Pelo menos 33% da vegetação das nascentes do rio Xingu já foram destruídas

A degradação ambiental já destruiu 33% da vegetação do cerrado das nascentes do Rio Xingu e de seus afluentes. Essa é a informação do secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco. Na sua avaliação, indígenas e produtores rurais estão se mobilizando pela primeira vez em favor da preservação da bacia. As discussões acontecem durante o “Encontro sobre Nascentes do Xingu”, que está sendo realizado em Canarana, no Mato Grosso, até esta quarta-feira (27).

“Há, pela primeira vez, um debate franco, aberto entre o setor não governamental e o setor empresarial”, disse Capobianco. “Se for possível encontrar um caminho comum entre esses segmentos, certamente, isso será muito importante porque abre um espaço de cooperação dinâmico, inovador que nos ajudará a implantar uma nova agenda positiva na região”.

A expectativa sobre os resultados do seminário é alta. Segundo o secretário, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, pretende receber os organizadores do evento para conhecer o resultado de seis dias debate.

A bacia do Rio Xingu atravessa dois importantes biomas brasileiros, o Cerrado e a Floresta Amazônica. Com um território de 2,6 mil hectares (área semelhante a de quase três mil campos de futebol), o Rio Xingu faz parte da vida de 5 mil índios de 14 etnias que vivem na reserva indígena. O rio também afeta cerca de 450 mil habitantes de 31 municípios do estado do Mato Grosso.

“A bacia do Rio Xingu é uma área muito rica do ponto de vista ambiental e do ponto de vista da diversidade cultural”, afirmou. Segundo João Paulo Capobianco, um dos principais fatores para o aumento da degradação é o modelo de atividade agropecuária, implantado a partir da década de 60. “Na realidade, a atividade agropecuária não necessariamente leva à degradação. A forma como ela vem se processando é que, de fato, vem trazendo uma degradação absolutamente impressionante, com danos quase irreversíveis”, explica.

Capobianco acredita que os produtores rurais têm, aos poucos, tomado consciência sobre a importância da preservação ambiental. “Eles perceberam que a degradação não é apenas um dano ambiental isolado, ela gera danos à própria atividade agropecuária na região”, disse.

Mobilização para salvar as nascentes do Xingu

Os coordenadores do Núcleo Cerrado, Augusto Santiago, e do Projeto de Manejo Integrado de  Biodiversidade Aquática e dos Recursos Hídricos da Amazônia, João Paulo Viana, ambos da Secretaria de Biodiversidade e Florestas do MMA, participam, a partir de hoje, do Encontro Nascentes do Xingu, em Canarana, no Mato Grosso. O evento reunirá índios, fazendeiros, agricultores, governos, comerciantes e  sociedade para debater sobre a melhor forma de defender as nascentes e as matas próximas ao Rio Xingú e seus afluentes. O encontro segue até o dia 27, no Centro Auxiliadora. 

A Terra Indígena do Xingu é uma verdadeira "ilha verde" no norte do Mato Grosso, cercada pelo desmatamento que avança com a soja e com a pecuária. Cortando seu território de 2,6 mil hectares, o Rio  Xingu mantém vivos parcela significativa da floresta e da cultura amazônicas, além de mais de cinco mil  indígenas de 14 etnias que vivem na reserva. No entanto, a maioria das nascentes que alimentam o rio, um afluente do Amazonas, está fora da área protegida e também ameaçadas pelo avanço da fronteira produtiva.

A Terra sofre, ainda, com invasões de pescadores e de caçadores, com queimadas que se originam em fazendas e com o ataque de madeireiras em busca de árvores que já não existem na região. A degradação do Xingu ameaça não só os indígenas, mas também a qualidade de vida de cerca de 450  mil pessoas de 31 municípios do norte do Mato Grosso.

O Parque Indígena do Xingu foi criado em 1961, como resultado do trabalho de importantes sertanistas brasileiros, entre eles os irmãos Villas Bôas. Devido a desmatamentos e queimadas, muitas nascentes do Xingu já secaram, podendo levar a uma grave crise hídrica na região.

Sexta-feira, 01/06/2001

Deixamos Canarana-MT na manha de quarta-feira, por volta das 9h30. Um pouco antes, durante o café-da-manhã, havíamos tomado a decisão de seguir direto para Brasília. Pernoitar em Barra do Garças seria muito bom, mas não necessário. Como estamos com os gastos bem no limite, achamos mais prudente continuar viagem e chegar em casa no mesmo dia.

voltaparacasa.jpgNa primeira metade da viagem passamos pelos piores trechos: 20km de terra próximo a Canarana-MT e buracos no asfalto nos 280km até Barra do Garças-MT. Mesmo assim, tudo correu muito bem. Na terra, o maior problema foi os caminhões, a poeira levantada permitia uma visibilidade de poucos metros.

A viagem de volta foi cansativa e, ao mesmo tempo, rápida demais. Em apenas um dia, deixamos para trás amigos, paisagens, histórias: um mundo totalmente diferente. Foto: Fábio Pili

Chegamos por volta das 13h30 à Barra do Garças-MT, onde paramos rapidamente para falar com Valdon Varjão e pegar com o Seu Pedro Lira uma encomenda que ele está enviando para a capital. A partir daí, a estrada foi melhorando gradualmente. Chegamos em Goiânia-GO por volta das 19h30 e desta vez não houve turismo forçado como na ida. Duas horas mais tarde chegamos em Brasília.

Foi bem estranho passar pelo centro da cidade e ver tudo meio apagado, desde os outdoors até os monumentos. Em casa, novas lâmpadas econômicas, microondas desligado, máquina de lavar uma vez por semana, somente uma televisão ligada, nada de exaustor no fogão e a próxima vítima será o freezer. Outras novidades: assaltaram cerca de 20 carros na UnB em uma manhã, o irmão da moça que trabalha na vizinha foi brutalmente assassinado e o Antônio Magalhães chorou lágrimas de crocodilo no congresso.

Cada vez mais, fico com saudades do Xingu.

Abraços,

Fernando

PS – Nosso trabalho não vai parar aqui, continue acompanhando o Rota Brasil Oeste. A atualização de conteúdo continua.

Terça-feira, 29/05/2001

Nosso trabalho está chegando a sua fase final. Hoje, foi o último de produção de matérias. Saímos cedo de Canarana-MT e dirigimos cerca de três horas, mais da metade em estrada de terra, até a aldeia de Pimentel Barbosa.

Ainda nos 40km de asfalto, passamos por dois filhotes de tamanduá e uma raposa atropelados. Em toda a viagem, víamos este tipo de acidente. É uma triste realidade, às vezes um estudo prévio de impacto ambiental poderia amenizar este problema. A BR-158, no entanto, foi construída na década de 1950 pela Fundação Brasil Central. Na época, não existia esta consciência ambiental nos projetos do governo. Atualmente, as coisas também não mudaram muito.

No caminho de terra, atravessamos uma região de fazendas de gado e, depois, um belo cerrado. Apareceram diversas siriemas e uma ema. O engraçado é que elas ficam correndo na frente do carro um bom tempo até descobrirem que podem voar ou desviar para o mato.

Na aldeia, fomos muito bem recebidos, com abraços e palavras de “sawyde”, ou amigo. O Xavante é mais sério que os xinguanos, mas igualmente hospitaleiro. Conversamos por longo tempo e, no final, compramos um pouco de artesanato e fomos presenteados com bordunas e flechas cerimoniais.

Na volta, vim resmungando dos buracos na estrada e dos quebra-molas. Amanhã, vamos direto para Barra do Garças onde pernoitamos. No dia seguinte, partimos para Brasília.

Fernando

OBS – Ainda não tive a oportunidade de comemorar o tetra-tricampeonato do Flamengo com os internautas. Só posso dizer uma coisa: aquele gol do Petcovic foi influenciado pelas rezas de Parú, índio Yawalapiti e rubro-negro.

Domingo, 27/05/2001

Leitores,

gostaria de aproveitar esse espaço para falar de um assunto sério: a situação dos índios xavantes da reserva de Pimentel Barbosa.

Como previsto, fomos hoje visitar duas aldeias, Tanguro e Caçula, que ficam dentro da reserva indígena de Pimentel Barbosa, a 70km de distância de Canarana-MT. Essa visita era muito importante para nós porque os xavantes foram o primeiro povo indígena encontrado pela Expedição Roncador-Xingu.

Chegando lá, encontramos um quadro muito diferente do bucolismo xinguano. Aqui os índios já perderam parte de sua cultura e são muito mais dependentes do não-índio. As ocas da aldeia têm pé direito e as paredes usam telhas galvanizadas, aproveitadas das instalações de uma antiga fazenda que ocupava a reserva. Os telhados das casas – ainda não entendi porque – são cheios de pneus velhos dependurados e a aldeia, que tem a forma de uma ferradura, abriga uma escola, feita de alvenaria, bem ao lado da última oca.

A própria demarcação da área xavante contribuiu para alterar sua cultura. Povo guerreiro e nômade, os xavantes vivem da caça e precisam de uma grande área de cerrado para alimentação. Com a sedentarização forçada, eles se tornaram dependentes da comida do não-índio, mas, por outro lado, não têm fonte de renda para comprar mantimentos nem roupa na cidade.

Em resumo, as aldeias são pobres. Parecem até uma periferia marginalizada de qualquer cidade grande. Nada daquela fartura que vimos durante a pesca com timbó nos Yawalapiti.

Nas cidades vizinhas, o preconceito é forte e tem razões históricas. A ocupação da região pelos não-índios foi sangrenta e são várias as histórias de massacres em aldeias, assim como de ataques dos índios às fazendas. Para algumas pessoas, é aberto o ódio aos índios. Para outras, é um sentimento velado.

Mas onde estão as fotos disso tudo, vocês devem estar perguntando. Não temos fotos. Os xavantes são muito desconfiados do não-índio. Muita gente já ganhou dinheiro vendendo fotos e material jornalístico às custas deles e qualquer trabalho do tipo tem de ser cuidadosamente combinado. Nossa estada nessas aldeias foi só uma visita informal – combinada graças ao Guilherme, que trabalha com ele há mais de 20 anos. Apesar disso, o que nos rendeu de mais valioso foram reflexões sobre como a vida aqui é mais dura que no Xingu.

Além disso, os índios do Pimentel Barbosa não tiveram contato direto com a Expedição Roncador-Xingu. Quem se relacionou mais com ela foram os xavantes da reserva de Areões, próxima a Nova Xavantina – MT. É pra lá que vamos amanhã e esperamos escrever um pouco sobre a história desse povo e a passagem da Marcha para o Oeste pela região.

Fábio

Sábado, 26/05/2001 – Volta do Xingu

Acho que ontem foi um dia triste para todos nós. Foi difícil deixar para trás os amigos, índios e não-índios, que fizemos em terras xinguanas, sem contar com os dez dias de intenso aprendizado. Porém, tínhamos que dar prosseguimento ao nosso projeto.

Antes mesmo de clarear, estávamos a caminho da aldeia Yawalapiti, onde pegaríamos a lancha. A volta se resume assim: Ualá na direção, paisagem bonita, muito frio, muito sono, biscoitos e barras de cereais, o sol das 10h trás calor, chegada ao meio dia, mais 3h30 de terra, caçamba do caminhão desconfortável, sol muito forte, pouca água, buracos e macacos na estrada, Canarana.

equipeempimentelbarbosa.jpgAmanhã, iremos conhecer os Xavantes da reserva de Pimentel Barbosa, no entanto, dependemos de umas decisões práticas que tomaremos daqui a pouco. Este assunto ainda está nebuloso. Até resolvermos alguma coisa, ficaremos de banho-maria aqui em Canarana.

Pedro

Reserva de Pimental Barbosa, próximo à aldeia de mesmo nome. Os índios preservam centenas de quilômetros de cerrado neste pedaço da Serra do Roncador. Foto: Guilherme Carrano

PS – Gostaríamos de agradecer mais uma vez ao Batalhão da Polícia Militar de Canarana-MT, principalmente ao Tenente Mendes, comandante da força local. Nosso carro ficou aos seus cuidados durante todo o tempo em que estivemos no Xingu.

Segunda-feira, 14/05/2001

A confusão se instalou de vez e me impede de escrever qualquer coisa para o diário. As dúvidas sobre a relação entre índios e não-índios são muitas, principalmente depois de uma conversa com o Guilherme Carrano, indigenista da Funai que se juntou ao grupo hoje e vai nos acompanhar até o fim do trajeto. É muito complicado até mesmo encarar o conflito, pois a situação mexe com diversas idéias e crenças desde pequeno difundidas, é um exemplo explícito, palpável, da dúvida sobre (a existência do) o certo e o errado, sobre o processo histórico.

Já ouvi reclamações sobre a superficialidade dos assuntos. Tenho defesas: não tenho tempo e, principal, aprendi a resolver meus problemas (no caso, um prazo diário para atualizações) com o que tenho, mesmo sabendo não ser esta a melhor solução.

guilhermecarrano.jpgMas, neste caso específico – o equilíbrio tenso entre índios e não-índios ou entre índios e civilizados, como insistem alguns -, a falta de referencial é uma barreira. Então, acredito que o melhor seja permanecer quieto, sem expressar opiniões, pelo menos até conhecer o outro lado. Espero que no Xingu eu consiga escrever algo. Desculpem a confusão, mas o assunto é confuso.

Guilherme Carrano, indigenista da Funai e novo menbro da expedição. Com quase trinta anos de experiência entre diversas etnias, sua ajuda vai ser fundamental. Foto: Fernando Zarur

Bruno Radicchi

Canarana

Situada no nordeste matogrossense, Canarana nasceu do processo de colonização gaúcha no estado. Fundada em 1979, por iniciativa da Cooperativa Agropecuária Mista Canarana Ltda (Coopercana) o município compartilha com a vizinha Água Boa – MT a mesma origem histórica.

Apesar de ter sido visitada por bandeirantes no século XVI, os primeiros a se fixarem na região vieram dos estados de Goiás e Maranhão na segunda metade da década de 1940. Eram aproximadamente 200 famílias que tiveram terras desapropriadas nos seus estados de origem e foram assentadas no local pela Fundação Brasil Central. Nessa época, estava em construção a BR-158, que seguia o traçado aberto pela Expedição Roncador-Xingu. Devido à falta de planejamento na ocupação, da primeira leva de agricultores, poucos permaneceram na região.

dc32.jpgNo início da década de 1970, o governo federal criou programas de incentivo à colonização do Centro-Oeste brasileiro. Organizados em cooperativas, os agricultores gaúchos vieram para o Mato Grosso atraídos pelos financiamentos federais para a compra de grandes propriedades de terra. Dois anos mais tarde, chegaram os primeiros colonos, ao todo 300 famílias, em sua maioria, gaúchas. No ano de 1976, Canarana virou distrito de Barra do Garças e três anos depois se tornou um município autônomo.

No início da colonização, o DC3 da Coopercana serviu para trazer os primeiros colonos e mantimentos para a região. Foto: Pedro Ivo Alcântara.

Assim como a maioria das cidades vizinhas, a principal atividade da economia local é a pecuária. Com rebanho bovino estimado em cerca de 350 mil cabeças de gado, a área de pasto do município é de 600 mil hectares. Uma das principais indústrias do gênero, na região funciona o Frigorífico Vale do Kuluene, com capacidade de 550 abates por dia.

A agricultura também é responsável por boa parte da receita municipal. Com uma área total de lavoura de 55 mil hectares, a soja destaca-se como o mais importante produto agrícola, com 43,5 mil hectares de área plantada e cerca de 2,1 milhões de sacas colhidas na última safra. Em segundo lugar, o plantio de arroz ocupa 10 mil hectares produzindo 380 mil sacas.

Atualmente, o turismo começa a despontar como uma nova alternativa econômica. Eliane Felten, secretaria municipal de agricultura (responsável pela área de turismo e meio ambiente), acredita que a cidade tem um enorme potencial no setor, principalmente por ser um dos únicos acessos por terra ao Parque Indígena do Xingu. “Temos como objetivo montar projetos de ecoturismo, a região é muito procurada por pescadores e queremos desenvolver essa atividade de maneira não predatória”, explica Felten.

Domingo, 13/05/2001

Engraçado, as fãs que ontem estavam se descabelando na porta do hotel, hoje nem apareceram…

Nesse domingo, dia das mães, Água Boa parecia mais uma cidade fantasma. Até os restaurantes estavam fechados.

O marasmo nos contaminou. Vamos amanhã para Canarana.

Fábio, Pedro e Equipe do Rota Brasil Oeste