No Alto Xingu, sertanista morto é homenageado no Kuarup entre kuikuros e kalapalos

O sertanista Apoena Meireles, assassinado no ano passado em Rondônia, foi um dos homenageados no Kuarup que terminou hoje (26) na aldeia Ipatse, dos Kuikuro, no Parque Indígena do Xingu. O Kuarup é uma celebração fúnebre de mortos ilustres do Xingu e, desde que os índios começaram a ter contato mais intenso com os brancos, passou a incluir também a homenagem a brancos que tiveram alguma relação com a causa indígena.

A cerimônia, que se dá sempre nesta época do ano, pode acontecer em qualquer uma das aldeias das 14 etnias que habitam a região meridional do parque, o chamado Alto Xingu. Para isso, é preciso que haja um morto ilustre (chefe ou parente de um chefe) a ser homenageado. Este ano, já tinha acontecido um Kuarup na aldeia Waurá, quinze dias atrás.

No Kuarup que terminou hoje, os homenageados principais dos Kuikuro foram Nahu e Sesuaká, pais de Jakalo, um dos principais líderes kuikuro, além de um morto kalapalo; povo que é o principal aliado dos Kuikuro. Ao todo, foram quatro troncos decorados em homenagem aos mortos. Segundo o antropólogo Carlos Fausto, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Nahu era um dos três únicos xinguanos que falava português na época da implantação do Parque Indígena do Xingu, nos anos 60. "Por isso ele se tornou intermediário
importante e ganhou prestígio, apesar de não pertencer a uma família tradicional de chefes",
explica ele. Há cinco anos, Fausto auxilia os Kuikuro em um projeto de preservação da sua memória tradicional.

"O Kuarup é a festividade mais conhecida dos povos indígenas do Brasil", afirmou o presidente da Fundação Nacional do Índio, Mércio Pereira Gomes, que acompanhou o Kuarup na aldeia Kuikuro entre ontem e hoje. "Apoena foi desde os 17, 18 anos uma pessoa dedicada aos índios. O pai, Francisco Meireles, também foi, e conheceu os índios daqui nos anos 40. Então, é como se fosse uma linhagem de indigenistas, e esse reconhecimento é emocionante para nós." Gomes lembrou que foi ele próprio quem tinha convidado Apoena a voltar para o trabalho na Funai, já que o sertanista estava aposentado.

No ano passado, Apoena, que, na década de 60, ainda adolescente, aos 17 anos, tinha ajudado a contatar os Cinta-Larga, índios tupi de Rondônia, foi auxiliar a Funai na mediação do caso em que cerca de 29 garimpeiros foram mortos pelos índios na área indígena Roosevelt. A área vive conflito pela posse de uma jazida de diamantes. Desde o fim de 2003, ele era coordenador regional da Funai em Rondônia. Apoena foi assassinado por um adolescente quando saía de um caixa eletrônico em Porto Velho.

Estudante diz que matou porque Apoena reagiu a assalto

Um jovem de 17 anos, de classe média, aluno de um bom colégio e sem passagem pela polícia é o suposto assassino do sertanista Apoena Meireles, de 55 anos. O sertanista foi morto no último sábado (9), numa agência bancária em Porto Velho (RO). Detido na madrugada de hoje, o suspeito já foi encaminhado para o Juizado da Infância e Juventude.

Em entrevista à Rádio Nacional AM, o diretor-geral da Polícia Civil de Rondônia, Carlos Eduardo Ferreira, informou que os policiais chegaram ao suposto assassino após rastrearem o celular de Apoena, que foi vendido pelo menor e repassado para outras duas pessoas. O adolescente detido disse, durante o depoimento, que não sabia quem estava roubando e que a única motivação do crime teria sido o dinheiro.

Ele afirmou também que a arma utilizada no crime, um revólver de calibre 38, foi emprestada de um amigo. Antes do crime, ambos bebiam cachaça com refrigerante. Por volta das 20 horas, o jovem infrator saiu de casa de bicicleta e seguiu direto para o Banco do Brasil. O menor disse que não teve coragem de roubar o primeiro casal que viu porque eram jovens e resolveu atacar Apoena e Cleonice, funcionária da Fundação Nacional do Índio (Funai), que acompanhava o indigenista.

Segundo o menor, após o anúncio do assalto, Apoena reagiu com socos e pontapés. Durante a luta, o adolescente roubou o celular de Apoena e disparou dois tiros em seu abdômen. Em seguida, roubou a carteira de Cleonice e fugiu.

O menor foi abordado por policiais na noite de ontem, em frente a sua casa, e não reagiu à prisão. A roupa que o jovem vestia na noite do crime e a bicicleta usada na fuga foram encontradas na casa dele. A arma do crime ainda não foi achada. Ele confessou o assassinato e foi reconhecido pela funcionária da Funai que acompanhava Apoena.

Sertanistas são alvo constante de ameaças de morte

A história da demarcação de terras indígenas está diretamente relacionada a constantes ameaças de morte. A afirmação é do administrador da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Goiás, Edson Beiriz. Ele chegou em Brasília para participar do velório do sertanista Apoena Meireles, assassinado na noite de sábado em Porto Velho (RO), por volta de 21h30, durante assalto quando se encontrava em uma agência do Banco do Brasil.

Apesar de a polícia de Rondônia suspeitar, no primeiro momento, de latrocínio (roubo seguido de morte), Beiriz não descarta a possibilidade da morte de Apoena ter relação com o trabalho feito junto aos índios Cinta-larga. “O trabalho que a Funai vinha fazendo em Porto Velho em relação aos Cinta-larga era muito pesado. É difícil prever à distância, mas eu não duvido que o assassinato tenha alguma relação com isso. Ele era o coordenador da área e as ações eram muito visadas ali. Vamos esperar as investigações da polícia e ver no que vai dar”, afirma.

O próprio Beiriz, responsável pela demarcação de terra dos Xavante, em Mato Grosso, também é alvo constante de ameaças de morte. “É uma realidade comum. Trabalhar com a questão indígena mexe com interesses políticos e econômicos, principalmente no que se refere à posse de terras. A história da demarcação de terras indígenas está ligada a ameaças de morte”.

Funcionários da Funai poderão ter poder de polícia

O vice-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Roberto Lustosa, disse hoje, durante velório do sertanista Apoena Meireles, em Brasília, que o Ministério da Justiça estuda a possibilidade de conceder poder de polícia aos funcionários da instituição, vítimas de constantes ameaças de morte. "Uma das coisas importantes que o governo está preparado para resolver é conceder poder de polícia ao nosso pessoal. Essa concessão dará ao servidor uma condição melhor para se defender nas operações de risco", afirmou Lustosa.

Ele explicou que o poder de polícia permitirá que funcionários em operação utilizem armas, dêem voz de prisão, façam apreensões e apliquem multas. Roberto Lustosa lamentou a morte do indigenista. "Para nós, que somos colegas e amigos dele, foi um choque muito grande. Além de ser uma pessoa de caráter forte e solidário, ele também tinha um papel importantíssimo nesse processo de reestruturação da Funai e na solução das crises que estavam surgindo em Rondônia com os Cinta-larga", acrescentou.

Índios de diversas etnias cantaram e dançaram no velório de Apoena Meireles, na sede da Funai, prestando a última homenagem. O corpo do sertanista sairá de Brasília às 14h30 e chegará ao aeroporto do Galeão, no Rio às 16h10. O enterro está marcado para as 10h desta terça-feira.

Perfil de Apoena Meireles

“(…)Eu prefiro morrer lutando ao lado dos índios em defesa de suas terras e seus direitos do que viver para amanhã vê-los reduzidos a mendigos em suas terras”, Apoena Meirelles.     

apoena4.jpgNascido na reserva indígena de Pimentel Barbosa, Apoena seguiu os passos do pai, Francisco Meireles, dedicando a vida à questão indígena desde cedo.  Em 1967, aos 17 anos e ao lado do pai (foto), fez o primeiro contato com os Cintas-larga. Nesta época, ele revoltava-se com a invasão de áreas indígenas por colonos protegidos por leis estaduais e pelos projetos de expansão de fronteira agrícola e de assentamentos do Incra.

Apoena começou cedo na trilha do indigenismo, nos moldes preconizados por Francisco Meirelles e de integrantes de uma geração de sertanistas que aprendeu e preconizou o respeito à vida humana e aos costumes indígenas. Seus principais trabalhos foram a consolidação da atração dos Kren-Akarore, os índios descritos como “gigantes”, em Mato Grosso, e dos Waimiri-Atroari, na Amazônia, que acuados por invasores, estavam em pé-de-guerra. Além dessas etnias, Apoena comandou as frentes de atração dos Suruí e Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia, estado onde fez quase toda a sua carreira de indigenista. Consolidou as atrações dos Zoro, em Mato Grosso; Avá-Canoeiro, em Goiás e Cinta-Larga, em Mato Grosso e Rondônia.   

Com uma visão equilibrada, ao mesmo tempo em que trabalhava para preservar as comunidades, Apoena entendia que os índios tinham direito ao conforto de parte da sociedade brasileira, desde que não perdessem os elos ancestrais de sua cultura, seus costumes e tradições religiosas. apoena2.jpg

Apoena (foto) foi assassinado no dia 10 de outubro de 2004 aos 55 anos depois de ser vítima de um assalto numa agência do Banco do Brasil de Porto Velho, RO. Ainda há suspeitas de que o indigenista tenha sido executado. Em sua última missão, Meireles estava coordenava uma força-tarefa criada para impedir a entrada de garimpeiros nas aldeias dos Cinta-Larga e na área de mineração de diamantes da Reserva Roosevelt, RO. Além disso, trabalhava para esclarecer a morte de 29 garimpeiros que invadiam a área indígena e foram executados.

Com informações e fotos da Funai

Sertanista Apoena Meireles morre em assalto em Porto Velho

O sertanista Apoena Meireles foi assassinado na noite deste sábado, por volta de 21h30, num assalto na agência do Banco do Brasil de Porto Velho (RO). De acordo com informações do assessor da Fundação Nacional do Índio (Funai), Vitorino Nascimento, uma funcionária da fundação estava com o sertanista e presenciou o assassinato.

A funcionária disse que um rapaz, aparentando ter 18 anos de idade, se aproximou dos dois no caixa eletrônico do banco e anunciou o assalto. Segundo ela, Apoena teria colocado o dinheiro na carteira e, ao dar um passo na direção do assaltante, recebeu um tiro no peito. Em seguida o rapaz fugiu, mas Apoena correu atrás e houve um segundo disparo, mas não acertou o sertanista, que continuou a perseguição. O assaltante então deu um terceiro disparo, atingindo Apoena no abdômen. O sertanista morreu antes de chegar ao hospital.

“Nós recebemos essa notícia com muita tristeza e revolta. Apoena era muito querido em todo estado, porque ele e o pai (Chico Meireles) foram dois desbravadores da região. Para os índios é uma perda muito dolorosa”, ressaltou Vitorino.

O assessor da Funai afirmou que a polícia já fez um retrato falado do assaltante e junto com a Polícia Federal estão à procura do assassino. As câmeras de vídeo internas do banco serão utilizadas para descobrir a identidade do criminoso, que fugiu de bicicleta. “Três equipes estão trabalhando e monitorando alguns suspeitos, mas ainda não tivemos a identificação do fugitivo”, informou.

O assessor informou que o corpo já passou por uma autópsia no Instituto Médico Legal (IML).

Diretor da Polícia Civil acredita que morte de Apoena foi crime de latrocínio

O diretor da Polícia Civil do Estado de Rondônia, Carlos Eduardo Ferreira, acredita que o assassinato do sertanista Apoena Meireles foi mesmo um crime de latrocínio (roubo seguido de morte). “Nós estamos trabalhando com latrocínio. De todas as testemunhas ouvidas, todas as evidências até então mostram que o crime foi de latrocínio", afirmou.

Embora a versão mais forte seja a de crime sem premeditação, Carlos Eduardo ressaltou que a polícia nunca deve descartar uma hipótese. “Quando a gente trabalha com crimes contra a vida, contra o patrimônio, a gente nunca descarta nenhuma hipótese. A polícia nunca pode descartar qualquer hipótese”, explicou.

De acordo com Carlos Eduardo, o modo de o assassino agir demonstrou que não seria um crime sob encomenda. "Seria de uma pessoa só, que tentou realizar um assalto e não foi bem sucedida. A reação não esperada de Apoena acabou fazendo com que o criminoso disparasse o revólver. O que está evidenciando até então é o latrocínio. Pelo ‘modus operandi’ e pela testemunha”, afirmou.

Para o diretor da Polícia Civil, a fuga de bicicleta também pode ser uma pista de que não foi uma morte sob encomenda. Segundo ele, um assassinato planejado contaria com um processo de fuga mais elaborado. “Crime sob encomenda deveria ser revestido de um preparo especial. A gente percebe, até então, que não houve essa preocupação por parte do executor”, analisou.

O diretor disse ainda que Apoena nunca teve problemas em Rondônia, e era uma pessoa que convivia há muitos anos na região, com experiência em relação às terras e aos povos indígenas. “Ele nunca teve problemas aqui, que eu saiba”, ressaltou Carlos Eduardo.

Presidente da Funai lamenta morte de sertanista

O presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Mércio Pereira Gomes, lamentou, hoje, o assassinato do sertanista Apoena Meirelles, na noite deste sábado, em Porto Velho (RO). “Isso abalou a todos nós, que temos trabalhado com ele, e os que o conhecem há muitos anos. A Funai inteira não consegue entender o que aconteceu a uma pessoa que, talvez, era o mais antigo de todos os funcionários”, disse Mércio. Apoena, um dos mais importantes sertanistas brasileiros, foi morto com dois tiros ao sair do caixa eletrônico do Banco do Brasil, quando iria jantar na capital de Rondônia.

Segundo Mércio, Apoena estava numa missão junto aos índios Cinta-Larga para lhes comunicar a decisão do governo federal em fechar o garimpo e de buscar uma nova legislação que estabelecesse uma racionalidade no processo de mineração na região, rica em minerais como cassiterita, ouro e diamantes. “Ele tinha um diálogo com todos nós da Funai, e também era amoroso e, ao mesmo tempo, firme com os Cintas-larga”, lembrou ele.

O presidente da Funai acredita que as investigações das polícias Militar e Federal possam descobrir o real motivo do assassinato, revelando se foi uma fatalidade ou mesmo um crime encomendado. “Tem que esperar as investigações, ver o que foi isso, se foi uma dessas tragédias brasileiras de assalto a mão armada ou se tem uma implicação mais cruel e feroz relacionada com os Cintas-larga”, avaliou ele.

Mércio informou, ainda, que o diretor da Polícia Federal, Paulo Lacerda, e o Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, estão providenciando agilidade nas investigações.

Indigenista desde os 17 anos

O sertanista, Apoena Meirelles, 55 anos, era filho do também sertanista Francisco Meirelles. Ele nasceu numa aldeia Xavante em Pimentel Barbosa (MT) e desde cedo acompanhava o pai nas frentes de trabalho nas aldeias. Seu nome Apoena foi uma homenagem a um famoso líder Xavante.

Era um menino de 17 anos quando fez contato, pela primeira vez, com os índios Cintas-larga junto com seu pai, em 1967. Autor de um projeto de descentralização da Funai, ocupou a presidência da fundação durante o período de novembro de 1985 a maio de 1986.

Apoena esteve com dezenas de outros povos indígenas no Brasil e havia se aposentado na Funai, mas foi convidado a voltar ao trabalho e ocupava o cargo de Coordenador Regional da Região de Rondônia, onde possuía contatos com os povos Uruí, Soro e especificamente os Cintas-Larga de Rondônia e da reserva de Apurinã, que fica no Mato Grosso.