do programa 1 Milhão de Cisternas, coordenado pela Articulação do Semi-Árido Brasileiro(ASA). A ASA é uma rede que diz contar atualmente com 750 organizações da sociedade civil. A iniciativa surgiu em 1999. Na construção das cisternas, que começou em julho de 2003, o Ministério do Desenvolvimento Social é o principal parceiro da rede (70 mil das 100 mil construídas até agora), mas, segundo a ASA, o programa já angariou apoios da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) e de várias entidades internacionais, como a ONG católica internacional Oxfam.

A previsão de chegar às 100 mil cisternas até setembro é da ASA. Atualmente, já foram construídas mais de 99.400. A assessoria de imprensa da ASA diz que a rede ainda não sabe onde será inaugurada a cisterna de número 100.000, nem a data exata da comemoração.

As cisternas instaladas em municípios do semi-árido em 926 municípios de 11 estados (os nove do Nordeste, mais Minas Gerais e Espírito Santo) consistem na montagem de uma série de calhas para captação da água da chuva que cai sobre o telhado de uma residência, conduzindo-a a um reservatório de alvenaria com capacidade para 16 mil litros. "Se for bem cuidada a água, a família tem água para beber e cozinhar por seis meses, até chover de novo", explica Lourival Almeida de Aguiar, um dos coordenadores executivos da ASA.

Aguiar chama a atenção para as ações desenvolvidas pela ASA em torno da construção das cisternas: "A cisterna é quase um pretexto. Na verdade, é um projeto de mobilização social. O que a gente faz é empoderar a comunidade". Ele conta que, em cada município onde o programa é instalado, elege-se em assembléia aberta uma comissão municipal, que vai determinar que famílias receberão a cisterna.

Segundo Aguiar, a condição para a família receber o equipamento é participar de um curso de Gestão de Recursos Hídricos: "A família vai aprender a garantir que a água vá ser potável e dure todo o período de seca". Ele diz que também se oferece o curso de pedreiro na comunidade, transmitindo-se conhecimento necessário para a reprodução da cisterna.

O programa 1 Milhão de Cisternas (P1MC) também é conhecido como Programa de Formação e Mobilização Social para Convivência com o Semi-Árido. A ASA espera que ele seja concluído até julho de 2008, com o custo total de US$ 424,3 milhões (cerca de R$ 1 bilhão). Segundo a rede, a construção de cada cisterna custa em média R$ 1,6 mil.

Povo Kaiowá manda carta de agradecimento a Lula pela demarcação de Nhanderu Marangatu

Lideranças guarani-kaiowá reunidas na Conferência Indígena Regional que termina hoje em Dourados (MS) divulgaram agora há pouco uma carta que mandarão para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em agradecimento pela homologação da terra indígena Nhanderu Marangatu, em Antônio João (450 km a sudoeste de Campo Grande). O decreto presidencial que garante a posse da terra foi publicado na terça-feira e impediu a execução de uma ordem de despejo que deveria ser cumprida a partir de hoje pela Polícia Federal.

"Nossos parentes que já têm suas terras homologadas sabem a felicidade que estamos sentindo, tendo em vista que agora temos terras para plantar e dar sustentabilidade aos nossos filhos", afirma o documento. O texto também lamenta que ainda não tenha sido homologada para os índios terena a terra indígena Buriti, no municipio de Sidrolândia e pede providências urgentes para garantir a retirada dos fazendeiros que hoje ocupam Marangatu.

Nhanderu Marangatu tem 9,3 mil hectares. Atualmente, pouco mais de 500 índios guarani-kaiowá ocupam cerca de 100 hectares da área. A expectativa dos antropólogos da Fundação Nacional do Índio é que, com a garantia da posse, mais índios sigam para a região, já que os guarani-kaiowá se organizam territorialmente por meio dos laços de parentescos entre famílias extensas. A população da área pode aumentar em pouco tempo quando os familiares dos índios que estão lá começarem a se deixar algumas das reservas superpopulosas da região. Em Dourados, por exemplo, que fica a 180 km de Nhanderu Marangatu, 11 mil índios vivem em 3,5 mil hectares. Hoje, existem, ao todo, 37 mil índios guarani-kaiowá ocupando pouco mais de 40 mil hectares em todo o sul de Mato Grosso do Sul.

Leia a seguir a íntegra da carta.

"Exmo. Sr. Presidente Lula,

Dia 29 de março de 2005, ficamos sabendo que nossa terra Nhanderu Marangatu foi homologada pelo Presidente Lula.

Somos Guarani-Kaiowá e sabemos que esta vitória não e só nossa, que moramos
em Marangatu, mas de todos nossos parentes que já tem seus TEKOHA, homologados ou não.

Estamos alegres e felizes por sabermos que nossos filhos, nossos netos e nossa futura geração têm o seu lugar garantido.

Nossos parentes que já têm suas terras homologadas sabem a felicidade que estamos sentindo, tendo em vista que agora temos terras para plantar e dar sustentabilidade aos nossos filhos.

Desta forma queremos agradecer as todas as autoridades que direta ou indiretamente, nos apoiávamos nessa caminhada que durou sete anos.

Também nos Guarani Kaiowa, lamentamos muito pela terra que não foi homologada no municipio de Sidrolandia /MS, que é o TEKOHA (Buriti) dos nossos irmãos Terena.

Mesmo com a terra homologada, continuamos pedindo apoio às autoridades, órgãos federais responsáveis pela indenização dos fazendeiros e aos companheiros e amigos que têm nos apoiado e acompanhado a nossa luta pela terra.

O que nós e a comunidade pedimos agora é a retirada dos fazendeiros o mais rápido possível.

Obrigado!

Povo Kaiowá"