A fé no Bom Jesus

A religiosidade do povo brasileiro expressa-se ao longo do Velho Chico: cada cidade, povoado e lugarejo, por menor que seja, conta com uma capela ou igrejinha. Às margens do rio, também está um dos mais famosos pontos religiosos do nordeste, o Santuário de Bom Jesus da Lapa. Verdadeira Meca dos sertões, a igreja regula a vida da cidade que leva seu nome e atrai milhares de romeiros todos os anos.

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Para o padre Tadeu Mazokievski a cidade precisa preparar-se para receber os turístas. Foto: Fernando Zarur

Considerada milagrosa, a gruta de Bom Jesus da Lapa tornou-se um dos maiores símbolos religiosos do interior. As histórias são muitas: paraplégicos voltam a andar e cegos a enxergar, inimigos se reconciliam, outros se arrastam de joelhos e há quem não agüente e morra só de tocar o chão sagrado. O povo se reúne aos milhares na esperança de conseguir favores e agradecer uma benção. Numa região de natureza sofrida e, principalmente, negligenciada por seus governantes, a gruta de Bom Jesus da Lapa representa a esperança na fé, muitas vezes a única que prevalece.

Por causa disso, na Bahia, o município só perde em potencial turístico para grandes centros como Salvador e Porto Seguro. Em 6 de agosto, 15 de setembro e 4 de outubro – Festa do Bom Jesus, Nossa Senhora da Soledade, Festa do Romeiro – mais de 200mil visitantes lotam a cidade de apenas 50mil habitantes. A estimativa anual indica um fluxo de turistas em torno de um milhão de pessoas. “Em dia de festa, não dá para andar, todo lugar tem gente”, explica Expedito Nunes, funcionário local da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf).

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O escultor Cosmo Duarte ao lado do trabalho que leva oito meses para ser feito e não tem saída porque, segundo ele, o turista não fica mais na cidade. Foto: Fernando Zarur

Entretanto, esse fluxo de romeiros esbarra na falta de infra-estrutura local. Não existem leitos suficientes, e muitos precisam alugar quartos ou camas nas casas ao redor do santuário ou acampar nas margens do São Francisco. Segundo o padre Tadeu Mazokievski, esses problemas são recorrentes, resultado da falta de visão das administrações locais. Os únicos banheiros públicos da cidade, por exemplo, foram feitos pela diocese. “O povo, cada vez mais, desenvolve sua consciência, mas ainda tem medo dos nossos políticos. O prefeito sempre assume e pensa primeiro em empregar toda sua família e destruir o que foi feito na gestão anterior”, afirma o religioso.

O município não possuiu indústrias ou grandes plantações. Por isso, a economia depende quase unicamente do dinheiro trazido pelos romeiros e turistas. Com exceção dos funcionários contratados pela prefeitura ou pela Codevasf, o resto da população trabalha em função dos visitantes.

Para Mazokievski, parte do problema poderia ser solucionado com a criação de escolas técnicas e com mais interesse das administrações em trazer empresas para a cidade. Ele afirma que em duas oportunidades fábricas de doces e de sucos fizeram contatos com o município, mas desistiram por falta de incentivos.

Outro caminho seria a estruturação do turismo. Além de ser um marco religioso às margens do rio São Francisco, a cidade também é ponto de parada de turistas de Brasília e Goiânia com destino ao litoral baiano. “Eles vêem e passam uma noite aqui, antes de continuar viagem. Precisamos pensar em uma maneira de fazer com que passem um ou dois dias na cidade”, diz o artesão Cosmo Duarte, 36 anos fazendo carrancas.

Segundo o carranqueiro, o turismo religioso já existente não satisfaz as necessidades do comércio local: a maioria dos romeiros gasta pouco na cidade. Assim, o ideal seria a viabilização pela prefeitura de projetos de exploração sustentável do Velho Chico, transformando Bom Jesus da Lapa em um balneário.