Ambientalista diz que 98% dos desmatamentos ocorridos em 2003 no Pará foram ilegais

O gerente de projetos do Greenpeace em Manaus, Nilo dÁvila, afirmou hoje que, em 2003, 98% dos desmatamentos ocorridos no Pará foram ilegais. A informação é fruto de um cruzamento entre os índices de florestamento medidos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e as autorizações de desmatamento fornecidas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Segundo Nilo, o grande aliado do desmatamento é a grilagem. Ambos têm agora mais um parceiro: a internet. De acordo com relatório divulgado pelo Greenpeace sobre a cybergrilagem na Amazônia, há sete corretoras virtuais vendendo 11 milhões de hectares de floresta. "É a tecnologia a favor do crime. É bem claro, pela descrição dos anúncios, o conhecimento baseado em imagens de satélite e coordenadas geográficas. Então, o que fica explícito para a gente é que em muitos dos anúncios o dito dono nem pisou na área", afirmou Nilo.

Se os vilões já são conhecidos, as vítimas também têm identidade: são os agricultores familiares, extrativistas, os povos indígenas e os ribeirinhos que habitam a Amazônia. "O impacto maior da grilagem tem sido sobre as populações tradicionais. Na gleba Pacoval, em Santarém, no Pará, considerada o novo Eldorado para a soja na Amazônia, nos últimos dois meses, pelo menos 30 casas foram queimadas. As famílias foram expulsas da sua propriedades", denunciou Nilo dÁvila.

Ausência do Estado faz grilagem de terras prosperar no Pará, diz PF

O superintendente da Polícia Federal no Pará, delegado José Ferreira Salles, afirma que a ausência da estrutura do Estado em algumas regiões dificulta a fiscalização no que se refere à ocupação ilegal de terras. "Onde o Estado não se faz presente, como aqui, nesse caso, a criminalidade prospera", diz Salles, ao chamar a atenção para a "incógnita" em que se transformou o conteúdo dos livros de cartórios de registro de imóveis na região.

"Os grileiros são pessoas quase sempre oriundas de outros estados, que vêm para a região atraídas pela qualidade dessas terras, pela imensidão dos seus recursos florestais e hídricos, e então se instalam aqui. Eles ficam usufruindo desses cartórios da região, que já mereceram correções, mas ainda há uma incógnita muito grande sobre o que contém seus livros".

O superintendente cita a intervenção no Cartório de Registro de Imóveis de Altamira como uma medida eficaz de combate à grilagem de terras no Pará. A intervenção foi decretada há três anos, a pedido do Ministério Público Federal do estado, sob acusação de o cartório reconhecer documentos irregulares para emitir títulos de propriedade. No entanto, Salles alerta que a iniciativa por si só não é suficiente, uma vez que não implica a anulação de títulos concedidos de maneira irregular.

"Eu acredito que, estando sob intervenção, há pelo menos um alerta. Mas também não se corrigiu, não se repôs a verdade, anulando alguns títulos e sobretudo responsabilizando os culpados".

Na avaliação do delegado, para conter o avanço dos grileiros no Pará, o Estado precisa estar presente de forma permanente. "Essa grilagem, esses crimes ambientais, prosperam à sombra da omissão do Estado. Tinha um bispo amigo nosso que falava em pecados de estimação, aqueles com os quais a gente convive. Esses são crimes de estimação do Estado, que vêm acontecendo há muito tempo e parece que o Estado já se acostumou com eles. É um perigo a gente achar tudo muito natural".

Para José Ferreira Salles, faltam também medidas para promover a regularização fundiária. "A polícia não faz reforma agrária, não constrói estradas, não faz assentamentos. Quando a polícia é chamada a atuar num cenário como esse, é porque outros órgãos fracassaram".