Zé Goiás, bandeirante do século XX

Nascido em Aruanã, Goiás, antiga cidade de Leopoldina, José Celestino da Silva foi mais um dos personagens anônimos que desbravaram o Brasil Central. Zé Goiás, como ficou conhecido em Nova Xavantina (MT), se integrou em 18 de junho de 1946 à Expedição Roncador-Xingu.

Nessa época Seu Zé Goiás era um rapaz franzino de 22 anos, que havia abandonado uma vida de dificuldades no garimpo, onde ganhava um salário de apenas 680 mil réis, com o ideal de se tornar um bandeirante do século XX. Logo no primeiro dia de acampamento, Orlando Villas Bôas pediu que ele saísse para pescar. A pescaria foi tão boa que o sertanista disse: “Esse menino vai enraizar aqui”. Dito e feito. Zé Goiás não só acompanhou desde o início o desbravamento do Brasil Central, mas também ajudou a fundar Nova Xavantina, onde mora até hoje.

Aos 78 anos, o veterano guarda com orgulho fotografias, relíquias e, principalmente, preserva o mesmo ânimo e alegria do tempo da Marcha.

zegoias.jpgGrupo – O senhor acompanhou todo o desenvolvimento dessa região e de Nova Xavantina?

Zé Goiás –Quando cheguei aqui vim de avião, naquele tempo era muito difícil. A primeira vez que passei por cima da cidade pensei onde ficava toda a gente. Aqui só tinha três casinhas de palha. Participei até da missa que fundou a cidade. O pessoal queria dar o nome de São Pedro do Rio das Mortes, mas o Orlando Villas Bôas falou que achava que tinha que dar um nome sobre a origem da cidade. Como aqui era terra Xavante, ficou Nova Xavantina.

"Eu sou um bandeirante do seculo XX(…)". Foto: Fábio Pili

Grupo – Quando o senhor se integrou à expedição?

Zé Goiás – Cheguei aqui em 18 de junho de 1946 pra abrir picada na expedição. Eu queria muito conhecer o Rio das Mortes, aqui tinha muita história, muita lenda. A gente ouvia falar do nego d’água, da mãe d’água, mas nada disso existe não. Eu era muito disposto. No dia 7 de setembro, o Coronel Vanique reuniu o pessoal, tinha umas 20 pessoas. Ele perguntou quem estava disposto a fazer um juramento e eu fui o único que fiz a jura: “Morrer se preciso, matar nunca”. Eu não tinha medo, não (risos).

Grupo – Como era a situação do acampamento no início da Expedição?

Zé Goiás – Era muito dura. Nessa época não tinha carne. Uma vez, seu Acary Passos mandou um pedaço de carne para o Coronel Vanique. Quando os trabalhadores viram o almoço do Coronel, aí fizeram uma greve. Por causa disso foram cortadas 72 pessoas. Vieram dois aviões C47 do Correio Aéreo Nacional para levar o povo de volta pra Aragarças. O avião foi cheio e ficou pouquinha gente. Mar era bom, rapaz, aquele tempo era bom.

Grupo – Havia muita amizade entre os trabalhadores?

Zé Goiás – Aqui estava todo mundo animado pra sair logo com a Marcha, e estava tudo pronto. Demorou muito por causa do suicídio da esposa do Coronel Vanique. A gente ficou por aqui trabalhando no acampamento, limpando, capinando. Era assim, a gente terminava o trabalho, tomava banho e ia jogar baralho, caçar, pescar… Eu mesmo preferia pescar. O pessoal também era muito gozador. Quando os novatos chegavam aqui, eles mandavam a gente pegar uma tal “caixinha de tiché” no almoxarifado. Quando o sujeito chegava lá, o encarregado, Seu João, dava uma bronca danada. Eu já sabia desta história, quando falaram para que eu fosse ir lá, eu respondi: “Não precisa, eu trouxe a minha de casa”. (risos)

Grupo – E como era o trabalho na Marcha?

Zé Goiás – O trabalho era duro, muito duro. Saímos no dia 21 de abril de 1947, dia de Tiradente, a gente saiu daqui e fomos até o (rio) Sete de Setembro. A gente recebia um (revólver) .38, um mosquetão e ia em lombo de burro e a pé. Eu desci com eles até o Garapu e depois voltei de férias. Na volta, vim de avião até o Kuluene. Chegando lá no rio, já tinha o campo de avião. Os índios ajudaram a arrumar tudo, capinando, destocando a área. Ficou pronto em cinco dias. Os índios eram muito fortes, arrancavam os tocos como se fosse mandioca, com raiz e tudo. Eu pegava mel, pescava, mas não comia esses animais impuros do campo, como quati, macaco e etc. Eu também aprendia a ler. De noite a gente amarrava uma linha com um sininho em volta do acampamento. Se passasse bicho a gente ouvia. O Seu Orlando também ensinava a gente a escrever. Quando eu cheguei aqui, não sabia nem assinar o nome. Aí o Seu Orlando me deu uma cartilha chamada “Vamos Estudar” e eu comecei a aprender. Umas duas semanas depois eu já sabia escrever e separar as sílabas.

Grupo – O senhor se orgulha de ter participado disso tudo?

Zé Goiás – Era bom demais. Eu sou bandeirante do século XX! Outro dia apareceu uma mulher aqui na porta de casa pedindo entrevista pra televisão. Logo juntou uma roda de gente para ouvir a história. Eu sempre fui alegre toda vida. Sempre tive muita boa vontade e nunca tive medo. Passei por cobra, índio e estou aqui vivo. (risos)