Estudo do IBGE torna público fenômeno do auto-reconhecimento da descendência indígena

A antropóloga e demógrafa Marta Maria Azevedo colaboradora do Programa Rio Negro do Instituto Socioambiental, e coordenadora do Comitê de Demografia dos Povos Indígenas da Associação Brasileira de Estudos Populacionais, acompanhou a elaboração do estudo divulgado pelo IBGE, em 13/12, denominado “Tendências Demográficas: Uma análise dos indígenas”, que avalia detalhadamente os números dos autodeclarados indígenas nos censos de 1991 e 2000. A população indígena em 2000 teve um crescimento de 150% em relação a 1991, o que provocou surpresa entre especialistas e pesquisadores. Marta Azevedo explica nesta entrevista o que há de novo e o que significa esta publicação para os estudos demográficos dos povos indígenas e para o Brasil.

ISA – Quais as novidades que a publicação do IBGE apresenta?

Marta Azevedo – A primeira delas é que o IBGE teve a iniciativa de publicar um volume específico da série Tendências Demográficas sobre a população que se auto-declarou indígena nos censos de 1991 e 2000. O fato de o IBGE ter publicado um estudo específico disponibilizando informações, tabelas, gráficos e análises sob vários aspectos é super importante. É a primeira vez que a instituição oficial de estatísticas populacionais brasileiras publica um exemplar sobre o assunto. Isso quer dizer que o Estado brasileiro está dando importância a essa população que tanto está em aldeias e em territórios demarcados, como fora deles. Engloba pessoas que também se identificam com um determinado povo indígena que moram em zonas rurais, em cidades, fora de territórios demarcados. Os autodeclarados indígenas incluem todos. As análises são espacializadas por município, por situação de domicílio rural ou urbano, por situação de domicilio rural específico (os que se situam em áreas rurais de municípios que têm terras indígenas).

O que quer dizer situação de domicílio rural específico?

Os que estão nessa situação são provavelmente os autodeclarados indígenas residentes em domicílios das áreas rurais de municípios que têm Terras Indígenas em seus territórios. Então, a partir destas análises espacializadas é que é possível, sim, influenciar políticas públicas direcionadas a esta população indígena no Brasil. Além disso, o estudo vem tornar público um fenômeno sociológico e político da sociedade brasileira, que é o auto-reconhecimento da descendência indígena de inúmeras pessoas que tinham essa identidade “apagada”, mas não esquecida.

Em 2002, quando o IBGE divulgou o expressivo crescimento da população que se auto-declarou indígena, em relação a 1991, levantou-se a questão de que seria importante perguntar também a que etnia as pessoas pertenciam.

De fato, isso já foi levantado junto ao IBGE, de incluir no quesito raça/cor da pele a questão das etnias específicas, das línguas faladas. Mas o IBGE pondera que isso ficaria extremamente caro por conta do tamanho do Censo Demográfico Brasileiro e que isso deveria ser feito em convênio com a Funai, órgão responsável pelas questões indígenas no Brasil. Muitos países fazem pesquisas sobre os povos autóctones, a partir das línguas faladas, a partir de censos específicos, a partir de perguntas sobre pertencimento a etnias específicas.

O que mais você destacaria entre as diferentes análises que o IBGE apresenta nesta publicação?

Considero um grande ganho as análises espacializadas por município, às quais não se tinha acesso e que agora tornaram-se públicas. São apresentadas análises dos microdados do questionário da amostra, por município, por situação do domicílio dentro do município, rural ou urbano. Dá para saber a proporção de pessoas que se autodeclararam indígenas por município e como se deu o crescimento da população por região. Um mapa mostra municípios em que cerca de 90% da população se auto-declarou indígena, ou que a região Sudeste foi a que registrou um aumento maior de pessoas auto-declaradas indígenas de 1991 para 2000. Se fizermos um cálculo de crescimento da população indígena na região Sudeste, vamos ter uma taxa de 10% ao ano. Claro que isso não significa um crescimento vegetativo, mas uma mudança de auto-declaração. Já a região Norte registra o menor crescimento no número da população auto-declarada indígena.

O que o estudo revelou sobre fecundidade e mortalidade infantil indígenas?

Se analisarmos a população indígena da área rural de todas as regiões do Brasil, verificamos que em 1991, a fecundidade da população que se declarava indígena nas áreas rurais era de 6,4 e em 2000, caiu um pouco, para 6,2. E a população que se auto-declarava indígena nas áreas urbanas, que apresentava taxa de fecundidade de 3,6 em 1991, caiu para 2,7 em 2000. Isso quer dizer que a fecundidade dessa população urbana se aproxima mais da taxa de fecundidade da população brasileira em geral.

Já a taxa de mortalidade infantil se refere só ao censo de 2000. É alta se compararmos com a taxa de mortalidade infantil do Brasil, que no ano 2000 era de 30 por mil habitantes. Nesse mesmo ano, a taxa entre a população auto-declarada indígena era de 51,4 por mil habitantes. Para os que se autodeclararam pretos e pardos, ou seja a população negra, a taxa foi de 34. Mais baixa que os que se autodeclararam indígenas. As análises sobre mortalidade infantil da publicação recém-lançada pelo IBGE vêm reforçar a necessidade de melhorar as informações sobre estes povos, e enfocar de maneira mais contundente o atendimento à saúde indígena.

IBGE constata que população indígena cresceu mais em dez anos do que o restante do povo brasileiro

Rio – A população indígena cresceu quase seis vezes mais do que a população em geral no país entre 1991 e 2000. As maiores taxas se registraram nas áreas urbanas, principalmente da região sudeste. A constatação é do estudo Tendências Demográficas: uma Análise dos Indígenas com Base nos Resultados da Amostra dos Censos Demográficos 1991 e 2000, divulgado hoje (13) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

De acordo com o estudo, em 10 anos, o número de indígenas cresceu 10,8% ao ano. Em 2000, 734 mil pessoas (0,4% dos brasileiros) se auto-identificaram como indígenas, um crescimento absoluto de 440 mil indivíduos em relação ao censo de 1991, quando 294 mil pessoas (0,2% dos brasileiros) se diziam indígenas.

Entre as possibilidades de justificativa para o fenômeno, o IBGE destaca a imigração de índios da Bolívia, Equador, Paraguai e Peru; e o aumento do número de indígenas em áreas urbanas que optaram por se declarar descendentes de índios no censo 2000.

No período investigado, a região sudeste surpreendeu, aumentando em cinco vezes o número de indígenas. Em 1991, a região tinha o menor número de descendentes de índios (30,5 mil) e em 2000, 161,2 mil pessoas se declararam indígenas. O Nordeste também aumentou a participação: o número de pessoas identificadas como indígenas passou de 55,8 mil em 1991 para 170 mil em 2000.

A região norte continuou concentrando o maior número de indígenas, mas foi a área que apresentou o menor ritmo de crescimento anual. Em 1991, 42,4% da população se autodeclarava indígena e em 2000 a taxa caiu para 29,1%. No Centro-Oeste, 17,9% da população se dizia indígena em 1991 e em 2000 eram 14,2%. Na região sul, a taxa de indígenas passou de 10,3% em 1991 para 11,5% em 2000.

Pesquisa localiza população de primata ameaçado em 35 municípios no Piauí

João Pessoa (09/11/05) – Pesquisadores do Centro de Proteção de Primatas Brasileiros do Ibama (CPB) registraram e obtiveram relatos de ocorrência da presença de macacos guaribas em 45 áreas no estado do Piauí. Estes dados foram obtidos durante mais uma expedição de levantamento e mapeamento das áreas de ocorrência da espécie Alouatta ululata. Esta é uma das 10 espécies de primatas consideradas criticamente em perigo.

O projeto em parceria com a Secretaria de Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos do Estado do Piauí (SEMAR) conta, também, com o apoio da Gerência Executiva do Ibama daquele estado.  No total foram três expedições no ano de 2005, nas quais os técnicos percorreram mais de 5.500 km, onde visitaram 155 áreas em 33 municípios no norte do estado. O trabalho ainda não está terminado. Os especialistas voltarão ao Piauí em 2006 para concluir o levantamento no norte do estado e avançar para o centro-sul. “O número de áreas a percorrer é maior do que o esperado. Estamos obtendo registro destes animais em ambientes dos mais diversos: matas serranas, caatinga, cerradões, até manguezais”, explica o biólogo Marcelo Marcelino, chefe do Centro.

Este trabalho de mapeamento procura além de registro das áreas de ocorrência das populações remanescentes da espécie, obter uma estimativa do tamanho dessas populações e identificar espacialmente o estado de conservação da espécie ao longo de sua área de ocorrência. Estes dados vão ajudar a elaborar  um plano nacional de conservação destes guaribas.

Causas da ameaça

Apesar da redução e do isolamento das áreas de mata ser um fator preponderante para a extinção da espécie, a caça vem sendo a maior preocupação dos pesquisadores. “O animal está sendo muito caçado e o seu isolamento facilita ainda mais a caça. Em várias localidades os guaribas já foram extintos e em outras a sua extinção é eminente por causa da caça”, alerta a bióloga Juliana Gonçalves, responsável pelo projeto. Na localidade de Jacaraí, no município de São José do Divino, os pesquisadores obtiveram o relato de que o último exemplar de guariba foi comido por urubus no galho da árvore onde tombou morto por um tiro de caçador. “A caça destes animais é covarde e revoltante, porque o animal não foge ao ser surpreendido. Morre olhando pacificamente para o caçador”, afirma Marcelo Marcelino.

O Parque Zoobotânico da Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Piauí está cuidando de dois filhotes de guariba. Segundo o veterinário Luciano Lucena, não se conhece a história destes filhotes, mas provavelmente são vítimas da ação de caçadores que devem ter matado suas mães, já que chegaram ao Parque ainda em fase de amamentação.

 Por outro lado em alguns municípios como Campo Maior, Caxingó, Joaquim Pires, Pedro II, vários proprietários de terras não são tolerantes à caça em suas propriedades, principalmente dos guaribas, tornando estas áreas verdadeiros santuários para algumas populações remanescentes da espécie.
No Ceará, onde os pesquisadores estiveram em 2004, o mapeamento já foi concluído e a Serra da Ibiapaba é a principal área de concentração de guaribas no estado. Nesta área, o Ibama estará realizando ainda este ano uma extensa campanha contra caça destes animais, envolvendo o Parque Nacional de Ubajara, a Área de Proteção Ambiental da Serra da Ibiapaba e o Escritório Regional de Sobral.

Pesquisa em Genética

Os pesquisadores do Centro de Proteção de Primatas Brasileiros estão realizando também estudos de DNA e citogenética das populações de guaribas do Piauí. Usando armas com dardos anestésicos, os pesquisadores capturaram nesta última expedição um exemplar macho adulto para a coleta de sangue. Este material além de servir para os estudos em genética, será aproveitado também para análise laboratoriais que verificam o estado de saúde do animal e a presença ou não de hemoparasitas. Na captura, para evitar qualquer risco de acidente com o animal, os pesquisadores utilizam uma droga anestésica dissociada de relaxante muscular. Neste procedimento o guariba adormece na árvore e é apanhado por um escalador que desce o animal em segurança dentro de um saco de tecido amarrado a uma corda. Uma vez no chão os pesquisadores coletam o material sanguíneo e fazem o registro dos dados de morfometria. Todo este procedimento dura menos de uma hora.

Os guaribas

Os macacos guaribas, também conhecidos como bugio ou capelão, são encontrados em quase todo o Brasil. São animais grandes, que vivem em bandos de seis a oito indivíduos, às vezes até mais, habitando áreas de mata, onde alimentam-se de folhas, que representam entre 40 a 50% de sua dieta, além de flores e frutos. Chegam a pesar mais de 5 kg e são conhecidos por seus gritos potentes, que podem ser ouvidos a grandes distâncias. Essa capacidade se deve a um proeminente osso hióide na garganta, que funciona como uma caixa de ressonância, amplificando o som do seu grito. Acredita-se que os gritos sirvam para estabelecer sua área de domínio na floresta em relação aos demais grupos de guaribas. Um grupo social de guaribas é geralmente é constituído por um macho adulto, dominante, duas fêmeas adultas e um número variável de animais juvenis e filhotes. As fêmeas reproduzem um filhote a cada gestação, que dura em torno de seis meses. O filhote permanece agarrado à mãe até o vigésimo mês quando é desmamado.

No Brasil existem seis espécies de macacos guaribas, cientificamente conhecidos como primatas do gênero Alouatta. Este Gênero possui ao todo dez espécies reconhecidas, sendo que as demais espécies ocorrem em outros países da América do Sul e na América Central. Os guaribas da espécie Alouatta ululata são endêmicos ao Brasil, isto é, só ocorrem em nosso país. São animais muito bonitos, com coloração predominantemente negra com as mãos, pés, a ponta da cauda e parte das costas de cor variando de castanho-avermelhado a amarelo, tendo ainda a parte lateral dos pêlos mais longos com a mesma coloração das costas.

Falta de terra é causa da morte de crianças indígenas, conclui relatório de deputados

Brasília – Falta de terra para exercer atividades culturais, agrícolas e ancestrais são o principal problema dos povos indígenas de Dourados, no Mato Grosso do Sul, de acordo com o relatório final da comissão externa da Câmara dos Deputados. Onze mil índios guaranis-kaiowás vivem em uma área de 3,5 mil hectares.

Aprovado hoje (11), por todos os seis deputados presentes na reunião, essa é a base dos problemas de desnutrição, alcoolismo, busca de trabalho nas usinas e fazendas da região, mendicância na área urbana da cidade e a baixo-estima entre os indígenas. A comissão foi criada em março, para investigar as mortes de crianças indígenas ocorridas na região Centro-Oeste, em decorrência da desnutrição.

Para o coordenador da comissão, deputado Geraldo Resende (PPS-MS), a ida de uma equipe multiministerial nessa semana a Dourados (MS) é um sinal de que o governo vai investir mais nas ações. Ele espera que responsabilizem aqueles que deveriam atender os índios e acrescentou que "uma única morte por desnutrição em pleno século 21, num governo que tem como símbolo de sua atuação o Programa Fome Zero, já é suficiente para tomar decisões".

Os deputados lembram que o Ministério Público Federal em Minas Gerais encaminhou à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) relatos de problemas semelhantes em outras regiões do país.

Com a aprovação, o relatório será entregue ao presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalvanti (PP-PE), ao Tribunal de Contas da União (TCU), à Fundação Nacional de Saúde (Funasa) , à Fundação Nacional do Índio (Funaí), ao Ministério Público Federal e à Presidência da República.