ndios pedem mais atenção do governo às condições de saúde nas tribos

Brasília – Lideranças indígenas pediram maior atenção do governo federal para as condições de saúde nas tribos. O maior problema, segundo os índios, é a falta de saneamento básico, como o precário fornecimento de água tratada, o que provoca doenças especialmente em crianças, levando muitas à morte. O assunto está sendo debatido até a próxima sexta-feira (17), na 1ª Mostra Nacional de Saúde Indígena, que acontece em Brasília.

A coordenadora do Fórum dos Conselhos Distritais de Saúde Indígena, Carmem Pankararu, alertou para a grave situação vivida em algumas aldeias brasileiras. “A realidade é bastante crítica, principalmente em regiões no Norte do país. Existe um grande sucateamento na frota de veículos do governo usados no deslocamento às aldeias, o que provoca demora no atendimento”, avaliou a líder indígena.

Segundo ela, os índios que vivem no Vale do Javari, no Amazonas, e na região do Alto Juruá, no Acre, vêm enfrentando epidemias de hepatite e de malária. Em São Gabriel da Cachoeira (AM), segundo ela, o problema maior é o alto índice de suicídio, decorrente da falta de terras e do baixo atendimento de saúde.

No norte do estado de Minas Gerais, Carmem cita os casos dos povos Xakriabá e Maxacali como os mais preocupantes. “São comunidades à beira de uma tragédia, pela falta de atenção pública, principalmente quanto aos altos índices de desnutrição”, disse.

Apesar da avaliação da líder indígena, para o diretor executivo da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), Danilo Fortes, a situação nas aldeias 1não é tão grave e tem evoluído nos últimos anos. “Graças ao esforço feito pela Funasa, o atendimento tem melhorado, mas é lógico que pelas dimensões do país ainda existem áreas com situação crítica”, disse Forte.

Segundo ele, não existe falta de verba para os programas de saúde indígena. “Neste ano tivemos um orçamento de R$ 411 milhões e para 2007 o valor deve passar a R$ 600 milhões”, apontou.

De acordo com ele, a grande dificuldade no atendimento é logística e operacional, pois muitas aldeias ficam localizadas em regiões remotas, em meio a rios e igarapés, e só podem ser acessadas de barco ou avião, o que aumenta o custo da operação.

O líder xavante Miguel Rua, de Mato Grosso, discorda do diretor da Funasa e pede maior atenção à saúde de seu povo. “Em nossa área é muito precário o atendimento. A mortalidade infantil e adulta continua aumentando”, denuncia.

Para Miguel Rua, o maior responsável pelas mortes é a falta de saneamento básico: “As crianças ficam com diarréia e desidratação porque a água é contaminada”. E ele completa: “Não é só o remédio que resolve a saúde indígena. É a alimentação e a água”. 

ndios permanecem acampados à espera da Justiça

O líder Guarani-Kaiowá Loretito Vilhalva interrompe a conversa para apontar o homem corpulento a chacoalhar na carroceria da caminhonete que passa pela estrada pedregosa. "Aquele ali é um que pilotou o trator que passou em cima da casa da gente e depois ajudou a queimar", mostra ao repórter da Agência Brasil, que visitou na última quarta-feira (18) o acampamento das cerca de 200 famílias à beira da MS-384, entre Antonio João e Bela Vista (450 quilômetros a sudoeste de Campo Grande).

Rapidamente, Vilhalva volta a mostrar as pessoas que estão sem seus documentos pessoais, por terem tido suas casas queimadas pelos fazendeiros, logo após a desocupação feita pela polícia por ordem judicial, em 15 de dezembro. A maioria conseguiu trazer consigo pouco mais que a roupa do corpo. Desde o início do mês, a Fundação Nacional do Índio (Funai) vem trazendo funcionários para ajudar os índios a recuperar os documentos, evitando que tenham problemas para, por exemplo, receber benefícios sociais como as aposentadorias.

É corriqueiro o convívio entre os Guarani-Kaiowá que esperam há quase dez anos o processo de criação da terra indígena de Nhanderu Marangatu e os fazendeiros que contestam essa reivindicação. Nhanderu fica a poucos quilômetros da cidade de Antonio João, onde reside boa parte dos produtores rurais da área.

Antes de iniciarem a ocupação dos 9,3 mil hectares de Nhanderu, no início de abril do ano passado, os índios moravam provisoriamente em 26 hectares cedidos por fazendeiros. E parte da comunidade sobrevivia de trabalhos temporários nas fazendas próximas, como conta Vilhalva.

Hoje, essas saídas para o trabalho estão suspensas. O grupo procura se organizar para evitar a repetição do que ocorreu com o cunhado de Vilhalva, Dorvalino Rocha. Na porteira que dá acesso a área de 26 hectares, ele foi assassinado na véspera de Natal por um segurança contratado pelos fazendeiros para vigiar o local. Um suspeito já confessou o crime, mas alega legítima defesa, segundo informação da Funai, contestada pelos índios.

A definição sobre o mandante pode ser ainda mais difícil. Há 23 anos, foi assassinado a poucas centenas de metros do lugar onde Dorvalino foi baleado, na vila do Campestre, outro guarani, o líder Marçal de Souza. Na época, ele denunciava esforços de fazendeiros da região para expulsar índios que tradicionalmente ocupavam áreas transformadas em propriedades rurais onde hoje é a terra indígena Pirakuá. O crime prescreveu em 2003 sem que o culpado por mandar matar Marçal fosse conhecido.

No sul do Mato Grosso do Sul, janeiro é mês de sol forte e muita chuva. Em tempo de cuidar da plantação de verão, os Kaiowá estão afastados à força das roças que plantaram há alguns meses. O milho branco sagrado, as abóboras, a batata-doce estão logo além das cercas, em meio aos troncos queimados da palmeira bacuri que, por alguns meses, serviram para sustentar as paredes das novas casas de Nhanderu Marangatu.

Enquanto o milho branco "saboró" cresce fora do alcance dos xamãs que deveriam rezar para evitar as pragas e trazer boa colheita, os índios vivem das cestas básicas doadas pelo governo estadual. "Nós não somos animais de confinamento pra viver recebendo alimento de mês em mês", discursa o professor Isaías Sanches Martins.

Além das cestas básicas, os índios vêm recebendo água potável, assistência médica e odontológica no acampamento à beira da estrada de terra. Os cuidados não impediram a morte de uma criança, na semana passada, por desidratação, segundo os líderes da comunidade. Com seus maracás e adornos coloridos de algodão e penas, os xamãs estão benzendo a estrada, para proteger as crianças e evitar novas mortes.

"Esse sol quente está judiando da gente. Não pára doença aqui", diz o kaiowá Braz Silva Gonçalves, um dos acampados. Ele especula sobre as razões do mal-estar. "Essa lona preta que está cobrindo as barracas tem cheiro. É igual veneno", diz ele. "Essa água que a gente está bebendo sai quente da torneira. A criança bebeu, uma semana depois já morreu".

Debaixo da lona, por causa da chuva forte a cair do fim de tarde, prossegue a reunião da comunidade com os representantes da Funai. O procurador-geral da fundação, Luiz Fernando Villares e Silva, explica aos índios o que o governo vem fazendo para acompanhar a tramitação do julgamento da ação dos fazendeiros que pede a suspensão da criação de Nhanderu, no Supremo Tribunal Federal. Mais tarde, enquanto esperamos a chegada do carro da Funai que nos levaria para passar a noite no hotel, desabafa: "Não dá para explicar para eles que nós estamos dependendo da Justiça. Para eles, é tudo responsabilidade do governo, não existe a separação de poderes que para nós é senso comum".

"Eu já não sei mais a quem pedir. A gente corre aqui, o pessoal diz que tem que ir lá. Vai lá, não é…", lamentava, mais cedo, Isaías. "A gente já não sabe mais em quem confiar", relata a professora Léia Aquino, outra das lideranças dos índios da área.

Estudo mostra mortalidade maior entre crianças indígenas que entre velhos

O estudo Saúde Brasil 2005, do Ministério da Saúde, revela que a mortalidade indígena entre as crianças é maior do que entre os índios com mais de 70 anos. Mais de 30% das mortes de índios registradas em 2003 ocorreram entre menores de cinco anos (659 óbitos), enquanto 27,5% do total verificou-se entre as pessoas com mais de 70 anos.

Segundo o estudo, o segmento indígena é o único em que esse fenômeno ocorre. Em todos os outros (brancos, pretos, pardos e amarelos), a proporção de mortes é maior entre os mais velhos. Entre a população branca, por exemplo, metade das mortes registradas em 2003 ocorreu entre idosos e de cada 100 mortos apenas 5,1 eram menores de cinco anos. O estudo destaca que a mortalidade entre os índios com idade até 5 anos "suscita urgência de desenvolvimento de ações, programas e políticas de saúde direcionadas a esta população".

O diretor do Departamento de Saúde Indígena da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), José Maria de França, disse que as ações de atendimento básico estão contribuindo para reverter esse quadro. "Se continuarmos o trabalho na condição em que nós estamos fazendo, se os indicadores continuarem assim [reduzindo-se], com pouco tempo, vamos ter uma mortalidade muito baixa", afirmou.

A mortalidade na população indígena como um todo é mais grave na Região Norte, com 1,4% de todos os óbitos registrados em 2003, seguida do Centro-Oeste, 0,9%. No Norte, a mortalidade entre as crianças com menos de um ano de idade é 2,7 vezes maior do que entre todas as crianças dessa faixa etária na região. Os dados usados no estudo levam em consideração tanto a população indígena que vive nas aldeias, cerca de 438 mil pessoas, quanto a das áreas urbanas, 332 mil.

Outro levantamento, feito pela Funasa, que leva em consideração apenas os índios das aldeias, registra significativa queda na mortalidade infantil nos últimos anos. Em 2000, foram 74,6 mortes entre crianças para cada 1.000 nascidos vivos contra 47,7 mortos para cada 1.000, em 2004. No ano passado, com 68% dos dados consolidados, o registro é de 28,5 para cada 1.000.

Solução para índios em Dourados exige ampliação das terras, diz presidente do Conselho de Saúde

Os problemas das aldeias indígenas na região de Dourados (MS) não tratam apenas da saúde, exigem uma solução para a demarcação de terras. A afirmação é do presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena, Hilário da Silva. Para ele, a política de distribuição de alimentos é medida paliativa. Na região, foram registradas mortes de crianças indígenas por doenças decorrentes da desnutrição.

"Como indígena, eu acho uma injustiça ter esse tipo de ações paliativas como arrecadação de sacolão. O pessoal está num confinamento. Se não pensar num projeto estruturante, de ampliação da área, nós teremos um futuro pior do que já temos hoje".

A identificação, reconhecimento e homologação de terras é uma das ações em discussão pela comissão multiministerial que avalia a situação dos índios na região de Dourados. Várias das terras guarani kaiowá enfrentam problema de superlotação. Por exemplo, na reserva indígena Francisco Horta Barbosa (a 5 km de Dourados), uma das quase 30 terras ocupadas por esses índios na região sul de Mato Grosso do Sul, são 3.500 hectares para uma população de 11 mil índios. Além disso, o crescimento populacional dos povos indígenas nos últimos 30 anos é progressivamente superior à média nacional.

"Em Dourados é preciso pensar numa ampliação da área e montar projetos estruturantes, para que a própria comunidade seja auto-sustentável com a participação em projetos que o governo venha a desenvolver", defende Hilário.

A comissão multiministerial deve se reunir hoje (10) à tarde com as lideranças indígenas. A equipe também apura denúncias de uso irregular de verbas pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa). E um pacote de medidas deverá ser lançado para melhorar o atendimento e os serviços prestados aos índios da região.

Composta por representantes do ministério da Justiça, das Cidades, do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, além de equipes da Fundação Nacional do Índio (Funai) e da Funasa, a comissão chegou ontem (9) a Dourados.

Funasa confirma morte de mais duas crianças indígenas no Mato Grosso do Sul

A Fundação Nacional de Saúde confirmou a morte de duas crianças indígenas no Mato Grosso do Sul na última quinta-feira (17). Segundo o relatório oficial da Funasa, uma das crianças, de cinco meses de idade, morava em Amambai, a 420 km de Campo Grande. De acordo com a declaração de óbito, as causas do falecimento foram parada cardiorrespiratória, entero-infecção e desidratação. A segunda criança, de um ano e dois meses de idade, morava em Dourados, a 220 km da capital, e sua declaração de óbito registrou "como causa principal do óbito ‘desnutrição’ e como causa coadjuvante ‘desidratação’".

A criança de Amambai já havia sido internada com vômito e diarréia em fevereiro, estava se recuperando em casa, quando teve piora no quadro de saúde. Segundo o relatório da Funasa, ela foi levada ao Hospital Regional de Amambai por uma patrulha da Polícia Militar, mas não resistiu e chegou ao hospital já sem vida. A família do bebê mora na região desde o ano passado e a fundação não sabe a qual aldeia ela pertence, mas há informações de que a criança nasceu em Paranhos.

A segunda criança também já havia ficado internada no Hospital da Missão Caiuá no início de março. Mas, segundo informou a Funasa, "a pedido do pai, o médico Dr. Franklin Sayão concedeu alta hospitalar, mediante a assinatura pelo pai do Termo de Responsabilidade". A família morava na área rural da empresa "Mudas MS", em Dourados, e pertencia à aldeia de Caarapó.

Hospital que vai atender crianças guarani quer dar tratamento humanizado aos pacientes e familiares

A criança está doente e é internada, mas, no município onde mora, não há tratamento adequado. Os pais, assustados com a situação, acompanham-na, mas não têm dinheiro para comer nos restaurantes próximos do hospital e nem têm onde dormir, porque estão longe de casa. Para complicar, não falam direito o idioma dos médicos e enfermeiros que estão tratando seu filho, nem se vestem ou se comportam como eles – por isso, sentem que são tratados com desdém e preconceito.

Essa era a situação enfrentada até agora por pais de crianças guarani-kaiowá que são trazidas dos mais de 30 municípios de toda a região sul do Mato Grosso do Sul para tratamento médico em Dourados. A cidade, com cerca de 150 mil habitantes, é a segunda maior do estado, e um pólo regional reconhecido pelo Sistema Único de Saúde. A situação de emergência criada pelas recentes mortes de crianças indígenas internadas por problemas relacionados à desnutrição na cidade acelerou várias medidas destinadas a mudar esse quadro.

Desde 2003, vem sendo implantado o primeiro hospital totalmente público de Dourados, destinado a atender apenas pacientes do SUS, o Hospital Universitário de Dourados. Nesta segunda-feira, a Fundação Nacional de Saúde e a Prefeitura Municipal inauguraram a ala pediátrica da unidade, que inclui seis leitos de uma Unidade de Tratamento Intensivo para crianças – única em toda a região.

Segundo a diretora superintendente do hospital, Diraci Marques Ranzi, a obra custou R$ 26 milhões e receberá repasses mensais da prefeitura, estado e União no valor de R$ 1,2 milhão. Até abril, serão 104 leitos no HU, que, como conta Diraci, já está sendo implantado, desde o início, nos moldes da nova Política de Humanização do SUS, elaborada no Ministério da Saúde. "Estamos enfrentando as resistências da iniciativa privada na região, além dos profissionais que não acreditam nas inovações, mas os desafios são estimulantes", conta Diraci, que, antes de trabalhar no HU, era administradora de hospitais privados na região. "Nada mais justo que este hospital seja público e não repassado a uma entidade filantrópica, como queriam alguns. Afinal, os recursos para construí-lo foram todos público."

Entre as novidades que pretendem beneficiar não só os indígenas, mas toda a população da região, ela conta que haverá acomodações e refeições para os acompanhantes das crianças internadas. Além disso, a Funasa vai fornecer treinamento específico para os funcionários atenderem a população indígena, e um agente comunitário de saúde ficará permanentemente ali para atuar como intérprete – é comum, principalmente nas aldeias mais remotas, que as pessoas em geral, e principalmente as crianças, só falem o guarani.