Sexta-feira, 01/06/2001

Deixamos Canarana-MT na manha de quarta-feira, por volta das 9h30. Um pouco antes, durante o café-da-manhã, havíamos tomado a decisão de seguir direto para Brasília. Pernoitar em Barra do Garças seria muito bom, mas não necessário. Como estamos com os gastos bem no limite, achamos mais prudente continuar viagem e chegar em casa no mesmo dia.

voltaparacasa.jpgNa primeira metade da viagem passamos pelos piores trechos: 20km de terra próximo a Canarana-MT e buracos no asfalto nos 280km até Barra do Garças-MT. Mesmo assim, tudo correu muito bem. Na terra, o maior problema foi os caminhões, a poeira levantada permitia uma visibilidade de poucos metros.

A viagem de volta foi cansativa e, ao mesmo tempo, rápida demais. Em apenas um dia, deixamos para trás amigos, paisagens, histórias: um mundo totalmente diferente. Foto: Fábio Pili

Chegamos por volta das 13h30 à Barra do Garças-MT, onde paramos rapidamente para falar com Valdon Varjão e pegar com o Seu Pedro Lira uma encomenda que ele está enviando para a capital. A partir daí, a estrada foi melhorando gradualmente. Chegamos em Goiânia-GO por volta das 19h30 e desta vez não houve turismo forçado como na ida. Duas horas mais tarde chegamos em Brasília.

Foi bem estranho passar pelo centro da cidade e ver tudo meio apagado, desde os outdoors até os monumentos. Em casa, novas lâmpadas econômicas, microondas desligado, máquina de lavar uma vez por semana, somente uma televisão ligada, nada de exaustor no fogão e a próxima vítima será o freezer. Outras novidades: assaltaram cerca de 20 carros na UnB em uma manhã, o irmão da moça que trabalha na vizinha foi brutalmente assassinado e o Antônio Magalhães chorou lágrimas de crocodilo no congresso.

Cada vez mais, fico com saudades do Xingu.

Abraços,

Fernando

PS – Nosso trabalho não vai parar aqui, continue acompanhando o Rota Brasil Oeste. A atualização de conteúdo continua.

Sábado, 26/05/2001 – Volta do Xingu

Acho que ontem foi um dia triste para todos nós. Foi difícil deixar para trás os amigos, índios e não-índios, que fizemos em terras xinguanas, sem contar com os dez dias de intenso aprendizado. Porém, tínhamos que dar prosseguimento ao nosso projeto.

Antes mesmo de clarear, estávamos a caminho da aldeia Yawalapiti, onde pegaríamos a lancha. A volta se resume assim: Ualá na direção, paisagem bonita, muito frio, muito sono, biscoitos e barras de cereais, o sol das 10h trás calor, chegada ao meio dia, mais 3h30 de terra, caçamba do caminhão desconfortável, sol muito forte, pouca água, buracos e macacos na estrada, Canarana.

equipeempimentelbarbosa.jpgAmanhã, iremos conhecer os Xavantes da reserva de Pimentel Barbosa, no entanto, dependemos de umas decisões práticas que tomaremos daqui a pouco. Este assunto ainda está nebuloso. Até resolvermos alguma coisa, ficaremos de banho-maria aqui em Canarana.

Pedro

Reserva de Pimental Barbosa, próximo à aldeia de mesmo nome. Os índios preservam centenas de quilômetros de cerrado neste pedaço da Serra do Roncador. Foto: Guilherme Carrano

PS – Gostaríamos de agradecer mais uma vez ao Batalhão da Polícia Militar de Canarana-MT, principalmente ao Tenente Mendes, comandante da força local. Nosso carro ficou aos seus cuidados durante todo o tempo em que estivemos no Xingu.

Segunda-feira, 14/05/2001

A confusão se instalou de vez e me impede de escrever qualquer coisa para o diário. As dúvidas sobre a relação entre índios e não-índios são muitas, principalmente depois de uma conversa com o Guilherme Carrano, indigenista da Funai que se juntou ao grupo hoje e vai nos acompanhar até o fim do trajeto. É muito complicado até mesmo encarar o conflito, pois a situação mexe com diversas idéias e crenças desde pequeno difundidas, é um exemplo explícito, palpável, da dúvida sobre (a existência do) o certo e o errado, sobre o processo histórico.

Já ouvi reclamações sobre a superficialidade dos assuntos. Tenho defesas: não tenho tempo e, principal, aprendi a resolver meus problemas (no caso, um prazo diário para atualizações) com o que tenho, mesmo sabendo não ser esta a melhor solução.

guilhermecarrano.jpgMas, neste caso específico – o equilíbrio tenso entre índios e não-índios ou entre índios e civilizados, como insistem alguns -, a falta de referencial é uma barreira. Então, acredito que o melhor seja permanecer quieto, sem expressar opiniões, pelo menos até conhecer o outro lado. Espero que no Xingu eu consiga escrever algo. Desculpem a confusão, mas o assunto é confuso.

Guilherme Carrano, indigenista da Funai e novo menbro da expedição. Com quase trinta anos de experiência entre diversas etnias, sua ajuda vai ser fundamental. Foto: Fernando Zarur

Bruno Radicchi

Domingo, 13/05/2001

Engraçado, as fãs que ontem estavam se descabelando na porta do hotel, hoje nem apareceram…

Nesse domingo, dia das mães, Água Boa parecia mais uma cidade fantasma. Até os restaurantes estavam fechados.

O marasmo nos contaminou. Vamos amanhã para Canarana.

Fábio, Pedro e Equipe do Rota Brasil Oeste

Cerrado e chimarrão

O processo de colonização do Brasil é muito mais extenso do que é ensinado nas escolas. Não só as Capitanias Hereditárias, Bandeiras e a construção de Brasília, em 1960, resumem este processo. Uma importante parte da história recente da ocupação do país ainda é ignorada.

Há 58 anos atrás, a Expedição Roncador-Xingu e a Fundação Brasil Central construíram rodovias e fundaram cidades, criando novas fronteiras econômicas no Centro-Oeste brasileiro. No final da década de 1960, projetos do Governo Federal de incentivo à colonização da região, como o Proterra, chamaram a atenção de agricultores gaúchos, dando início a uma segunda onda de ocupação.

m1305.jpgLogo, trabalhadores rurais e pequenos proprietários do Rio Grande do Sul se organizaram em torno de cooperativas a fim de obter terras e maquinários financiados em 10 anos e a juros fixos no Mato Grosso. Segundo Elcides Salamoni (na foto ao lado), um dos colonos e fundador da extinta Cooperativa 31 de Março, “a colonização aconteceu devido ao alto preço da terra no sul. Não viemos por amor ao país, e sim para ficar rico.”

Nessa época, o tamanho médio da pequena propriedade no Rio Grande do Sul era de apenas 2,5 hectares, enquanto que o colono associado à 31 de Março que vinha para o Vale do Araguaia recebia um lote rural de 400 hectares e 3 lotes urbanos com 800 m2 cada. Segundo Salamoni, cidades como Água Boa e Canarana foram planejadas em Tenente Portela (RS), antes mesmo da vinda dos colonos. “Fizemos que nem Brasília, com ruas largas e espaço de sobra”, afirma o pioneiro.

Apesar de todos os incentivos, as dificuldades encontradas foram grandes. A área era completamente desabitada e sem infraestrutura. “Aqui não tinha nada, nem posto de gasolina. Tínhamos que trazer o diesel para as máquinas de Barra do Garças”, explica Salamoni. E completa: “Tivemos que construir toda a infraestrutura das cidades, desde a escola, igreja até as pontes”.

De 1974 a 1980, duas mil famílias gaúchas vieram para região de Água Boa (MT). Destas, 35 % tiveram sucesso e permaneceram, o que é considerada uma excelente média, bem acima dos 20% a 25% previstos para esse tipo de empreendimento. “Não trouxemos empresários, mas sim agricultores. Houve muitas frustrações e mesmo assim fomos bem sucedidos”, conta Salamoni.

Mesmo com todo o planejamento prévio, o processo de ocupação do Mato Grosso é muito criticado. O Projeto Proterra, por exemplo, não exigia qualquer estudo de impacto ambiental, o que gerou uma grande destruição da fauna e da flora local. Hoje Salamoni lamenta a ocupação desenfreada: “não tivemos a menor preocupação com o cerrado, queríamos fazer lavouras. Hoje estamos vendo rios assoreados e as terras virando areia.”

A indústria agropecuára em Água Boa

A história de Água Boa confunde-se com a evolução de sua economia. A fundação da cidade, em 1975, foi feita por colonos gaúchos que vieram para a região fugindo da escassez de terras para agricultura no Sul. Este movimento foi viabilizado por um planejamento prévio de desenvolvimento agrário, e auxiliado por programas governamentais de crédito para a terra.Água Boa começou como um município voltado para a agricultura. Os primeiros migrantes implantaram na região, por volta de 1974, a cultura do arroz, desenvolvida em propriedades de médio porte (basicamente 400 hectares) e apoiada por um sistema de cooperativas. Este método possibilitou uma rápida industrialização da produção, que, ainda na década de 70, era uma das maiores do país.

A introdução da soja veio alguns anos depois, com a necessidade de diversificação das culturas plantadas. Trazido por empresários paulistas ao Vale do Araguaia, o grão tornou-se a segunda atividade econômica do município.

No início da década de 90, o governo Collor acabou com o financiamento agrícola para as cooperativas que atuavam na região. Com isso, a estrutura produtiva do município foi abalada: a antiga associação, a Cooperativa Agropecuária Mista Canarana Ltda(Coopercana), entrou em falência. Eucides José Salamoni, um dos fundadores da instituição e vice-prefeito de Água Boa no período 1980-1986, diz que “a alternativa para a gauchada foi a pecuária: o investimento inicial era pouco e não dependia dos incentivos do governo.”

Parte considerável das terras destinadas à produção de grãos foram transformadas em pasto. O rebanho, dividido em propriedades com uma média de 1000 hectares, atinge hoje a quantidade de 450 mil cabeças de Nelore PO. Além disso, por ser localizada no centro do pólo pecuário do Vale do Araguaia e do Xingu, a cidade se destaca na comercialização de gado melhorado de raça. A Estância Bahia, maior da região, foi responsável, no final do ano passado, pela venda de 12,8 mil cabeças num único leilão, que movimentou R$ 5,2 milhões.

“Água Boa é a capital da comercialização de bovinos. Nossos leilões, realizados durante todos os fins de semana de junho a outubro, atraem investidores paulistas, paranaenses, goianos e estrangeiros”, afirma Cesar Friedrichs, um dos responsáveis pela Estância Bahia.

m1205.jpgEm busca da revitalização da agricultura e de alternativas para o pequeno produtor, empresários locais começam a explorar novos tipos de cultivo. O algodão, amplamente explorado em outras áreas do Mato Grosso, é uma das grandes promessas para o município.

Uva: uma das alternativas de produção para a economia de Água Boa. Foto: Fernando Zarur

A uva, segundo Eucides Salamoni, é uma outra opção para a região. Estudando há cinco anos uma plantação de parreiras de diversas espécies, Salamoni afirma que a exploração comercial do tipo Niágara é viável e pode gerar renda para os pequenos produtores, com terrenos de até 50 hectares. “Aqui o clima é favorável. Você pode, facilmente, ter duas colheitas por ano e obter uma produção de 25 toneladas por hectare, enquanto no Sul, a média é de 15 toneladas”.

Sábado. 12/05/2001

fasaguaboa.jpgNão sabia que a gente estava com a popularidade tão alta. Lá pelas 8 da noite, uma legião de menininhas enlouquecidas ficaram gritando em frente ao hall do hotel. Foi algo como uma histeria coletiva. Eu tenho certeza que nenhum de nós quatro nunca foi tantas vezes chamado de lindo e maravilho (e coisas do tipo) por tantas garotas ao mesmo tempo. Ainda bem que montaram um esquema de segurança muito eficiente, senão estaríamos desnudos, arranhados e sujos de Boca Loca. Só não consigo entender bem o porquê de tanto barulho, a gente só fica tirando umas fotos por aí.

O assédio na porta do Hotel, logo que chegamos à cidade, nos assustou. Foto: Pedro Ivo Alcântara

Gostaria muito de agradecer ao pessoal da organização (infelizmente não tivemos oportunidade de conhecê-los ainda) pelo bom trabalho em zelar pela nossa integridade física.

Pedro

P.S.: Agora quero ver se o recepcionista do hotel não vai trocar o meu colchão de compensado maciço com aqueles cantores também hospedados aqui, são os… Sei lá! Acho que é do Jogo de Varetas, Baralho ou seria Dominó?

Água Boa

Antigo território de nações indígenas hoje desaparecidas, como os Tsuvá e Marajepéi, a região onde hoje está localizada Água Boa começou a ser explorada em 1673, quando o bandeirante Manoel de Campos Bicudo teria iniciado uma busca pelas lendárias Minas dos Martírios. Logo após, a região foi praticamente esquecida, sendo habitada apenas por povos nativos.

No final da década de 1940, a Expedição Roncador-Xingu chegou ao território. Junto com as Forças Armadas, procurava um lugar mais seguro para, em caso de necessidade, transferir a capital da República do litoral para o interior.

Nessa mesma época, o Serviço de Proteção ao Índio (SPI) teve os primeiros contatos com os Xavantes, nação indígena que habitava a área e ainda era arredia. Atualmente, os índios habitam a Reserva Indígena dos Areões.

Existem duas explicações para o nome da cidade de Água Boa. Numa delas, a denominação teria surgido quando a Fundação Brasil Central inaugurou a BR-158. O morador “Mané da Água Boa” canalizou um córrego à beira da estrada e utilizava a água para seu rancho, conhecido como Pousada dos Viajantes. Com o aumento do movimento na rodovia, Manoel inaugurou um posto de gasolina, que ficou conhecido como o ponto de referência dos limites entre Água Boa, MT, e Canarana, MT.

ruas.jpgA versão do sertanista Orlando Villas Bôas é um tanto diferente. Segundo ele, a tropa de vanguarda da Expedição Roncador-Xingu estava há vários dias sem encontrar nenhuma fonte de água potável e alguns trabalhadores estavam muito fracos. “Resolvi sair à procura de um riozinho. Foi quando encontrei um fio d’água, comecei a gritar: Água boa, água boa!”, explica Orlando. Próximo ao local foi montado pelos expedicionários o acampamento de Água Boa.

As largas avenidas de Água Boa e seu traçado foram inspirados pelo urbanismo de Brasília. Foto: Bruno Radicchi

Entretanto, a colonização da área se consolidou apenas em 1958, estimulada pelo governo do Mato Grosso, que vendia terras a preços reduzidos. Em contrapartida, os colonos deviam abrir estradas e montar a infra-estrutura. A primeira fazenda foi implantada pelo pioneiro gaúcho Paulo Jacob Thomaz. A iniciativa atraiu outras famílias do Rio Grande do Sul e impulsionou o desenvolvimento da comunidade que ficou conhecida como Vau dos Gaúchos.

Na década de 70, a região recebeu novos colonos e passou a ser um dos marcos do desenvolvimento agrícola no Estado do Mato Grosso. Diversos órgãos do governo federal, como a Superintendência para o Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e a Superintendência para o Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco), estimularam a produção agropecuária no cerrado por meio de projetos específicos, caso do Proterra e Polocentro.

Em 1979, a cidade conquistou emancipação administrativa e política, tornando-se um município independente. Hoje, Água Boa se destaca no Vale do Araguaia como uma das cidades que mais cresce, devido principalmente às grandes plantações de arroz e soja e ao rebanho bovino.