Não podemos infligir uma segunda derrota a eles

Para Viveiros de Castro, professor do Museu Nacional da UFRJ, os conflitos na reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, são a prova do insuperável estranhamento que ainda temos em relação aos índios

Flávio Pinheiro e Laura Greenhalgh

Eduardo Viveiros de Castro, professor do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é considerado “o” antropólogo da atualidade. Dele diz Claude Lévi-Strauss, seu colega e mentor, seguramente um dos maiores pensadores do século 20: “Viveiros de Castro é o fundador de uma nova escola na antropologia. Com ele me sinto em completa harmonia intelectual”. Quem há de questionar o mestre frânces que, nos anos 50, sacudiu os pilares das ciências sociais com a publicação de Tristes Trópicos, relato de experiências com os índios brasileiros nos anos 30?

Pois muitos questionam Viveiros de Castro. E muitos o criticarão por esta entrevista ao caderno Aliás. Numa semana em que os conflitos entre índios e rizicultores (informalmente tratados de “arrozeiros”), lá na distante reserva Raposa Serra do Sol (Roraima), ganharam estridência e manchetes de jornais, o professor sai em defesa dos macuxis, wapixanas e outros grupos indígenas que habitam uma faixa de terra contínua de 1,7 milhão de hectares, palco de discórdias que sintetizam 500 anos de Brasil. A estridência ficou por conta de uma palestra do general Augusto Heleno, comandante militar da Amazônia, feita no Clube Militar do Rio de Janeiro. O general foi contundente: disse que a política indigenista é lamentável e caótica, ganhando imediata adesão de seus pares. Augusto Heleno, que chefiou a missão brasileira no Haiti, também bateu pesado ao reagir contra a decisão da Justiça que determina a saída dos não-índios da reserva: “Como um brasileiro está impedido de entrar numa terra porque ela é indígena? Isso não entra na minha cabeça.”

Também não entra na cabeça de Viveiros de Castro que os indígenas possam ser vistos como ameaça à soberania nacional. Ao contrário, entende que eles contribuem com a soberania. Atribui tanta polêmica ao alto grau de desinformação em torno das reservas existentes no País e, em particular, da Raposa Serra do Sol. “As terras não são dos índios, mas da União. Eles têm o usufruto, o que é bem diferente. Já os arrozeiros querem a propriedade.” O entrevistado contesta números, analisa o modelo de colonização da Amazônia e tenta desfazer discursos que, na sua opinião, são alarmistas. Mas é condescendente com o general: “Ele está sendo usado neste conflito. É claro que o Exército tem de atuar lá, defendendo nossas fronteiras. Mas o que está em jogo são os interesses em torno de uma questão fundiária”.

Ex-professor da École de Hautes Études en Sciences Sociales, de Paris, da Universidade de Chicago e da Universidade de Cambridge, Viveiros de Castro é autor de vários livros, entre eles, Arawete, os Deuses Canibais (Zahar), que resulta de pesquisa de campo com índios do Pará, e A Inconstância da Alma Selvagem (Cosac & Naify), uma coletânea de ensaios que revela sua principal contribuição para a antropologia. Trata-se do “perspectivismo amazônico”, a proposição teórica que guia todas as suas formulações.

Leia a entrevista no site do jornal O Estado de S.Paulo >

ndios condicionam mineração em suas terras à aprovação prévia de estatuto

Líderes indígenas que participaram na última semana de manifestações em Brasília dentro da programação do 5º Acampamento Terra Livre entendem que um projeto de regulamentação da atividade mineradora em suas terras (substitutivo ao Projeto de Lei 1.610/ 1996), em discussão no Congresso, não pode ser apreciado sem a aprovação do Estatuto do Índio, com tramitação paralisada há 13 anos.

“Se para construir a proposta [de mineração] não fomos consultados, imagine após a aprovação disso. O governo diz que os índios vão ter uma parcela de royalties, mas não é isso que a gente quer. Nós queremos trabalhar todas as questões unificadas dentro do Estatuto dos Povos Indígenas”, afirmou o vice-presidente da Coordenação da Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Marcus Apurinã.

Segundo o dirigente da Coiab, os índios só são chamados nas discussões do projeto de mineração quando há audiências. “Não dá para engolir uma proposta goela abaixo porque o governo ainda não reconheceu a responsabilidade dele com os povos indígenas.”

Apurinã também negou que a resistência dos indígenas ao projeto esteja atrelada à influência de organizações não-governamentais (ONG´s) estrangeiras sobre as comunidades. “A gente é bastante soberano e vamos brigar para ficar com nosso território toda vida. ONG nenhuma vai fazer cabeça de líderes indígenas para que tenhamos um país à parte do Brasil”, concluiu.

O dirigente da Coiab reconheceu, entretanto, que as comunidades pedem apoio financeiro às ONG´s estrangeiras “para ajudar a preservar nossos animais e florestas, porque o governo, em geral, não tem recursos para nós”.

A proposta em tramitação prevê uma consulta prévia aos indígenas para saber se eles querem ou não extrair minério em suas áreas. Se a extração for aceita pela comunidade, uma licitação definirá qual empresa ficará com a concessão de extração. Associações indígenas também poderiam participar das licitações para a exploração de minério em suas áreas.

Em audiência com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os índios ressaltaram que a proteção que fazem em suas terras é a responsável por evitar que o desmatamento chegue em muitos locais da Amazônia. “Hoje só tem castanheira, mata e biodiversidade na floresta nas terras indígenas”, argumentou Apurinã.

Ministro classifica de "gravíssima" decisão do STF que suspendeu operação em reserva

O ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, Paulo Vannuchi, classificou hoje (18) de “gravíssima” a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que suspendeu a operação de retirada de arrozeiros da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Segundo ele, a homologação da área de 1,7 milhão de hectares cumpriu todos os requisitos legais e, portanto, a desocupação deve ser concluída.

“Com todo o respeito que é obrigatório a um cidadão em relação ao STF, a intervenção interrompe um processo de mais de três anos, com todas as fases de convencimento postergadas, e que é um ato jurídico perfeito”, afirmou Vannuchi, em discurso na abertura do seminário O Caso Guarani Kaiowá: uma História de Violação dos Direitos Humanos. O evento ocorre na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

Para o ministro, a decisão do STF, em caráter liminar, é “surpreendente”, uma vez que a ocupação da reserva por agricultores é, segundo ele, inconstitucional e o Supremo é justamente o tribunal encarregado de zelar pelo cumprimento da Constituição.

Vannuchi disse, no entanto, que não é a primeira vez que o STF toma uma decisão contrária aos direitos dos povos indígenas.

Ele lembrou uma determinação semelhante, de dezembro de 2005, em que o tribunal suspendeu a desocupação de uma área indígena Ñanderu Marangatu, no Mato Grosso do Sul.

A área foi ratificada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em março de 2005. O então presidente do STF, Nelson Jobim, concedeu liminar suspendendo a demarcação até o julgamento do mérito, ainda não concluído.

Em dezembro do mesmo ano, a Polícia Militar do estado cumpriu ordem de despejo e os índios montaram um acampamento na beira de uma estrada ao lado da terra. Em 24 de dezembro, o líder guarani Dorvalino Rocha foi morto a tiros.

Segundo Vannuchi, a medida acarretou conflitos entre índios e agricultores da região. “O Judiciário é a instituição mais defasada no que diz respeito aos direitos humanos”, avaliou Vannuchi.

Assim como o ministro, o professor da Faculdade de Direito da USP Dalmo de Abreu Dallari criticou a decisão do Supremo. Segundo ele, a resolução dos conflitos em Roraima é simples. “Cumpra-se a Constituição”, afirmou o professor em palestra ministrada durante o evento, acrescentando que os indígenas têm direito sobre a área. 

Para Dallari, tanto o Judiciário como o Ministério Público, que não denuncia os agricultores por manterem uma “quadrilha” na reserva, falham no trabalho de garantir os direitos indígenas. Ele destacou ainda que omissões do governo federal também colaboram para os conflitos.

“A Constituição diz que o governo é responsável pela demarcação das áreas indígenas, ele [o governo] é deficiente no cumprimento desse dever constitucional.”

Em entrevista, Paulo Vannuchi reconheceu falhas do Executivo e relacionou os problemas à falta de orçamento. O ministro disse que as críticas são bem-vindas e serão levadas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Maquiagem verde: anúncios da Petrobrás são suspensos pelo Conar

Tiraram a maquiagem verde da Petrobrás – pelo menos parte dela. O Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar) decidiu nesta quinta-feira suspender dois anúncios da empresa petrolífera por eles divulgarem uma idéia falsa de que a estatal tem contribuído para a qualidade ambiental e o desenvolvimento sustentável do país. O Conar julgou procedente a ação movida por entidades governamentais e não-governamentais como o Greenpeace, SOS Mata Atlântica, Movimento Nossa São Paulo, Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS), secretarias estaduais de meio ambiente de São Paulo e Minas Gerais, e Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), entre outras.

O julgamento do Conar aconteceu em sessão fechada, da qual participaram o secretário adjunto da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SP), Pedro Ubiratan Escorel de Azevedo; o secretário Municipal do Verde e Meio Ambiente (SP), Eduardo Jorge; o médico e professor da Faculdade de Saúde Pública da USP, Paulo Saldiva; o representante do Movimento Nossa São Paulo, Oded Grajew; e o diretor de campanhas do Greenpeace Brasil, Marcelo Furtado.

A decisão, inédita, abre precedente para uma mudança no comportamento do mercado publicitário.

“A decisão do Conar rejeita a tentativa da Petrobrás de fazer maquiagem verde e valoriza a verdadeira comunicação dos valores sócio-ambientais para o público e consumidores brasileiros. Esperamos que a decisão do Conar sirva de precedente para toda e qualquer empresa que, em vez de praticar a ação sócio-ambientalmente correta, fique apenas no discurso”, afirma Marcelo Furtado, diretor de campanhas do Greenpeace Brasil.

“O resultado do julgamento é um marco na história do Conar, que optou por não compactuar com a morte de 3 mil pessoas por ano só na capital paulista”, comemorou Oded Grajew.

Em sua defesa, os representantes da agência DPZ e da própria Petrobras argumentaram que a resolução do Conama não determina a diminuição da quantidade de enxofre no diesel comercializado no país, afirmaram que a empresa atua de forma “lícita e regulamentada” e que o “diesel não é o único responsável pela poluição veicular”. Sérgio Fontes, da área de abastecimento da Petrobrás, chegou a dizer que a qualidade do ar em São Paulo “é aceitável e que as mortes são de outra natureza”.

A declaração foi contestada pelo médico Paulo Saldiva: “Para nós, médicos, a qualidade do ar não é aceitável. Nosso estudo segue a metodologia recomendada pela Organização Mundial de Saúde, que é taxativa ao declarar a morte de 2 milhões de pessoas em todo o mundo por causa da poluição atmosférica”.

Com a decisão do Conar, ficam suspensas as campanhas "Sonhar pode valer muito" e "Petrobrás – Estar no meio ambiente sem ser notada", que incluem mídia impressa e eletrônica.

De acordo com a ação apresentada pelas entidades, a Petrobras “afirma recorrentemente em suas campanhas e anúncios publicitários seu compromisso com a qualidade ambiental, com o desenvolvimento sustentável e a responsabilidade social. Entretanto, essa postura que é transmitida por meio da publicidade não condiz com os esforços para uma atuação social e ambientalmente correta”.

O óleo diesel produzido pela estatal é um dos piores do mundo e contribui para piorar a qualidade de vida dos brasileiros.

A resolução 315/2002 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) determina que, a partir de 1º de  janeiro de 2009, o diesel comercializado no Brasil contenha, no máximo, 50 partes por milhão de enxofre (ppm S). A proporção hoje é de 500 ppm S nas regiões metropolitanas e de 2000 ppm S no interior. A substância, altamente cancerígena, é responsável pela morte de 3 mil pessoas por ano somente na capital paulista.

Por que a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol virou debate no STF?

Há mais de 30 anos os povos Macuxi, Wapixana, Taurepang, Ingaricó lutam pela demarcação de suas terras. A reivindicação destes povos está amparada pela Constituição Federal, em seu Artigo 231. Nesta terra, ao longo de mais três décadas, ocorreram dezenas de conflitos, onde lideranças indígenas foram assassinadas, torturadas, comunidades agredidas, malocas incendiadas, pessoas seqüestradas e terras devastadas por garimpos ilegais e pela ação predatória de centenas de invasores.

Em 2005, o governo federal decidiu pela homologação desta terra. Este ato do presidente brasileiro não foi uma concessão e nem atitude de benevolência. Foi o cumprimento de uma determinação constitucional, orientada e delimitada pelos resultados de longos anos de estudos e comprovações antropológicas, históricas, arqueológicas e sociológicas da ocupação tradicional dos povos indígenas naquele território. Também foi conseqüência de décadas de mobilizações e campanhas de solidariedade em âmbito nacional e internacional pela defesa dos direitos indígenas.

A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de suspender a operação que finalmente retiraria os invasores das terras indígenas dos povos de Roraima, mostra que a “Suprema Corte Brasileira”, os considera uma ameaça à soberania nacional, ou, como disse o próprio presidente da República, “entraves ao desenvolvimento”. Estes povos que sistematicamente defenderam o território brasileiro, ali construíram suas histórias, enfrentaram as mais terríveis adversidades, os mais poderosos inimigos, inclusive da Pátria, para defender o Brasil de invasores clandestinos, de contrabandistas, narcotraficantes, mineradores, garimpeiros, de colonizadores genocidas, de gente sem pátria.

Quando se pensava que a demarcação de suas terras, trariam às comunidades indígenas, paz para continuar vivendo com dignidade de acordo com seus costumes e suas culturas específicas, o STF volta a debater a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol. São preocupantes algumas declarações de importantes ministros daquele Corte:

“A demarcação desta terra trará problemas a soberania nacional” (ministro Celso de Mello).

“O que não pode é você criar um estado e depois criar uma reserva que tenha 50%, 60% do seu tamanho” (ministro Gilmar Mendes).

Por que só agora os ilustres ministros resolverem considerar que a demarcação da referida terra indígena traz perigo a soberania do país? Por que meia dúzia de arrozeiros, invasores da terra indígena, poderão produzir arroz se sobrepondo aos direitos constitucionais de mais de 18 mil indígenas? E ainda, por que os seis arrozeiros produzirão riquezas ao Estado e os povos indígenas, legítimos ocupantes daquela região, produzirão apenas prejuízos?

Quais os fundamentos legais para que ministros do STF qualifiquem os indígenas como entraves ao desenvolvimento e a soberania nacional, enquanto os invasores, praticantes de inúmeras ilegalidades constitucionais porque ocupam indevidamente e de má fé propriedade da União, além de praticarem crimes contra as comunidades indígenas e à sociedade de Roraima com a destruição de patrimônio público, como a queima de pontes, são considerados, pelos ilustres ministros, agentes do desenvolvimento econômico?

É preciso chamar a atenção dos ministros do STF para o fato de 3,1 milhões de hectares de terras na Amazônia Legal estarem nas mãos de estrangeiros. A informação é do próprio presidente do Incra, Rolf Hackbart. A área corresponde a 39 mil imóveis rurais, mas pode ser ainda maior. O avanço do agronegócio e os altos preços dos grãos têm chamado a atenção dos estrangeiros, o que tem aumentado a especulação imobiliária na região. Terras estariam sendo vendidas até pela internet. As terras indígenas, ao contrário, quando reconhecidas tornam-se patrimônio da União, cabendo aos índios apenas o seu usufruto.

Cabe ainda questionar, se por trás do debate instalado no STF sobre a demarcação de Raposa Serra do Sol, não há questões políticas envolvidas. Os direitos dos povos indígenas não estariam mais uma vez servindo de “moeda de troca” no jogo político nacional?

O caso Raposa Serra do Sol evidencia para quais dos lados penderão as análises e as interpretações de nossas autoridades. Ou aos Povos Indígenas portadores de direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, e que a Constituição Federal lhes assegura, ou para os invasores, que apenas pretendem obter o lucro fácil em terras alheias, como é o caso dos invasores arrozeiros da terra Raposa Serra do Sol.

Porto Alegre (RS), 16 de abril de 2008.

Roberto Antonio Liebgott
Vice-Presidente do Cimi

Aumento o número de índios assassinados no país

O número de índios assassinados cresceu 64% de 2006 para 2007, passando de 56 para 92 casos registrados em uma população total de 734 mil indígenas no país. A maior parte dos casos, ocorreu em Mato Grosso do Sul, onde 80 índios foram mortos nesse período: 27 em 2006 e 53 em 2007, indicando um aumento de 99% nos crimes de um ano para outro.

As informações fazem parte do relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil 2006/2007, elaborado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), entidade ligada à Igreja Católica que acompanha a questão indígena há 36 anos e desde 1998 publica o relatório bianual. O relatório foi apresentado hoje (10) na 46ª Assembléia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Itaici, no município de Indaiatuba, São Paulo.

O documento, que aborda também questões de invasão de terras, trabalho escravo e falta de assistência nas áreas da saúde e educação indígenas, aponta a questão fundiária como o principal fator responsável pelo aumento na violência entre e contra os índios.

Segundo a organizadora do relatório, Lúcia Rangel, pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o aumento de assassinatos é resultado da crescente tensão no cotidiano das comunidades indígenas em Mato Grosso do Sul.

Ela disse que, por falta de terras, os índios vivem em acampamentos à beira das estradas ou “confinadas” em reservas, como a de Dourados, no sul do estado, onde 12 mil índios da etnia Guarani-Kaiowá vivem em cerca de 3,4 mil hectares. De acordo com o relatório, a maior parte dos assassinatos que tiveram autoria identificada foi cometida por índios.

“É uma população que não tem onde plantar, não tem como reproduzir seus meios básicos de vida, e daí decorre uma série de problemas, como desnutrição e mortalidade infantil, suicídio de jovens e conflitos internos, com assassinatos de índios por índios, e também de indígenas por seguranças de fazendeiros que não querem abrir mão de uma parte das suas terras.”

Conforme o levantamento do Cimi, um índio da reserva de Dourados dispõe de um espaço 20 vezes menor do que o de uma cabeça de gado no estado: para o gado, há em média 7 hectares de terra, enquanto na reserva de Dourados há cerca de 0,3 hectare por pessoa (o equivalente a um espaço de 30 metros quadrados ou faixa de uma sala de três por dez metros).

Lúcia Rangel lembrou que a reserva foi criada para reunir índios da etnia Guarani-Kaiwoá que estavam dispersos em Mato Grosso do Sul antes da ocupação do estado com a criação de gado e o plantio em larga escala de algodão, milho e soja e, mais recentemente, de cana-de-açúcar destinada ao biodiesel. Em Mato Grosso do Sul, além de Dourados, quatro áreas foram destinadas à etnia que, segundo o Cimi, reúne cerca de 40 mil índios no estado. As cinco áreas totalizam 40 mil hectares. Porém, os índios reivindicam da Funai a demarcação de mais 100 terras que no passado teriam sido ocupadas por eles, e a disputa pela posse de tais áreas vem gerando conflitos externos.

Uma das reivindicações da etnia é reaver suas antigas aldeias em Mato Grosso do Sul, disse a pesquisadora. “O estado deu prioridade a um projeto de desenvolvimento baseado no agronegócio, com plantações em larga escala e criação do gado em detrimento da demarcação da terra indígena, e o índios ficaram sem as terras.”.

O relatório também destaca o impacto negativo para os índios do trabalho em usinas e fazendas de cana-de-açúcar, por falta de outras alternativas de subsistência. Houve quatro assassinatos em alojamento de usinas e dois casos de trabalho escravo comprovados pelo Ministério do Trabalho no ano passado – um em março, envolvendo 150 índios, e outro, em novembro, com mais de 1.100 indígenas encontrados em situações de trabalhodegradante.

Também foram relacionados casos de violência contra índios, com assassinatos, exploração ilegal e invasão de terras indígenas, em 2006 e 2007, nos estados do Maranhão, Pernambuco e Espírito Santo.

No Maranhão, segundo estado com maior número de assassinatos, foram registrados 10 mortes de índios Guajajara no período em episódios relacionados à invasão de aldeias por madeireiros e ao contato com a estrada de ferro da empresa Vale do Rio Doce, que corta a terra indígena.

No Espírito Santo, foi destacada a disputa por terras entre os índios Tupinikim e Guarani e a empresa Aracruz Celulose, com uma série de conflitos violentos que só cessaram no ano passado com a demarcação definitiva das terras indígenas. O relatório atribui o aumento da violência contra os povos indígenas à omissão e lentidão do governo federal em demarcar as terras.

Índios cometeram maioria dos assassinatos de indígenas apontados pelo Cimi

O relatório revela ainda que a maioria dos 149 assassinatos registrados nesse período entre indígenas, com autoria definida, foi cometida por pessoas das próprias comunidades, em situações de brigas, muitas delas familiares. Mais da metade do total dos crimes ocorreu em Mato Grosso do Sul.

Para a antropóloga Lúcia Rangel, coordenadora do levantamento, o aumento da violência entre os próprios índios é reflexo das condições degradantes a que eles estão submetidos, principalmente em Mato Grosso do Sul, por estarem “confinados” em pequenas reservas onde há superpopulação e condições precárias de saúde e subsistência.

A antropóloga explicou que, apesar das várias comunidades de uma mesma reserva – como é o caso de Dourados, onde estão os Guarani-Kaiwoá – terem a mesma cultura e falarem a mesma língua, elas estão organizados em unidades autônomas (chamadas tekohá) baseadas em relações familiares e com chefias políticas e religiosas independentes.

“Quando várias dessas unidades são colocadas em uma área sem espaço, começam a competir entre si, o conflito vai aumentando e entra-se num ciclo de violência interna que não se resolverá, a não ser que cada uma das unidades retome a terra que corresponde ao seu tekohá.”, afirmou Lúcia Rangel, referindo-se à reivindicação dos 45 mil índios da etnia Guarani-Kiaowá por 100 áreas de terra no estado.

Ao comentar os suicídios registrados entre jovens indígenas no país (33 em 2006 e 28 em 2007), a antropóloga disse que trata-se de um fenômeno de difícil compreensão. “Parece um grito de alerta da juventude de que as coisas não vão bem, de que a vida está violenta, de que são ameaçados, e eles buscam no mundo dos espíritos a segurança e a paz que não encontram aqui.”

Procurada pela Agência Brasil desde terça-feira (8), a Fundação Nacional do Índio (Funai) informou, por meio da assessoria de imprensa, que o presidente do órgão, Mário Meira, não tinha agenda disponível para comentar os resultados do relatório, disponibilizados com antecedência para órgãos de imprensa.

Sem arrozeiros, índios vizinhos à Raposa Serra do Sol dizem viver em paz

No meio da tarde, o wapichana Manduca Tavares, 46 anos, colhe melancias na roça da Comunidade do Milho, na Terra Indígena São Marcos, área de 111 mil hectares vizinha à Raposa Serra do Sol – em que a Polícia Federal (PF) pode deflagrar a qualquer momento uma ofensiva para a retirada de arrozeiros e não-índios, como manda o decreto de homologação de 2005.

“Desenvolvemos nossa área com nossa própria produção. Não precisamos de arrozeiro”, resume o anfitrião, que é vice-coordenador da Associação dos Povos da Terra Indígena São Marcos

A lista de produtos inclui ainda mandioca e banana, vendidos nas cidades, assim como carne bovina e suína. “Comemos arroz porque compramos”, ressaltou, ao revelar o apoio da Fundação Nacional do Índio (Funai) e o recebimento de recursos do Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf) pelas famílias para investir no cultivo próprio.

Na bem-estruturada vila da comunidade – com escola, telefone, igreja e antena parabólica – Maria Elza Tavares, mulher de Manduca, garante ser “um bom lugar para criar os filhos, tranqüilo e sem perturbação”. A conversa com o marido dela se aprofunda em uma sombra que alivia o calor de Roraima, sob olhar atento de jovens, mulheres e crianças dali. Um gole d’água e Manduca diz o que pensa sobre o iminente confronto na área vizinha, que tem 1,7 milhão de hectares: “Eles [arrozeiros] são invasores. Não são de Roraima, não têm 20 anos aqui e vieram usufruir sem dar porcentagem para a população”.

A divisão dos indígenas da Raposa Serra do Sol entre o apoio e o repúdio aos arrozeiros seria, conforme Manduca, reflexo da ocupação da área por não-índios: “A gente vive integrado, mas quando alguém coloca na cabeça dos parentes promessa de ajuda…”. Uma pausa e a reflexão continua: “Os parentes apoiam [arrozeiros] sem ter conhecimento. São poucos índios que trabalham com eles”.

A presença do arrozeiros na região poderia ser até admitida, argumentou Manduca, mas diante de um novo tipo de relacionamento com as comunidades tradicionais: “Podem voltar como parceiros e não invasores. E precisam dar maior assistência”.

Para ele, o fato de os índios da área já adotarem costumes típicos de quem vive nas cidades não significa que possam viver no mesmo espaço que os brancos. A explicação vem com uma metáfora:

“Um homem tinha um tamanduá e passou cinco anos dando leite para ele beber. Mas o tamanduá não virou bezerro nem vaca”, disse. “Podemos usar sapatos e calças bonitas, pegar um avião para ir em Brasília, mas vamos morrer índios”, acrescentou.

O caminho de volta a Boa Vista inclui uma travessia de balsa sobre o rio Uraricoera. Apesar de não ser o foco do iminente confronto entre a PF e os não-índios da região, a Terra Indígena São Marcos – que engloba 39 comunidades – já foi prejudicada com a destruição de duas pontes em estradas que dão acesso à Raposa Serra do Sol.

Líder indígena em Raposa Serra do Sol denuncia à PF atentados a bomba

O tuxaua Moacildo da Silva Santos, equivalente a um cacique, da comunidade do Barro, localizada dentro da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, nas proximidades do distrito de Surumu, denunciou hoje (2) à Polícia Federal atentados contra sua vida e contra a estrutura física da escola que atende os índios.

Santos disse ter sido atingido por uma bomba caseira jogada na porta de sua casa por um motoqueiro. “A bomba me atingiu, desmaiei lá dentro e fui acordar já na nossa casa de apoio”, afirmou o tuxaua, que teve ferimentos nos braços e pernas. Em entrevista à Agência Brasil, ele creditou o ataque a “pistoleiros do Paulo César [Quartiero, líder dos arrozeiros]”.

O líder indígena ressaltou que sua comunidade não trabalha com os arrozeiros, por preferir investir nas roças próprias: "Plantamos mandioca, jerimum, milho, melancia e feijão. Nós temos nossa comida e não precisamos de arrozeiro.”

E prometeu que se a Polícia Federal não retirar os arrozeiros da área, os índios irão para o combate: “Nós mesmos vamos fazer.”

O tuxaua esteve na delegacia acompanhado pela advogada Joênia Carvalho, do Conselho Indígena de Roraima (CIR). Ela relatou ter sido este o primeiro depoimento de índios da comunidade sobre ataques que se iniciaram há alguns dias. Um deles teria atingido a Escola Padre José de Anchieta, onde as aulas foram interrompidas nesta semana.

“A escola foi invadida, ocupada, teve portas arrombadas, conforme os depoentes, por moradores de Boa Vista levados por Paulo César Quartiero e pelo deputado federal Márcio Junqueira [DEM-RR]. Cadeiras, armários e merenda escolar foram furtados”, descreveu a advogada.

A destruição de pontes com dinamite e motosserras, promovida por manifestantes contrários à homologação da áreas, acrescentou, ainda prejudica o deslocamento de doentes. A Polícia Federal se comprometeu a investigar a autoria dos ataques à comnidade.

Hoje, a reportagem tentou contato com Paulo César Quartiero para que ele respondesse às denúncias dos índios, mas o arrozeiro estava com o telefone celular desligado. O filho dele, Renato Quartiero, de 23 anos, está internado em um hospital de Boa Vista, também por ter sido atingido por uma bomba na segunda-feira (31). Renato foi ferido na mão esquerda, nos braços e no tórax, quando participava de um protesto contra a homologação da terra indígena.

A Polícia Federal negou ter arremessado a bomba contra os manifestantes.

Arrozeiro é preso por cometer atentados contra comunidades indígenas

O arrozeiro Paulo César Quartieiro acaba de ser preso pela Polícia Federal, no município de Surumu, em Roraima, na região conhecida como Raposa Serra do Sol. No local, um grupo de aproximadamente cem pessoas interditou a ponte de acesso à região com carros, tratores e pneus. Houve conflito com a Polícia Federal e, na explosão de uma bomba, Renato Quartieiro, o filho do arrozeiro, ficou ferido.

Na noite de ontem (30), empregados de Quatieiro e moradores não indígenas – invasores da terra indígena de Raposa Serra do Sol – interditaram a BR-174, nas proximidades da ponte do rio Cauamé, que liga o município de Sumuru a Boa Vista. Segundo o Conselho Indígena de Roraima (CIR), a ação foi provocada após a confirmação de que seria dado início à operação de desintrusão dos não índios da área.

Na quarta-feira passada (26), lideranças indígenas se reuniram com representantes de órgãos envolvidos na operação de desintrusão da terra indígena (Ibama, Agência Nacional de Águas, Funai, Polícia Federal, Advocacia Geral da União e Incra), quando foram informadas do início da retirada dos não índios da terra indígena Raposa Serra do Sol.

Na noite deste mesmo dia, um grupo de empregados de Quartieiro, conhecidos como "motoqueiros", colocaram fogo na maloca da comunidade indígena que vive em Surumu. O fogo foi controlado pelos próprios indígenas antes que se alastrasse. As lideranças temem que novas ações violentas sejam efetuadas contra as comunidades.

As provocações contra as comunidades indígenas tiveram início na terça-feira passada, 25 de março, quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), julgou o processo de Paulo César Quartiero assegurando seu retorno ao cargo de prefeito do município de Pacaraima, em Roraima. O mandato de Quartieiro havia sido cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral de Roraima, em 2006.

A sede de Pacaraima está localizada na terra indígena São Marcos e tem abrangência até a terra indígena Raposa Serra do Sol. Segundo a coordenação do CIR, Quartieiro vem utilizado o mandato de prefeito para interferir na organização social das comunidades de indígenas.

Na noite do dia 25, empregados  do arrozeiro juntaram-se a moradores não índios que ainda permanecem na comunidade de Barro, na região de Surumu, para comemorar o retorno de Quartieiro à Prefeitura de Pacaraima.

Após várias manifestações regadas a bebidas alcoólicas, eles resolveram sair em passeata pelas ruas que atravessam a comunidade indígena. Lançaram foguetes em direção às casas de palhas dos indígenas e ameaçam a comunidade. Ficaram lá até às 3h da madrugada e informaram que voltaria na noite seguinte para tocar fogo em quatro casas.

A coordenação do CIR registrou a ocorrência destes crimes praticados contra as comunidades indígenas na superintendência do departamento da Polícia Federal em Roraima.

Outro fato noticiado pela imprensa também tem causado preocupação às lideranças indígenas. É a participação do deputado federal Márcio Junqueira (PFL/RR) em atividades contrárias à retirada dos invasores da terra indígena Raposa Serra do Sol, incitando os invasores a resistirem à ação do poder público federal. Sobre este aspecto, o assessor jurídico do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), Paulo Machado Guimarães, destaca a necessidade do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados apurar estas notícias, “tendo em vista o risco de caracterização de conduta atentatória ao decoro parlamentar”.

Ribeirinho amazônico ameaçado de morte pede proteção ao governo federal

O presidente da Associação dos Moradores do Médio Xingu, Herculano Costa Silva está em Brasília para pedir proteção policial e cobrar do governo federal a criação da Reserva Extrativista do Médio Xingu, na Terra do Meio, no Pará. O decreto de criação da reserva extrativista está na Casa Civil da Presidência da República desde maio do ano passado.

A demora no processo de criação tem colocado em risco a vida dos moradores da Resex, que sofrem ameaças feitas por grileiros e fazendeiros, que insistentemente ocupam a região com gado, promovendo desmatamentos e gerando insegurança entre os moradores.

Herculano Silva e Lauro Freitas Lopes, moradores da região do Médio Xingu, vão cumprir uma extensa agenda em Brasília, incluindo audiência na Secretaria Executiva do Ministério de Minas e Energia, que, segundo informações da própria Casa Civil, está paralisando o processo em função da possível necessidade de instalação de uma das hidrelétricas do complexo de Belo Monte naquele trecho do rio. Técnicos da Eletronorte e da Eletrobrás presentes em audiência pública realizada em Altamira dia 7 de março, entretanto, afirmam que a construção da hidrelétrica de Belo Monte não demandará outros barramentos ao longo do rio Xingu.

A futura Resex do Médio Xingu terá 303 mil hectares de área total. É uma faixa de terra que ocupa 100 quilômetros na margem esquerda de quem desce o rio Xingu em direção a Altamira. É considerada estratégica para consolidar o mosaico de áreas protegidas projetado para a região, que inclui terras indígenas e unidades de conservação estaduais e federais. A criação da Resex do Médio Xingu representa a possibilidade de regularização fundiária da região, que beneficiará cerca de 59 famílias locais, que vivem atualmente em clima de total insegurança.

No início do mês, o Procurador da República Marco Antonio Delfino de Almeida, de Altamira, deu entrada numa ação cautelar com a finalidade de garantir a imediata retirada das pessoas destituídas de títulos da área onde será criada a Reserva Extrativista Médio Xingu. A Polícia Federal também instaurou inquérito policial para apurar ameaças de morte realizadas por pessoas que se declaram proprietárias (grileiros) das terras onde será criada a Reserva Extrativista Médio Xingu.