Estudo derruba mais uma falácia dos ruralistas sobre código florestal

Bruno Taitson (WWF Brasil)

Mais uma falácia apresentada pela bancada ruralista para justificar a destruição da legislação ambiental brasileira caiu por terra. Em debate organizado nesta sexta (18/11), no Senado, o consultor em meio ambiente e ex-diretor do Serviço Florestal Brasileiro, Tasso Azevedo, comentou estudo das ONGs Proforest e Imazon que demonstra a existência de legislações ambientais bastante restritiva em diversos países do mundo. Segundo argumentação apresentada de forma sub-reptícia pelos defensores do agronegócio, o Brasil deve acabar com o Código Florestal, pois nenhum outro país possui esse tipo de regulamento. Pura mentira.

Tasso Azevedo observou que a maior parte das argumentações usadas pelos ruralistas se baseia em falsas premissas. “O Japão do pós-guerra conseguiu triplicar a produção de alimentos e ampliar de forma significativa sua cobertura florestal, que hoje é de 69% do território, maior até que o percentual brasileiro, que é de 56%”, relatou.

O estudo, publicado em outubro, analisou as legislações ambientais de países como China, Reino Unido, França, Alemanha, Suécia, Indonésia e Estados Unidos, dentre outros. Todos os países analisados apresentam leis que restringem a conversão de florestas, estejam elas em áreas públicas ou privadas.

O estudo, que pode ser baixado pelo link ao lado, expressa que, ao contrário da argumentação mentirosa dos ruralistas, existem “muitas outras nações com leis igualmente rígidas de proteção florestal”. O documento reporta que, “desde o século passado, é o fim do desmatamento – e não a terra arrasada – que virou sinal de desenvolvimento”.

A China, também considerada uma nação de desenvolvimento tardio, veda a supressão de florestas para projetos de mineração e infraestrutura. O país também condiciona desmatamentos a uma autorização do governo, que demanda a restauração do correspondente ao que foi destruído.

Para Kenzo Jucá, analista de políticas públicas do WWF-Brasil, há cada vez mais evidências científicas de que as mudanças propostas ao Código Florestal brasileiro são um grande retrocesso, e atendem apenas aos interesses de parte do grande agronegócio. “Enquanto a tendência mundial é de aumentar a proteção das florestas, a bancada ruralista procura impor à sociedade brasileira mudanças que colocam o Brasil na contramão da história, flexibilizando a legislação ambiental”, critica.

Tasso Azevedo destacou que os defensores das mudanças no Código buscam promover uma perigosa “relativização da sustentabilidade”, colocando em risco valores e princípios universalmente aceitos como corretos para a promoção do desenvolvimento sustentável. “Nos debates sobre a abolição da escravatura no Brasil, no século 19, o setor agrícola brasileiro defendia a manutenção dos escravos alegando que eram sua propriedade e que o fim do sistema acarretaria perdas financeiras, inviabilizando a atividade”, disse. Segundo ele, estamos assistindo, hoje, a argumentos bastante similares por parte dos ruralistas, que querem fragilizar o instituto da Reserva Legal e das áreas de preservação permanente.

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Impasse no Conama mostra que resolução sobre APP não estava pronta para ser votada

O Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) apenas iniciou a votação das emendas à resolução que vai regulamentar os casos excepcionais em que será permitido o desmatamento em Áreas de Preservação Permanente (APPs) para realização de empreendimentos e atividades econômicas. Na última reunião do colegiado, realizada em Brasília, nos dias 8 e 9 de novembro, os conselheiros conseguiram aprovar somente sete emendas, mas não chegaram a um consenso sobre as 74 restantes. A discussão sobre a resolução, que regulamenta alguns tópicos do Código Florestal Brasileiro (Lei nº 4.771/1965), caso do desmate em APPs, já se arrasta há pelo menos três anos e foi o primeiro item da pauta das últimas três reuniões do Conama. No dia 1º de setembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou uma liminar concedida ao Ministério Público Federal (MPF) que paralisou o debate ao suspender os dispositivos do Código que permitiam a supressão de vegetação em APPs (saiba mais).

A APP é a faixa mínima de vegetação necessária à proteção dos recursos hídricos, da biodiversidade e do solo. Ela é delimitada às margens dos cursos d´água (nascentes, córregos, rios, lagos), onde ocorre a chamada mata ciliar, ou no topo de morros, em dunas, encostas, manguezais, restingas e veredas.

Depois de uma difícil negociação, os integrantes do Conselho aprovaram a parte do texto relativa à mineração, tema considerado o mais polêmico da votação. A pesquisa e extração mineral passaram a ser consideradas atividades de “utilidade pública” e, portanto, poderão ser realizadas nas APPs, inclusive em nascentes. A pressão e o trabalho de articulação dos ambientalistas no plenário resultou na definição de algumas exceções, mesmo para os casos de “utilidade pública”: os remanescentes de floresta de mata atlântica primária (ainda inalterada), mangues, veredas, restingas e dunas não poderão ser afetados pela exploração mineral em hipótese alguma.

As organizações da sociedade civil com assento no Conselho conseguiram garantir também que as atividades de retirada de areia, argila, saibro e cascalho, de alto impacto ambiental e realizadas em praticamente todos os municípios no País, serão classificadas como de “interesse social” e, assim, não poderão ocorrer em área de nascentes e também naqueles cinco casos. A aprovação deste último item foi considerada um conquista parcial pelos representantes de ambientalistas e do Ministério Público, que sempre defenderam a discussão de uma resolução específica para mineração, dando tratamento diferenciado para as diferentes categorias de minérios.

Para os dois setores, vários dos critérios e conceitos incluídos na resolução não estão claros, precisam ser detalhados e aprimorados. A completa falta de consenso sobre os principais pontos da resolução seria uma prova de que ela ainda não está madura para ser votada.

Logo no início da votação, a polêmica sobre a emenda apresentada pelo MPF para retirar a mineração do inciso que define o que são atividades de “utilidade pública” deixou patente a oposição entre sociedade civil e Ministério Público, de um lado, e o setor empresarial, de outro. A proposta foi rejeitada em votação nominal por 46 votos a quinze, sobretudo em virtude da ação dos conselheiros da Confederação Nacional da Indústria (CNI), com apoio decisivo de vários setores do governo, em especial do Ministério de Minas e Energia (MME).

Daí em diante, as divergências sobre outros pontos da resolução continuaram e a votação emperrou. Ao final do segundo e último dia de reunião, o plenário resolveu aceitar a sugestão da mesa de criar uma comissão de negociação. O grupo irá se reunir nas próximas duas semanas para tentar diminuir as discordâncias sobre os principais tópicos da proposta, que deverão ser votados na próxima reunião do Conselho, nos dias 29 e 30 de novembro.

Impasse

O empresariado e o MME consideram que todo o tipo de mineração deveria ser autorizada em APPs por sua importância estratégica, sobretudo por ser a base de várias cadeias produtivas, provendo a matéria-prima de inúmeros outros setores econômicos, como a construção civil, a siderurgia e a metalurgia. Argumentam ainda que o licenciamento ambiental resolveria o problema relacionado a medidas mitigadoras e compensatórias para os impactos decorrentes de empreendimentos econômicos em APPs. Segundo os dois segmentos, de 80% a até 100% de vários minérios estariam localizados nessas áreas. Além disso, a mineração ocuparia menos de 1% do território nacional.

“Nossa idéia era proibir qualquer tipo de atividade empresarial em APP e permitir apenas aquelas que têm comprovadamente interesse público, realizadas pelo Estado e que se destinam ao bem estar da comunidade”, defende Paulo Vasconcelos Jacobina, Procurador Regional do MPF. Ele considera que o governo e os empresários ainda não apresentaram dados que comprovem a informação de que mais de 80% dos minérios estariam em APPs. “Foram usados alguns argumentos ‘terroristas’ de que a indústria de mineração iria desaparecer do País se restringíssemos as intervenções em APPs. Não vamos aceitar este tipo de justificativa”.

A discrepância de opiniões entre os dois grupos leva a disputas sobre detalhes de redação do texto que podem parecer sem importância, mas que refletem, na verdade, a tentativa de flexibilizar ou restringir as intervenções em APP. O último impasse envolve a votação do principal tema que começou a ser votado na terça-feira, mas ficou pendente.

A Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca (Seap) da Presidência da República apresentou uma emenda para incluir como de “utilidade pública” obras para captação e condução de água. A proposta tem o objetivo de retirar, principalmente das áreas de mangue, tanques e represas utilizados na criação de camarão (carcinicultura) e de peixes (piscicultura), empreendimentos de alto impacto ambiental. Para isso, é preciso captar e transportar água para outros locais fora das APPs. O problema é que, com a redação do jeito que está, a emenda abre a possibilidade de que outros empreendimentos de alto impacto ambiental que precisam realizar obras de captação e condução de água possam ocorrer em APPs. Enquanto ambientalistas e o Ministério do Meio Ambiente (MMA) defenderam que a emenda deveria deixar claro que se destinava apenas à carcinicultura e à piscicultura, os representantes da CNI queriam manter a redação original da proposta da Seap.

“Não vamos aceitar, em hipótese alguma, que sejam realizadas outros tipos de atividades econômicas, industriais ou agrícolas, de alto impacto ambiental em mangues, restingas ou dunas”, rechaçou o secretário de Biodiversidade e Florestas do MMA, João Paulo Capobianco. Ele lembrou as palavras da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, de que a resolução está sendo elaborada para proteger as APPs e não o contrário. Capobianco também afirmou que outros tipos de empreendimentos de baixo impacto ambiental continuam permitidos naquelas áreas.

“Apesar de todas as negociações, a proposta de resolução não está madura. As consultas públicas regionais ocorridas por solicitação dos ambientalistas demonstraram que há inúmeros temas que ainda carecem de esclarecimentos e discussão técnica”, argumenta o advogado André Lima, do ISA, que representa as ONGs no Conama, em nível nacional. Ele cita como exemplos, a conceituação de “baixo impacto” ou a necessidade de vinculação de certas atividades altamente impactantes à instrumentos de ordenamento territorial. Segundo Lima, as entidades ambientalistas temem que alguns setores da economia estejam querendo aproveitar a decisão sobre a resolução para resolver seus passivos ambientais de décadas atrás. “O Conama está discutindo uma norma que não pode se afastar da realidade. Precisamos recuperar as APPs e confirmar o que está n

a legislação brasileira, ou seja, seu uso é exceção e não regra. Se cada setor da economia se julgar de utilidade pública ou de interesse social, as APPs vão se tornar uma raridade e a sociedade pagará caro por isso”.