Sementes “suicidas” continuam sob moratória da CDB

Continuam sob moratória em todo o mundo a pesquisa de campo e a comercialização das sementes conhecidas como “suicidas” ou Terminator, modificadas por tecnologia genética de restrição de uso (GURT, na sigla em inglês) para gerar plantas estéries, incapazes de produzir novas sementes. A manutenção da medida foi confirmada na sexta-feira, dia 24 de março, durante as discussões sobre biodiversidade agrícola na 8a Conferência das Partes (COP 8) da Convenção da Diversidade Biológica (CDB), que acontece até o próximo dia 31, em Curitiba (PR).

Logo no início da manhã, o presidente do Grupo de Trabalho (GT) que debatia o tema, o irlandês Mathew Job, propôs a retirada do item 2(b) das recomendações feitas durante a reunião preparatória à COP realizada em Granada, na Espanha, entre janeiro e fevereiro deste ano. O item abria a possibilidade de países autorizarem, mediante análise “caso a caso”, experiências com sementes suicidas, o que representaria uma quebra da moratória contida na Decisão V/5, tomada na COP 5, em 2000. Como não houve nenhuma objeção dos cerca de 15 delegados presentes à plenária, Job considerou a proposta aprovada e deu o assunto por encerrado. E mais: sugeriu e aprovou uma emenda à redação original que estende a moratória a qualquer pesquisa com GURTs, inclusive em laboratório. Segundo uma fonte da delegação brasileira, a deliberação foi fruto de um acordo fechado no dia anterior entre representantes de países contrários e favoráveis à moratória. Os termos da negociação ainda não são conhecidos.

O texto aprovado não pode ser considerado definitivo porque precisa ainda ser ratificado pela plenária da COP 8. A expectativa é de que a proposta seja mantida uma vez que o costume nas COPs tem sido não alterar as redações vindas dos GTs. É bom lembrar, no entanto, que a discussão do tema pode ser reaberta não apenas nesta COP, mas também nas próximas e em outros fóruns da CDB (reuniões preparatórias e de grupos técnicos).

A manutenção da moratória foi fruto da pressão e de manifestações constantes de organizações do movimento social de luta pela reforma agrária – como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) e a Via Campesina – nas plenárias e do lado de fora do Expotrade, centro de convenções onde está ocorrendo a COP 8. O uso de sementes transgênicas vem ampliando a dependência econômica de pequenos e médios produtores rurais e o monopólio do mercado agrícola por empresas multinacionais de sementes. Plantações desenvolvidas com a tecnologia Terminator, por sua vez, podem contaminar e erodir geneticamente (diminuir a variabilidade genética) variedades locais de espécies agrícolas manejadas por populações locais. As sementes manipuladas, portanto, representam uma ameaça à soberania alimentar das comunidades que dependem da agricultura familiar e de subsistência.

Atuação discreta

Apesar da boa acolhida da notícia sobre a deliberação do GT, a atuação discreta da delegação brasileira nos debates sobre o tema voltou a ser criticada por várias organizações da sociedade civil. Elas argumentam que o Brasil deveria posicionar-se de forma mais contundente contra as GURTs já que é o país anfitrião da COP 8, dono da maior biodiversidade do planeta e com uma legislação nacional que já proíbe a tecnologia Terminator e é mais restritiva que a própria CDB.

A defesa da retirada do texto dos itens que liberavam as pesquisas com as sementes suicidas de acordo com o princípio do caso-a-caso ficou a cargo dos delegados da Argentina, Venezuela e Malásia. Enquanto isso, representantes da Nova Zelândia, Austrália e Estados Unidos defenderam a manutenção da redação original. Nos últimos anos, delegados australianos e neozelandeses vêm posicionando-se sob clara influência do governo estadunidesense, que não ratificou nem faz parte da CDB, mas tem direito à voz em suas instâncias de decisão.

“Acho que a posição do Brasil não foi clara e explícita. O país poderia assumir a liderança internacional na luta contra as GURTs, mas perdeu a oportunidade”, argumenta Maria Rita Reis, assessora jurídica da organização Terra de Direitos. Ela avalia que, mais uma vez, divergências entre os vários ministérios envolvidos com o tema foram responsáveis pela ambiguidade da atuação brasileira. A advogada lembra que os ministérios da Agricultura (MAPA) e de Ciência e Tecnologia (MCT) defenderam publicamente a adoção da análise de caso a caso para a liberação de pesquisas de campo com GURTs.

Maria Rita Reis ataca ainda o poderoso lobby da indústria da biotecnologia e do agronegócio tanto na COP8 quanto na 3a Reunião das Partes (MOP 3) do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança (que trata dos transgênicos), ocorrida de 13 a 17 de março, também em Curitiba. Ela explica que nesses dois fóruns internacionais apenas os delegados dos governos podem posicionar-se nas plenárias em nome de seus países, mas vários deles, inclusive o Brasil, convidam um número excessivo de representantes do setor privado para integrar suas delegações, o que lhes permite influenciar diretamente os negociadores oficiais em defesa dos interesses das grandes corporações multinacionais. “Diferente do que acontece na maioria dos tratados internacionais, nas conferências ambientais deveriam prevalecer os interesses do meio ambiente e das populações. Isso não vem acontecendo”.