Em favor dos povos indígenas e suas terras contra o projeto genocida 188 de 2004

Caso o Senado vier aprovar o projeto de Lei 188 de autoria do senador Delcídio do Amaral, do PT do Mato Grosso do Sul e outros, estará se desencadeando um dos processos anti-indígenas mais vergonhosos e genocidas da nossa história. A projeto que visa estabelecer novos parâmetros para a demarcação das terras indígenas e outras providências, reflete, na verdade o mais crasso e rancoaroso processo anti indígena instaurado no país. Na prática a intenção é inviabilizar totalmente a demarcação das terras indígenas, com exceção de algumas migalhas que porventura  passarem pelo crivo dos novos responsáveis pela identificação e delimitação das terras indígenas. Trata-se, a rigor,de uma proposta inconstitucional, na medida que visa alterar as responsabilidades sobre o processo de regularização das terras indígenas, além de tentar impedir a presença indígena na faixa de 150 km da fronteira. Transfere o trabalho técnico de levantamento dos critérios constitucionais de demarcação, conforme artigo 231, para uma instância política.  Além disso está expresso no projeto uma criminalização da questão indígena e punição de seus aliados na luta por seus direitos, especialmente à terra.

É importante resgatarmos um pouco o processo do qual resultou esse projeto de lei. Ele tem sua origem num grupo de parlamentares notadamente anti-indígenas que constituíram comissões para analisar a questão dos conflitos fundiários envolvendo os povos indígenas. No senado o presidente da Comissão foi o senador Morazildo Cavalcante, de Roraima, conhecido pela sua atuação anti indígena. O relator da comissão foi o senador Delcídio, aqui do MS. Por ocasião da aprovação do relatório desta comissão, em junho deste ano,  o relator esteve em Campo Grande onde teve um grande debate com mais de 700 lideranças Indígenas e representantes do movimento social. Naquela ocasião o senador chegou a chorar e comprometeu-se publicamente  considerar as sugestões e propostas entregues, que eram na perspectiva de acelerar a demarcação das terras indígenas.  Ao invés  de cumprir sua palavras fez com que a proposta de projeto de lei seguisse na surdina e repentinamente fosse para a pauta para ser votado, sem que o movimento indígena e seus aliados e a sociedade organizada tomassem sequer conhecimento de seu conteúdo, muito menos fossem contemplados em suas sugestões. No apagar das luzes da atuação do Congresso nesse ano de 2004, numa nítida manobra para evitar a pressão da sociedade, quiserem consumar essa ato que jogariam a maioria das terras indígenas na vala comum, voltando tudo à estaca zero, e dificilmente a maioria delas sequer um dia seriam reconhecidas, demarcadas e respeitadas.

Portanto esse tipo de atitude é inaceitável sob todos os aspectos, sentindo-se o movimento indígena e todo o movimento social traído. Quando se esperava diálogo, transparência e debate, o que se viu foi uma ardida trama para fazer passar um projeto que envergonha o país e todas as pessoas de boa vontade que desejam construir um país de justiça, na pluralidade étnica,cultural e com igualdade social.

Além da retirada de pauta do projeto 188/2004 esperamos que se reabra um diálogo  eficaz e um debate amplo e participativo com os povos indígenas e os movimentos sociais. Só com a demarcação e garantia das terras indígenas a Constituição estará sendo cumprida e poderá haver paz e justiça no campo,  na certeza de que um outro Brasil e um outro mundo são possíveis.

Coordenação dos Movimentos Sociais do Mato Grosso do Sul

Projeto em tramitação no Senado pode mudar demarcação de terras indígenas

A demarcação de terras indígenas brasileiras pode passar por profundas mudanças caso seja aprovado, no Senado Federal, o projeto de lei que modifica as regras em vigor desde 1996 para o reconhecimento de propriedades indígenas no país. O projeto, que está previsto para ser votado até a próxima semana pelo plenário do Senado, estabelece que as demarcações sejam aprovadas pelos senadores e impede o reconhecimento de terras indígenas em localidades onde houver conflito de terra.

Atualmente, para que uma terra indígena seja demarcada oficialmente pelo governo, ela precisa do aval do ministro da Justiça e da Fundação Nacional do Índio (Funai). O ministro é quem efetivamente autoriza a demarcação depois de analisar os relatórios e pareceres técnicos elaborados por equipes da Funai que identificam pessoalmente as áreas a serem delimitadas. Antes de o ministro dar o parecer final, a Funai também abre um prazo para que pessoas contrárias à demarcação possam impugnar o processo caso apresentem a comprovação de irregularidades.

Segundo o Decreto 1.775/96, editado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, o ministro da Justiça tem a prerrogativa de acatar as análises da Funai e demarcar a terra, assim como pode impugnar o pedido ou determinar novas diligências para analisar melhor a região a ser delimitada. A homologação final da terra é feita pelo presidente da República, por meio de decreto. Toda a responsabilidade pela demarcação de terras fica a cargo da União.

Já o projeto de lei em tramitação no Senado inclui no processo a participação do Legislativo. O projeto não determina a autoridade competente para decidir sobre a demarcação, que hoje está a cargo do ministro da Justiça, mas obriga que a decisão passe pelo crivo do Senado para depois ser homologada pelo presidente da República. "Isso é inconstitucional. Uma atividade do Poder Executivo não pode estar condicionada ao Legislativo, muito menos a apenas uma das casas, como prevê o projeto. Se fosse o caso de o Legislativo interferir, seria o Congresso Nacional e não somente o Senado", criticou o assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Paulo Guimarães.

O projeto também determina que se a área identificada para demarcação estiver localizada na faixa de 150 quilômetros de largura ao longo da fronteira brasileira, o presidente da República deve convocar o Conselho de Defesa Nacional antes de homologar a demarcação. "Temos aí mais uma inconstitucionalidade, já que, pela Constituição, o conselho é um órgão de consulta do presidente, e nenhuma lei pode tornar essa convocação obrigatória", ressaltou Guimarães.

Já o vice-presidente do Cimi, Saulo Feitosa, afirma que o projeto "tem a intenção de reprimir movimentos legítimos dos povos indígenas, que ocupam de forma pacífica seus territórios tradicionais". Na avaliação de Feitosa, as terras indígenas só tiveram o procedimento de demarcação concluído depois de os índios efetivaram a posse de suas terras.

Se o projeto for aprovado pelo Senado Federal e pela Câmara dos Deputados, todos os processos de demarcação de terras indígenas que estão em curso serão automaticamente cancelados para que se adequem às novas regras. O objetivo do cancelamento, segundo o senador Delcídio Amaral (PT-MS), é garantir que os processos em vigor sejam enquadrados nas novas regras estabelecidas pelo projeto.

O projeto também impede que as chamadas terras retomadas, onde há briga jurídica pela posse ou invasão motivada por conflito indígena coletivo, entrem em processo de demarcação por dois anos, ou pelo dobro deste prazo, em caso de reincidência. Na avaliação do senador, a proposta vai contribuir para reduzir os conflitos no campo.

Delcídio Amaral acredita que o principal benefício do projeto é garantir aos produtores rurais indenização pelas benfeitorias instaladas em terras que posteriormente forem demarcadas como indígenas. "O objetivo é disciplinar de alguma maneira a questão da demarcação, passando pelo Senado a sua homologação, e em um segundo ponto, buscando através de uma chicana (sutileza) jurídica a indenização não só das benfeitorias, mas da terra nua, imputando à União em caso de terras vendidas há décadas em função da migração, que respeite a Constituição. Se for verificado que é área indígena, você pelo menos terá condição de ressarcir os produtores rurais por tudo aquilo que eles investiram e por aquilo tudo que eles pagaram para a aquisição dessas terras", enfatizou.

O senador é um dos autores do projeto, que foi apresentado em nome da Comissão Especial de Questões Fundiárias. Como o projeto não recebeu emendas na fase de tramitação na comissão, seguiu diretamente para votação em plenário. O Cimi e várias entidades indígenas já anunciaram que vão lutar para derrubar a votação em plenário, para que a matéria tramite em pelo menos três comissões do Senado. "Este projeto tem o claro objetivo de dificultar e protelar os procedimentos de demarcação de terras indígenas, procedimentos que o movimento indígena e as entidades que o apóiam passaram anos lutando para que fosse agilizado. O PLS cria novas instâncias de decisão e cria subterfúgios para contemplar apenas interesse dos invasores de terras indígenas", disse o vice-presidente do Cimi.