Venezuelanos invadem terras brasileiras

Boletim Yanomami/CCPY – Recentemente grupos de militares venezuelanos vêm invadindo o território brasileiro, cruzando a fronteira internacional que constitui o limite oeste da Terra Indígena Yanomami. O mais recente episódio desta invasão ocorreu entre os dias 7 e 8 de junho passado. Um militar venezuelano e um guia Yanomami da Venezuela fizeram uma rápida incursão em território brasileiro até uma aldeia chamada Poimopë, situada no alto rio Mucajaí. No dia seguinte, um grupo de militares venezuelanos armados chegou ao mesmo local e acampou numa casa coletiva dos Yanomami. Nesta aldeia – situada na área de atuação da Urihi Saúde Yanomami, ONG parceira da CCPY financiada pela FUNASA (Fundação Nacional de Saúde) – o grupo impediu a auxiliar de enfermagem de utilizar o rádio a fim de alertar o Pelotão de Fronteira do Exército brasileiro sediado na região, em Surucucus.

A auxiliar foi interrogada sobre o trabalho que realizava no local e a quem estava subordinada. Os militares venezuelanos ignoraram a informação de que estavam em território brasileiro. Pernoitaram na aldeia. Pela manhã, depois do grupo ter deixado o local, a auxiliar de enfermagem constatou que uma mulher yanomami, com várias escoriações, teria sido vítima de abusos sexuais dos militares venezuelanos. Verificou ainda que 40 lâminas coletadas para diagnóstico de malária tinham sido destruídas.

Na mesma ocasião, outra tropa de militares venezuelanos teria se encontrada com cerca de 25 garimpeiros no lugar denominado Chico Veloso – pista clandestina de garimpo – localizado no alto rio Catrimani, em território brasileiro. Os garimpeiros teriam sido torturados e saqueados pelos soldados venezuelanos. Em depoimento à Polícia Federal, os garimpeiros teriam se recusado a dar informações sobre o proprietário da aeronave utilizada para o ingresso ilegal deles na área indígena.

Estas recentes incursões da Guarda Venezuelana no país levantaram a suspeita de que quatro índios Yanomami desaparecidos em 2001 na região de Xitei poderiam ter sido seqüestrados desta maneira . O seqüestro dos índios teria ocorrido num lugar chamado Simoki, no início de outubro daquele ano. Soldados venezuelanos teriam ingressado em território nacional, espancado os índios e seqüestrado quatro deles para destino ignorado. Os índios desde então não retornaram à aldeia.

Diante destes fatos e relatos o Exército brasileiro montou em regime de urgência uma operação para apurar as atividades dos soldados venezuelanos em território nacional, assim como para localizar acampamentos ilegais de garimpeiros na Terra Indígena Yanomami. O grupo militar contou para estas operações com o auxílio de índios Yanomami, conhecedores da região, e de funcionários da CCPY.

A expedição percorreu entre 6 e 8 de agosto, a região de Morohusiu (alto Mucajaí), ocupada por três comunidades yanomami, muito próximas à fronteira Brasil-Venezuela. A Guarda Nacional Venezuelana possui uma base ao longo da fronteira, próxima a uma das aldeias situadas em território brasileiro, com a população da qual mantém uma relação aparentemente problemática. A expedição brasileira constatou que os Yanomami manifestam muita insegurança diante da presença militar, refletindo os problemas que vêm enfrentando com as visitas recorrentes dos soldados venezuelanos. As mulheres, sobretudo, escondem-se e os homens recebem os visitantes na entrada de suas casas com desconfiança, não permitindo sua entrada.

O temor dos Yanomami tornou-se ainda mais claro quando questionaram os integrantes da expedição brasileira sobre o seu tempo de permanência na aldeia. Mostraram-se preocupados sobre o que poderia ocorrer quando a expedição partisse. Explicaram que os soldados venezuelanos deviam ter escutado o vôo do helicóptero utilizado pela expedição e, com certeza, iriam rapidamente até a aldeia indígena para apurar o que havia ocorrido.

A questão destas incursões de soldados venezuelanos no Brasil através da Terra Indígena Yanomami está sendo também tratada no alto escalão do Governo Federal. Assim, durante o período de 26 a 28 de agosto está acontecendo no Ministério das Relações Exteriores, com a presença de uma delegação de 11 pessoas do governo venezuelano, a VIIª Reunião do Grupo de trabalho sobre mineração ilegal Brasil-Venezuela. Na pauta do encontro está prevista uma discussão específica sobre o ingresso indevido de militares venezuelanos em território nacional.

Racismo denunciado

FUNAI – O Procurador da República em Roraima, Dr. Carlos Fernando Mazzoco, denunciou à Justiça Paulo César Cavalcanti Lima, morador da capital do estado, Boa Vista, pela prática de racismo contra o povo Yanomami, com base no artigo da Lei 7.716/89, que define os crimes resultantes de preconceito de raça. O réu poderá ser condenado à pena de reclusão de dois a cinco anos, além de pagamento de multa.

Em novembro do ano passado, Paulo César publicou um anúncio na seção “Animais” de Classificados do jornal local Folha de Boa Vista., no qual colocava à venda “filhotes de Yanomami, com um ano e seis meses” no valor de R$ 1 mil. No inquérito, instaurado pela Polícia Federal, o acusado afirmou que o anúncio era apenas uma “pegadinha” que teria feito com um amigo.

O anúncio causou profunda indignação nos professores Yanomami, então reunidos para um curso de formação para o Magistério Indígena em Boa Vista. No dia seguinte ao da publicação, um grupo de 22 deles divulgou uma carta onde se diziam revoltados com o tratamento indigno dispensado aos índios na cidade. Eles cobraram também o apoio da Procuradoria Geral da República para que o povo Yanomami seja tratado com respeito e que os culpados sejam processados. Finalmente, os professores Yanomami exigiram que fossem tomadas providências em relação ao jornal Folha de Boa Vista que permitiu a publicação do anúncio racista. Esta última reivindicação ainda não foi atendida.

Tesouro arqueológico

Funai – Em recente reforma da Praça D. Pedro II, no Centro Histórico de Manaus, técnicos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e do Museu Amazônico da Universidade Federal do Amazonas (UFA) encontraram 259 urnas funerárias que indicaram a existência de um cemitério de povos indígenas da família lingüística Aruak.

A descoberta começou quando foram encontradas cerâmicas, enfeites e duas urnas funerárias. A primeira exumação revelou, por exemplo, que uma das urnas tem sepultamento duplo. Especialistas afirmam, ainda, que há indícios de que esses índios resistiram e lutaram contra a colonização. Certos de estarem diante de uma grande descoberta arqueológica, o professor da USP, Eduardo Góes Neves, e técnicos do Iphan prosseguiram com as escavações.

Agora, a idéia é promover palestras para organizações indígenas do estado, mostrando a importância da descoberta e a história dos povos que habitaram a região antes dos colonizadores. Um pagé, da etnia Apurinã, foi chamado para realizar cerimônia que permita a continuidade do trabalho arqueológico. A preocupação dos arqueólogos agora é com a proteção e segurança do sítio contra os saqueadores que vivem do tráfico ilegal de peças do patrimônio. A cerimônia de permissão deverá ocorrer no dia 18 de setembro próximo.

O órgão responsável pela coordenação das escavações é o Museu Amazônico, um órgão da Universidade Federal da Amazônia. Com exceção de pequenos fragmentos, nenhuma urna foi retirada do local ainda. A segurança do sítio de escavações contra a ação de saqueadores está sendo realizada por vigilância permanente.

VI Jogos dos Povos Indígenas

Em sua sexta edição, os Jogos dos Povos Indígenas já é um dos eventos mais importantes e tradicionais de confraternização entre as etnias brasileiras. Este ano o evento contará com a participação de sete etnias que comparecem pela primeira vez. São os Awa Guajá, que quase não têm contato com a sociedade brasileira, entendem muito pouco a nossa língua; os Kaapor, com uma arte plumária exuberante e os Kanela Ramkokamekra, todos do Maranhão; os Ava Canoeiro, de origem desconhecida até hoje e com uma população de apenas 14 pessoas; os Nambikwára e os Uru-Eu-Wau- Wau, de Rondônia; e os Waimiri Atroari, do Amazonas.

A competição será realizada na Praia da Graciosa, em Palmas, no estado do Tocantins, no período de 04 a 11 de outubro. O evento tem o patrocínio do Ministério do Esporte e é organizado pela Secretaria de Esporte de Tocantins, com a participação da Prefeitura de Palmas e o apoio da Funai. Este ano, os organizadores esperam reunir cerca de 1200 participantes. Para isso, estão construindo uma aldeia para abrigar os atletas e os grupos de apresentações culturais, previstas para ocorrerem todas as noites. Nas edições anteriores a programação cultural atraiu um grande público não-índio, curioso em conhecer a beleza e o espetáculo das danças e rituais indígenas.

Kuarup – Parte I

Este artigo explora o clássico problema dos universais do comportamento humano, a partir da narrativa religiosa e do ritual do Kuarup dos índios xinguanos, por sua comparação com rituais e tradições religiosas ocidentais.Uma de suas conclusões é bastante animadora quanto ao futuro dos povos indígenas da região: mesmo com as interferências sofridas por anos e anos de contato com não-índios, os povos do Xingu “estão plenamente conscientes de que viver segundo sua cultura representa algo essencial para sua felicidade. Por isto, o Kuarup de Orlando representou uma reafirmação política pelos índios, dos ideais de diversidade cultural pelos quais lutaram os Villas Bôas.”

Em Julho de 2003, os índios do Xingu realizaram, em homenagem a Orlando Villas Bôas, aquele que eles mesmos consideraram o maior Kuarup ("festa em homenagem a mortos ilustres") de todos os tempos, que pode ter reunido de 1500 a 2000 pessoas. Dele participei como amigo de Orlando e convidado de sua família.

foto1.jpgOs índios do Xingu consideram Orlando um herói, com correto senso de justiça: em um discurso, no final do ritual, os chefes Yawalapiti lembraram que sua tribo, hoje reunindo mais de 140 pessoas em uma belíssima aldeia, esteve reduzida a sete indivíduos dispersos em outras tribos; não se esqueceram que Orlando foi convencer cada um dos sobreviventes a reconstruir sua aldeia Yawalapiti.

"Cuidado a festa do Orlando". O índio avisa a todos para que tomem cuidado e não estraguem sua pintura para a festa do Orlando. Foto: George Zarur.

Este antropólogo ainda guarda na memória a aldeia Yawalapiti, dos anos sessenta, como uma única casinha, localizada muito perto do posto indígena, por razões de apoio e proteção. Ameaçadas de desaparecimento e reconstituídas, no Alto Xingu, foram também, as etnias Maitipu, Nahukwa, Trumai e Txicão. No Baixo Xingu, os Suiá, Juruna e Kayabi – estes libertados pelos Villas Bôas da escravidão de seringais – passaram por processo semelhante. Não tivessem sido os Panará levados para dentro do Parque do Xingu, em situação emergencial, teriam desaparecido por completo, dada a decisão do governo militar de tomar sua terra.

Em 1971, quando realizei meu trabalho de campo na região, era ela habitada por pouco mais de oitocentos índios, que ainda se recuperavam da devastadora epidemia de sarampo de 1954. Graças aos vínculos de Orlando com o grupo liderado por Roberto Baruzzi, da Escola Paulista de Medicina, as aldeias xinguanas, em 1971, tinham um grande número de crianças para poucos adultos que, não obstante, foram capazes de sustentá-las e vê-las crescer. Hoje, a população do Alto Xingu é de mais de quatro mil índios. Muitas tribos estão se dividindo em mais de uma aldeia, devido ao crescimento demográfico. Em 1971 havia, apenas, nove aldeias, uma tribo por aldeia, com exceção dos Maitipu e Nahukwa, que devido ao seu pequeno número e identidade lingüística, estavam concentrados em uma única aldeia (As aldeias eram Aweti, Kamaiurá, Kuikuro, Kalapalo, Maitipu-Nahukwa, Mehinaku, Waurá, Yawalapiti e Trumai). Hoje, os Maitipu e Nahukwa estão, cada qual, vivendo em sua aldeia.

Os índios do Xingu estão plenamente conscientes do papel dos Villas Bôas na criação do Parque do Xingu e na implantação de uma eficaz proteção à saúde e à cultura locais. Já, muitos caraíbas (termo pelo qual os xinguanos chamam aos brancos) não percebem, ou se recusam a perceber, que a política indigenista brasileira do século XX foi marcada por Rondon e pelos Villas Bôas. Aliás, a "deconstrução" de lendários heróis nacionais tem sido um aspecto da fragilização política de nações periféricas, como o Brasil, nos tempos atuais. Funciona como a desmoralização que os missionários clássicos impunham aos heróis religiosos, históricos e políticos dos povos que convertiam. Os intelectuais brasileiros que se dedicam a tal prática operam como agentes coloniais involuntários. Gostaria, algum dia, de chegar a ver a "deconstrução", por norte-americanos, de Washington ou Lincoln, por exemplo… Não é, entretanto, meu objetivo, neste trabalho, "deconstruir" aspetos do pensamento social brasileiro atual.

Rondon, no começo do século XX, revolucionou o que era, mas ainda não se chamava "política de direitos humanos". Convenceu, definitivamente, o País de que os índios tinham o direito à vida. Esta constatação, hoje óbvia, não o era naquele tempo, pois desde o Padre Vieira representava uma fonte de dúvidas para a ética e para a política. Justificava genocídios em série. Rondon enfrentou e derrotou, ideológica e politicamente, o evolucionismo dominante no seu tempo, que pregava a sobrevivência dos mais aptos e o extermínio dos mais fracos, como um imperativo biológico.

Os Villas Bôas, em íntimo contato com a melhor antropologia dos meados do século XX, pertenciam a um grupo intelectual, político e afetivo que reunia os antropólogos Eduardo Galvão e Darcy Ribeiro e o médico Noel Nutels. Esse grupo foi responsável pela idéia de que a terra indígena deveria ser preservada, como condição para garantia da vida. Mas não só: afirmou-se pela primeira vez, que a cultura indígena representava um valor humano essencial que, também, deveria ser protegido. Coube aos Villas Bôas participar da elaboração desses princípios e, ainda, de sua aplicação eficaz. Esta foi outra revolução na política de direitos humanos, no Brasil e no mundo, pois reconhecia-se, como valor, a diversidade cultural. Esta era época em que se falava de "quistos étnicos" e em que os estados nacionais – dando seqüência a uma política iniciada com a revolução francesa – atuavam pela universalização de uma cultura hegemônica em seu território, que se confundiria com a "cultura nacional". A luta pelos direitos indígenas a uma cultura própria representou uma verdadeira ruptura intelectual e política, na qual os Villas Bôas tiveram um papel decisivo.

Ao direito à sobrevivência física foram adicionados, até como condição, o direito à posse da terra e a viver segundo sua cultura. A terra, para tanto deveria ser garantida em dimensões compatíveis com a cultura original do grupo e para amortecer os efeitos do contato com os brancos.

Os índios do Xingu estão plenamente conscientes de que viver segundo sua cultura representa algo essencial para sua felicidade. Por isto, o Kuarup de Orlando representou uma reafirmação política pelos índios, dos ideais de diversidade cultural pelos quais lutaram os Villas Bôas.

Hoje, há mudanças importantíssimas na vida do Xingu, claramente percebidas por quem, com este antropólogo, lá foi, pela primeira vez, há quarenta anos (em 1963). Há uma participação muito maior dos índios na vida nacional brasileira. Há escolas em diversas aldeias, além de professores informais, que ensinam dentro das próprias casas, de acordo com o ritmo de vida das crianças. Há televisões, com antenas parabólicas movidas a baterias convencionais ou solares. Há muitas bicicletas (usadas por homens e mulheres) e algumas motocicletas, de propriedade individual. Há aldeias que possuem caminhões e quase todas têm barcos a motor. Até a maneira de caminhar das mulheres xinguanas mudou, pois, como notou Sandra Zarur, o passinho curto e rápido que a caracterizava, foi substituído por um passo mais largo, devido, presumivelmente, ao uso de "sandálias de dedo". Roupas são usadas, principalmente no posto indígena.

A cidade de Canarana (dez horas de viagem de barco e jipe) está no limite do Parque do Xingú. As fazendas de soja cercam todo o seu território. O Parque é, hoje, uma mancha verde rodeada por uma área pesadamente desmatada. É, além de tudo, a grande reserva biol] ]>

Os brasis de Henri Ballot

ISA – Em cerimônia de abertura na qual estavam presentes o novo diretor do museu, Amir Labak, a secretária da cultura do estado, Cláudia Costin, e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, o Museu da Imagem e do Som (MIS) reabriu suas portas, fechadas desde dezembro de 2001. Como destaque, foi escolhida a mostra Nas lentes de “O Cruzeiro”: os dois Brasis de Henri Ballot, um conjunto de imagens do fotógrafo tiradas para a revista O Cruzeiro durante as décadas de 50 e 60, época em que o Brasil buscava se industrializar, ao mesmo tempo em que tentava desbravar o centro-oeste desconhecido.

“Foi um acidente feliz”, diz Eduardo Castanho, um dos curadores da exposição junto com a pesquisadora Helouise Costa. “A idéia fundamental era que a reinauguração tinha de ser pontuada com um evento de importância e que compartilhasse com o público paulista o que o museu tem em seu acervo. Talvez por acidente, esse [as fotos de Ballot] foi um dos primeiros materiais a serem pinçados na nossa pesquisa e a gente percebeu que ele tinha muita chance de ser curado para se tornar uma boa exposição”, conta Castanho. As imagens fazem parte das cerca de 800 doadas recentemente ao MIS por Veronique Ballot, filha de Henri, morto em 1997. Ela também doou cópias do acervo ao Instituto Socioambiental.

Separadas em duas partes – São Paulo e Alto Xingu -, as fotos retratam bem a dualidade do Brasil daquela época. “Os índios eram vistos dentro daquele ponto de vista do Brasil do passado e a possibilidade do futuro, que eram as metrópoles – esse era o paradigma que a revista lançava para o grande público”, avalia o curador. “O Cruzeiro tinha essa forma de enxergar o Brasil, como o país do futuro, mas, que ao mesmo tempo, tinha um passado nos indígenas, que era o passado primitivo, ainda intocado do selvagem. O índio era visto como essa coisa diferente, essa coisa inusitada, enquanto o Brasil moderno era a potência, a pujança industrial, tendo principalmente São Paulo como ícone da modernidade, da grande metrópole”, analisa.

As fotografias do Alto Xingu foram tiradas entre 1952 e 1957, anos em que Henri Ballot acompanhou a expedição dos irmãos Orlando, Cláudio e Leonardo Villas-Bôas pela região do Diauarum, no coração do que em 1961 se tornaria o Parque Nacional do Xingu (hoje Parque Indígena do Xingu), por meio de um decreto do então presidente Jânio Quadros. Naquela época, a Constituição de 1946, do governo Eurico Gaspar Dutra, não apresentava grandes mudanças em relação às anteriores na questão indígena: os índios estavam sob a tutela do Estado, que tinha a missão de ‘pacificá-los’, e eram representados pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), criado em 1910. No ano de 1954, o órgão já sofria sérias acusações de corrupção e de uso político, enquanto, no Mato Grosso, a legislação permitia ao governo doar até 9.999 hectares sem considerar a presença de índios na área – e era isso que estava acontecendo, com a venda de lotes indígenas aos brancos (o SPI seria extinto no meio dos anos 60, já sob o regime dos militares, para a criação da Fundação Nacional do Índio).


O Cruzeiro

Neste sentido, o papel da revista semanal O Cruzeiro, fundada em 1928, foi fundamental para a criação de uma consciência política sobre o tema. “Eu acho que a importância do Cruzeiro foi tão grande quanto o é, guardadas as proporções, a Rede Globo hoje: a dimensão do que ele representava, onde ele ia…”, conta-nos Juvenal Pereira, repórter fotográfico durante a fase final da revista, que seria fechada em 1978. Durante os anos de 1971 a 1974, Juvenal fez dupla de reportagem com o mineiro e então repórter Fernando Brant. Acompanhou assim o surgimento do célebre Clube da Esquina, formado pelo cantor Milton Nascimento, o próprio Brant, que era compositor, e outros cantores e compositores mineiros.

É difícil para as novas gerações entenderem a influência de uma publicação que, na década de 50, abrangia vários países da América Latina. A televisão ainda dava os primeiros passos, com dois ou três programas por dia, enquanto as ofertas de banca se restringiam às revistas Cruzeiro, Manchete e Fatos e Fotos. “As pessoas esperavam O Cruzeiro para ter assunto”, diz Juvenal. “A revista chegava nos lugares mais distantes do país e aí as pessoas começavam a ter assunto, porque as informações eram via rádio ou revista, e O Cruzeiro era a revista que preenchia esse espaço da informação visual. Talvez tenha tido a mesma importância que as norte-americanas Time Life, National Geographic. E reunia uma equipe de ouro no jornalismo brasileiro”.

É a partir desta referência que o jornalismo mudou de cara, como vê o curador Eduardo Castanho. “Com esse perfil, que era uma fábrica de fotografia, no sentido de capacidade de produção, criou-se uma maneira de ver, um estilo. A partir de O Cruzeiro, o fotojornalista se tornou mais exigente, ele tinha uma referência que dava um ponto de qualidade, dava uma maneira nova de fazer, de olhar e de falar a notícia, porque antes disso era o quê? Só texto, texto, texto”.


Um xavante na reabertura do museu

Siridiwê Xavante é presidente do Instituto de Desenvolvimento das Tradições Indígenas (Ideti), com sede na Rua da Glória, 474, em São Paulo. Durante a cerimônia de abertura do MIS e da exposição, ele era o único indígena presente.

ISA – O que você achou da exposição?

O lado da fotografia é muito importante porque, antes de toda a inserção, nós com a nossa pureza, encontramos os materiais da cidade. Então, esse material de imagens do fotógrafo é muito rico. Esse pessoal mais velho, que hoje estão lá, ou já foram, os seus próprios netos ou familiares, quando um dia souberem, com certeza vão ficar felizes. Agora, eu fico chateado é o texto [das reportagens]. Porque naquela época são assim, meio ironizado, meio forte o texto sobre a gente. Não teve essa preocupação, de pensar a longo prazo, para dar a expressão de respeito. Tanto é que, por causa desse texto, em todos os níveis, nas escolas, nos jornais, televisão, tem essa carga negativa sobre a questão indígena.

ISA – Mas isso não está mudando?

Falta muito, muito, muito. Só para ter um exemplo, são 40 anos de educação, que é o papel do MEC, então, alguns poucos que escrevem um livro didático, paradidático, têm essa sensibilidade, mas na maior parte ainda não há essa modificação. Então, se você pega livro didático, livros sociais, história do Brasil ainda tem aquele pretérito passado “usavam”, “cantavam”, “índio”, e alguns têm essa sensibilidade e falam “povo nativo”, “cantam”, “fazem”, que é uma cerimônia que ainda continua… É pouco. Falta muito para organizar para que haja um bom olhar, respeitoso.

ISA – Por que você acha que os índios não vieram aqui?

Distância de contato. Que seria legal, convidar uns indígenas para poder ver. Se o órgão público se preocupasse com a questão indígena, porque em São Paulo também tem a questão indígena, são os Guarani. Para as pessoas, índio, entre aspas, é Amazônia, é Parque do Xingu, sabendo que aqui tem Guarani… Esquece, né? Então falta de conhecimento. O Guarani está aí, podia vir para ver essas imagens, para participar de um acontecimento da cidade de São Paulo e… eu vim porque eu estou acompanhando o que está acontecendo. Legal, acho bonito, estou fazendo o meu papel e representando também as nossas forças.

ISA – O que faz o Ideti?

O Ideti foi criado em 1999 com a proposta de divulgar, promover a cultura indígena, resgatar, proteger a nossa cultura. Então ele é formado por núcleo de diretores indígenas Xavante, Kashinawá, Krenak, Guarani, Karajá…. Esse núcleo vai dar representatividade do que o Brasil tem. Só nós mesmos podemos fazer o pensamento dos nossos mais velhos. Através da música, fazer um cd é uma coisa direta. Não o que o branco está fazendo sobre a gente. Então, o instituto dá a possibilidade para que haja expressões de conhecimento, através do livro, música, palestra… Tem esse objetivo, de fazer intercâmbio, estar próximo, conversando, não o que os acadêmicos falam sobre a gente. Não que os diretores de cinema ou teatro ou escritores falam sobre a gente – ele está falando sobre o sentimento dele. E o Ideti vai trazer o velho, os jovens, que pode falar sobre essa cultura. Por enquanto, uma concessionária, a Volkswagen, está comigo, que apóia e entende essa filosofia, é a única empresa que entende, que está meu parceiro. Aí, a gente quer, nós mesmos ser independentes. A Funai fez o seu papel, era um papel muito importante, isso aí ficou meio assim… não é nosso pensamento. Ela é filhote do governo federal e é um dos órgãos, mas como eu tenho esse instituto, é primeira pessoa. Só a gente pode chamar várias etnias para falar de nossa cultura.

Nas lentes de “O Cruzeiro”: os dois brasis de Henri Ballot
Onde: Museu da Imagem e do Som, Avenida Europa, 158, São Paulo.
Horário: das 14h às 22h, entrada gratuita. Até o dia 28/09.
Mais informações no site do MIS ou pelos telefones 3088-0896 ou 3085-1498.

No dia 23/08, às 11h, haverá um bate-papo com os curadores Eduardo Castanho e Helouise Costa, Veronique Ballot (filha de Henri Ballot) e Sylvia Caiubi, professora do Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo.

ISA, Flávio Soares de Freitas, 21/08/2003; com a colaboração voluntária de Livia Chede Almendary.

O Brasil encontra o seu centro: O Centro-Oeste no Projeto Nacional

George de Cerqueira Leite Zarur,
Economista e Antropólogo, Ph. D pela Universidade da Flórida, Ex pesquisador visitante da Harvard University.

O olhar sobre a imensidão dos mapas do Brasil, do começo do século XX, contendo grandes manchas de cores diferentes, com o dizer “região desconhecida”, mantinha os brasileiros em permanente estado de ansiedade. Afinal, como demonstrou o historiador Rocha Pombo, cuja tese foi assumida por Darcy Ribeiro, a geopolítica corrente associava o Estado Nacional brasileiro com um continente, delimitado pela rede hidrográfica, que se confundiria com área de expansão dos grupos do tronco lingüístico Tupi. Se o Brasil era uma ilha ou um continente, por lógica, nossos vizinhos hispânicos só poderiam ser, mesmo os mais interioranos andinos, água salgada do mar ou uma forma especial de vida marinha. Se chegassem muito próximos, e representassem uma ameaça, eram promovidos a seres humanos, piratas ou “mouros na costa”.

A “Ilha Brasil” era delimitada ao Sul pelos rios da bacia da Prata. Portanto, não deixou de ser um problema – especialmente estético, pois prejudicava a perfeição do modelo e dos mapas – a perda da Cisplatina. A guerra do Paraguai e a resolução da questão de Palmas, com a Argentina, iriam reforçar o conceito de “Ilha Brasil”, ao associar as fronteiras políticas a limites fluviais compatíveis com a noção de uma entidade natural e cultural aparte, cuja identidade se perderia no passado, dada a presença hegemônica dos índios Tupi em seu território.

Se de um lado preocupavam-se os brasileiros com formas de vida agressivas, próximas ao seu sagrado e antigo território – aquela conhecida por “argentinos” era a pior – havia outras mais distantes, porém mais perigosas. Caso particularmente grave, cujo desfecho fez muita gente pensar que “Deus é brasileiro”, foi o da pressão norte-americana pela livre navegação na Amazônia, logo após a abertura, à força, dos portos japoneses, em meados do século XIX. Ao que tudo indica, não recebemos a visita da esquadra estrangeira devido à eclosão da guerra de secessão nos Estados Unidos. Tal coincidência manifesta, de forma inequívoca, a preferência divina a nosso favor, amplamente confirmada por nossos sucessos posteriores nos campos de futebol.

A ocupação desses “espaços vazios” (em geral, não o eram, devido aos índios que neles viviam) tornou-se o próprio centro do projeto nacional, realizando a identidade geográfica e cultural brasileira, como um continente autônomo.

Sucedendo às entradas patrocinadas pela colônia, pouco fez o império para ser lembrado na história da colonização do interior brasileiro. Sua ação principal, neste sentido, foi a atração de imigrantes europeus de São Paulo ao Rio Grande do Sul. A guerra do Paraguai, embora com importantes conseqüências para a definição das fronteiras políticas não foi resultante de uma proposta estratégica sistemática.

O nacionalismo geográfico seria retomado com a Expedição Rondon, ao mapear, de 1906 a 1910, uma área, aproximadamente, do tamanho da França. Já Getúlio Vargas resolveu reassumir o projeto, rico em imagens simbólicas de bandeirantes e desbravadores dos sertões, através da Expedição Roncador-Xingu, da qual se originaria a Fundação Brasil Central. É aqui que entram os Villas-Boas, abrindo picadas e campos de pouso, a partir da década de 40 e entrando em contacto com índios isolados. Para abrir o Brasil Central à colonização, foi absolutamente estratégica a “pacificação” dos índios xavantes, por Francisco Meirelles, também nos anos 40. Os xavantes fechavam uma grande área a Oeste do Araguaia, uma vez que defendendo seu território, atacavam os que ali se arriscavam. Diferentes expedições do antigo Serviço de Proteção aos Índios, que buscavam um contacto pacífico com os xavantes, acabaram com a morte de todos os seus membros.

Veio Brasília, vieram a estradas unindo Brasília a quase todo o País. O autor deste artigo, em suas primeiras incursões ao Xingu, como estudante de antropologia, em 1965, ainda se lembra de Goiânia, uma cidade pequena, sem nenhum prédio mais alto. De um velho DC3 da FAB, que poderia levar semanas para chegar a Goiânia, com bancos de metal para o transporte de tropas, carregando todo tipo imaginável de carga e das escalas, freqüentemente com pernoite, em Aragarças e Xavantina, antes de pousar no atual Posto Leonardo, no Parque do Xingu.

Aragarças e Xavantina, cidades criadas a partir de bases da Expedição Roncador-Xingu, eram habitadas por funcionários da Fundação Brasil Central, cujo emprego era o de ali morar e, vez por outra, comunicar-se pelo rádio com outros centros semelhantes e com a sede em Brasília. Sua função era a de ocupar o território para o estado brasileiro. Aragarças era muito maior do que Barra do Garça, do lado matogrossense do Araguaia, ao contrário do que acontece hoje. Xavantina tinha uma meia dúzia de casas ao redor de uma antena de rádio e o indefectível “hotel de trânsito”, abrigado em uma casa velha. Depois vinha o Xingu, com seus índios ainda semi-isolados, e alguns, como o Txicão, efetivamente isolados.

Em uma das primeiras vezes que estivemos no Xingu, tivemos que correr alguns quilômetros, na companhia de outros jovens estudantes, uma vez que os Txicão estavam atacando outros índios na proximidade. Uma flecha cravada em uma árvore, interpretada como um aviso, serviu-nos de poderoso estímulo, aumentando, em muito, nossa velocidade.

Hoje, o Brasil Central está ocupado pelo estado e pela sociedade brasileiros. Aos exploradores sucederam-se os fazendeiros com a tecnologia de soja e de capim braqueara da EMBRAPA. Resta a Amazônia, mas a idéia do ignoto deixou de existir, no tempo dos levantamentos por satélite e dos GPS.

Embora os tempos heróicos não estejam mais conosco, novas bases ideológicas, apoiadas na ecologia, se superpõem ao nacionalismo geográfico. Uma população densa e homogênea não parecer fazer sentido em áreas equatoriais de floresta e nem representa uma necessidade para a afirmação da identidade nacional. O uso econômico da floresta, pelas populações que nela habitam, com uma tecnologia baseada no aproveitamento das espécies naturais; no manejo cuidadoso da mata; na indústria pesqueira fluvial; e principalmente, na exploração da biodiversidade para o desenvolvimento de alimentos e remédios, originam um novíssimo paradigma, indispensável a uma ocupação bem sucedida da Amazônia.

Se conseguirmos ocupar a Amazônia, preservando a floresta como sua maior riqueza e respeitando as populações indígenas e caboclas, teremos mais um motivo para reafirmar, com orgulho, nossa identidade nacional.

Pantanal sofre com clima

Agência Brasil – Uma área de aproximadamente 55 mil Km² do Pantanal passa por um período de estiagem severa, segundo estimativas da unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). São mais de 50 dias sem chuva em sub-regiões pantaneiras que ainda não se beneficiaram da cheia anormal pela qual passa o rio Paraguai. Na cidade de Ladário (MS), que tem registros diários de mais de 100 anos, o Paraguai registrou, na 2ª feira (18), altura de 4,38 metros, ou seja, 35% acima da média histórica para essa época do ano, que é de 3,24 metros.

As sub-regiões de Nhecolândia, Paiaguás e Nabileque, todas no Pantanal sul-mato-grossense, são as que mais sofrem os efeitos da seca. O gado está mais magro e os animais silvestres buscam por alimento e água nas fazendas. Capivaras e jacarés morrem de sede e de fome. No caso do jacaré, a procura por água é uma armadilha. O réptil acaba se “enterrando” nas lagoas onde se deitou em busca de umidade para o corpo. Ele fica imobilizado por causa do barro em que se transformam as lagoas e pode mesmo morrer com a demora da chuva. 

A oferta de alimento é menor porque a vegetação está seca, o que prejudica também as pastagens nativas. Com a redução do volume de chuva, muitas baías e salinas (lagoas de água salgada) estão secando. Para salvar o gado, o pantaneiro escava o solo até a água aflorar, os poços de draga, ou ainda armazena água em reservatórios artificiais, as pilhetas. As estratégias acabam por beneficiar também os animais silvestres. Até agora, não há relato de perda de reses. O prejuízo fica por conta do baixo peso do animal, em função da má alimentação.

Em outra sub-região, a que leva o nome do principal rio que banha o Pantanal, a situação é totalmente inversa. Ali, devido ao atraso das chuvas no planalto onde nasce o Paraguai, na porção Norte da bacia, há água em abundância. “Os pantaneiros da sub-região Paraguai estão rindo à toa”, comenta o pesquisador Sérgio Galdino, da área de hidrologia da Embrapa Pantanal.

O ecossistema pantaneiro tem 138 mil Km² de área, segundo Galdino. A bacia do Paraguai, em território brasileiro, ocupa 366 mil Km², de acordo com o Plano de Conservação da Bacia do Alto Paraguai (PCBAP), projeto desenvolvido de 94 a 97, com recursos do Banco Mundial e coordenado pelo ministério do Meio Ambiente. “Esse é o melhor diagnóstico da BAP e também do próprio Pantanal”, observa o pesquisador. Como a área da bacia é muito grande, pode ocorrer simultaneamente, excesso de chuvas em algumas regiões e, em outros locais pode chover pouco, como ocorreu neste ano.

A cheia atípica do Paraguai, na avaliação de Galdino, ocorreu devido ao maior volume de chuva nas cabeceiras do próprio Paraguai, e de rios como o Cuiabá, principal tributário do Paraguai, o São Lourenço e o Piquiri. Apesar de não haver registros de volume de chuva para o Pantanal, tão antigos quanto os registros de nível de água do rio Paraguai, Galdino arrisca dizer que a quantidade de chuva nas cabeceiras pode até ser a mesma de outras épocas. Para ele, o que aumentou, de fato, foi o volume de água da chuva que chega a Ladário, cidade vizinha a Corumbá. 

É que os planaltos adjacentes ao Pantanal, praticamente intocados até a década de 70, passaram a sofrer pressão humana quando, por estímulo do governo, inclusive com incentivos fiscais, abriu-se ali uma fronteira agrícola. Com isso, o desmatamento se acelerou. Agricultura e pecuária se desenvolveram, muitas vezes, sem técnicas de manejo de solo adequadas. O solo, assim, ficou mais exposto e a ausência de vegetação nativa o tornou menos permeável. “A água infiltra menos no solo sem vegetação e escorre mais, formando enxurradas. Ou seja, o volume de chuva pode ser o mesmo, mas a entrada de água no Pantanal é maior”, avalia Galdino.

O posto de medição do nível d’água do Paraguai, em Ladário, fica no 6º Distrito Naval da Marinha. A corporação faz medições também nas cidades de Cuiabá e Cáceres, ambas em Mato Grosso e em Porto Murtinho, que fica abaixo de Ladário. Cáceres é o ponto de interseção entre o planalto e a planície. Galdino explica que a água desce com velocidade até ali, em função da maior declividade das terras do planalto. Já na planície, onde a declividade é quase nula, a água desce lentamente. “De Cáceres a Ladário, são dois meses para a cheia tomar corpo e de Ladário a Porto Murtinho, mais um mês”, conta. Daí o motivo do atraso de chuva nos planaltos beneficiar a região agora alagada.

O Paraguai, em Ladário, registrou, nesse ano, a maior pico de cheia dos últimos seis anos. Em Porto Murtinho, por exemplo, o nível do rio estava em 5,44 metros na segunda-feira (18) e ainda estava subindo. O rio transborda e alaga margens e planícies adjacentes. As baías próximas, que se alimentam do rio, ficam extremamente ricas em material orgânico, transportado pelas águas. Duas vantagens da cheia, apontadas pela pesquisadora Emiko Kawakami de Resende, chefe da Embrapa Pantanal, é a reposição do estoque pesqueiro e a renovação das pastagens nativas.

Surpresa – Com uma situação tão favorável na parte acima de Ladário, os pesquisadores da Embrapa Pantanal admitem surpresa com a seca nas sub-regiões pantaneiras de Paiaguás, Nhecolândia e Nabileque. “A situação é tão atípica que talvez precisemos rever os conceitos de seca e cheia”, observa Galdino. A fazenda Nhumirim, sede da unidade de pesquisa, fica na Nhecolândia. Ali, está localizada a única estação climatológica que avalia dados como temperatura, volume de chuva, umidade e ventos. De acordo com a pesquisadora Balbina Maria Araújo Soriano, o volume de chuva nesta região, desde outubro de 2002, está 35% menor, quando se faz a comparações com o mesmo período de anos anteriores. Choveu apenas 694,1 milímetros durante todo o período chuvoso dessa temporada.

Segundo Balbina, além do menor volume de chuva, essas sub-regiões sofrem com as altas temperaturas e a baixa umidade relativa do ar. “O cenário de estiagem é preocupante”, diz a pesquisadora. A situação tende a se agravar porque as previsões até outubro, quando reinicia o período de chuva, é de que o volume seja o mesmo da média histórica. “Isso significa um baixo volume de chuva para os próximos meses”, afirma. As previsões do regime pluvial são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Lana Cristina

Biopirataria

Agência Câmara – Os direitos intelectuais de populações tradicionais, como índios e seringueiros, foram debatidos hoje em audiência pública conjunta das comissões de Direitos Humanos e da Amazônia. O encontro analisou denúncias de que conhecimentos indígenas, principalmente sobre recursos biológicos, estão sendo utilizados sem autorização e sem retorno financeiro ou social para aquelas populações, em operações da chamada biopirataria.

Durante a audiência, o secretário-executivo do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético do Ministério do Meio Ambiente, Eduardo Véles Martin, criticou a medida provisória que atualmente regulamenta o assunto. Para ele, a MP é insuficiente para proteger os conhecimentos tradicionais dos índios: “A medida trata o tema de forma superficial, sem definir sanções administrativas e penais”.

Martin defendeu mudanças no projeto em discussão no Congresso que dá nova regulamentação ao assunto, com o reconhecimento de que os direitos sobre os conhecimentos tradicionais são inalienáveis. Mas, para ele, esse esforço não deve se limitar à mudança da legislação. “Precisamos articular um conjunto de ações para dar tratamento estratégico a essa questão”, afirmou.

Direito Econômico

Autor do requerimento para realização do debate, o deputado Henrique Afonso (PT-AC) defende que a legislação proteja não apenas os direitos intelectuais, mas também os direitos econômicos das populações tradicionais. “Nossos índios, seringueiros e ribeirinhos devem ser valorizados por seu grande conhecimento e sua contribuição ao mundo da ciência”, afirmou.

Em comemoração ao Dia da Amazônia, a Comissão da Amazônia e Desenvolvimento Regional vai promover, nos próximos dias 3 e 4 de setembro, o seminário “Amazônia: ameaças e oportunidades”.

Conflito em Primavera do Leste

Funai – O conflito de índios Xavante e fazendeiros do município de Primavera do Leste, no Mato Grosso será o principal tema da reunião com representantes da Funai, Ministério Público Federal, Polícia Federal e lideranças indígenas Xavante a ser realizada na próxima semana, a partir de terça-feira (26), na Terra Indígena Sangradouro. O desentendimento entre os Xavante e fazendeiros da região foi acirrado com o assassinato do índio Joaquim, no começo de abril deste ano. Desde de então, a etnia retêm na Terra Indígena Sangradouro alguns equipamentos de fazendeiros suspeitos do crime.

Na semana passada, um novo conflito eclodiu com o cerco de fazendeiros e pistoleiros ao Grupo de Trabalho (GT), constituído pela Funai para iniciar os estudos de revisão das Terras Indígenas Sangradouro e Volta Grande. Cercado e ameaçados de linchamento, o grupo deixou a cidade e aguarda instruções em Cuiabá, MT. De acordo com o coordenador do GT, Ricardo Calaça Manoel, os técnicos foram cercados e ameaçados na presença da Polícia Militar e Civil da cidade.

Depois do cerco, o prédio da Administração Executiva Regional (AER) foi incendiado durante a madrugada da quinta-feira, 14 de agosto. A polícia de Primavera do Leste trabalha com a hipótese de que o incêndio no prédio da Funai do município foi criminoso.

No dia anterior ao incêndio, o grupo de trabalho enviado pela Funai já havia sido interceptado por pecuaristas, que acabaram entrando em conflito com os índios que acompanhavam o grupo. Por determinação do Ministério da Justiça, a Polícia Federal está investigando o caso.