Brasil quer convencer países desenvolvidos a aceitar mecanismo sobre repartição de recursos genéticos

O Brasil está trabalhando para convencer os países desenvolvidos a aceitar a criação de um mecanismo internacional sobre a repartição de benefícios resultantes do uso sustentável dos recursos genéticos. A informação é do secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente (MMA), João Paulo Capobianco.

“Não é fácil. Vários países desenvolvidos detentores de tecnologia nessa área têm resistência a um mecanismo desse tipo, porque percebem nele uma eventual perda de renda. Mas nós estamos trabalhando para convencê-los de que isso é essencial”, explicou Capobianco.

Atualmente, o Brasil preside a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) já que em março do ano passado sediou a 8ª Conferência das Partes (COP 8). O secretário informou que neste ano serão realizadas duas importantes reuniões sobre o tema. “O Brasil pretende atuar de forma muito intensa, liderando e fomentando o processo para que de fato ele se conclua até 2010”.

Capobianco disse também que o Brasil seguirá dois caminhos em relação à repartição do uso sustentável dos recursos genéticos: um internacional e outro nacional. A estratégia voltada para o exterior será baseada em um plano internacional assinado durante a COP 8. "Nós obtivemos um acordo entre os participantes de que teríamos um mecanismo internacional de repartição de benefícios pronto para ser aprovado até o final da década. Esse é o desafio colocado para os países integrantes”.

No plano nacional, o secretário explicou que o MMA elaborou um anteprojeto de lei sobre o tema, que já foi enviado à Casa Civil. “O projeto foi elaborado de forma muito ampla e participativa. A gente espera que o governo possa encaminhar, através do presidente da República, ao Congresso Nacional, o mais rápido possível”.

O secretário destacou, no entanto, que ainda são necessários alguns ajustes na proposta. “Há algumas pequenas divergências entre alguns ministérios que querem fazer algumas modificações, que estão em fase final de coordenação pela casa Civil".

As reuniões da COP, de acordo com o Ministério do Meio Ambiente, são realizadas de dois em dois anos e contam com a participação dos 188 membros da Convenção sobre Diversidade Biológica

Tratoraço transgênico

Em março deste ano, diante de representantes estrangeiros e jornalistas presentes na Conferência sobre Diversidade Biológica (CDB), em Curitiba, o presidente Lula discursou afirmando que a biodiversidade é o maior tesouro do planeta. Alardeou com pompa e circunstância que o Brasil se orgulha de proteger seu meio ambiente. Passou uma imagem muito diferente da realidade que se apresenta depois que os visitantes dão as costas e vão embora.

Há semanas, o próprio presidente acusou ambientalistas, índios e Ministério Público de atrapalhar o desenvolvimento do país. Num discurso feito para agricultores e tendo como anfitrião o governador do Mato Grosso, Blairo Maggi, Lula criou tremenda saia justa até com a ministra do Meio Ambiente. Deixou claro que o agronegócio é prioridade nacional – mesmo que signifique passar por cima das questões ambientais.

Antes disso, no final de outubro, Lula assinou medida provisória (MP) diminuindo a distância mínima entre as áreas de plantio de transgênicos e as Unidades de Conservação (UCs). Sem consultar a sociedade civil, passou por cima do princípio da precaução e abriu precedente que fragiliza essas áreas não só na questão dos transgênicos, mas em todos os assuntos que possam ter impactos sobre o meio ambiente. Quem saiu ganhando foram as multinacionais de biotecnologia, que vinham plantando ilegalmente no entorno das UCs e não se intimidaram nem depois de pagar multa determinada pelo Ibama.

A MP chegou à Câmara dos Deputados e trancará a pauta a partir do dia 18 de dezembro. A bancada ruralista não perdeu tempo. Quer aproveitar a votação para aprovar o seu "pacote de maldades". A idéia é pegar carona para alterar medidas que garantem a biossegurança no país, promovendo um tratoraço transgênico. No final das contas, a impressão que fica é de que a bancada do agronegócio está sempre insatisfeita e não se cansa de reabrir discussões encerradas.

A Lei de Biossegurança, por exemplo, foi aprovada no início de 2005 depois de meses de discussão. Com ela, vários mecanismos para garantir a biossegurança brasileira foram estipulados e aprovados, inclusive as regras para liberação de novo transgênico no meio ambiente. Essas regras garantem um procedimento formal a ser seguido e protegem o meio ambiente e os consumidores. Porém, como criança mimada que só se satisfaz quando tem tudo o que quer, a bancada ruralista quer mudar as regras do jogo. O mais curioso é que o Congresso que aprovou a Lei de Biossegurança em 2005 é o mesmo que hoje discute as mudanças de última hora.

Uma das propostas ruralistas é retirar a competência da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) sobre o registro de agrotóxicos e deixar tudo sob responsabilidade exclusiva do Ministério da Agricultura. Com a proposta absurda, a bancada espera facilitar a liberação de transgênicos – especialmente os resistentes ou tolerantes a agrotóxicos e que apresentam quantidade de resíduo maior que a considerada segura para a saúde humana (como o milho Liberty Link, da Bayer, e o algodão RoundUp Ready, da Monsanto). Excluindo a Anvisa do processo, as questões de saúde deixariam de ser levadas em conta e apenas os aspectos agronômicos seriam considerados.

Outra discussão que os ruralistas querem reabrir é a liberação das sementes "suicidas", a tecnologia conhecida como Terminator. Essas sementes – estéreis – foram proibidas durante a última Reunião das Partes da CDB. O Brasil, além de signatário do acordo, sediou e secretariou a última reunião. Mesmo assim, a bancada insiste em pedir a aprovação dessa tecnologia.

Para completar o tratoraço transgênico, os ruralistas querem mudar o funcionamento da CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) e diminuir o quórum necessário para as aprovações comerciais. Se isso for aprovado e as regras da Lei de Biossegurança forem mudadas, podemos ter uma situação em que só oito brasileiros serão responsáveis por avaliar a segurança de novo transgênico. Até o presidente Lula disse que essa não é situação razoável. E ainda teríamos excluídos da discussão setores fundamentais representados pelos ministérios do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Justiça e Desenvolvimento Agrário, entre outros.

A manobra dos ruralistas é sorrateira. Querem mudar as regras do jogo da biossegurança com a bola rolando e pelas entrelinhas de uma medida provisória que trata de tema específico – as zonas de amortecimento. O Congresso Nacional não pode se deixar levar pelo canto da sereia e jogar fora as discussões e deliberações tomadas em 2005, que garantem a biossegurança brasileira. A derrota não será apenas dos parlamentares. Será do país.

De Marcelo Furtado, Diretor de campanhas do Greenpeace Brasil, e Gabriela Vuolo, Coordenadora da campanha de engenharia genética do Greenpeace Brasil.

Ambientalista considera aprovação da MP 327 “descaso com a população”

A ambientalista Gabriela Vuolo, da Organização Não-Governamental(ONG) Greenpeace, considerou lamentável a aprovação, na Câmara dos Deputados, da MP 327, que altera as regras para o plantio de transgênicos no entorno das unidades de conservação. Em entrevista à Agência Brasil, ela disse que a medida “comprova o descaso com as questões ambientais, com a população”.

Entre os principais pontos da MP, está também a liberação comercial de uma variedade de algodão transgênico, ainda não liberado pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), que já foi plantado e colhido. Na opinião de Gabriela Vuolo, está "acontecendo o mesmo que ocorreu com a soja, a política do fato consumado".

Outro ponto da MP 327 diz respeito à mudança no sistema de votação da CTNBio. Agora, para liberar comercialmente um produto transgênico, o quórum será de 14 votos, ou seja, maioria absoluta, e não mais de dois terços (18 votos) como foi todo o processo durante os 13 meses de funcionamento da comissão. No total, A CTNBio é formada por 27 membros.

Segundo a ambientalista, a entidade não vai desistir da luta: “vamos continuar lutando para que a biossegurança do Brasil seja respeitada. A segurança das pessoas, dos agricultores, deve ser garantida. Essa aprovação da Câmara mostra uma tendência muito séria de privilegiar uma minoria, como a bancada ruralista, os grandes agricultores, o lobby do agronegócio e da indústria de biotecnologia”.

A medida provisória permite o cultivo de transgênicos nas zonas de amortecimento (faixas de 500 metros entre as plantações e as áreas ambientalmente protegidas) de unidades de conservação, em áreas de proteção de mananciais de água utilizável para o abastecimento público e nas áreas declaradas como prioritárias para a conservação da biodiversidade.

A MP segue para preciação no Senado Federal,e deve ser votada somente na próxima legislatura. "Vamos aguardar a votação no Senado. Se também for aprovada, vamos recorrer ao Executivo, ao próprio presidente, para que ele vete a MP", acrescentou Vuolo.

Reunião de Curitiba sobre biodiversidade termina em fracasso

O Greenpeace decretou o completo fracasso da última reunião da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), que termina hoje, em Curitiba. Os países membros que participaram da 8ª Reunião das Partes (COP 8) da convenção perderam a oportunidade, durante duas semanas de negociações, de costurar algum acordo real que pudesse brecar a perda global da biodiversidade e da vida nas florestas e oceanos do planeta.

“A CDB é como um navio no meio do oceano, sem capitão”, afirmou Martin Kaiser, assessor do Greenpeace Internacional para Florestas. “As negociações tiveram um resultado pífio na adoção de medidas que colocassem um fim à biopirataria e a práticas ilegais e destrutivas de extração madeireira ou exploração marinha. Também não se chegou a nenhum resultado sobre financiamento a áreas de proteção marinhas ou terrestres”, concluiu.

Apesar de a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, presidente da COP 8, ter convocado os participantes no início da reunião a aderir a um acordo contra a biopirataria, a Austrália, a Nova Zelândia e o Canadá bloquearam qualquer avanço no processo, se negando até mesmo a aceitar um prazo para as negociações. “Isso simplesmente dá mais tempo às indústrias de biotecnologia e farmacêutica de assegurar patentes de seres vivos sob o regime da Organização Mundial do Comércio (OMC)”, disse Kaiser.

No começo da COP 8, o Greenpeace apresentou um detalhado estudo que alertava para a necessidade urgente da criação de uma rede de proteção das últimas florestas preservadas e de áreas marinhas internacionais. No entanto, os governos não deram ouvidos ao chamado, mas o que se viu foi um verdadeiro retrocesso. Na CDB passada, em 2004, na Malásia, os membros tinham acordado sobre a necessidade de uma rede global de áreas protegidas, e os países ricos prometeram dinheiro para a implementação dessa rede.“Tanto os países ricos quanto os países pobres quebraram a promessa, e a rede global de proteção não saiu da retórica” disse Paulo Adário, coordenador da campanha Amazônia do Greenpeace. “Ao invés disso, os governos colocam a natureza em risco ao tratar a biodiversidade como uma commodity”, afirmou.

A proteção dos oceanos também não avançou. “Em relação aos oceanos, a moratória sobre a prática altamente destrutiva de pesca de arrasto em alto mar foi bloqueada por alguns países com atividade pesqueira, que priorizaram seus interesses comerciais em detrimento da proteção da biodiversidade marinha”, disse Karen Sack, assessora política do Greenpeace Internacional para Oceanos.

Há quatro anos, os líderes mundiais comprometeram-se a acabar com a perda da biodiversidade até 2010, mas até hoje não foi dado dinheiro para impedir que os países pobres continuem a explorar de forma insustentável sua biodiversidade. “O Brasil, como anfitrião da conferência, fracassou em impor uma agenda que criasse novos mecanismos de financiamento para a biodiversidade”, disse Kaiser.

Enquanto as negociações sobre proteção da biodiversidade não avançaram na COP 8, a cidade de Porto Alegre tornou-se mais uma cidade amiga da Amazônia. O prefeito de Porto Alegre, José Fogaça (PPS-RS), assinou hoje termo de compromisso com o programa Cidade Amiga da Amazônia, do Greenpeace, em solenidade realizada à bordo do navio MY Arctic Sunrise, da entidade ambientalista, que está na capital gaúcha para mobilizar a população em defesa da floresta. O objetivo do Cidade Amiga da Amazônia é incentivar prefeituras brasileiras a adotarem leis que evitem o consumo de madeira nativa de origem criminosa nas compras e licitações públicas.

"As sementes Terminator foram feitas para nos escravizar” , diz líder indígena

Na manhã de ontem, dia 23 de março, quinta-feira, um senhor colombiano chamado Lorenzo Muellas Hurtado pediu a palavra no Grupo de Trabalho (GT) sobre diversidade agrícola que está discutindo o tema das tecnologias genéticas de restrição de uso (GURTS, na sigla em inglês) na 8ª Conferência das Partes (COP-8) sobre a Convenção da Diversidade Biológica (CDB), que acontece em Curitiba (PR), até o próximo dia 31. Ele fez um discurso contundente contra o uso das sementes modificadas geneticamente, denominadas Terminator, que geram plantas estéreis, incapazes de produzir novas sementes, mas são mais resistentes a mudanças climáticas e a certos tipos de herbicidas. As pesquisas com este tipo de tecnologia estão proibidas atualmente, mas o poderoso lobby das empresas multinacionais de tecnologia, como a Monsanto, tenta liberá-las na CDB. O assunto é considerado um dos mais polêmicos da COP-8.

Hurtado qualificou as Terminator não só como “sementes assassinas”, mas também como “genocidas”. Organizações da sociedade civil, o movimento social e vários pesquisadores temem que plantações desenvolvidas com este tipo de manipulação genética possam contaminar e, em consequência, extinguir variedades locais e tradicionais de algumas espécies agrícolas. Além disso, o uso dos GURTS também pode vir a consolidar o monopólio das grandes empresas multinacionais de transgênicos e a dependência financeira dos pequenos e médios produtores rurais.

Hurtado: "A CDB não foi feita por uma necessidade das populações indígenas, mas pelos governos e pelas empresas multinacionais de biotecnologia."

Pertencente ao povo Guambiano, Hurtado, 68 anos, mal aprendeu a ler e a escrever, mas já foi governador, senador e deputado constituinte de seu país. Ele concedeu uma entrevista ao ISA logo depois de fazer seu discurso no GT de biodiversidade agrícola. Nela, fala sobre os GURTS, a CDB e sobre o regime de acesso aos recursos genéticos, que está sendo negociado na Convenção e pretende estabelecer regras internacionais para regular as relações entre os países provedores e os usuários dos recursos genéticos.

Por que o Sr. é contra as pesquisas com os GURTS?

Lorenzo Muellas Hurtado – Essas sementes foram feitas para nos escravizar. O tipo de tecnologia dos GURTS foi desenvolvido para nos obrigar a comprar mais e mais sementes de seus fornecedores. Por outro lado, as Terminator também ameaçam nossa identidade cultural. Para nós, Guambianos, as sementes não servem apenas para o nosso sustento, para nossa alimentação e para o nosso vestir. Elas têm papel importante na comunicação com nossos antepassados e com o mundo espiritual. Tem um valor simbólico importante, como oferenda para os espíritos que estão no alto das montanhas e nos lagos.

Mas você não acha que as sementes geneticamente modificadas podem significar uma boa alternativa econômica, se as variedades tradicionais forem preservadas também?

Nossas sementes já estão suficientemente testadas por milhares de anos de inovações e experiências. Se quiserem considerar a questão apenas do ponto de vista econômico, posso garantir que nossas sementes são muito boas e resistentes. Mas este tipo de visão é para capitalistas e nossas sementes não podem ser reduzidas apenas a um bem econômico.

Qual a sua expectativa em relação às negociações da COP-8?

A CDB não foi feita por uma necessidade das populações indígenas, mas pelos governos e pelas empresas multinacionais de biotecnologia. Essas negociações nos causam preocupação e temor, nos incomodam. Creio que as determinações tomadas na Convenção não servem para proteger e garantir os direitos das populações indígenas. Não esperamos nada de bom da COP. Aqui, estão cegos, surdos e mudos para nossos problemas e nossos direitos.

Qual a solução, então, para proteger os recursos biológicos e os conhecimentos associados à biodiversidade das populações tradicionais?

A solução é articularmos uma mobilização massiva dos povos indígenas, uma grande organização em nível internacional que possa levar adiante a nossa luta.

Como o Sr. avalia a atuação do Fórum Internacional Indígena para a Biodiversidade (FIIB), órgão auxiliar oficial do secretariado da CDB?

Não acho que o FIIB está tendo uma atuação correta. Eles trabalham na perspectiva de que a CDB vai conseguir implementar mecanismos para uma repartição justa e equitativa dos benefícios. Não acho que isso vá acontecer.

O Sr. acha que os delegados indígenas deveriam retirar-se da COP-8? Isso poderia ser uma arma política eficiente?

Alguns indígenas acreditam nessa repartição justa e eqüitativa de benefícios. Eles estão pensando em dinheiro. Estes nem deveriam estar aqui. Os representantes dos povos indígenas deveriam estar lutando contra a venda de seus recursos. Nossa luta é em defesa de nossa dignidade. Estamos na América há milhares de anos lutando por ela.

O Sr. não acredita ser possível instituir um sistema internacional de repartição justa dos benefícios da biodiversidade?

Os colonizadores da América foram responsáveis pelo saque do continente. Eles nos fizeram pobres, não porque fôssemos pobres. Hoje, as grandes multinacionais querem nos levar os últimos recursos. Nunca vão querer dividir de forma justa, mas vão querer arrancar de nós o máximo, nossas águas, nossas terras, nossos recursos biológicos e até o nosso sangue. Isso foi tudo o que os nossos antepassados nos deixaram e é aquilo que devemos deixar para os nossos descendentes. Este é o nosso legado.

O Sr. acha que os recursos e os conhecimentos dos povos indígenas podem ser comercializados?

Nossa luta tem de ser para mantê-los em seus sítios originais. Nossos sábios sabem que não somos os donos de nossas terras e de nossos recursos: somos seus administradores. E os deuses nos orientam como usá-los. Também precisamos sempre presenteá-los com o fruto dessas terras e desses recursos. Assim eles continuarão nos abençoando.

Qual seria a alternativa a um regime internacional de acesso aos recursos genéticos e repartição dos benefícios?

Temos duas culturas: a ocidental e a nossa cultura tradicional. Concordamos que deve haver trocas entre elas. A cultura tradicional também desenvolve ciência e deve ser usada pela ciência ocidental para desenvolver tecnologia. Mas isso não deve acontecer a serviço das grandes empresas multinacionais de biotecnologia. Isso deve ser feito com cuidado, com zelo e envolvendo pessoas honestas, pessoas dignas, e não mentirosos. Nós mesmos, povos indígenas, temos nos apropriado da tecnologia ocidental para nosso proveito: estamos usando os computadores e o correio eletrônico para nos organizarmos, por exemplo. Isso é uma coisa positiva.

Em linhas gerais, como é a legislação colombiana sobre o assunto? Os povos indígenas colombianos estão satisfeitos com ela?

A Colômbia ratificou a CDB. A Constituição colombiana reproduz vários dos dispositivos da Convenção. A CDB é muito ampla: trata desde microorganismos até o material colido de seres humanos, como sangue. Não estamos satisfeitos com isso. Temos denunciado as conseqüências disso, porque a legislação liberalizou o acesso aos nossos recursos e conhecimentos. Um pesquisador com a lei na mão tem acesso liberado aos nossos territórios e aos nossos recursos. Somos contra este livre acesso para a bioprospecção (pesquisa biológica com fins comerciais). Eles virão de qualquer jeito, até à força, e queremos tentar impedir isso.

Existem muitos casos de roubo de conhecimentos e recursos dos povos indígenas na Colômbia?

Em 1992, logo nos 500 anos da chegada dos colonizadores, por exemplo, pesquisadores colombianos vieram até mui

tas aldeias afirmando que iriam curar ou pesquisar problemas de saúde. Retiraram o sangue de várias pessoas afirmando que iriam fazer análises para curar essas doenças. Quando nos demos conta, o material já estava em laboratórios de genética dos Estados Unidos. Quando era senador, lutei para repatriar o material, mas até hoje não conseguimos fazê-lo.

Brasil será sede da Convenção sobre a Diversidade Biológica neste ano e em 2007

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, destacou hoje (17) a liderança brasileira no processo de implementação da Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB), não só porque o país será sede dos dois encontros relacionados ao tema 13 anos depois da Conferência sobre o Meio Ambiente (Rio-92) – quando a Convenção foi aberta para assinaturas –, mas também porque presidirá a Convenção até 2007.

Curitiba sediará a 8ª Conferência das Partes da CDB e a 3ª Reunião das Partes do Protocolo de Cartagena de Biossegurança – documento adotado pela conferência em 2000 para criar regras de trânsito de organismos vivos modificados, entre os países.

"É um processo complexo. Boa parte das economias dos países em desenvolvimento depende da sua biodiversidade. E os países que se desenvolveram chegaram a esse patamar à custa de uma perda muito grande de biodiversidade. Posso dizer que esse é o desafio do nosso século. É por isso que a discussão sobre meio ambiente não está separada das discussões de caráter econômico, social, cultural e, principalmente, civilizatório", disse a ministra.

Marina Silva lembrou ainda que o Brasil encabeça a lista dos 17 países megadiversos, ou seja, dos que ainda têm uma enorme fonte de recursos naturais, como plantas, animais e microorganismos. "O Brasil é o número 1 dos países megadiversos e tem um plano ousado de conservação e de uso sustentável da sua biodiversidade", disse a ministra, referindo-se às iniciativas brasileiras adotadas no sentido de cumprir metas definidas pela CDB.

O diretor da Divisão de Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores, Hadil Vianna, enfatizou que a 8ª Conferência das Partes terá o papel de garantir o cumprimento dos três objetivos básicos da Convenção da Biodiversidade. A repartição eqüitativa e justa dos benefícios resultantes da exploração dos recursos genéticos foi um dos objetivos incluídos na Convenção por sugestão brasileira, de acordo com o diplomata. "Não se pode reduzir a implementação da convenção à proteção da biodiversidade e ao uso sustentável dos recursos naturais. Para concretizá-la é fundamental que haja harmonização dos três objetivos", afirmou.

A repartição dos benefícios significa, em poucas palavras, dar em troca uma compensação monetária ou tecnológica às populações tradicionais que detêm conhecimento sobre uso de plantas e animais, como fonte de medicamentos e outros produtos, bem como para os países de onde vêm as riquezas naturais que dão origem a esses produtos e processos tecnológicos.

Perda de diversidade biológica está cem vezes mais rápida que o ritmo natural

A perda da variedade de vida na Terra, nos últimos 50 anos, atingiu uma taxa cem vezes maior que a perda de diversidade biológica que ocorre naturalmente ao longo do tempo. Essa é a conclusão preliminar de um estudo realizado por mais de 1,3 mil pesquisadores de 95 países e encomendado pelo secretariado da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB). A pesquisa deverá servir como referência para os países que concordaram em reduzir as taxas de perda de biodiversidade até 2010.

O cumprimento de metas como essa e outros temas serão discutidos, em março, em Curitiba em dois encontros relativos à Convenção, a 8ª Reunião da Conferência das Partes da CDB e a 3ª Reunião das Partes do Protocolo de Cartagena de Biossegurança. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, recebeu hoje (17) o secretário-executivo da Convenção, o argelino Ahmed Djoghlaf, para tratar dos preparativos das duas reuniões.

Documento que nasceu a partir da preocupação com as conseqüências da perda de biodiversidade, a Convenção entrou em vigor em 2003 e hoje tem a adesão de 188 países. O Protocolo de Cartagena é o tratado internacional que regulamenta o trânsito de organismos vivos modificados no mundo e foi adotado pela conferência das partes da CDB em 2002 para proteger o meio ambiente e a saúde humana dos possíveis danos que o transporte de transgênicos entre os países pode acarretar.

Mais de cem ministros de Meio Ambiente confirmaram presença na 8ª Reunião das Partes, que vai de 20 a 31 de março. A reunião do Protocolo de Biossegurança vai de 13 a 17 do mesmo mês. Segundo a ministra, um dos pontos em discussão com o secretariado da CDB é o convite de chefes de estado, para fortalecer o papel político da conferência. "Ainda é uma possibilidade. Afinal, os ministros são a representação política dos países, mas a presença de chefes de estado poderia reforçar a importância do encontro", explicou Marina Silva.