Secretário nega falta de diálogo e diz que floresta só se conserva se for rentável "de pé"

Brasília – O secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco, afirma que o governo vem adotando as medidas necessárias para combater o desmatamento na Amazônia e escuta os especialistas nas discussões ambientais, ao contrário do que o geógrafo Aziz Ab’Saber declarou. Em entrevista, à Agência Brasil, Capobianco reiterou a ênfase no Projeto de Lei de Gestão de Florestas Públicas para conter a devastação no norte do país. "Só conseguiremos preservar a floresta se, em termos de emprego e geração de renda, ela for mais interessante de pé do que derrubada".

Agência Brasil: Com relação aos novos dados de desmatamento na região amazônica, o professor Aziz Ab’Saber afirma que o Ministério do Meio Ambiente "está totalmente enfraquecido" e não consegue efetuar as medidas necessárias. O senhor concorda?

João Paulo Capobianco: Os dados se referem a um período em que o novo sistema de monitoramento (o Deter) ainda não estava operacional. Esse sistema, construído graças a um esforço muito grande do governo – não só do MMA –, acompanha em tempo real o desmatamento e começou a funcionar no início deste ano. Até então, você verificava um ano depois. Com base nesse sistema já realizamos, em 2005, um conjunto de operações de inteligência que resultou na apreensão de 75 mil metros cúbicos de madeira. Isso em quatro meses, sendo que em 2002 (último ano do governo Fernando Henrique Cardoso) inteiro haviam sido apreendidos 40 mil metros cúbicos. Nunca se fiscalizou tanto como agora.

ABr: Vocês já têm os dados referentes a desmatamento nos quatro primeiros meses de 2005? É possível fazer uma previsão de desmatamento para o ano?

Capobianco:Ainda estamos sistematizando esses dados. O que podemos dizer é que a capacidade de desmatar foi intensificada. Mato Grosso (estado que respondeu por 48,1% do desmatamento total na Amazônia de agosto de 2003 a agosto de 2004), por exemplo, iniciou o desmatamento em janeiro, época da chuva. Normalmente, isso acontecia a partir de abril.

ABr: O professor Aziz Ab’Saber também criticou o projeto de Lei de Gestão de Florestas Públicas, uma das principais apostas do ministério contra o desmatamento. Segundo ele, o projeto resultou de pressão de ONGs interessadas e deixa de promover um redirecionamento do uso dessas áreas – que, na opinião dele, deveriam priorizar a proteção da biodiversidade. Além disso, ele disse, poderia se complicar a retomada dessas áreas no futuro, pela presença de entidades e empresas estrangeiras.

Capobianco: É preciso dizer que o governo atual possui o recorde histórico de criação de reservas na Amazônia. Foram 8,3 milhões de quilômetros quadrados, dos quais 60 % são áreas de proteção integral. E o uso sustentável, previsto nos outros 40 % das áreas, também promove a proteção à biodiversidade. É uma visão estreita essa (de que as duas coisas não são compatíveis). A iniciativa do projeto não tem nada a ver com pressão de ONGs. Elas não fazem manejo e não terão, portanto, nenhum benefício nesse sentido. Nosso entendimento é o de que o desmatamento não será combatido com controle. A Amazônia não será preservada só com polícia, mas também com medidas de macroeconomia. Nosso objetivo para as florestas públicas é mantê-las públicas e como florestas. Com relação a qualquer vínculo internacional, o que cabe esclarecer é que o manejo só será permitido a cooperativas nacionais e empresas regularmente constituídas no Brasil.

ABr: O professor também se queixa de que os especialistas não estariam sendo ouvidos nesse e em outros projetos.

Capobianco Foram ouvidos vários especialistas, em dezenas de ocasiões. A proposta passou por reuniões, seminários. Foi aprovada pela Comissão Nacional de Florestas – na qual governo, academia, empresários, estados, municípios, ONGs e a própria Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC, da qual Ab’Saber é presidente de honra) estão representados. Depois de encaminhada ao Congresso como projeto de lei, passou por audiências públicas. A ministra Marina Silva e sua equipe técnica receberam o professor Aziz em longa audiência.O que há é divergência de visão, de encaminhamento. Não falta de diálogo.

Ministério do Meio Ambiente está "enfraquecido" na defesa da Amazônia, diz geógrafo

Brasília – O geógrafo Aziz Ab’Saber contribuiu para o conhecimento da história geoecológica do país ao buscar a relação do homem com o meio ambiente. Foi pioneiro também ao propor a empresários que colaborassem para reflorestar áreas de acordo com suas características. Hoje, suas idéias inovadoras, que antes causavam resistência quando Ab’Saber era jovem, são modelo para a geografia brasileira.

Em entrevista à Agência Brasil, o professor Aziz, presidente de honra da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e professor emérito do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), diz que "existe no sul do Pará um estado paralelo em que fazendeiros e madeireiros ditam as próprias regras", desmatando sem qualquer medo de serem repreendidos.

Ab’Saber avalia que o Ministério do Meio Ambiente está "enfraquecido" na defesa da Amazônia, ainda que tenha o poderoso instrumento tecnológico de observar a Terra a partir de satélites. "O mais importante é a capacidade de desenvolver ações em relação ao que está sendo observado", comenta ao analisar os índices de desmatamento da Amazônia.

Segundo levantamentos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), divulgados na semana passada, a Amazônia perdeu uma área de mais de 26 mil quilômetros quadrados de agosto de 2003 a agosto de 2004: um território quase do tamanho do estado de Alagoas.

Agência Brasil: Além de ser o segundo maior desmatamento já verificado na Amazônia, como o senhor avalia esse problema?

Aziz Ab’Saber: Não é só o problema do desmatamento da Amazônia que me preocupa. Uma série de fatos recentes demonstra uma espécie de estado paralelo formado por fazendeiros e madeireiros. Os fazendeiros fazem o que querem, desafiando o poder público. Dão um atestado de que eles estão tentando se isolar de qualquer presença do Estado. Além deles, tem também os madeireiros, que confabulam com os fazendeiros e compram as árvores que sobram à medida que as atividades dos primeiros avançam. Então, a situação é muito mais grave do que se pensa.

ABr: Tem ainda a questão das populações tradicionais, como os povos indígenas…

Ab’Saber: Quanto às populações tradicionais, o problema é muito sério. Enquanto os fazendeiros dominam tudo e causam medo nas populações tradicionais, como índios, eles vão fazendo tudo o que querem. Eu, pessoalmente, julgo que, no momento, está havendo um governo paralelo no centro-sul do Pará, sem que haja nenhuma atitude dos diversos níveis do governo Lula para traçar uma estratégia que evite isso.

ABr: E como o senhor vê a ação do governo diante desse quadro?

Ab’Saber: O Ministério do Meio Ambiente está totalmente enfraquecido e não tem condições de tomar atitudes corretas para defender a Amazônia. Poderia, por meio de um plano, programa ou projeto, organizar-se melhor no centro-sul do Pará e em outras áreas onde o desmatamento ainda tem esses outros fatores. O que, para nós, significa um problema muito sério, do ponto de vista da observação internacional. Lá nos Estados Unidos houve tempo em que eles diziam: "Os brasileiros não têm competência para gerenciar a Amazônia."E o problema é esse no momento.

ABr: O que imediatamente essa falta de gerenciamento provoca?

Ab’Saber: Essas dificuldades de gerenciamento dão então abertura para aqueles que estão de olho na Amazônia, não só pela floresta, mas pela água doce, pelos recursos minerais, pelas florestas que têm fármacos, uma série de produtos de importância econômica e social. E ainda pelo petróleo que foi descoberto no oeste da Amazônia, na Amazônia Ocidental. Ela, com seus 4,2 milhões de quilômetros quadrados de zona equatorial, é uma reserva de biodiversidade máxima do planeta Terra. E não pode ser colocada nas mãos de especuladores em função de uma invasão complicada do capitalismo.

Colaborou Lana Cristina

Falta diálogo do governo com especialistas, afirma Ab’Saber

Brasília – Neste segundo trecho da entrevista à Agência Brasil, o geógrafo Aziz Ab‘Saber fala de experiências de uso racional da floresta e lamenta que o ministério do Meio Ambiente não as estimule. Ele afirma que o governo não ouve os especialistas antes de executar ações ou propor projetos.

Agência Brasil: Há alguma experiência internacional que poderia de servir como exemplo ao Brasil?

Ab’Saber: Não. É preciso usar as experiências que apareceram aqui e ali, da própria Amazônia. Por exemplo, na fronteira de Rondônia com o Acre, surgiu, em função da iniciativa de um ex-padre francês de origem rural, um novo projeto de uso das porções periféricas desmatadas, mas a partir do bordo não-desmatado da floresta. O bordo da floresta funciona como se fossem nossos cabelos, tem uma umidade que não se esgota com a rapidez das outras partes da floresta. Em função disso, esse ex-padre começou a executar um projeto de plantações no bordo da floresta, em direção ao lado já devastado. Ao mesmo tempo, ele tentou fazer uma espécie de corredores radiais, na área de sub-bosque da floresta para plantar açaí, castanheiras, abacaxis. Com essa gente da terra, plantaram-se espécies locais como pupunha, açaí e cupuaçu, e também mandioca, hortaliças e frutas para o consumo próprio. Eles usaram os métodos tradicionais de entrar na floresta para coletar ouriços de castanheiras, caídos no chão da floresta, o que não prejudica em nada. Não havia ação predatória. Eles entravam na mata por meio de trilhas pequenas, nas estradas das seringueiras e castanheiras. Esse esquema foi desenvolvido de forma cooperativa com a população local, tudo discutido numa igreja da cidadezinha de Nova Califórnia. O resultado é que em todos os bordos de florestas, que sofreram uma devastação grande, hoje têm um muro florestal.

ABr: Mas essas propostas não podem ser discutidas com o governo?

Ab’Saber: Mas quem do governo está preocupado com isso? O senhor Capobianco (João Paulo Capobianco, secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente), a dona Marina Silva (ministra do Meio Ambiente) não adianta nem falar, eles não querem ouvir ninguém. Soube que um dia desses, fizeram uma reunião, para mandar para o Lula os sub-projetos (de gestão de florestas), e alguém disse: "Precisaríamos conversar um pouco com o professor Aziz Ab’Saber". Eu não sou vaidoso, mas achei interessante alguém dizer isso. E a resposta foi essa da dona Marina Silva, segundo me contaram: "Não dá tempo para convencer o professor Aziz."Então, eu paro aqui.

ABr: Então não há debate?

Ab’Saber: Sempre dizem que os projetos estão sendo baseados em vários debates com pessoas que conhecem as regiões. Não houve um projeto correto com cientistas, com gente que conhece o Nordeste Seco, Vale do São Francisco ou Amazônia. Não está havendo em relação às Flonas (Florestas Nacionais) nenhuma preocupação de ouvir terceiros.

Colaborou Lana Cristina

Ab’Saber alerta para risco de entregar Amazônia a grupos internacionais

Brasília – O projeto de Lei de Gestão de Florestas Públicas, de autoria do governo, é criticado pelo geógrafo Aziz Ab’Saber neste terceiro trecho da entrevista concedida à Agência Brasil. Para ele, se aprovado como está, o texto permitirá a entrega de parte das florestas amazônicas a grupos internacionais, que não entendem de seu uso sustentado.

ABr: O que o senhor acha do projeto de gestão de florestas do governo?

Ab’Saber: Esse projeto é o maior escândalo em relação à inteligência brasileira de todos os tempos. Vai ser um crime histórico. Ele partiu do Ministério do Meio Ambiente, forçado por gente que era de organizações não-governamentais, as chamadas ONGs. Todas as ONGs estão dentro do ministério, com algumas das pessoas mais cretinas desse país. Então é evidente que o ministério não vai ter condições de fazer nada favorável à defesa da Amazônia e das florestas. É preciso saber que as pessoas, que estão ao lado de dona Marina Silva (ministra do Meio Ambiente), foram até a Suíça oferecer o gerenciamento de algumas Flonas, as Florestas Nacionais, para estrangeiros.

ABr: Por que isso será um "crime histórico"?

Ab’Saber:Tentando conciliar esse erro estúpido, de florestas para ONGs, partiu de dentro do ministério a idéia de propor, paralelamente, o aluguel das Flonas para empresas particulares, que podem ser brasileiras ou internacionais. Isso porque existe uma cláusula que diz que as pessoas que têm a concessão podem repassar, vender para outros. É uma situação grave, por falta de inteligência. Porque as Flonas foram preservadas no passado, como possíveis áreas de exploração sustentada. Mas acontece que mudou o quadro, agora todas as áreas foram perturbadas e sobraram as Flonas. Era hora de dar o direcionamento para utilizar as Flonas como reservas de biodiversidade intocáveis. E o governo não sabe mudar o ideário, em função da necessidade de defender a Amazônia.

Uma das coisas que me deixam indignado é aquela expressão, no projeto, que diz que as florestas serão concedidas para ONGs estrangeiras. Depois tem uma frase assim, bem curtinha, "desde que seja para um gerenciamento auto-sustentado". Como se as pessoas que estão na Suíça, na França, ou em qualquer parte da Europa Ocidental, tivessem capacidade para fazer um gerenciamento auto-sustentado de uma área que eles mal conhecem. E, ao mesmo tempo, eles vão achar que as Flonas alugadas vão ser trabalhadas de modo discreto, limitado, por 30 ou 60 anos. E o mais grave é isso, se as Flonas forem parar nas mãos de organizações, instituições, empresas estrangeiras, a discussão mais tarde, se houver governos mais inteligentes no futuro, sobre a retomada de áreas que foram contratadas rapidamente nesse fim de governo do presidente Lula, não poderá ser mais discutida em instituições jurídicas nacionais, terá que ser no foro internacional. Eu acho que o povo brasileiro tem que estar consciente de tudo isso que está acontecendo.

ABr: Quais são os riscos do manejo?

Ab’Saber:Basta lembrar que cada Flona dessa pode ter 2 mil ou 2,5 mil quilômetros quadrados, e que as madeiras que estarão disponíveis para o aluguel não se encontram agrupadas na borda da floresta. Então, para poder explorar essas árvores, que têm troncos de madeira nobre, é preciso levar primeiro os mateiros, gente simples que, para ganhar uma miséria, vai até o coração dessas Florestas Nacionais, buscar o lugar onde tenha uma árvore, duas ou três. Depois dos mateiros, entram os moto-serristas, os que levam a moto-serra pela trilha e fazem o corte. Depois, tem que organizar caminhos. E, como tem árvore que está a 200 metros da borda, outra a 5 quilômetros, outras a 7 quilômetros, já imaginou o que vai acontecer com essas florestas?

Colaborou Lana Cristina

Ab’Saber defende pavimentação de estradas sem devastação no entorno

Brasília – O geógrafo Aziz Ab’Saber, neste quarto e último trecho de entrevista à Agência Brasil cujo tema é o desmatamento da Amazônia, defende a pavimentação de estradas importantes na região. Segundo ele, isso permitiria aos órgãos responsáveis maior controle. AbSaber destaca, no entanto, que é fundamental impedir o avanço da devastação às margens da estrada.

Agência Brasil: Qual é a opinião do senhor quanto à pavimentação da BR-163, planejada, entre outros motivos, para melhorar o transporte da produção de grãos?

Ab’Saber: Qualquer pavimentação de estradas de importância, para transportar produtos econômicos e interligar socialmente regiões que já estão interligadas por estradas rústicas, é aconselhável. Isso desde que se faça uma estratégia para prevenir o não-avanço da devastação aos lados da estrada, além do que já se avançou. Cada rodovia na Amazônia, dessas tipo Belém-Brasília, Transamazônica, PA-150 (que sai de Guamá, nas proximidades de Belém, até o sul do Pará), mostra os caminhos de devastação que podem acontecer ao longo de qualquer rodovia. Você olha a imagem de satélite, parece que o governo não sabe olhar imagem de satélite, tem cortes de florestas em 500 metros, outro proprietário a 1 quilômetro. É um retalhamento quadrangular nas margens da rodovia, tanto à direita, quanto à esquerda.

Depois, vêm os ramais que saem dessas estradas e que também têm recortes de proprietários que tiram uma parte da floresta mais perto da estradinha, do ramal e tentam fazer alguma pecuária. Se não der certo a pecuária, eles passam a vender a madeira que possa existir no resto da propriedade. Depois, tem os sub-ramais, a mesma coisa. Depois tem os quadrados, quarteirões enormes talhados no meio da floresta para facilitar a venda de pequenas propriedades, a incautos que moram no Paraná, Goiás ou Maranhão e que não têm recursos, nem meios de ir lá depois. É mais difícil chegar lá, do que qualquer outra coisa, do que o dinheiro que se gastou para comprar a fazendinha.

Esses quarteirões são totalmente desmatados porque estão escondidos dentro do corpo geral da floresta, à margem das rodovias. E tudo isso que estou falando se completa com devastação ao longo dos rios, riozinhos e igarapés, que tenham um sentido de ligação com áreas urbanas importantes, como o Rio Guamá, por exemplo. Tudo o que está acontecendo ao longo da rodovia, dos ramais, dos sub-ramais e dos quarteirões também está acontecendo em certas beiras de rios, seja a partir de Belém do Pará, seja a partir de Tefé (no Amazonas) ou qualquer outro lugar.

ABr: Tudo isso não é um paradoxo num momento em que o país desenvolveu tecnologias como a de acompanhamento por satélites, para conseguir visualizar com mais facilidade esse desmatamento?

Ab’Saber: Exatamente. Esse é outro assunto. Quando se pensa em fazer proteção ambiental de situações como essas que estamos descrevendo, faz-se um projeto variado, com alta tecnologia, dizendo que vai servir para observar. Mas não adianta observar a partir de aviões, de satélites, se não se tem a vontade de ter ações corretas e estratégicas para corrigir o que está sendo observado e que comprova uma tendência forte de devastação. Isso é o mais importante, a capacidade de desenvolver ações em relação ao que está sendo observado. O governo diz: "Agora vamos colocar aviões para ver como é que estão as coisas."Mas nunca diz: ‘Nós temos, em função das observações, um pré-projeto para realmente gerenciar". Isso me deixa indignado.

Colaborou Lana Cristina