Ataque a indígenas em Mato Grosso do Sul é tragédia anunciada, diz membro do CDDPH

Luciana Lima (Agência Brasil)

O ataque ao acampamento indígena Tekoha Guaiviry, ocorrido ontem (18), no município de Amambai, em Mato Grosso do Sul, é tragédia anunciada, disse hoje (19) o vice-presidente do Conselho dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), Percílio de Souza Lima Neto. De acordo com o conselheiro, há muito tempo a região é palco de conflitos entre os interesses dos índios e das empresas de agronegócio.

“Toda violência contra comunidades indígenas em Mato Grosso do Sul já estava anunciada há longo tempo. Nós já constatamos que não há espaço para os interesses indígenas, e há uma crescente discriminação contra os integrantes dessa comunidade”, disse. Ele apontou a especulação pelas terras como principal motivo dos conflitos. O ataque pode ter levado à morte o líder dos Guarani Kaiowá, cacique Nísio Gomes, de 54 anos de idade, que, de acordo com relato dos índios, foi baleado e o corpo levado pelos pistoleiros.

O cacique ainda não foi encontrado, segundo o Ministério Público Federal (MPF), que confirmou o desaparecimento do chefe indígena. Há informações de que dois índios – uma mulher e um criança de 5 anos – também foram levados pelos pistoleiros. Os indígenas disseram que cerca de 40 homens encapuzados e armados invadiram o acampamento localizado entre Amambai e Ponta Porã.

A Polícia Federal começou ontem a investigar o caso a pedido do MPF. Representantes da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) também acompanham as investigações.

Terra Indígena Amambaipeguá

Cerca de 60 índios moravam no acampamento, mas, de acordo com a polícia, somente dez estavam no local para dar informações. Assutados com a violência, muitos buscaram proteção na mata. Ontem, os policiais encontraram sangue humano no local indicado pelos índios onde o cacique teria foi baleado. Amostras do sangue foram recolhidas para análise pericial.

A área ocupada pelos Guarani Kaiowá faz parte da região denominada Terra Indígena Amambaipeguá. O processo de demarcação da área começou em junho de 2008 e, desde então, foi interrompido diversas vezes por decisões judiciais, em ações movidas por produtores rurais da região e forças políticas municipais e estaduais.

De acordo com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), nos últimos oito anos, cerca de 200 índios foram mortos em conflitos de terra. A assessoria do conselho informou que os indígenas ocuparam o trecho da terra que está em processo de demarcação no início deste mês.

Edição: Aécio Amado

Conselho Indigenista vê benefícios na suspensão da reintegração da terra Yvy Katu

O coordenador do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) de Mato Grosso do Sul, Egon Heck, disse acreditar que a suspensão da reintegração de posse da terra indígena Yvy Katu, localizada no município de Japorã (MS), beneficiará os índios na luta pela demarcação e homologação da área. A decisão foi tomada pelo desembargador André Nabarrete, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (São Paulo).

"Nós esperamos que isso seja um indicativo de que, de fato, essa terra seja reconhecida e os índios possam voltar a viver com tranqüilidade, recompor sua economia e repensar sua vida como grupo social e como forma de sobrevivência da sua cultura", disse o coordenador.

Na decisão, o desembargador argumenta que "é mais prudente a suspensão do processo, uma vez que poderá evitar choque entre índios e a Polícia Federal". A liminar que determinava a desocupação deveria ser cumprida no início desta semana pelas polícias Federal e Militar.

A região de 9.454 hectares, dividida em 14 fazendas e localizada a 472 quilômetros de Campo Grande (MS), é disputada por índios e por fazendeiros. Até a retomada da terra pelos índios, em 2003, a área era ocupada pelos agricultores locais. Nela vivem, hoje, cerca de 3 mil índios Kaiowá-Guarani, "em situação caótica, com menos de um hectare de terra por índio – um dos piores índices do país", segundo Heck. O coordenador também destacou a "situação de total devastação dessa terra e conseqüente impossibilidade de desenvolvimento da economia e da produção de alimentos".

E explicou que a área ainda não foi regulamentada em função das fortes pressões políticas e econômicas contrárias ao reconhecimento. "Isso acontece devido à situação estabelecida pela grande propriedade dos fazendeiros e do agronegócio, que se apossaram das terras e expulsaram os índios. E cada passo em direção à reconquista desse espaço tem sido extremamente lento", acrescentou.

Os índios, de acordo com Avelino Lopes, representante da Comissão de Direito dos Índios Kaiowá-Guarani, estão preocupados com as decisões judiciais, que não chegam a um consenso. "Às vezes nós ficamos como bonecos porque vêm decisões que dizem que a terra é nossa. Outras que dizem que não é. Nós sabemos que no fundo essa terra nos pertence. Nós não podemos abrir mão dela. Muitos patrícios já morreram nessa luta e, se for preciso, muitos continuarão a morrer, mas nós não iremos desistir. Nós não podemos deixar os fazendeiros ficarem com o que é nosso", disse.

Na quarta-feira (14), o Superior Tribunal de Justiça decidirá se valida a Portaria Declaratória da terra Yvy Katu, estabelecendo os limites da área que poderá ser destinada aos índios. A portaria foi editada no dia 4 de julho pelo Ministério da Justiça e suspensa logo após sua publicação.

Mais duas crianças indígenas morrem de leishmaniose em Mato Grosso do Sul

Duas crianças da aldeia indígena de Pirakúa, no município de Bela Vista (MS) morreram vítimas de leishmaniose visceral, ou calazar. Um menino de três anos morreu na madrugada desta segunda-feira (4), depois da morte de seu irmão, de dois anos, na sexta-feira.

Em menos de três dias, foram duas mortes por leishmaniose, confirmada após exame laboratorial solicitado por uma equipe da Funasa (Fundação Nacional de Saúde) em Dourados (MS). Com esses casos, segundo o coordenador regional da Funasa em Campo Grande (MS), Gaspar Francisco Hickmann, aumenta a suspeita de que a leishmaniose causou a morte de outras crianças indígenas na região. "Qualquer pessoa com leishmaniose, indígena ou não, vai ter desnutrição. Os dois irmãos que morreram estavam desnutridos, mas o que nós avaliamos é que a desnutrição nesse caso foi conseqüência da leishmaniose, já que não é desnutrição que leva a pessoa a ter essa doença, que também reduz a resistência imunológica", informou.

Ainda de acordo com Hickmann, a desnutrição só consta como causa principal na declaração de óbito de duas das 16 crianças Guarani-Kaiowás. "Nos demais casos, a desnutrição aparece como fator coadjuvante. Isso significa que no momento do óbito se observou a existência de outro quadro. As causas podem ser diversas. Há casos de crianças que ficaram internadas por mais de seis meses e não é possível que não tenham recebido alimento dentro do hospital", afirmou.

O coordenador regional do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) em Mato Grosso do Sul, Egon Heck, disse acreditar que "se não houver uma política que inclua ações a médio e longo prazo, a sociedade terá de conviver com a continuidade de notícias sobre a morte de crianças". E considerou que as mortes, "seja por desnutrição ou por leishmaniose, devem-se à falta de articulação do governo com os povos indígenas. As mortes se devem a uma falta de estrutura, mesmo. São doenças de alto grau de periculosidade, mas podem ser curadas, quando identificadas e tratadas. Por isso, nada justifica que as mortes continuem ocorrendo mesmo que sejam geradas por causas múltiplas ".

A leishmaniose é transmitida pela picada do mosquito Lutzomya, também conhecido por mosquito palha ou cangalhinha. Para a transmissão, o parasita causador da doença tem que passar de um animal, ou mesmo do homem, para o vetor. O Centro de Controle de Zoonozes de Dourados colheu amostra de 350 cachorros nas aldeias da reserva indígena do município. O resultado dos exames sairá nos próximos dias.

Nos últimos três anos, Mato Grosso do Sul registrou 1.539 casos de leishimaniose, com 121 óbitos, dos quais 41% em Campo Grande, capital do Estado.

Segundo o coordenador da Funasa, a falta de exames pode ter contribuído para a morte das crianças. "O problema é que os hospitais não fizeram exames laboratoriais para identificar os casos, se havia presença da leishmaniose ou não. Esse procedimento tinha que ter sido feito pelos hospitais", alertou.

A Funasa solicitou à Secretaria de Saúde de Dourados a realização de um inquérito sorológico e entomológico para identificar a presença ou não do mosquito transmissor da doença. "O inquérito sorológico se faz por meio da coleta em cães suspeitos, por amostragem", explicou Hickmann, que aguarda o resultado dos exames.

No sábado (2), mais duas crianças haviam morrido na região: uma de um ano, por complicações decorrentes de paralisia cerebral, em Campo Grande; e outra de quatro meses, por insuficiência respiratória e broncopneumonia.

Povo Kaiowá manda carta de agradecimento a Lula pela demarcação de Nhanderu Marangatu

Lideranças guarani-kaiowá reunidas na Conferência Indígena Regional que termina hoje em Dourados (MS) divulgaram agora há pouco uma carta que mandarão para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em agradecimento pela homologação da terra indígena Nhanderu Marangatu, em Antônio João (450 km a sudoeste de Campo Grande). O decreto presidencial que garante a posse da terra foi publicado na terça-feira e impediu a execução de uma ordem de despejo que deveria ser cumprida a partir de hoje pela Polícia Federal.

"Nossos parentes que já têm suas terras homologadas sabem a felicidade que estamos sentindo, tendo em vista que agora temos terras para plantar e dar sustentabilidade aos nossos filhos", afirma o documento. O texto também lamenta que ainda não tenha sido homologada para os índios terena a terra indígena Buriti, no municipio de Sidrolândia e pede providências urgentes para garantir a retirada dos fazendeiros que hoje ocupam Marangatu.

Nhanderu Marangatu tem 9,3 mil hectares. Atualmente, pouco mais de 500 índios guarani-kaiowá ocupam cerca de 100 hectares da área. A expectativa dos antropólogos da Fundação Nacional do Índio é que, com a garantia da posse, mais índios sigam para a região, já que os guarani-kaiowá se organizam territorialmente por meio dos laços de parentescos entre famílias extensas. A população da área pode aumentar em pouco tempo quando os familiares dos índios que estão lá começarem a se deixar algumas das reservas superpopulosas da região. Em Dourados, por exemplo, que fica a 180 km de Nhanderu Marangatu, 11 mil índios vivem em 3,5 mil hectares. Hoje, existem, ao todo, 37 mil índios guarani-kaiowá ocupando pouco mais de 40 mil hectares em todo o sul de Mato Grosso do Sul.

Leia a seguir a íntegra da carta.

"Exmo. Sr. Presidente Lula,

Dia 29 de março de 2005, ficamos sabendo que nossa terra Nhanderu Marangatu foi homologada pelo Presidente Lula.

Somos Guarani-Kaiowá e sabemos que esta vitória não e só nossa, que moramos
em Marangatu, mas de todos nossos parentes que já tem seus TEKOHA, homologados ou não.

Estamos alegres e felizes por sabermos que nossos filhos, nossos netos e nossa futura geração têm o seu lugar garantido.

Nossos parentes que já têm suas terras homologadas sabem a felicidade que estamos sentindo, tendo em vista que agora temos terras para plantar e dar sustentabilidade aos nossos filhos.

Desta forma queremos agradecer as todas as autoridades que direta ou indiretamente, nos apoiávamos nessa caminhada que durou sete anos.

Também nos Guarani Kaiowa, lamentamos muito pela terra que não foi homologada no municipio de Sidrolandia /MS, que é o TEKOHA (Buriti) dos nossos irmãos Terena.

Mesmo com a terra homologada, continuamos pedindo apoio às autoridades, órgãos federais responsáveis pela indenização dos fazendeiros e aos companheiros e amigos que têm nos apoiado e acompanhado a nossa luta pela terra.

O que nós e a comunidade pedimos agora é a retirada dos fazendeiros o mais rápido possível.

Obrigado!

Povo Kaiowá"

ndios kaiowá-guarani querem discutir estatuto que estabeleça responsabilidade da comunidade

Os índios kaiowá-guarani buscam a autonomia, com o fim da tutela pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Para isso, nos cinco dias da Conferência Regional dos Povos Indígenas, que começou hoje (28) em Dourados (MS), eles pretendem discutir um novo estatuto que estabeleça, além dos direitos, a responsabilidade da comunidade indígena. Outros assuntos serão debatidos durante o evento, como a ampliação de terras para as etnias do estado e a saúde dos povos.

O líder guarani Anastácio Peralta, que é membro da Comissão de Direitos Indígenas do Mato Grosso do Sul, acredita que a autonomia vai ajudar os povos em diversas questões, inclusive na área da saúde. "Tiraram a nossa autonomia, a nossa língua, o nosso jeito de ser, a nossa religião. Então você vai perdendo a autonomia. O povo que está com problemas de desnutrição perdeu a referência cultural. Quem segue o tradicional ainda está vivendo bem, sabe cuidar dos filhos. Quem segue a referência européia também. Mas tem um meio que perdeu a referência. Não consegue seguir o tradicional nem ter a visão do branco. Está perdido", disse.

Na opinião de Peralta, manter a interculturalidade é fundamental. "O remédio do branco é importante, mas o nosso também é importante. O mesmo ocorre com a religião. Vamos supor: hoje o celular é importante para a gente. Então, começo a entrar na interculturalidade, sem perder a minha cultura", salientou.

Segundo o representante guarani, a discussão sobre o estatuto será ampla, porque é preciso revisar uma proposta que os índios já apresentaram ao Conselho Indigenista Missionário (Cimi), bem como unificar as propostas que se encontram na Câmara dos Deputados e na Funai. "O que precisa é reunir todas essas propostas e discutir esse estatuto. Reunir as propostas e tentar unificar numa só", explicou.

A ampliação territorial promete ser outro ponto de intensas discussões. De acordo com Peralta, a falta de espaço é um problema, sobretudo, em Mato Grosso do Sul, que tem a segunda maior população indígena do país. Segundo o guarani, só em Dourados há 11 mil pessoas distribuídas em 3,5 mil hectares. "Nas outras áreas, a população também está precisando muito. As áreas são muito pequenas. O espaço para o índio é importante. A moradia dele não é igual à do branco, que é uma casinha. É onde o índio tem o lazer, a roça, o material de construção para fazer a sua casa", destacou.

A conferência segue até o próximo dia 1º de abril. Promovida pela Funai, reunirá 219 representantes indígenas de nove etnias, entre elas Guarani, Kaiowá, Kadiwéu, Terena, Ofaié, Xavante e Guató.

Essa será a segunda de 15 conferências regionais preparatórias para o encontro nacional, previsto para abril de 2006. A primeira conferência preparatória foi realizada em Maceió (AL). O encontro de Dourados elegerá os delegados à conferência nacional e apresentará, ao final, um documento oficial.

Indígenas reclamam que não estão sendo ouvidos sobre mortes de crianças

"Estamos muito tristes com a morte de dezenas de nossas crianças nestes últimos meses. Ao mesmo tempo em que agradecemos todo apoio e ajuda que estão procurando nos dar, nos sentimos indignados por não estarmos sendo ouvidos e respeitados em muitos aspectos do nosso jeito de ser e nossos direitos". A declaração faz parte do documento divulgado nesta semana pela Comissão de Direitos Indígenas do Povo Kaiowá–Guarani.

Segundo as lideranças indígenas que assinam a nota, as mortes e desnutrição são causadas por vários fatores, mas a falta de terra é apontada como raiz dos problemas. "Aqui no Mato Grosso do Sul, nós indígenas fomos sendo expulsos de nossas terras, assassinados para a entrada de gado e, depois, de grandes plantações monocultoras como a soja. Foi um processo de violência contra as pessoas e contra as nossas formas de vida. As matas, onde podíamos caçar, foram destruídas pelos madeireiros e os tratores dos fazendeiros. Era lá que podíamos coletar alimentos como as frutas, o mel e a matéria prima para fazer nossas casas e utensílios", afirma o texto.

A Comissão avalia também que o assunto não pode ser tratado como se fosse um problema que se resolve ao "dar comida aos índios", nem a cultura indígena pode ser julgada como responsável pelas mortes. Dessa forma, as soluções vão além da distribuição de cestas básicas, sem levar em conta se o tipo de alimentos está adaptado aos seus costumes. "Nós precisamos, especialmente, de terras homologadas e respeitadas, sem invasores. Mas acima de tudo exigimos respeito e justiça. Não queremos ser mais uma vez objeto de caridade ou de projetos paternalistas. Temos o direto de ser diferentes e livres, de exercer nossa autonomia , sendo ouvidos na estruturação de políticas para nossos povos", conclui.

O Estado do Mato Grosso do Sul já registrou neste ano oito mortes de crianças índias por desnutrição. Seis casos ocorreram em Dourados, um em Japorã e outro em Iguatemi. Mais duas crianças morreram no dia 04 de marçono estado, mas a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), órgão do Ministério da Saúde responsável pelo atendimento à saúde do índio, não aponta a desnutrição como causa dessas mortes.