Justiça determina que comunidade indígena deve deixar Raposa Serra do Sol (RR)

Manaus – As três famílias indígenas que moram na comunidade Brilho do Sol, no sul da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, têm até o dia 12 de junho para deixar espontaneamente o local, sob o risco serem retiradas à força pela Polícia Federal (PF) ou pela Polícia Militar (PM). Além disso, o não cumprimento da ordem judicial obrigará o Conselho Indígena de Roraima (CIR) e a Fundação Nacional do Índio (Funai) a pagar multa diária de R$ 10 mil. A decisão do juiz Helder Girão Barreto, da 1ª Vara de Justiça Federal de Roraima, responde ao mandado de manutenção e reintegração de posse concedido ao coronel reformado da Polícia Militar, José Wilson da Silva.

O mandado foi entregue à comunidade Brilho do Sol por dois oficiais de Justiça, no dia 2 de junho. Segundo Joênia Batista de Carvalho, coordenadora do Departamento Jurídico do CIR, José Wilson foi um dos proprietários de terra que, em 2004, questionaram na Justiça a Portaria 820/98, que estabelecia a demarcação em área contínua da terra indígena Raposa Serra do Sol.

"Quando o Ministério da Justiça editou uma nova portaria de demarcação, em abril deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) revogou todas as ações que contestavam a portaria anterior, porque entendeu que elas perderam o objeto. Mas a ação em questão foi ignorada", explica. Na próxima sexta-feira, a advogada deve ingressar no STF com uma petição em nome dos indígenas da comunidade Brilho do Sol, pedindo que a ação movida pelo coronel Wilson também seja extinta.

Marcos Marcelus Goulart, procurador da República em Roraima, afirma que, em novembro, o Ministério Público Federal (MPF) questionou a ação do coronel Wilson. "Alegamos ausência de requisitos para a concessão de liminar porque não se configurava invasão de propriedade particular, pois a terra já estava demarcada". Na última semana, o MPF protocolou uma reclamação no STF, questionando a competência do juiz Girão Barreto para expedir o mandado de reintegração de posse. "Este assunto deve ser tratado no STF", diz o procurador.

A Funai, por meio da Advocacia Geral da União (AGU), também já pediu ao STF a revogação da liminar, informa Gonçalo Santos, administrador regional da autarquia.

Segundo a assessoria de comunicação da Justiça Federal de Roraima, o juiz Girão Barreto não se pronunciará sobre o caso. Já o coronel José Wilson da Silva declarou que a decisão da Justiça foi uma surpresa para ele e seu advogado – e que só concederá entrevista depois que estiver bem informado sobre o assunto.

No dia 15 de abril, um decreto presidencial homologou a terra indígena Raposa Serra do Sol, estabelecendo um prazo de 12 meses para que os não-indígenas deixem a reserva. A comunidade Brilho do Sol fica na região do Baixo Cutingo, no sul da reserva. Ela faz parte de um grupo de cinco comunidades que foram reocupadas pelos indígenas no segundo semestre do ano passado, como uma estratégia do CIR para fazer resistência à expansão dos arrozais dentro da terra indígena. No dia 23 de novembro, as cinco comunidades tiveram as casas queimadas por um grupo suspostamente liderado pelos produtores de arroz. O caso está sendo investigado pela Polícia Federal.

Incra inicia regularização de terras em Roraima

Brasília – O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) começa a colocar em prática esta semana o pacote de medidas federais para a regularização fundiária em Roraima. Vinte técnicos embarcaram nessa segunda-feira (18) para reforçar a equipe do Incra no estado. Os trabalhos serão concentrados no cadastramento de famílias que vivem nas terras indígenas Raposa Serra do Sol (homologada na última sexta-feira) e São Marcos (homologada em 1993).

"Vamos assentar todas as famílias de não-índios que viviam ilegalmente nessas reservas e que preenchem o perfil da reforma agrária. Na Raposa, são cerca de 50 famílias ainda não indenizadas pela Funai (Fundação Nacional do Índio). Se elas preencherem os pré-requisitos da reforma, serão reassentadas pelo Incra", explicou o presidente do instituto, Rolf Hackbart.

O pacote de medidas de regularização fundiária de Roraima inclui ainda a titularização de terras públicas com até 100 hectares ocupadas por posseiros. Estima-se que, com isso, o estado passará a contar com 10 mil proprietários rurais. Esse número tende a ser maior com a concessão pública de 150 mil hectares de terras da União para o governo de Roraima, prevista para os próximos dias.

"Essas terras poderão ser usadas pelo estado para a criação de um pólo de desenvolvimento. Serão concedidas mediante a apresentação de uma proposta de desenvolvimento que não concentre propriedade, riqueza e poder, além de não destruir o meio ambiente", avisa Hackbart.

Roraima possui 22 milhões de hectares de terra. Desse total, o Incra detém cerca de 5,2 milhões de hectares. De acordo com o órgão, a maior parte dessa área está ocupada ilegalmente. Existem projetos em estudo no Incra para a concessão pública de mais terras da União ao estado.

Funai indeniza colonos de Panambizinho

O presidente da Funai, Mércio Gomes, constituiu grupo técnico visando o procedimento indenizatório pelas benfeitorias derivadas de ocupação de boa-fé instaladas por não-índios na Terra Indígena Panambizinho, situada no município de Dourados (MS). A procuradora da Funai, Ana Maria Carvalho, e o assessor da Coordenação de Assuntos Fundiários, Luciano Pequeno, estão na área desde o final de agosto efetuando o pagamento aos não-índios, à medida que apresentam a documentação exigida. Os recursos necessários, no valor total de R$1.771.582,97, já foram disponibilizados pela Funai.

Dos 36 colonos que têm direito à indenização, 14 já receberam os valores a que têm direito, que somam R$ 1.381.582,97. O pagamento, no entanto, não significa que eles tenham de desocupar imediatamente a terra indígena. Eles terão um prazo máximo de 90 dias para fazê-lo. A demora é ocasionada pela falta de estrutura na fazenda Terra do Boi, município de Juti (MS), onde os ocupantes serão reassentados. Somente após esse prazo os índios poderão, de fato, tomar posse das benfeitorias indenizadas.

A Terra Indígena Panambizinho é de ocupação tradicional dos Kaiowá, mas desde o início das frentes de expansão agrícola na região os índios foram sendo expulsos, embora a constituição protegesse a posse territorial indígena. As invasões em Panambizinho por não índios foram intensificadas a partir de 1943, quando o então Estado de Mato Grosso criou a Colônia Agrícola Núcleo de Dourados, que englobou totalmente a terra indígena e provocou a expulsão em massa dos indígenas.

Resistência – Em 1995, Panambizinho foi declarada de posse dos índios Kaiowá. O então Ministro da Justiça, Nelson Jobim assinou a Portaria Declaratória, na aldeia Kaiowá, que reconhecia como pertencente aos índios uma área com superfície aproximada de 1.240 hectares. Mas os índios, cerca de 240, que estavam confinados em apenas 60 hectares, não puderam reocupar a terra, em função da resistência dos colonos.

Somente em 2001, depois de muita negociação, com a participação do Incra, Idaterra (órgão fundiário do Estado do Mato Grosso do Sul), os colonos permitiram que fosse feito o levantamento fundiário. A condição imposta para o início dos trabalhos foi a indicação, pelo Incra, de uma outra área definitiva para que eles fossem reassentados.

A demarcação física da área, no entanto, só pôde ser realizada em 2003, depois de novo acordo entre índios e colonos, com a presença da Procuradoria da República em Dourados. Na ocasião foi estabelecido que até abril de 2004 a Funai providenciaria a atualização do levantamento fundiário para iniciar o processo de indenização das benfeitorias consideradas de boa-fé, o que está ocorrendo agora. Cerca de 380 Kaiowá aguardam tão somente a saída dos colonos para que possam reocupar a terra, definitivamente.