Consumidores pagarão R$ 22 milhões para usar água de rios em três estados

Cerca de 300 empresas, companhias de saneamento, indústrias e produtores rurais dos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais vão desembolsar R$ 22 milhões nas próximas semanas para utilizar a água de duas bacias hidrográficas.

A Agência Nacional de Águas (ANA) enviou os boletos de cobrança pelo consumo da água de duas bacias: a do Rio Paraíba do Sul (que atravessa o leste de São Paulo e o Rio de Janeiro) e a que reúne os rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (afluentes do Rio Tietê em São Paulo).

Prevista na Lei das Águas, que completou dez anos em 2007, a cobrança pela retirada de água dos rios destina-se a reduzir a poluição e o desperdício de água nessas bacias. “A cobrança incentiva o uso racional", explicou o diretor da agência, Benedito Braga. O dinheiro, acrescentou, é integralmente empregado em ações de recuperação e preservação dos mananciais.

A ANA espera arrecadar R$ 8,85 milhões de cerca de 200 usuários da água da bacia do Paraíba do Sul, onde a cobrança foi instituída em março de 2003. Na bacia do Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ), a estimativa é que em torno de cem grandes consumidores paguem R$ 13,15 milhões. Nessa região, a utilização da água é taxada desde janeiro de 2006.

Com 17 empreendimentos que retiram água das duas bacias, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) é a maior pagadora individual. Somente neste ano, a empresa desembolsará aproximadamente R$ 9 milhões, dos quais R$ 7,5 milhões, conforme a ANA, destinam-se ao desvio de água da bacia do PCJ para abastecer a Região Metropolitana de São Paulo.

Tanto a cobrança como o valor que cada usuário pagará, esclareceu Braga, são definidos pelos Comitês de Bacia, entidades criadas pela Lei das Águas e que contam com a participação de governos estaduais, municipais, organizações não-governamentais (ONGs) e representantes da sociedade civil. Os mecanismos e o controle de cobrança precisam ser aprovados pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH).

“Nem imposto nem taxa, essa cobrança, na verdade, é um preço público acertado entre os Comitê de Bacia e os usuários”, comentou Braga. “É como se fosse um condomínio em que cada um paga pela proporção da água que utiliza”, comparou. O diretor da ANA ressalta que quem não pagar, além de ser multado pela agência, terá o nome inscrito na dívida ativa e até poderá ter o dinheiro cobrado na Justiça.

Por enquanto, as companhias de água e saneamento não estão repassando ao consumidor residencial o valor pago pela retirada da água. No caso da Sabesp, a cobrança é progressiva e subiu de 50% do preço determinado pelo Comitê de Bacia do PCJ, em 2006, para 75% neste ano, devendo chegar a 100% em 2008. Mesmo assim, a empresa informou, por meio da assessoria de imprensa, não ter previsão de transferir essa tarifa aos consumidores.

Apesar de existirem em torno de 130 comitês no país, apenas nas bacias do Paraíba e do PCJ a cobrança foi regulamentada. A expansão para outras regiões dependerá de os comitês em cada bacia concluírem que está havendo desperdício de água nas bacias.

Segundo Braga, a medida está em estudo pelos comitês das bacias dos seguintes rios: São Francisco, Doce (que atravessa Minas Gerais e o Espírito Santo) e Verde Grande (na divisa da Bahia com Minas Gerais). “É uma questão de tempo até os comitês reconhecerem a importância de estimular o uso racional da água”, avaliou.

O diretor da ANA afirmou ainda que o Comitê de Bacia do Paranaíba, que ainda está em processo de formação, também deve aprovar a tarifa pelo uso da água. Essa bacia se estende pelo Distrito Federal e quatro estados: Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e São Paulo.

Desde 2003, cerca de R$ 36 milhões foram arrecadados desde o início da cobrança. Segundo a ANA, esse dinheiro foi totalmente aplicado em cerca de cem ações de recuperação das bacias do Paraíba do Sul e do PCJ. O maior empreendimento, ainda de acordo com a agência, foi a construção de uma estação de tratamento de esgoto em Barra Mansa (RJ), que custou R$ 3,3 milhões e beneficiou 39 mil moradores do município, banhado pelo Rio Paraíba.

Correndo pra lugar nenhum: os dez rios mais ameaçados do mundo

As maiores fontes de abastecimento de água do mundo – rios em todos os continentes – estão secando ou severamente ameaçados. Má gestão e proteção inadequada indicam que já não há como presumir que estes rios correrão para sempre, segundo a rede WWF.

No relatório "Os dez rios mais ameaçados do mundo", divulgado em antecipação ao Dia Mundial da Água (22 de março), a rede WWF enumera os rios que mais rapidamente estão secando como resultado das mudanças climáticas, poluição e barragens.

“Todos os rios do relatório simbolizam uma crise dos recursos hídricos, que vem sendo sinalizada há anos, alarme ao qual se tem feito ouvidos de mercador”, disse Jamie Pittock, Diretor do Programa Global de Água Doce da rede WWF. “Da mesma forma como as mudanças climáticas têm, agora, a atenção dos governos e da iniciativa privada, queremos que os governantes e lideranças percebam a emergência enfrentada pela água agora, não mais tarde”.

Cinco dos dez rios mencionados no relatório estão na Ásia: Yangtze, Mekong, Salween, Ganges e Indus.  O Danúbio, na Europa, os rios Prata e Grande/Bravo – nas Américas -, a bacia africana Nilo-Lago Vitória e a australiana Murray-Darling também compõem a lista.

Barragens ao longo do Rio Danúbio – um dos maiores da Europa – já destruíram 80% das áreas inundáveis e áreas úmidas da bacia.  Mesmo sem o aquecimento que ameaça degelar o Himalaia, o Rio Indus enfrenta escassez devida à superexploração de suas águas para a agricultura.  As populações de peixes, maior fonte de proteínas e mais importante fonte de vida para centenas de milhares de famílias em todo o planeta, também se encontram ameaçadas.

O Brasil, a Lei e o PAC

A bacia do Prata é a segunda maior bacia da América do Sul. É formada pelos rios Paraguai, Paraná e Uruguai que juntos drenam uma área correspondente a 10,5% do território brasileiro, com 3,2 milhões de km².  Ela permeia passa pelos as fronteiras do Brasil, Argentina, Bolívia, Paraguai e Uruguai e já  possui 27 grandes barragens. O Prata é um dos rios mais ameaçados do mundo pelo grau de fragmentação que sofreu. Segundo Denise Hamú, secretária geral do WWF-Brasil, a conseqüência é a rompimento do equilíbrio ecológico dos rios e o impacto social em função do deslocamento de milhares de pessoas. “Além disso, os Governos não vêm aplicando as recomendações da Comissão Mundial das Barragens para os projetos de represas”.

Os demais rios brasileiros não estão livres de ameaças, segundo Samuel Barrêto, coordenador do Programa Água para a Vida de Gestão e Conservação de Recursos Hídricos, da ONG ambiental brasileira WWF-Brasil, que compõe a rede mundial.  “A Lei das Águas está completando dez anos e há avanços importantes como a criação da Agência nacional de Águas  – ANA e a aprovação do Plano Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), mas ainda existem lacunas e vulnerabilidades”, afirma Barrêto.

O especialista também inclui o componente climático como um dos fatores de risco sobre a quantidade e qualidade da água, comprometendo a segurança hídrica de milhões de brasileiros. “É também preciso considerar o aspecto econômico”, avalia Samuel, pois, segundo ele, o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), da forma como foi apresentado, não deixa claro como as diretrizes ambientais e o capital natural irão permear o projeto, deixando uma brecha para o crescimento a qualquer custo, com degradação dos recursos naturais, ameaçando o nosso capital essencial, para a manutenção dos negócios a médio e longo prazos.

O relatório da rede mundial conclama os governos a protegerem melhor os recursos hídricos para garantir os ecossistemas e a vida das pessoas.

“A conservação de rios e áreas úmidas deve ser vista como parte e parcela da segurança nacional, saúde e sucesso econômico”, acrescentou Pittock.  “Devem-se incentivar formas eficientes de utilização dos recursos hídricos para a agricultura e outros fins.”

A rede WWF acrescentou que acordos de cooperação para a gestão de recursos coletivos preconizados pela Convenção dos Cursos D’água das Nações Unidas devem ser ratificados e financiados.

“A crise hídrica é maior do que apenas os dez rios mencionados neste relatório, mas ele reflete como o crescimento descontrolado reduz a capacidade de natureza de atender às nossas próprias crescentes demandas”, concluiu Pittock.  “Devemos mudar nosso comportamento agora ou pagar o preço em um futuro não muito distante.”

População de baixa renda paga mais caro por água potável, aponta relatório da ONU

Essencial para a sobrevivência humana, a água é um produto de luxo para boa parte da população mundial. Famílias de baixa renda de países em desenvolvimento chegam a pagar 10 vezes mais pela água do que as com maior poder aquisitivo. O cálculo foi divulgado hoje (9) pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) no Relatório de Desenvolvimento Humano 2006 (RDH).

De acordo com o consultor do Pnud, Flávio Comim, populações mais pobres como da Colômbia, Filipinas e Gana pagam cerca de US$ 5 (R$ 10,70) por metro cúbico de água, sendo que em países como Londres a aquisição sai por menos de US$ 2 (R$ 4,28). “Essa diferença chega a até 10 vezes. Mas este é apenas um aspecto do preço. O segundo é que os pobres também pagam mais por conta da proporção de renda”, destaca Comim.

O relatório mostra que 20% dos mais pobres na Nicarágua, El Salvador e Jamaica, por exemplo, gastam mais de 10% de sua renda na compra de água potável. Deste grupo, cerca da metade vive com menos de um dólar por dia (R$ 2,14).

“O recomendável é que esse percentual seja igual ou inferior 3% da renda. Existem lugares na Argentina que esse valor é de 10%. Isso acontece porque as pessoas não estão ligadas a um serviço de água encanada e acabam buscando meios alternativos, principalmente, em períodos de seca e em áreas rurais. Isso encarece o custo da água para essas pessoas”, explicou o consultor do Pnud.

Comim disse que para chegar nesses resultados existem três critérios de avaliação da água: qualidade, quantidade e proximidade. Com relação à qualidade, ele explicou que a água deve estar própria para beber e para um consumo de, no mínimo, 20 litros por pessoa/dia. Já com relação à proximidade, as pessoas devem ter acesso ao recurso em até um quilômetro de distância.

Outro aspecto apresentado pelo documento é que o consumo de água tem crescido de forma acelerada. De acordo com um trecho do relatório, “nos últimos cem anos, a população quadruplicou, enquanto que o consumo de água cresceu sete vezes”.

No entanto, para o consultor do Pnud, a escassez não acontece por conta da falta de água, mas pela má distribuição. “Hoje existe água suficiente para todas as pessoas, mas ao mesmo tempo existem pessoas que consomem mil litros de água por dia. Em outros países, como Moçambique, esse consumo não passa de 10 litros.”

No Brasil, o problema está relacionado à desigualdade de renda. Mas, de acordo com Flávio Comim, o relatório não traz dados sobre o preço da água potável para as populações brasileira de baixa renda.