Diretor de Combustíveis do MME diz que o governo acompanha a situação do cerrado

Brasília – O diretor do Departamento de Combustíveis Renováveis do Ministério de Minas e Energia (MME), Ricardo Dornelles, disse que o governo vem acompanhando “com freqüência” a produtividade no cerrado brasileiro, em especial à ligada ao biodiesel. A elaboração de ações que visem ao melhoramento das condições de produtividade do solo dos biomas nacionais, segundo ele, faz  parte da pauta do atual governo (os biomas são grandes comunidades ecológicas, caracterizadas por um tipo de vegetação em uma determinada região – além do cerrado, são exemplos a mata atlântica e a floresta amazônica).

“O incremento do negócio agrícola tem sido sempre acompanhado de pesquisas e desenvolvimento tecnológico, principalmente por parte dos ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente, e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária [Embrapa]”, afirmou. “Estamos atentos às questões do cerrado. E isso tem caminhado a contento”, disse, em entrevista à Agência Brasil.

O biólogo Jader Soares Marinho Filho, professor do Departamento de Zoologia da Universidade de Brasília (UnB), reconheceu, também em entrevista à agência, a importância do agronegócio para o país, mas defendeu que se não for encontrada uma maneira de conciliar a produção de larga escala com a conservação da natureza, o cerrado poderá desaparecer em 30 anos, principalmente depois que o cultivo da soja ganhou impulso com o programa de produção de biodiesel. Conforme informou, apenas 20% deste bioma está em bom estado de conservação.

Proposta de tornar cerrado e caatinga patrimônio nacional tramita há 11 anos na Câmara

Brasília – A inclusão do cerrado e da caatinga dentre as áreas naturais consideradas patrimônios nacionais encontra-se em análise no Congresso. Ela está prevista na numa proposta de emenda constitucional (PEC) que tramita há 11 anos na Câmara dos Deputados. A Constituição Federal de 1988 considera, como integrantes do patrimônio nacional, a mata atlântica, a floresta amazônica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a zona costeira do país.

A PEC 115/95 foi aprovada no início do mês na Comissão Especial do Cerrado. Mas, para entrar em vigor, ainda tem um caminho a percorrer no Legislativo: precisa passar por dois turnos no plenário da Câmara para, depois, seguir para o Senado; se sofrer alterações nessa casa, terá de retornar à Câmara.

A relatora da proposta na comissão especial, deputada Neyde Aparecida (PT-GO), diz acreditar que a matéria não demorará muito mais tempo para ser aprovada em sua totalidade. Ela avalia que hoje, depois de anos de trabalho de conscientização deram resultado.

“Antes, esses dois biomas eram considerado de pouca importância. Hoje, esta mentalidade mudou. Todos reconhecem que lá estão presentes espécies animais e vegetais de grande valia para o ser humano”, disse a parlamentar, em entrevista à Agência Brasil.

A PEC 115/95 nasceu da unificação de sete projetos que tratavam do assunto, explica a parlamentar. Ela diz que será difícil a aprovação da proposta de emenda constitucional nos próximos dois meses, em função do período eleitoral e pelo fato de existirem outras matérias prioritárias para o Legislativo apreciar. “Espero, no entanto, que dentro de alguns meses, ela seja aprovada”, comenta.

Com a aprovação da PEC pelo Congresso, a relatora destaca que esses dois biomas poderão ter garantidos mais recursos e a contenção do desmatamento extensivo, da degradação do solo, do assoreamento dos rios e da contaminação ambiental. Ela permitiria criar regras de proteção para áreas de cerrado e caatinga fora de unidades de conservação (parques estaduais e nacionais, e estações ecológicas, entre outras). “Os produtores de soja, de algodão e de arroz, por exemplo, vão continuar produzindo, mas de forma sustentável, sem agredir o meio ambiente”, ressaltou Neyde Aparecida.

O biólogo Jader Soares Marinho Filho, professor do Departamento de Zoologia da Universidade de Brasília (UnB), disse que a comunidade cientifica e acadêmica quer que o Congresso aprove, o quanto antes, o novo status para o cerrado. “Se demorar mais 11 anos, ele já vai estar quase todo destruído.”

Marinho Filho disse que a demora na aprovação da PEC, quando outros biomas já estão classificados como patrimônios nacionais, mostra que o país não tem consciência sobre a relevância do cerrado e da caatinga: “Eles recebem um tratamento de segunda classe”.

Cerrado pode desaparecer em 30 anos, afirma biólogo

Brasília – Brasília – O cerrado, segundo maior bioma brasileiro, está sob ameaça de extinção, apontam pesquisadores. Nos cálculos do biólogo Jader Soares Marinho Filho, seus 20% restantes (um quinto do total) poderão ser extintos em menos de 30 anos, se não receberem proteção imediata.

“Isso significa que 11 mil espécies de plantas poderão desaparecer do sistema ambiental brasileiro”, diz Marinho Filho, professor do Departamento de Zoologia da Universidade de Brasília (UnB). Para ele, o bioma se encontra sob risco muito maior do que o maior do país, a floresta amazônica. Os biomas são as grandes comunidades ecológicas, caracterizadas por um tipo de vegetação em uma determinada região.

Em entrevista à Agência Brasil, o biólogo conta que o que mais preocupa os cientistas e estudiosos do cerrado é que 80% dele foram devastados em menos de 50 anos. Nenhum outro bioma do mundo, diz ele, passou por tamanha destruição em tão pouco tempo. A mata atlântica, outra formação vegetal sob perigo, tem hoje apenas 5% de sua cobertura original, mas, conforme observou Marinho Filho, o restante foi destruído em 500 anos de história brasileira.

Originalmente, o cerrado estendia-se por uma área de 2 milhões de quilômetros quadrados, abrangendo um território hoje compreendido por 15 estados (Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Piauí, Ceará, Tocantins, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Amazonas, Roraima, Amapá, Rondônia e Pará) e pelo Distrito Federal. Típico de regiões tropicais, apresenta duas estações bem marcadas: inverno seco e verão chuvoso.

O cerrado é o nome regional dado às savanas brasileiras. Com solo deficiente em nutrientes, mas rico em ferro e alumínio, o bioma abriga plantas de aparência seca, entre arbustos, gramíneas e árvores esparsas. Dentre elas, destaca o estudioso, “espécies não vistas em nenhum outro ambiente do mundo”. Destruí-las significaria ignorar, inclusive, plantas com aplicações médicas. As populações locais utilizam a flora do cerrado na prevenção de diversos males. Um exemplo é o quebra-pedra, que serve para fazer um chá contra problemas renais.

Jader Soares Marinho Filho destaca que, apesar de o cerrado já ter sua importância reconhecida, ainda há muito a se descobrir a respeito dele, tamanha é sua diversidade vegetal e animal. "Para mantê-lo vivo, precisamos preservá-lo, estudá-lo”, diz. “Produzir no cerrado, sim. Mas é preciso sabermos conciliar a atividade econômica com o comprometimento da preservação. Esse é o desafio maior do Brasil. Ainda temos muita água, muita riqueza biológica, mas tudo passa se a gente não cuida, tudo se perde se a gente não trabalha."

Pesquisador diz que o Brasil está trocando as 11 mil espécies de plantas do cerrado pela soja

O Brasil está optando por trocar as 11 mil espécies de plantas do cerrado por uma só – a soja –, afirma o biólogo e professor titular do Departamento de Zoologia da Universidade de Brasília (UnB) Jader Soares Marinho Filho. Cultivada na agricultura mecanizada de larga escala nas terras desse bioma (grande comunidade ecológica, caracterizada por um tipo de vegetação em uma determinada região – outros exemplos são a mata atlântica e a floresta amazônica), a soja deve ganhar novo impulso com o programa de produção de biodiesel, uma frente de desenvolvimento tratada como prioridade pelo governo federal.

“Estamos substituindo uma riqueza imensa que é única e que só o Brasil tem por uma lavoura alienígena [que vem de fora]”, comenta o biólogo. “Não me parece um bom negócio. Na minha avaliação, a gente não pode nem sequer imaginar que, no cenário atual em que falamos em mudanças climáticas, devamos apostar todas as fichas no desenvolvimento do país calcado no agronegócio, no biodiesel, ou em commodities”, destacou, em entrevista à Agência Brasil.

 Marinho Filho reconhece a importância do papel do agronegócio para o país. Mas defende que é necessário encontrar uma maneira de conciliar a produção de larga escala com a conservação da natureza.

 "O Brasil precisa muito da soja, assim como do arroz, do milho e do trigo. Mas para mantermos o agronegócio vivo em nosso país, a melhor estratégia seria conservar a natureza, conservar o cerrado". Desta forma, destacou, garante-se a atividade econômica atual e a possibilidade de outras atividades ainda mais rentáveis e importantes que dependem do avanço do conhecimento científico. “Em vez de vendermos só commodities, precisamos vender serviços, que também trazem riquezas”, destacou, em entrevista à Radiobrás, ao explicar que se explorar o potencial do cerrado, investindo em pesquisas sobre a sua biodiversidade, o país poderá obter muito mais vantagens financeiras do que o agronegócio traz hoje.

 Da forma como vem sendo produzida, a soja tem sido "o pior inimigo" do cerrado, destacou o professor da UnB. Outras atividades com forte impacto ecológico no bioma são a pecuária extensiva e a produção de carvão. Segundo ele, mantidos os cenários atuais, talvez em duas ou três décadas não se consiga  plantar mais nada no Brasil central, região onde se concentra o cerrado brasileiro.

“Não podemos mais só derrubar, devastar para plantar soja, arroz, milho ou algodão”, comenta. “Precisamos de um grande esforço de conservação. Com apenas 20% de cerrado existente, não temos outra opção senão cuidá-lo, protegê-lo.”

Além de conhecer melhor o bioma, Jader Soares Marinho Filho diz que é preciso ampliar a malha de unidades de conservação do cerrado.

Teremos mais quatro anos de contaminação livre”

Para o coordenador da Campanha Por um Brasil Livre de Transgênicos, o economista Jean Marc van der Weid, a sociedade brasileira não deve comemorar a mudança do governo brasileiro sobre a identificação e rotulagem de Organismos Vivos Modificados (OVMs) destinados à exportação. A nova posição – que prevê a distinção clara dos produtos transgênicos – foi oficializada pela ministra Marina Silva na segunda-feira (13/3) e apresentada pela delegação do Brasil ontem na 3ª Reunião da Partes do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança.

Especialista em desenvolvimento agrícola, Jean Marc van der Weid afirma que o País ainda tem muito a temer. “O compromisso me parece muito vulnerável e há grandes riscos de contaminação durante estes quatro anos que o governo concede de prazo para os produtores se adaptarem à nova regra”. Na tarde da terça-feira 14, enquanto avançavam as discussões sobre o polêmico artigo 18-2 (a) do protocolo – que trata da identificação e rotulagem – e também as pressões pelos corredores da MOP3, tanto para que países se juntem ao Brasil em defesa do “contém”, quanto para que não cheguem a um consenso deixando a questão em aberto, Weid concedeu a seguinte entrevista ao ISA:

ISA – Porque o senhor classifica o novo posicionamento do governo brasileiro como temerário?

Jean Marc van der Weid – Porque a decisão mantém o status quo por mais quatro anos. Na verdade, a posição anterior, de manter o “pode conter” era tão ruim, que agora está todo mundo comemorando, ainda que o progresso seja muito pequeno, se é que há algum progresso. Pois nesse interim, neste 4 anos, continuaremos sem controle dos movimentos transfronteiriços de transgênicos e, sem identificação, não há como tomar medidas mais rigorosas de contenção e assim se abre o caminho para a contaminação. Em outras palavras, o governo permitiu mais quatro anos de contaminação livre. Isso pode ser o suficiente para chegarmos a um nível de comprometimento que não seja mais possível controlar a produção dos transgênicos, num processo sem volta.

Esse risco é real?

É real porque a estratégia dos fabricantes de transgênicos é espalhar seus produtos pelo planeta, sobretudo nos países de terceiro mundo, que têm menos capacidade de resistência e controle. Isso vai fazer com que a contaminação nestes países se generalize.

Trata-se de uma estratégia deliberada?

Exatamente. A indústria não pode permitir que se crie um sistema de controles nos países e internacionalmente. Isso significaria que os consumidores de países importadores de transgênicos poderiam optar se querem ou não comprar estes produtos. Até agora a tendência em diversos lugares de mundo, inclusive nos EUA, é optar por produtos não-transgênicos. Todas as pesquisas americanas mostram que a grande maioria da população daquele país quer uma rotulagem clara de produtos e, uma vez sabendo sua composição, escolhe os não-transgênicos. Isso é uma paulada para a indústria. Então ela não pode permitir que se estabeleça essa separação clara no mercado por atacado internacional como no mercado de varejo de qualquer país.

Sobre a contaminação, quais as culturas mais expostas no Brasil a esse risco?

Milho e algodão são os casos piores. A soja é problemática por se tratar de um grande volume produzido, mas tem um sistema de reprodução diferente que não permite um nível de contaminação tão alarmante, chega a 1 ou 2% por safra. A longo prazo isso é significativo, mas com o milho, você começa a plantar e o cruzamento entre o que é e o que não é transgênico é imediato. Isso faz do milho o caso mais grave, ainda que o algodão também seja um caso perigoso.

Existe uma região do País que esteja mais exposta à contaminação?

A contaminação pode acontecer em qualquer lugar do Brasil. Porque nesta altura do campeonato é muito difícil de se cumprir as medidas de contenção que ainda estão sendo discutidas, por exemplo na Embrapa, para evitar a contaminação dos algodões que são nativos do Brasil. Como a biodiversidade nativa brasileira está ameaçada pelos transgênicos, decidiu-se o algodão transgênico pode ser plantado no Centro-Oeste, mas não no Norte ou no Nordeste, onde tem incidência destes algodões nativos. Agora, como se pode controlar o fluxo de sementes nas divisas entre, por exemplo, Goiás e Bahia? Se não conseguem controlar esse fluxo na fronteira do Brasil com Argentina – na verdade mal tentam – o que dizer dos controles entre estados brasileiros? Isso simplesmente não vai acontecer e se começarem a plantar, vai haver contaminação.

Há um mapeamento das plantações contaminadas no Brasil?

Há uma estimativa aproximada. Até onde podemos identificar, o algodão ainda é muito pouco, sobretudo no Centro-Oeste, mas está crescendo. A soja ainda está fortemente concentrada no Rio Grande do Sul, o grosso da produção transgênica ainda é lá. E tem dois tipos de movimentos interessantes: no primeiro, as sementes que facilitaram o cultivo clandestino no Sul não se adaptam bem às condições climáticas do Centro-Oeste. Por isso não avançou. Podia ter entrado no Paraná, mas foram duramente reprimidas pelo governo do estado, o que funcionou como uma barreira importante. Agora, já que está legalizada a multiplicação de sementes desde o ano passado, então a Monsanto está trabalhando para produzir e multiplicar sementes adaptadas ao Centro-Oeste. O segundo movimento está sendo feito por produtores de grande porte que estão percebendo que há um problema de mercado, que não vale a pena arriscar nos transgênicos, sendo que há um mercado garantido, que está pagando inclusive um sobrepreço pelo não-transgênicos, por uma hipotética vantagem na hora de se aplicar herbicida.

Quer dizer que os transgênicos não estão seduzindo mais os produtores?

Aquela euforia passou. Os grandes produtores do Mato Grosso e Goiás não passaram para os transgênicos. No fundo foi até bom que o Rio Grande do Sul tenha forçado a barra no começo e ficado sozinho pois deu tempo para o resto do País verificar o que acontece a partir do terceiro e quarto ano de cultivo. Os dados estão começando a surgir agora e dizem basicamente o seguinte: bateu seca ou alta temperatura, a soja transgênica dança e dança muito mais rápido; no ano passado, com uma seca no Paraná e no Rio Grande do Sul de estatística semelhante do ponto de vista de chuva e temperatura, a perda da soja no foi de 75% no RS, e no PR, de 25% da safra. Uma diferença cavalar. Outra coisa é que o Rio Grande do Sul mal exportou no ano passado e essa falta de produtividade está fazendo com que o estado esteja perdendo os mercados estrangeiros, como o europeu e o chinês, para os paranaenses. O que está ocorrendo também é que os produtores de transgênicos começam a plantar usando menos herbicida nos primeiros anos, mas depois passam a usar cada vez mais, entrando num ciclo vicioso maluco, que eleva os custos lá para cima. Isso porque as antigas ervas invasoras adquirem resistência e voltam mais fortes para atacar as plantações. E o que é mais comum – a seleção das espécies invasoras é tão violenta que só vão brotar aquelas que resistem aos herbicidas. E estas começam a se multiplicar rapidamente, ocupando o espaço deixado pelas que foram completamente eliminadas.

A principal crítica da agroindústria em relação a rotulagem clara e precisa “contém transgênicos” afirma que os custos de rastreamento e separação da produção oneraria o setor a ponto deste perder competitividade em relação a seus concorrentes, principalmente EUA e Argentina. Esse problema é real?

De modo algum, isso é uma cortina de fumaça, pura cascata. O aumento sobr

e o valor da soja vendida hoje no mercado internacional seria de 0.02 %. Isso para fazer o exame da identificação, pois é apenas isso que pede o protocolo: que em uma carga que sai de um porto brasileiro esteja escrito que contém tais tipos de transgênicos em tantas porcentagens. O custo que deve ser contado pela regra do “contém”, portanto, é quanto custa fazer uma análise quantitativa e qualitativa num porto. No caso brasileiro, nosso caso só diz respeito à soja, que é o único transgênico que exportamos. E essa soja tem um único evento, que é a resistência ao glifosato. Então trata-se de uma única análise, que custa 250 dólares. Esse valor quem me passou foram as empresas certificadoras. Esse custo é para você analisar 5 mil toneladas. Como exportamos 20 milhões de toneladas, vamos ter um custo de 1 milhão de dólares para fazer a identificação. Isso não representa nada, por exemplo, se comparado ao que se perde de soja no transporte por caminhão, que é em geral de 10 a 20% da carga total. Então se o produtor quer fazer economia, que invista para diminuir o chamado Custo Brasil, a precariedade das estradas. A nossa competividade internacional, portanto, não está em jogo na identificação da soja transgênica.

Qual é o próximo desafio da campanha?

Apesar de termos um problema grave no Brasil de se cumprir a lei e de eu achar que está se desenhando com o milho um panorama de contaminação parecido com o que ocorreu com a soja – contaminação essa que conta com a cumplicidade do governo federal, assim como contava com a do governo anterior – o que vai pegar nos próximos meses é a legalização das seis variedades transgênicas de milho na CNTBio (Comissão Nacional de Biossegurança), pedida pela Monsanto e pela Syngenta Seeds. Isso vai levar uns três meses para ser analisado e vai ser um debate duro. Agora, o curioso é que hoje a comissão tem menos opiniões formadas, consolidadas, do que eu podia imaginar. Isso vai fazer com que ocorra um debate de fundo no lugar do embate ideológico, que sempre prevaleceu, puxado pelos pró-transgênicos. Deste modo vamos ter mais chance de a votação levar em conta cada circunstância, tema por tema, risco por risco, e ser mais honesta do que as anteriores, que foram levadas basicamente na marra pelos pró-transgênicos.

Entrevista: cacique Aritana Yawalapiti

O cacique Aritana, 51 anos, é hoje a mais respeitada liderança do Alto Xingu. Desde quando assumiu a chefia dos Yawalapiti, há cerca de 20 anos, ele luta pela preservação da cultura e dos hábitos dos índios xinguanos. “É muito difícil mostrar aos jovens a importância de manter nossos costumes, mas com conversa eles estão vendo que é melhor sermos o que a gente é: índio”, explica o cacique.

Preparado desde cedo para ser cacique, Aritana conheceu os irmãos Orlando e Cláudio Villas Bôas ainda criança, no final da década de 1950. “Aprendi muito com eles sobre a importância de se preservar os hábitos antigos”, conta o chefe. Sob estas influências, ele se tornou um grande líder da causa indígena dentro e fora do Xingu.

Grupo – A educação indígena, desde a época que os Villas Bôas estavam no parque, era uma questão polêmica. Eles defendiam que o índio deveria ter o mínimo possível de contato com a cultura do branco. Como está isso hoje?

aritanaentrevista.jpgAritana – É triste, mas eu acho que alguns projetos de educação estão acabando com a cultura do Alto Xingu. Já vejo que os jovens não gostam mais tanto de falar sua língua, preferem usar roupa e estão mais interessados nas coisas do branco. O problema é que os professores ensinam os valores dos brancos e os jovens param de respeitar as tradições. O Kuarup, por exemplo, é uma festa muito séria e importante pra gente. É a festa dos mortos. E no último Kuarup eu percebi que alguns jovens achavam que isso é brincadeira.

Na época do Orlando (Villas Bôas), por exemplo, havia preocupação em manter a cultura e a educação do jeito do índio. Eu era pequeno e ficava chateado, perguntando porque o Orlando não dava chinelo e bicicleta. Depois é que eu fui entender que era pra gente manter a força na perna. Se a criança anda de chinelo o dia todo ela não consegue mais subir em árvore.

"É o índio que tem que falar seu direito, que tem que preparar documento. A saúde, é o branco que está mandando, a mesma coisa a educação. Mas eu quero é que o índio contrate o médico, o professor, e manda pra cá". Foto: Fernando Zarur

Grupo – Existem propostas de geração de renda para as aldeias, principalmente por meio do turismo. Como você vê essa situação?

Aritana – Estão sempre procurando a gente para fazer projetos. Nossa aldeia aqui é o primeiro lugar em que eles passam, mas eu sempre digo que não. A primeira proposta que recebi era pra colocar lanchas de luxo e um avião trazendo gente de uma fazenda perto do parque para a aldeia. Recebemos propostas quase todo dia. Recusamos porque não queremos nem precisamos do dinheiro de branco para viver bem aqui.

Outras tribos já aceitaram porque querem dinheiro. O problema aqui é que as tribos que aceitam visitas de turistas deviam reunir as lideranças do Xingu para conversar sobre a questão, mas isso não acontece. Tivemos uma reunião em Brasília para discutir o problema, e foi uma discussão brava, mas nós não abrimos mão da nossa posição contra turismo aqui. Tem que ser firme. No final, todo mundo que aceita turista se arrepende.

Grupo – E você acha que o índio está bem representado politicamente pela Funai e pelas ONGs que trabalham por aqui?

Aritana – Não queremos mais o branco mandando e defendendo a gente. A gente quer que os próprios índios se relacionem direto com o governo e mandem documentos falando dos problemas. A saúde é o branco que está mandando. A mesma coisa com a educação. Mas eu quero que o índio contrate o médico, o professor e mande pra cá. É só assim que a gente vai poder cuidar bem de verdade dos nossos interesses.

Grupo – E no futuro, quando os novos estiverem no comando das aldeias, como vai ser?

Aritana – Nós ensinamos aos jovens que é bom aprender a língua do branco para não ser enganado. O que tem que acontecer é aprender o que o branco tem de bom, mas não perder nossa cultura. Hoje a gente já usa barco a motor para as viagens longas e tem televisão na aldeia pra saber das notícias, mas eu não deixo as crianças verem televisão muito tempo.

Os índios aqui do Alto (Xingu) são mais preservados, mas os do Baixo tiveram mais contato com os brancos, então eles ficaram dependentes das coisas de branco. Os Caiabis, por exemplo, vieram da região de Rio Peixoto, que foi estragada por seringueiros e garimpeiros. Eles gostam muito daqui do Xingu, mas ainda precisam muito das coisas do branco, como roupa, sabonete e sal. Aqui a gente tem tudo que precisa.