Índios Xavante retornam à terra tradicional em Mato Grosso

Os índios Xavante da terra Marãiwatséde, de Mato Grosso, conseguiram, na segunda-feira (5), o direito legal de retornar à sua terra tradicional. Pelo menos 1.500 índios poderão viver na área de onde foram retirados há 40 anos, por aviões da Força Área Brasileira, por fazendeiros e padres. Durante todo esse tempo, a área ficou ocupada por fazendeiros, jagunços e moradores de assentamentos da reforma agrária.

A peregrinação dos indígenas foi longa. Eles passaram por vários territórios, sofreram com a retirada forçada e com as doenças que mataram dois terços da aldeia. Cerca de 230 índios foram retirados das terras. Segundo o coordenador do Programa Xavante e administrador da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Goiânia, Edson Beirez, eles foram persistentes e pacientes em esperar pela decisão da Justiça.

“Ficamos surpresos com a postura dos índios em esperar a decisão judicial de forma tranqüila. Os Xavantes são conhecidos como guerreiros, mas ficamos bastante satisfeitos porque a decisão foi favorável e, finalmente, a justiça foi feita. A decisão tem uma significância grande na sobrevivência cultural dos Xavantes”, destacou Beirez, em entrevista à Agência Brasil.

O processo tramitava na Justiça desde 1995. Em 2004, a ministra Ellen Gracie, atual presidente do Supremo Tribunal Federal, concedeu uma liminar favorável aos Cavantes. Eles ocuparam cerca de 40 mil hectares e já têm uma aldeia formada. Faltava a decisão da Justiça sobre a devolução da terra, em sua totalidade, aos índios. A área soma 165 mil hectares e se localiza nos municípios de São Félix do Araguaia e Alto da Boa Vista, em Mato Grosso.

Na opinião do presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes, a decisão mostra “que a justiça tarda, mas não falha” e que a história dos índios é quase de “genocídio”, já que vários morreram apenas 15 dias após a retirada de 1966.

“Eles foram vivendo em várias terras, mas sempre pensando em voltar para a Marãiwatséde. Lutaram muito, demos nosso apoio, e eles esperaram a sentença da Justiça. Essa decisão é importante porque reconhece de fato a terra indígena, de direito, e prevê a retirada daqueles que não são indígenas. Ficamos muito felizes. Podemos comemorar que a justiça tarda, mas não falha”, avaliou Pereira.

O sertanista da Funai na região Denivaldo da Rocha conta que a comunidade indígena está em festa e que tudo que os índios queriam na vida era ocupar suas terras tradicionais. “O cacique veio falar comigo, me cumprimentar e contar que a aldeia está em festa , e que os índios estão muito felizes com a decisão”.

A decisão da 5º Vara da Justiça Federal de Cuiabá, assinada pelo juiz José Pires da Cunha, prevê a desocupação dos fazendeiros, posseiros e qualquer outro invasor da terra de Marãiwatséde imediatamente, e que essa pessoas façam o reflorestamento da área.

O juiz determina ainda que os posseiros cadastrados no Programa de Reforma Agrária, cerca de 3 mil famílias, sejam reassentados na fazenda Guanabara, próxima à terra indígena. Elas não terão direito a nenhuma indenização, já que, na opinião do juiz, as ocupações foram de má-fé.

Pistoleiros ferem adolescentes e guerreiros reagem

O cacique Damião Xavante, uma das principais lideranças da etnia em Marãiwatsede (MT) afirmou que enquanto fazendeiros invasores permanecerem dentro da Terra Indígena haverá o perigo de novos conflitos. A declaração do cacique foi uma resposta ao mandante do atentado sofrido por dois adolescentes Xavante no dia das eleições (3). Felisberto e Guilherme Xavante foram atingidos a balas quando caçavam em suas terras, disparadas por dois motociclistas contratados por um posseiro da região. “A situação é grave porque os índios estão em uma terra demarcada e homologada e após terem sido expulsos, retornaram por determinação do Supremo Tribunal Federal”, comenta o presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes, que planeja fazem mais uma visita, em breve, ao povo Xavante de Marãiwatsede.

Ele informou que, desde que reocuparam Marãiwatsede, os Xavante têm procurado manter uma convivência pacífica com os posseiros e estão preocupados apenas em construir suas novas casas, plantar suas roças, mas não aceitam qualquer tipo de agressão. Conforme Damião, em casos como o desse atentado, nem mesmo ele conseguiria impedir a reação dos índios. De acordo com Edson Beiriz, Administrador Regional da Funai em Goiânia e um dos coordenadores das áreas Xavante, os outros posseiros ficaram revoltados com o “fazendeiro” que teria mandado atirar nos índios.

Tensão

A preocupação da Funai agora é que, se houver novos atentados, a situação possa fugir ao controle. “Até agora os índios, apesar de insatisfeitos com a presença de intrusos em suas terras, tinha conseguido manter com eles uma convivência pacífica, mas o clima na área piorou, principalmente pelo estado de tensão entre os índios”, observou Beiriz.

No dia da tentativa de homicídio a maioria dos adultos tinha ido votar na cidade de Serra Dourada, em Mato Grosso, deixando praticamente sozinhos crianças e idosos. Os pistoleiros aproveitaram a oportunidade para executar o crime, mas o quadro de saúde dos jovens indígenas não causa preocupação. Felisberto, de 18 anos, foi atingido na perna e removido para um hospital de Água Boa (MT). Guilherme, de 16 anos, sofreu ferimentos a bala no braço esquerdo e nas costelas.

Decisão

Em 10 de agosto último, o Supremo Tribunal Federal decidiu que os Xavante, que há mais de nove meses estavam acampados às margens da rodovia BR-158, próximo à cidade de Boa Vista (MT), pudessem tomar posse de suas terras, demarcadas e homologadas desde 1998. “Ocorre que, na mesma decisão, o STF decidiu, também, que os posseiros pudessem permanecer dentro da terra indígena, deixando os índios sempre apreensivos, em função da animosidade dos posseiros e políticos regionais, que tinham interesses em Marãiwatsede”, analisa Beiriz.

Embora tivessem de conviver com não-índios dentro da terra Indígena, os Xavante, desde o primeiro dia, procuraram manter-se afastados, justamente para evitar quaisquer conflitos. Mas os disparos que atingiram os índios encerraram essa trégua. A tradição guerreira dos Xavante está expressa na reação aos tiros. Cerca de 80 guerreiros depredaram parte das benfeitorias não autorizadas de um posseiro conhecido por Nêgo, que teria mandado matar os adolescentes.

Na interpretação do administrador da Funai em Goiânia, o problema é que os Xavante não entendem porque são obrigados a aceitar a permanência “brancos” em suas terras se a Constituição Federal lhes garante o usufruto exclusivo de Marãiwatsede.

Posseiros liberam rodovias de acesso a Marãiwatsede

Após 48 horas de obstrução, cerca de mil pessoas, que foram arregimentadas pelo prefeito de Alto Boa Vista (MT) e outros políticos regionais, encerraram na última sexta-feira, dia 20 de agosto, por volta de 20 horas, o bloqueio às rodovias BR-158 e Br-080, nas localidades de Cascalheira e Posto da Mata, próximo à Terra Indígena Marãiwatsede, em Mato Grosso. A liberação foi resultado das determinações do procurador-geral do estado, Mário Lúcio Avelar e do Advogado Geral da União no Estado, Cláudio Lins.

Eles foram ao local averiguar denúncias feitas pelos invasores de que os índios estavam saqueando suas casas e promovendo queimadas na área. O superintendente estadual do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Leonel Wohlsahrt, também foi à região do conflito verificar de perto quem de fato entre os posseiros é cliente da reforma agrária. Para estes será providenciado o reassentamento em outra área, mas na mesma região.

As três autoridades mantiveram reunião com os invasores e deixaram bem claro que Marãiwatsede é uma terra homologada, de usufruto dos índios e que não há nenhuma chance de se reverter essa situação. Alertaram ainda que qualquer agressão aos índios ou aos servidores da Funai será severamente reprimida. Embora os invasores tivessem insistido, os servidores da Funai responsáveis pelas questões relacionadas aos Xavante, o antropólogo Cláudio Romero e o administrador da Funai em Goiânia, Edson Beiriz, não se reuniram com eles, porque, de acordo com Cláudio o bloqueio da estrada era uma questão se segurança pública, “um caso de polícia”.

A viagem desses servidores a Marãiwatsede teve como objetivo averiguar a situação dos índios e se as denúncias veiculadas na imprensa eram verídicas. Como as denúncias “não passavam de boatos”, segundo Beiriz, os invasores pretendiam, com o bloqueio, isolar a comunidade indígena de Marãiwatsede, impedindo a visita que a comissão da ONU faria aos índios. “Queriam jogar a sociedade contra eles”, acrescentou Beiriz.

De acordo com os servidores os posseiros pretendiam forçar o Governo Federal a fazer um acordo para manter os índios restritos apenas ao espaço que antes ocupavam, em barracas de lona, às margens das rodovias. Durante as reuniões com os posseiros, o procurador Mário Lúcio disse que essa pretensão era inconstitucional, tendo em vista que o Supremo Tribunal Federal já garantira aos índios, inicialmente, a ocupação de 125 mil hectares da terra indígena, até então invadida por não-índios.

Xavantes e posseiros estão longe de um acordo

Os fazendeiros e posseiros que vivem na reserva indígena xavante Marãiwatsede reivindicam a permanência dos índios apenas na fazenda Karu, região de 14 mil hectares, onde os xavantes levantaram aldeia provisória há duas semanas. Homologada em 1998, a reserva Marãiwatsede foi demarcada com uma área de 165 mil hectares. Expulsos da região na década de 60, os xavantes retornaram à terra com o aval do Supremo Tribunal Federal (STF), que autorizou a retomada imediata de 115 mil hectares.

Nesta sexta-feira, cerca de 20 fazendeiros se reuniram com o prefeito de Alto Boa Vista, Mário Barbosa, com o representante da Advocacia-Geral da União (AGU), Cláudio Fim, e com o procurador-geral da República, Mário Lúcio Avelã. Também participaram do encontro o superintendente do Incra na região, Leonel Wohlsahrt, e o procurador-federal da Funai, César Augusto Nascimento.

De acordo com César, foi discutida a manutenção da paz na região e a área onde os índios devem ficar. Na reunião, Cláudio Fim, da AGU, e o procurador Mário Lucio pediram que a terra dos índios seja preservada. Segundo eles, é impossível restringir a posse da terra que já foi devolvida aos xavantes por decisão liminar do STF.

Os fazendeiros se recusaram a ouvir o superintendente do Incra. Disseram que não conversam com o órgão enquanto o processo sobre a terra não for decidido em última instância pela 5ª Vara da Justiça Federal do Mato Grosso. Os posseiros também se recusam a mudar para terras que já foram desapropriadas pelo Incra para eles.

Segundo eles, a obstrução, esta semana, dos trechos das rodovias BR-158 e BR 080 que dão acesso à reserva, foi uma forma de protesto e pedido de socorro. Diante da abertura de negociações, o grupo desobstruiu as estradas.

A produtora rural Irene Santos, há onze anos na região, diz ter perdido a paz após a volta dos índios para a região. “Desde que eles entraram, não temos mais sossego. Eles invadiram algumas casas, mataram a criação e obrigaram a mulher do dono a fazer comida. O que eles fazem é roubo”, acusa Irene.

Advogado dos fazendeiros, Romes da Mota classifica a situação como “desesperadora”. “Os fazendeiros tem medo de perder a sua propriedade, o gado e o meio de vida. Além disso, estão sendo constantemente ameaçados pelos xavantes”, afirma Mota.

Os índios negam que tenham praticado os crimes apontados pelos posseiros. "Somos contra a mentira dos fazendeiros, políticos e do prefeito. Os posseiros têm de sair imediatamente da terra, senão vamos tomar atitudes", avisa o cacique da tribo, Damião Xavante.

O administrador da Funai em Goiânia, Edson Beiriz, tem acompanhado o caso e acredita que é preciso iniciar os pedidos de reintegração de posse na Justiça. Beiriz lembra que os xavantes Marãwatsede passaram quase 40 anos em peregrinação, vivendo em condições precárias, depois de terem sido expulsos da região por usineiros e fazendeiros.

“Após a reocupação, muitos deles querem reaver toda a área rapidamente”, afirma o administrador. “Para auxiliá-los, a Funai pretende entrar com novas ações na Justiça. Tanto para reaver a terra como para conseguir indenizações pelos estragos ao meio ambiente.”

Posseiros armam barreiras para impedir acesso à Maraiwatsede

Posseiros mantêm três barreiras nas BRs 158 e 080, impedindo o acesso à reserva indígena Maraiwatsede, no município de Alto Boa Vista, no Mato Grosso. Segundo Roberto Lustosa, vice-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), o bispo D. Pedro Casaldáliga, de São Félix do Araguaia, fez um apelo dramático à Funai, pedindo mais funcionários da fundação para tranqüilizar os índios e deter a “ação arbitrária e ilegal dos posseiros”, que não aceitam a sentença do Supremo Tribunal Federal de reintegração de posse aos xavantes.

Os cinco funcionários da Funai que estão na reserva, juntamente com dez membros de organizações não-governamentais (ONGs), três funcionários da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e 480 xavantes, tentam convencer os índios a não pedirem ajuda via rádio aos de outras aldeias. Caso isso aconteça, Lustosa teme que a Funai perca o controle da situação. Segundo ele, a polícia federal está sendo solicitada para a região. “A situação está muito séria”, disse Lustosa.

Os posseiros prepararam duas barreiras na Br 158, uma impedindo a entrada e saída de pessoas na reserva, e outra impedindo o acesso ao município de Ribeirão Cascalheira. A outra barreira, na Br-080, impede o acesso ao município de São José do Xingu. Segundo o vice-presidente da Funai, ainda não houve confronto direto.

O bispo D. Pedro Casaldáliga disse que participantes do Segundo Festival das Águas do Araguaia, que começa hoje na cidade de Luciara, a cinco quilômetros de São Félix do Araguaia, estão barrados na estrada desde a tarde desta quarta-feira (18).

Madeireiras clandestinas são abandonadas em Marãiwatsede

A equipe da Funai que deu suporte à reocupação de Marãiwatsede, na terça-feira (10), apreendeu ontem (11) um caminhão com 14 toras de madeira-de-lei retiradas do interior da Terra Indígena. O veículo foi interceptado no posto da Funai montado na área, quando tentava sair com a madeira. O motorista teve as madeiras e o seu caminhão apreendidos, foi autuado e responderá a inquérito na Policial Federal.

Hoje pela manhã, em operação conjunta, equipes da Funai, Ibama e Polícia Federal localizou e fechou duas madeireiras clandestinas no interior da Terra Indígena. Uma, de médio porte, foi autuada em R$25 mil. Os proprietários e empregados da outra madeireira, esta de grande porte, abandonaram o lugar antes da chegada da força-tarefa. Desde terça-feira já se sabia da existência de três madeireiras atuando irregularmente na área.

As denúncias sobre o corte ilegal de madeira foram feitas pelos próprios índios Xavante. As operações em busca de madeireiros que devastam a área continuarão por tempo indeterminado.

Vigilantes – Uma das preocupações dos Xavante quanto à demora da Justiça em permitir o seu retorno à Terra Indígena Marãiwatsede era justamente com a depredação da área por posseiros e outros não-índios que a ocupavam. Temiam, por exemplo, que fosse promovido o desmatamento desordenado, que prejudicaria, entre outras, suas atividades de caça. De acordo com Edson Beiriz, administrador da Funai de Goiânia (GO), que comandou o retorno dos índios à Marãiwatsede, eles estavam certos em suas preocupações.

O presidente-substituto da Funai, Roberto Lustosa, ao saber da notícia sobre os primeiros resultados da operação, afirmou que os índios “são os melhores guardiões de suas terras”. Segundo ele, “as áreas onde há terras indígenas são melhor fiscalizadas, porque os índios são preservacionistas e os primeiros a denunciar a ocorrência de retirada clandestina de madeiras ou outras riquezas naturais”.