Desafio de Lula é proteger patrimônio genético do país, diz ambientalista

A regulamentação do acesso ao patrimônio genético da biodiversidade nacional e ao conhecimento tradicional de comunidades indígenas, ribeirinhas e quilombolas será o principal desafio na área ambiental do segundo mandato (2007-2010) do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A opinião é da integrante do Conselho Diretor do Instituto Socioambiental (ISA) Adriana Ramos, que culpa o governo brasileiro pela falta de uma “posição oficial" para o setor. Segundo ela, a legislação para o setor não avança por divergências internas no governo.

Ramos afirma que os ministérios da Agricultura, Ciência e Tecnologia, Meio Ambiente e Desenvolvimento, Indústria e Comércio não se entendem dentro do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen), e acabam emperrando uma questão crucial para o futuro do Brasil.

“Os ministérios não se entendem em diversos pontos da regulamentação. Isso tem impedido o avanço da lei por falta de consenso e por não haver uma posição oficial do governo que oriente um interesse maior”.

Está em discussão na Casa Civil o Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. A previsão era que um decreto presidencial criando o plano fosse assinado ainda em 2006, o que não ocorreu.

"Não foi possível aprová-lo [em 2006], mas esperamos que isso aconteça em janeiro [de 2007]. Na ocasião, vamos fazer uma festa de lançamento da política e reunir todos os representantes das comunidades tradicionais", afirma Aderval Costa, assessor do Núcleo de Povos e Comunidades Tradicionais do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

Com a regulamentação do setor, governo, cientistas e ambientalistas esperam frear a biopirataria, que significa a apropriação de recursos biogenéticos e/ou conhecimentos de comunidades tradicionais, por indivíduos ou por instituições que procuram o controle exclusivo ou monopólio sobre esses recursos e conhecimentos, sem autorização estatal ou das comunidades.

A utilização das plantas no tratamento de diversas doenças, prática comum entre as comunidades tradicionais brasileiras, tem despertado o interesse de empresas nacionais e internacionais em transformar essas substâncias em produtos comerciais. O problema, segundo o diretor de Patrimônio Genético do Ministério do Meio Ambiente, Eduardo Velez, é que, muitas vezes, essas comunidades não recebem nada em troca pela divulgação e pela exploração comercial dos seus conhecimentos.

A Medida Provisória 2.186 garante o direito de as comunidades serem consultadas e liberarem, ou não, a pesquisa sobre seus conhecimentos. Mas não existe nem legislação nem um sistema de registro.

Assim, universidade e instituições fazem um inventário dessas descobertas de plantas e usos e publicam em uma revista científica. “Esse conhecimento fica disponível para todos e se tiver potencial econômico, dificilmente uma empresa vai fazer um contrato com a comunidade”, explica Velez.

Para ele a solução é criar uma legislação que impeça a publicação integral do que foi pesquisado, garantindo o segredo das comunidades tradicionais.

Povos e comunidades tradicionais ganham espaço e voz

Presidida pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) e secretariada pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) por meio da Secretaria de Desenvolvimento Sustentável, a recém-criada comissão foi instalada, no dia 2 de agosto, em Brasília. A cerimônia contou com as presenças dos ministros do Meio Ambiente, Marina Silva, do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, da secretária especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, ministra interina Maria do Carmo Ferreira Silva, além de representantes de várias comunidades e povos tradicionais.

A composição da comissão da forma como está, foi definida em agosto do ano passado, durante o I Encontro dos Povos e Comunidades Tradicionais, realizado em Luziânia (GO).(Saiba mais). Durante o evento foram eleitos os representantes da sociedade civil que deveriam integrá-la. Com ampla participação de povos e comunidades tradicionais, foram indicadas 15 representações da sociedade civil e 15 representantes de órgãos governamentais. O decreto que criou a comissão, em 2004, apenas apontava a possibilidade de participação e oficialmente era formada só por representantes do governo. Uma conquista bastante significativa, sem dúvida.

Leide Maria Araújo Aquino, do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA) destacou a importância da comissão, que dará voz e visibilidade as comunidades, permitindo a participação na construção de uma política comprometida com o desenvolvimento sustentável das comunidades. Ela alerta, no entanto, que, apesar dos avanços alcançados por este governo, ainda há muito por fazer, frente ao volume das demandas das comunidades. “Não podemos ficar limitados a programas e projetos. Precisamos de uma política de governo que substitua o atual modelo de desenvolvimento que oprime as comunidades”. Leide também citou a necessidade de se difundir as políticas para os municípios e estados, integrando as ações do Estado para as comunidades.

Durante a instalação da comissão, a ministra Marina Silva lembrou que a Comissão deverá propor ações integradoras para dar visibilidade às comunidades e povos tradicionais. "São 4,5 milhões de servidores públicos que ocupam 25% do território, importantíssimos para a preservação da biodiversidade, para os quais a sociedade brasileira deve tributos”. Ao classificar as comunidades e povos tradicionais como "servidores públicos", a intenção da ministra foi reconhecer o papel relevante dessa população na conservação da biodiversidade. Na opinião de Marina Silva, a comissão deverá implementar uma política com coerência externa e interna, comprometida com as demandas das comunidades e populações, integrando suas ações com políticas estaduais e municipais. A comissão possibilitará transitar de uma política pulverizada entre órgãos do governo para uma política integrada e comprometida. "Existem R$ 1,2 bilhão previstos para as comunidades divididos entre as várias pastas do governo, com as ações da comissão e a implementação da política pretende-se integrar a execução desse orçamento”.

O ministro Patrus Ananias apontou a intensa participação da sociedade na construção do processo de construção da Comissão e citou as ações promovidas pelo governo federal orientadas a garantir dignidade e emancipação das comunidades e populações tradicionais, sob a perspectiva da pluralidade e do respeito à sociodiversidade, identidade e culturas. Afirmou que o tema da pobreza deve ser tratado no campo dos direitos e não do clientelismo, assistencialismo e favorecimento dos “pobres de cada um”. Destacou também a importância da transversalidade da comissão, o desafio de se trabalhar com temas intersetoriais e interministeriais.

A comissão deverá dar visibilidade aos diferentes povos tradicionais, valorizando o papel que desempenham na conservação socioambiental e na preservação de aspectos culturais, que tem, historicamente, sido suprimidos dos espaços políticos nos diferentes níveis de governo. E este é considerado um aspecto fundamental na construção de uma política sólida. No entanto, esta visibilidade implica uma gama de peculiaridades de cada uma das categorias dos povos tradicionais que justamente atestam sua tradicionalidade. Mostram dessa forma a necessidade de se construir uma política geral que garanta essas diferenças, já que a demanda para cada grupo social é específica, evitando a tendência a homogeneizá-las descaracterizando sua identidade.

Gestão integrada interministerial

Outro desafio colocado refere-se a necessidade de integração das diferentes políticas existentes no governo federal e da interface que apresentam com temas tratados, como é o caso da nova Política de Áreas Protegidas, que inova ao reconhecer as Terras Indígenas e as áreas de quilombo como áreas protegidas para a conservação da biodiversidade.

Outra questão que remete a mesma reflexão diz respeito a dificuldade de definição dos recortes geográficos comuns sob os quais as diferentes políticas são elaboradas e propostas. É o caso dos diferentes recortes geográficos existentes no âmbito do governo federal para as políticas de gestão territorial. Existem pelo menos meio dúzia de divisões diferenciadas que não coincidem entre si, como por exemplo, as meso-regiões do Ministério da Integação Nacional, os territórios rurais do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), entre outros, demonstrando a dificuldade de se planejar políticas integradas e transversais. O desafio é tirar a proposta de Política de Povos e Comunidades Tradiconais do papel e efetivá-la.

Uma das principais demandas do documento do I Encontro de Populações Tradicionais, de 2005, foi a necessidade de regularização fundiária e de garantia do direito destes grupos aos territórios tradicionalmente ocupados, a ameaça das grandes obras de infra-estrutura e as sobreposições na criação das Unidades de Conservação.

O conceito de populações tradicionais

A definição do conceito de populações tradicionais na legislação brasileira vem sendo postergada desde os tempos da elaboração do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). A definição desse conceito traz uma série de questionamentos no que se refere à categorização destes grupos e a dificuldades de se estabelecer critérios que os definam além das características políticas que pesam sobre o conceito.

A utilização do termo populações tradicionais em diversos documentos oficiais e na própria legislação demonstra que é preciso estabelecer entendimentos comuns sobre qual o universo que ele abarca. Fundamental, neste caso, é garantir que qualquer definição seja abrangente e inclusiva, de tal modo a assegurar a essas populações seus direitos, não permitindo que interpretações excludentes venham a lhes prejudicar.

Para além dessa questão e conforme as principais demandas que saíram do encontro realizado em Luiziania, a questão que se pode analisar está relacionada à necessidade e garantia dos directos territoriais desses grupos, acesso a serviços básicos e, sobretudo, reconhecimento e respeito a suas origens e formas de vida.

O que diz o texto base da política

O texto-base da política nacional passará por consultas públicas regionais. O documento estrutura-se em princípios, eixos estratégicos, objetivos específicos e diretrizes gerais de ação. Dentre os eixos, destacam-se os voltados à regularização do acesso ao território, inclusão social, fomento e produção sustentável, todos apoiados no respeito às formas tradicionais de vida, organização e produção.

Apresenta ainda propostas de instrumentos de implementação da política, tais como os Planos de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, a Comissão Nacional e os Fóruns Regionais. O documento destinado às consultas destaca que os referidos Planos de Desenvolvimento consistirão de ações de curto, médio e longo prazo

, elaborados com o fim de implementar, nas diferentes esferas de governo, os princípios e diretrizes estabelecidos pela política.

Os Planos deverão estimar o número de famílias ou pessoas abrangidas, delimitar as áreas de abrangência, relacionar os povos envolvidos, propor ações e metas relacionadas com os eixos de ação e estabelecer medidas a serem tomadas, programas a serem desenvolvidos e projetos a serem implementados para o atendimento das metas. Os planos poderão ser estabelecidos com base em parâmetros regionais, temáticos ou étnico-sócio-culturais, podendo ser estabelecidos por meio de fóruns especialmente criados para essas finalidades.

A próxima reunião da Comissão está prevista para acontecer entre 30 de agosto e 1º de setembro próximos, quando será concluído o texto-base da proposta e discutida uma agenda de trabalho para o segundo semestre.

Estão previstas até o final de setembro a realização de cinco consultas públicas para discutir o texto-base da política. A primeira foi realizada em Curitiba (4 a 6/8), em seguida será em Cuiabá (22 a 24/8), Rio Branco (23 a 25/8), Belém (28 a 30/8) e Paulo Afonso (4 a 6/9). No entanto, a reunião da Comissão Nacional, no dia 3 de agosto, reavaliou o prazo proposto como muito curto para a realização da mobilização social adequada para a participação nas consultas e igualmente para a leitura crítica do documento-base. Com isso, houve a postergação das consultas do mês de agosto para o mês de setembro, com datas a serem confirmadas.

De acordo com o diretor de Agroextrativismo e Desenvolvimento Sustentável do MMA, Jorge Zimmermann, em cada encontro os trabalhos serão distribuídos da seguinte forma: dois dias de oficinas para discutir a proposta do governo e um dia para consulta pública que deverá envolver toda a região.

O texto-base inclui doze pontos prioritários apontados pelos participantes do I Encontro Nacional de Comunidades Tradicionais. A regulamentação fundiária e a garantia de acesso aos recursos naturais estão entre esses pontos, assim como o reconhecimento e o fortalecimento da cidadania, com a emissão de carteiras de identidade, registros de nascimento e outros documentos. A resolução de conflitos decorrentes da criação de Unidades de Conservação de Proteção Integral sobre territórios de povos tradicionais e a garantia de acesso às políticas públicas de inclusão social também são consideradas prioridades.