Aritana: presente para nós hoje seria respeito aos índios

Respeito ao índio e às suas terras. Esse é o pedido do cacique Aritana, da Tribo Yawalapiti, no Dia do Índio. “Um presente especial para o dia de hoje seria que todos respeitassem o território indígena”, acrescentou. A tribo de Aritana está localizada no Parque Nacional do Xingu (Mato Grosso). O local é mais conhecida reserva indígena do país, com cerca de quatro mil pessoas, onde vivem várias tribos.

Aritana disse, em entrevista a Rádio Nacional, que a exploração madeireira e o garimpo preocupam muito ao índio. “O branco invade nossas terras e prejudica nossa sobrevivência no local, por isso, precisamos que este espaço seja protegido e preservado”. A Constituição de 1988 reconheceu como Terra Indígena 101,991 milhões de hectares, o que representa 12 % do território brasileiro. Das 589 terras indígenas reconhecidas, 230 ainda esperam demarcação definitiva. Na época do descobrimento existiam cerca de 6 milhões de índios no Brasil. Hoje vivem no país 380 mil índios de 216 etnias.

Segundo ele, o índio vive tranqüilamente em suas aldeias, plantando e pescando seu alimento. Mas, já se preocupa com um problema que vem sendo detectado: muitos jovens estão querendo deixar as aldeias e viver nas cidades grandes. Aritana disse que vem lutando para que eles não percam os costumes e as tradições indígenas. “Não podemos deixar nossos jovens irem, cada vez mais, em direção ao branco e esquecer do índio”, alertou.

O Dia do Índio, comemorado hoje em todo o país, não é uma data especial para as tribos, explicou o cacique. “Para nós, lá não tem esse negócio do Dia do Índio, porque a gente faz tudo igual, se tiver festa a gente faz festa, se tiver trabalho a gente trabalha”.

De acordo com a Fundação Nacional do Índio (Funai), o Dia do Índio surgiu em 1940. Durante a realização do I Congresso Indigenista Interamericano no México. Naquele ano, os representantes de diversos países americanos convidaram os índios para o evento.

Entretanto, a comissão encarregada de fazer o convite encontrou resistência por parte dos índios que, somente alguns dias depois, foram convencidos da importância do congresso na luta pela garantia de seus direitos. A data foi, então, dedicada ao Dia do Índio, comemorado em todo continente americano.

Entrevista: cacique Aritana Yawalapiti

O cacique Aritana, 51 anos, é hoje a mais respeitada liderança do Alto Xingu. Desde quando assumiu a chefia dos Yawalapiti, há cerca de 20 anos, ele luta pela preservação da cultura e dos hábitos dos índios xinguanos. “É muito difícil mostrar aos jovens a importância de manter nossos costumes, mas com conversa eles estão vendo que é melhor sermos o que a gente é: índio”, explica o cacique.

Preparado desde cedo para ser cacique, Aritana conheceu os irmãos Orlando e Cláudio Villas Bôas ainda criança, no final da década de 1950. “Aprendi muito com eles sobre a importância de se preservar os hábitos antigos”, conta o chefe. Sob estas influências, ele se tornou um grande líder da causa indígena dentro e fora do Xingu.

Grupo – A educação indígena, desde a época que os Villas Bôas estavam no parque, era uma questão polêmica. Eles defendiam que o índio deveria ter o mínimo possível de contato com a cultura do branco. Como está isso hoje?

aritanaentrevista.jpgAritana – É triste, mas eu acho que alguns projetos de educação estão acabando com a cultura do Alto Xingu. Já vejo que os jovens não gostam mais tanto de falar sua língua, preferem usar roupa e estão mais interessados nas coisas do branco. O problema é que os professores ensinam os valores dos brancos e os jovens param de respeitar as tradições. O Kuarup, por exemplo, é uma festa muito séria e importante pra gente. É a festa dos mortos. E no último Kuarup eu percebi que alguns jovens achavam que isso é brincadeira.

Na época do Orlando (Villas Bôas), por exemplo, havia preocupação em manter a cultura e a educação do jeito do índio. Eu era pequeno e ficava chateado, perguntando porque o Orlando não dava chinelo e bicicleta. Depois é que eu fui entender que era pra gente manter a força na perna. Se a criança anda de chinelo o dia todo ela não consegue mais subir em árvore.

"É o índio que tem que falar seu direito, que tem que preparar documento. A saúde, é o branco que está mandando, a mesma coisa a educação. Mas eu quero é que o índio contrate o médico, o professor, e manda pra cá". Foto: Fernando Zarur

Grupo – Existem propostas de geração de renda para as aldeias, principalmente por meio do turismo. Como você vê essa situação?

Aritana – Estão sempre procurando a gente para fazer projetos. Nossa aldeia aqui é o primeiro lugar em que eles passam, mas eu sempre digo que não. A primeira proposta que recebi era pra colocar lanchas de luxo e um avião trazendo gente de uma fazenda perto do parque para a aldeia. Recebemos propostas quase todo dia. Recusamos porque não queremos nem precisamos do dinheiro de branco para viver bem aqui.

Outras tribos já aceitaram porque querem dinheiro. O problema aqui é que as tribos que aceitam visitas de turistas deviam reunir as lideranças do Xingu para conversar sobre a questão, mas isso não acontece. Tivemos uma reunião em Brasília para discutir o problema, e foi uma discussão brava, mas nós não abrimos mão da nossa posição contra turismo aqui. Tem que ser firme. No final, todo mundo que aceita turista se arrepende.

Grupo – E você acha que o índio está bem representado politicamente pela Funai e pelas ONGs que trabalham por aqui?

Aritana – Não queremos mais o branco mandando e defendendo a gente. A gente quer que os próprios índios se relacionem direto com o governo e mandem documentos falando dos problemas. A saúde é o branco que está mandando. A mesma coisa com a educação. Mas eu quero que o índio contrate o médico, o professor e mande pra cá. É só assim que a gente vai poder cuidar bem de verdade dos nossos interesses.

Grupo – E no futuro, quando os novos estiverem no comando das aldeias, como vai ser?

Aritana – Nós ensinamos aos jovens que é bom aprender a língua do branco para não ser enganado. O que tem que acontecer é aprender o que o branco tem de bom, mas não perder nossa cultura. Hoje a gente já usa barco a motor para as viagens longas e tem televisão na aldeia pra saber das notícias, mas eu não deixo as crianças verem televisão muito tempo.

Os índios aqui do Alto (Xingu) são mais preservados, mas os do Baixo tiveram mais contato com os brancos, então eles ficaram dependentes das coisas de branco. Os Caiabis, por exemplo, vieram da região de Rio Peixoto, que foi estragada por seringueiros e garimpeiros. Eles gostam muito daqui do Xingu, mas ainda precisam muito das coisas do branco, como roupa, sabonete e sal. Aqui a gente tem tudo que precisa.