Doença de índio, por Ligia Bahia

Por Ligia Bahia, originalmente publicado no Blog do Noblat

Recursos assistenciais modernos, financiados com verbas públicas para atender exclusivamente ricos, acirram desigualdades na saúde. A falta de posto, hospital, equipamento, médico, remédio e qualidade no atendimento para quem mais precisa corresponde à exuberante disparidade social, regional, étnica e racial nos indicadores de saúde.

O desacerto entre as necessidades e as chances de obter cuidados é o resultado da concentração de dinheiro do governo para a parcela da população mais saudável, com a insuficiência de assistência aos grupos vulneráveis. Logo, as carências não são generalizáveis.

Em 2010, o gasto per capita com saúde foi de R$ 726. Cada brasileiro teve direito em média a R$ 2 por dia, quando recorreu ao SUS. Para a população indígena, cerca de 300 povos que constituem uma das maiores diversidades étnicas e linguísticas do mundo, o valor foi bem menor, R$ 411.

Entre indígenas e não indígenas as desigualdades na saúde são flagrantes. Apesar do recente crescimento demográfico dos povos indígenas, os diferenciais entre a expectativa de vida, taxa de mortalidade de crianças e acesso ao sistema de saúde persistem.

A incidência de doenças infecciosas e parasitárias (malária, tuberculose, diarreia e pneumonia) é maior na população indígena. Além disso, o envolvimento de indígenas com a sociedade nacional e global, e as mudanças em seus sistemas de agricultura e extração em função da aquisição ou oferta de alimentos industrializados, causam obesidade, hipertensão e diabetes.

A Constituição de 1988, que reconheceu a organização social, línguas, costumes, tradições e os direitos originários sobre as terras que os índios ocupam, atribuiu ao SUS a responsabilidade pela saúde indígena.

Os distritos especiais de saúde indígena foram criados com o propósito de respeitar as diferenças socioculturais e, portanto, romper com a imposição dos referenciais e práticas terapêuticas ocidentais.

Consequentemente, a construção de espaços de interação entre as equipes do SUS e os povos indígenas é duplamente desafiante. As rotinas de atendimento aos povos indígenas requerem, frequentemente, adaptações a condições geográficas e demográficas e compreensão mútua das diferenças sobre os referenciais de causa das doenças.

A atividade de vacinação de povos indígenas, por exemplo, que pode exigir a subida e a descida de rios, depende do tempo da conservação de imunobiológicos no gelo. A doença, na perspectiva indígena, é entendida como uma ameaça coletiva, extensiva ao grupo de parentes e desencadeia estratégias de cuidados igualmente compartilhadas.

Para restabelecer a saúde é necessário re-harmonizar a ordem social e cosmológica. As “doenças de branco” são apenas como uma expressão sintomática de fenômenos muito mais complexos. A introdução de substâncias químicas no corpo tem um grau de importância relativamente menor do que uma viagem xamânica em busca da resolução dos problemas coletivos que propiciaram a eclosão da doença.

Com poucos recursos e sem a constituição de equipes do SUS com formação adequada, as desigualdades na saúde entre indígenas e não indígenas se acentuarão. Os persistentes problemas relacionados às terras, a educação e saúde ameaçam objetivamente a sobrevivência dos povos indígenas.

Constatam-se duas formas para abordar a saúde indígena no Brasil. A primeira entende que existem índios tão somente situados no território brasileiro, sem manter relação de pertencimento parcial ou integral para com o país, e a segunda considera que esses povos constituem o Brasil. São modos opostos de encarar o problema e sua solução.

Caso se considere que os índios moram em solo “nacional” por acaso, em função de processos sociopolíticos que não foram de sua própria escolha, as providências para atender seus problemas de saúde tenderão a contingentes. Se, ao contrário, concebermos que o brasileiro é índio, a saúde indígena constituirá um componente necessário e prioritário das políticas de saúde.

Em 2013, o Brasil vai realizar uma Conferencia Nacional de Saúde Indígena. As reivindicações dos povos indígenas incluem o aumento de recursos financeiros para saúde e participação nas decisões. A ocasião é propícia, em função da visibilidade das inúmeras manifestações públicas dos indígenas e não indígenas e dos avanços internacionais em relação aos direitos da saúde dos povos indígenas.

Como a comparação com outros países virou mania entre os atuais dirigentes da saúde, nada melhor do que pegar jacaré nessa onda.

O governo australiano acaba de anunciar seu plano de saúde para aborígines nacionais. A característica fundamental do plano é investir mais na saúde indígena e abordar o racismo que por muitos anos tem dificultado o acesso de indígenas australianos aos cuidados e aos serviços de saúde pública.

O compromisso estabelecido pelo Ministério da Saúde australiano é o de propiciar condições para que os indígenas tenham o mesmo status de saúde do restante da população e permitir que a compreensão holística sobre saúde dos indígenas seja praticada e investigada, com finalidades científicas mediante a cooperação entre iguais.

O Brasil precisa rever as concepções e as práticas que organizam a atuação do SUS na saúde indígena, a começar pelos investimentos e ruptura com a apresentação e representação do trabalho que envolve os cuidados aos povos indígenas como algo exótico. A retórica pró-diversidade ancorada no silêncio a respeito das desigualdades e etnocídio puxa o país para trás. Se os índios não tiverem saúde, não teremos saúde.

Ligia Bahia é professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Suicídio e alcoolismo entre jovens levam lideranças indígenas ao debate

Lideranças políticas e espirituais das 26 comunidades indígenas dos Kaigang e Guarani, do Mato Grosso do Sul, irão se reunir com os jovens dessas etnias para debater assuntos como problemas, anseios e dificuldades da juventude. Mais de 100 pajés irão participar da mobilização, chamada de Vamos Proteger os Nossos Jovens, que acontecerá em meados de fevereiro. As duas comunidades registram altos índices de suicídio e alcoolismo entre a população mais jovem.

Para o gerente do Projeto Vigisus II da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), Carlos Coloma, o evento será "uma grande escuta coletiva".

O projeto, em parceria com a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), desenvolve intervenções nas áreas de saúde mental, promoção da medicina tradicional e vigilância nutricional, envolvendo treinamento de recursos humanos, estudos e pesquisas, produção de material educativo e publicações técnico-científicas.

Carlos Coloma explicou que o jovem indígena, assim como os de outras comunidades, enfrenta uma série de problemas e necessita de apoio. Segundo ele, as raízes da grande incidência do alcoolismo nas populações indígenas já são bem conhecidas. No entanto, as razões que levam aos suicídios ainda são bastante nebulosas.

Para Coloma, o desconhecimento e a falta de estatísticas e informações sobre o fenômeno do suicídio não são impedimentos para que agentes públicos, comunidades e famílias busquem evitar a repetição desses acontecimentos.

“Nós acreditamos que, ainda que continuemos não conhecendo melhor a arquitetura, como se cria esse processo, essa vontade de morrer, de se matar, é preciso apoiar os jovens das comunidades indígenas onde se verifica grande número de mortes”, afirmou.

Como em qualquer outra sociedade, ele afirmou que é preciso evitar que os jovens indígenas se sintam sozinhos. “Eles necessitam de alguém com quem conversar, falar de seus sentimentos, de seus problemas, de suas preocupações.”

De acordo com Coloma, o suicídio é decorrência de uma multiplicidade de fatores, sociais, econômicos e emocionais. “O que nós encontramos, especialmente nas comunidades Kaigang e Guarani do Mato Grosso do Sul, é uma coexistência de problemas, uma série de dificuldades, uma grande perda de território, uma grande restrição de mobilidade da população que é tradicionalmente nômade, uma grande ruptura entre as gerações, com uma consequente quebra de valores, de modos de vida, que em geral significa crise. Além da crise da adolescência, uma crise de valores culturais”, ressaltou.

A forma como os indígenas lidam com as emoções constitui-se em um componente a mais para incitar os jovens à morte. “São tão intensos alguns sentimentos, como por exemplo, a vergonha que pode levá-los a se matar diante um vexame público, uma humilhação. Essa reação é pouco comum em outras culturas, mas na indígena é muito significativa”, explicou.

Coloma salientou, contudo, que o fenômeno do suicídio é bastante complexo e não pode ser tratado levianamente, tampouco banalizado.

“Como a cultura indígena é intensamente espiritualizada, para tentar compreender o suicídio entre eles, teríamos que falar sobre a crença nos espíritos e como eles são afetados por essas entidades.”

Para Coloma, a reunião de fevereiro é apenas o primeiro passo de um longo caminho a ser percorrido na compreensão do alto índice de suicídio entre os jovens Kaigang e Guarani, do Mato Grosso do Sul. 

Orçamento indígena aumentou nos últimos anos e deverá crescer ainda mais, diz antropólogo

Brasília – O orçamento do governo federal destinado aos programas e ações voltados para as comunidades indígenas deverá crescer ainda mais nos próximos anos. A previsão é do assessor do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Ricardo Verdum. O antropólogo é autor do artigo Perdas e Ganhos no Orçamento Indigenista do Governo Federal, de abril de 2006, publicado na última edição do compêndio Povos Indígenas no Brasil.

Em análises feitas de 2000 a 2005, Verdum mostra que houve um aumento relativo no gasto da administração estatal com os povos indígenas. Nesse período, foram gastos nas 73 ações indigenistas distribuídas em seis programas cerca de R$ 1,556 bilhão.

Desse total, o maior gasto foi em saúde indígena. A área, que é competência da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), recebeu nesses cinco anos cerca de R$ 1,036 bilhão. O dinheiro foi aplicado em ações de atenção médica, compra de medicamentos e saneamento.

Para Verdum, a priorização da saúde é uma atitude correta, uma vez que a população indígena é bastante vulnerável a doenças. “As populações mais isoladas têm a dificuldade do acesso à atenção, à recuperação, no caso de uma epidemia. Então, é preciso ter uma estrutura mínima no local, uma boa comunicação com os centros urbanos que possibilite o deslocamento de equipes seja de avião, helicóptero ou até mesmo uma lancha pelo rio”, exemplifica.

Na contramão de ações como saúde, educação escolar, direitos indígenas, saneamento e gestão ambiental e da biodiversidade, que acumularam ganhos sucessivos no orçamento, as ações ligadas aos territórios indígenas perderam R$ 25 milhões nos últimos cinco anos.

“Isso se refletiu no menor desempenho na demarcação, comparativamente com os últimos quatro governos”. Segundo Verdum, há uma demanda muito grande para essa ação nas regiões Nordeste e Amazônica, que inclui a criação de unidades de conservação e reservas extrativistas.

O antropólogo critica ainda a grande prioridade que é dada pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) à Amazônia Legal. Os dados orçamentários mostram que mais de 97% dos R$ 11 milhões recebidos pela pasta em 2004, por exemplo, foram destinadas a esse bioma.

Segundo o antropólogo, outras áreas fora da Amazônia também precisam de recursos. Ele cita o estado de Mato Grosso do Sul, região dos Guarani-Kaiowá e local onde a monocultura da soja e da cana-de-açúcar geram grande impacto sobre a população indígena.

“Hoje eles não têm mais a caça, e a borrifação para o controle de pragas se expande pelas aldeias, o que causa uma série de problemas de saúde”. Verdum diz ainda que algumas terras indígenas foram demarcadas em áreas degradadas, que precisam ser recuperadas e que muitos índios estão reféns do agronegócio como única alternativa de auto-sustentação. 

ndios pedem mais atenção do governo às condições de saúde nas tribos

Brasília – Lideranças indígenas pediram maior atenção do governo federal para as condições de saúde nas tribos. O maior problema, segundo os índios, é a falta de saneamento básico, como o precário fornecimento de água tratada, o que provoca doenças especialmente em crianças, levando muitas à morte. O assunto está sendo debatido até a próxima sexta-feira (17), na 1ª Mostra Nacional de Saúde Indígena, que acontece em Brasília.

A coordenadora do Fórum dos Conselhos Distritais de Saúde Indígena, Carmem Pankararu, alertou para a grave situação vivida em algumas aldeias brasileiras. “A realidade é bastante crítica, principalmente em regiões no Norte do país. Existe um grande sucateamento na frota de veículos do governo usados no deslocamento às aldeias, o que provoca demora no atendimento”, avaliou a líder indígena.

Segundo ela, os índios que vivem no Vale do Javari, no Amazonas, e na região do Alto Juruá, no Acre, vêm enfrentando epidemias de hepatite e de malária. Em São Gabriel da Cachoeira (AM), segundo ela, o problema maior é o alto índice de suicídio, decorrente da falta de terras e do baixo atendimento de saúde.

No norte do estado de Minas Gerais, Carmem cita os casos dos povos Xakriabá e Maxacali como os mais preocupantes. “São comunidades à beira de uma tragédia, pela falta de atenção pública, principalmente quanto aos altos índices de desnutrição”, disse.

Apesar da avaliação da líder indígena, para o diretor executivo da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), Danilo Fortes, a situação nas aldeias 1não é tão grave e tem evoluído nos últimos anos. “Graças ao esforço feito pela Funasa, o atendimento tem melhorado, mas é lógico que pelas dimensões do país ainda existem áreas com situação crítica”, disse Forte.

Segundo ele, não existe falta de verba para os programas de saúde indígena. “Neste ano tivemos um orçamento de R$ 411 milhões e para 2007 o valor deve passar a R$ 600 milhões”, apontou.

De acordo com ele, a grande dificuldade no atendimento é logística e operacional, pois muitas aldeias ficam localizadas em regiões remotas, em meio a rios e igarapés, e só podem ser acessadas de barco ou avião, o que aumenta o custo da operação.

O líder xavante Miguel Rua, de Mato Grosso, discorda do diretor da Funasa e pede maior atenção à saúde de seu povo. “Em nossa área é muito precário o atendimento. A mortalidade infantil e adulta continua aumentando”, denuncia.

Para Miguel Rua, o maior responsável pelas mortes é a falta de saneamento básico: “As crianças ficam com diarréia e desidratação porque a água é contaminada”. E ele completa: “Não é só o remédio que resolve a saúde indígena. É a alimentação e a água”. 

Xingu enfrenta avanço de DSTs, diabetes e obesidade

De acordo com o médico sanitarista Douglas Rodrigues, o atendimento prestado pela Unifesp – iniciado em 1965 – faz do Xingu uma exceção positiva em relação ao panorama da saúde indígena no Brasil, mas não consegue avançar em ações de prevenção e promoção de saúde, e fica "correndo o tempo todo atrás das doenças". Ele afirma ainda que o convênio da universidade com a Funasa também sofre com atrasos nos repasses de recursos e que a fundação ainda não conseguiu adequar o modelo de atendimento às especificidades dos povos indígenas. Leia a seguir a entrevista na íntegra.

Qual sua avaliação do sistema de saúde indígena atual?

Douglas Rodrigues – Eu vivi o tempo em que a Fundação Nacional de Índio (Funai) era a responsável pela saúde indígena e acompanhei a entrada em cena da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e a mudança a partir de 1999, com a criação dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas, os Dseis. Essa mudança foi boa, pois melhorou o acesso dos índios aos serviços de saúde. Os indicadores mostram isso, a mortalidade infantil diminuiu, ainda que a Funasa não tenha um sistema de informação confiável. O Sistema Único de Saúde (SUS) ter incluído a saúde indígena dentro de seu escopo foi também um grande avanço. Isso é inquestionável. Hoje existem propostas para a Funai reassumir o sistema. Acho que isso vai ser uma catástrofe, pois a Funai não tem estrutura nem quadros para isso e já mostrou ao longo dos anos que não consegue fazer. Quando o Ministério da Saúde assumiu o sistema, o orçamento da saúde indígena cresceu muito. Mas ter dinheiro, é importante dizer, é apenas o começo.

O que mais deve acontecer?

A Funasa não adequou sua cultura institucional, eles continuam trabalhando com os índios como no tempo que em que controlavam malária no meio do mato. Às vezes o pessoal da Funasa me pergunta quantos índios têm no Xingu para mandar cesta básica, e eu digo que não é assim que funciona. O refinamento do modelo, adequar o atendimento a cada área, isso não foi feito. Não dá para pasteurizar ações desde Brasília. E isso talvez implique mais pessoal preparado, formado para isso de forma multidisciplinar. E isso a Funasa não consegue fazer. Por que não consegue fazer? Primeiro porque a fundação não tem quadro, ela terceiriza tudo. E terceiriza do jeito que dá, meio assim: ‘com quem tiver eu faço’. Há poucas ONGs preparadas com experiência acumulada. E tem que capacitar as outras parceiras, como as associações indígenas. Senão não se cria competência técnica.

O que você quer dizer com adequar a cultura institucional?

Eles precisam entender que o trabalho de saúde indígena é muito complexo. São 400 mil índios aldeados no Brasil, mas cada mil são diferentes dos outros mil e estes dos outros 500 e por aí vai. As situações são muito distintas. Então os critérios comuns de saúde pública, como um médico para dois mil habitantes – que valem para cidades como São Paulo -, não servem ao Xingu, nem para o Dsei Yanomami, onde talvez seja necessário um médico para 500, 300 habitantes. Os índios são muito vulneráveis, estão em locais distantes e de difícil acesso.

Qual a mudança mais urgente?

O Estado brasileiro tem que possibilitar a gestão indígena do sistema. Como isso (a capacitação das associações indígenas) nunca foi feito, muitas associações simplesmente quebraram. Outra coisa é que as associações indígenas existem para defender os direitos dos índios, para brigar com o Estado por estes direitos. E o modelo atual as torna dependentes do Estado, do financiamento, e elas ficam com o rabo preso. Hoje o que você encontra nas coordenações regionais são ‘consultores’, muitas vezes apadrinhados políticos, e isso aumentou muito neste atual governo. O processo seletivo não é claro, falta transparência e os cargos são totalmente loteados. E com muita rotatividade, o que impede a criação de lastro e entendimento do trabalho. Cada um que entra quer reinventar a roda. Isso ocorre em todos os lugares, com raras exceções. O Xingu é uma delas, graças à presença da Unifesp, pela qual a gente tem como capacitar as pessoas, oferecer perspectivas de estudo e aprimoramento profissional.

A crise da saúde indígena também atinge o trabalho da Unifesp no Xingu?

A parte administrativa e financeira da Funasa está dissociada da gestão do sistema de saúde, então a burocracia é muito grande e impede que os recursos cheguem a tempo. Temos recorrentes pendências de pagamento, normalmente pendências burocráticas. No ano passado estávamos para fazer uma campanha de vacinação – o que fazemos 4 vezes por ano – e não tinha dinheiro. Quando reclamamos pela imprensa, a Funasa disse que tinha problema na prestação de conta. Mas eles não tinham nos avisado que problema era esse. Assim não ia resolver nunca. Três dias depois da nossa reclamação, saiu o dinheiro. Então quem tem poder fogo, espaço na mídia para pressionar, passa por umas dificuldades, mas acaba realizando o trabalho. Mas nossos problemas são insignificantes perto do que companheiros de outros lugares passam. O panorama do atendimento de saúde indígena no Brasil é muito desigual.

Qual a diferença?

O diferencial no Xingu é que tem uma universidade por trás, que atua na região há mais de 40 anos e que acumulou muito conhecimento sobre aquela população. Temos registros epidemiológicos desde 1965. E o atendimento sanitário no Xingu, além de ter por trás uma instituição forte e um programa consolidado em quatro décadas de trabalho, é apoiado diretamente pelos índios. Agora sei que em outras áreas, ONGs e associações indígenas ficam seis meses sem receber e não têm como trabalhar. E quando não tem dinheiro para salário, não tem também para gasolina, para motor, para remédio. E isso são as ações que chamamos de curativas. As de promoção de saúde, que são as que deveriam ser priorizadas neste modelo, nem chegam perto de acontecer.

O Xingu tem o melhor atendimento de saúde indígena no Brasil?

Em termos de modelo de atenção e de indicadores de saúde, o Xingu está entre os primeiros. O Xingu é parte da Escola Paulista de Medicina, hoje Universidade Federal de São Paulo. O que fazemos lá eu nunca vi em outras áreas: damos cobertura de 97%, índice superior aos de muitas cidade brasileiras. Na verdade não temos muita informação das outras áreas, mas sei que no Rio Negro, por exemplo, as condições são muito piores do que no Xingu. Os Guarani de São Paulo, mesmo estando no estado mais rico e desenvolvido da União, estão em péssima situação. Por isso conseguimos olhar para frente, planejar ações, e não apenas apagar incêndios.

Qual deveria ser a prioridade, prevenção ou cura?

Tem que ter recurso para as duas coisas. A prevenção é fundamental para termos menos doenças lá na frente, mas em muitos momentos você precisa de recursos, humanos e financeiros, para cuidar das doenças que estão acontecendo na hora. Com o passar do tempo, as ações de promoção vão diminuindo este componente de doenças, até o momento ideal em que este componente fica pequeno e trabalhamos basicamente com prevenção. Mas na situação atual isso nunca vai acontecer, pois não há recursos para a promoção da saúde indígena. Então ficamos sempre apagando incêndio, correndo atrás da doença. E ainda tendo que escolher quais doenças tratar, pois muitas vezes só dá para atacar as que oferecem risco de vida.

Quais são os principais problemas de saúde na população xinguana?

O que vemos é que no Xingu há uma epidemia de câncer de colo de útero. Em abril deste ano operamos 21 mulheres xinguanas, com lesões graves, sendo que o número de mulheres sexualmente ativas no parque, que é
o grupo de risco para o HPV (vírus causador das lesões) não passa de 900. E já perdemos duas mulheres no Xingu por causa disso, pela demora nos diagnósticos, nas operações. E estamos para perder mais uma paciente. O câncer de colo de útero é uma doença emergente introduzida há uns quinze anos no parque, o que em termos de saúde pública é uma introdução recente. Quando eu comecei a trabalhar no Xingu, há 25 anos, uma gripe colocava um indivíduo adulto e forte na rede, com 39 graus de febre, o pulmão chiando. Era um agente agressor novo. Com o passar do tempo, os organismos vão ser adaptando às infecções e as manifestações clínicas deixam ser tão floridas, como falamos no jargão médico. Talvez isso esteja ocorrendo com o HPV. Por ser uma doença recente as mulheres indígenas estão tendo uma reação de defesa mais exacerbada, em um processo inflamatório que gera alterações celulares e que pode levar à lesão cancerosa. Daqui a 40 ou 50 anos a convivência da população com este agente infeccioso vai fazer com que mecanismos secundários de defesa atuem e não provoquem tantos casos de câncer. Queremos fazer uma pesquisa para confirmar essa impressão.

Ou seja, os índios do Xingu estão mais ameaçados por doenças, digamos, modernas, do que por enfermidades que prevaleciam há duas, três décadas, como tuberculose, gripe e malária?

Sim. O Xingu não é mais um lugar isolado, as pessoas entram e saem o tempo todo, o povo de lá está em permanente contato com a sociedade branca, e junto com o contato vem o contágio. Antes só se chegava lá de avião, os índios ficavam restritos à área. Hoje vai todo mundo de carro para todos os lados. Outra mudança importante é a monetarização das relações dentro do parque. Hoje há muitos índios assalariados no Xingu, seja pela Funai ou por outras instituições e projetos. Então diminuímos a incidência das doenças chamadas tradicionais, mas têm novas doenças surgindo, muitas ligadas a um estilo de vida mais sedentário e à alimentação. Antes a malária matava terrivelmente. Hoje você tem 30, 40 casos por ano. Até a década de oitenta essa quantidade acontecia a cada semana. Ao mesmo tempo, naquela época não havia praticamente casos de hipertensão arterial ou obesidade no Xingu, nem diabetes. Isso não é mais verdade. Só na área da aldeia NGoyvere e dos postos indígenas Pavuru e Diauarum temos quase 40 pessoas hipertensas, tendo que tomar remédios. Tivemos dois óbitos por acidente vascular cerebral, os primeiros da história do Xingu. Já temos dois ou três índios usando marca-passos, devido a cardiopatias conseqüentes de hipertensão arterial.

Quais os outros impactos desta mudança no estilo de vida dos índios do Xingu?

A mudança de hábito leva também a dois extremos: obesidade e desnutrição, principalmente nas grávidas, nas crianças e nos idosos. E a desnutrição em crianças simplesmente praticamente não existia. Hoje temos 15 a 20% das crianças menores de cinco anos com algum grau de desnutrição. No Xingu não temos casos graves, tirando uma ou outra exceção. Mas isso está avançando. E é intrigante. Como em aldeias cheias de alimentos tem um monte de criança desnutrida? A conclusão a que estamos chegando, a partir dos relatos dos próprios índios, é que isso tem a ver com mudança de hábitos relativos aos cuidados com as crianças. Por exemplo, uma comida especial. No Xingu, uma criança pequena não come uma série de coisas, é só um ou outro peixe que pode comer, ela se alimenta basicamente de caldos. Isso vem se perdendo. Os antigos Kaiabi nos contaram que antigamente as crianças andavam com uma cuiazinha cheia de farinha de peixe, para cima e para baixo, isso não tem mais. Além do mais, as roças estão diminuindo, a rapaziada está mais interessada nas coisas da cidade do que em abrir roça. Quer mais arrumar trabalho para poder comprar arroz e feijão.

Outra coisa que está diminuindo ou mesmo acabando no Xingu é o intervalo interpartal, o que chamamos de ‘couvade’. O período durante o qual o casal não mantém relações sexuais, que entre os índios é de um a dois anos. Exatamente para evitar que venha um filho atrás do outro. O conhecimento tradicional diz que o sujeito não pode mexer com a mulher até o filho começar a andar. Por isso que muitos têm duas ou três mulheres. Mas agora ninguém respeita mais isso. E dizem que é ‘porque é assim que os brancos fazem’. Então, agora, há uma mulher grávida e amamentando, que em algum tempo vai ter sete, oito meninos para dar de comer, a roça vai ter que aumentar, e ela acaba cuidando mais de uns, menos de outros. Portanto, há uma conjunção de causas, mas não é falta de alimento, de disponibilidade de comida. Lá as pessoas plantam, o que está acontecendo é que a comida não está chegando na boca das crianças da forma adequada, da forma tradicional. Diferente da aldeia Guarani aqui em São Paulo, por exemplo, onde não tem espaço para plantar um pé de milho.

E a obesidade?

Esse é outro problema. Antes todo mundo remava seus barcos para cima e para baixo. Agora é só barco a motor. Cortava madeira no machado, agora com motossera. E tem também o aumento da ingestão de sal e de açúcar. Para a gente entender isso, temos que lembrar da teoria do gene econômico, que diz que populações que tem acesso a alimentos de forma sazonal, ou seja, de forma irregular ao longo do ano, com períodos de fartura alternados com períodos de escassez, como os povos indígenas, tem metabolismo diferente. Estas pessoas teriam em sua estrutura genética um ou mais pares de genes que fazem com que os indivíduos absorvam muito para poder armazenar nos períodos de escassez. São os tais genes econômicos. Agora, com a sedentarização fazendo com que se gaste menos energia nas atividades diárias, e a contínua oferta de alimento, o cara fica obeso e pode desenvolver diabetes. Esse problema atinge os índios norte-americanos desde a década de sessenta. Isso agora está acontecendo no Brasil. No Xingu tivemos até hoje dois casos de diabetes, ambos de mulheres de grandes caciques. E os índios, por terem o gene econômico, têm essa tendência de desenvolver a obesidade e diabetes. Estes problemas são ameaças importantes, atuais, e a Funasa não está nem pensando em tratar, o problema deles é conseguir vacinar, controlar a diarréia.

Funai e Funasa firmam acordo para garantir direito à saúde dos indígenas

A partir de agora a Fundação Nacional do Índio, (Funai) e a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) vão buscar trabalhar em conjunto para atender as demandas da população indígena. Hoje (23), o presidente em exercício da Funai, Roberto Lustosa, e o diretor-executivo da Funasa, Danilo Forte, afirmaram que as barreiras burocráticas e administrativas que impediam a integração das duas instituições serão superadas.

"Muda a orientação que existia desde 1999 quando a saúde indigenista foi retirada da Funai e levada para a Funasa. Agora, temos a boa vontade das duas entidades", disse Lustosa. "A preocupação agora é ajustar, trocar informações, conhecimento e experiência."

Com a parceria, as duas instituições poderão compartilhar, por exemplo, automóveis e instalações, além de melhorar questões administrativas, criar mecanismos de controle social das ações indigenistas e aperfeiçoar a atenção à saúde indígena. De acordo com Lustosa, a Funai e a Funasa, principalmente dentro das aldeias, estarão em diálogo permanente. "Acabou o divórcio. Quando houver uma necessidade os dois órgãos vão colaborar em todos os níveis para que os recursos materiais e humanos sejam utilizados de maneira solidária, lá onde é mais necessário, que é na aldeia, junto aos índios", argumentou.

O diretor-executivo da Funasa, Danilo Forte, acrescentou ainda que a parceira fortalece as duas instituições. "A perspectiva é que esse documento se transforme em uma política de governo. Queremos, com o desenrolar dessa discussão, distribuir a idéia pelo país inteiro e de forma democrática com a participação da comunidade nas aldeias e das organizações não-governamentais, elaborar um documento que dê subsídio para uma nova política de governo no atendimento à saúde indígena", explicou.

A Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e Fundação Nacional do Índio (Funai) participaram do encerramento do 1º Encontro de Administradores Regionais da Funai e chefes de Distritos Sanitários Indígenas da Funasa. Os trabalhos começaram na terça-feira (21), com a participação de cerca de 150 representantes dos dois órgãos governamentais. O objetivo foi discutir um planejamento estratégico conjunto para melhorar a assistência aos povos indígenas.

Funai e Funasa precisavam de parceria maior desde 1999, avaliam indígenas

O representante da etnia Baré no município de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, Valdez Baré, avalia que a parceria entre a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e Fundação Nacional do Índio (Funai) deve beneficiar a atenção à saúde indígena. "Vai melhorar bastante. Essa parceria era para ter sido firmada antes", afirmou.

Segundo Valdez Baré, problemas de locomoção de índios doentes e a falta de remédios podem acabar se o acordo sair do papel. "Temos a dificuldade deslocamento da aldeia para os postos (de saúde) que são longe, com a parceria, vai melhorar. Agora vamos ter mais recursos e eu acho que essa parceria vai funcionar de verdade", disse.

Para o líder Caipó, Megaron Txucarramae, do Mato Grosso, a reunião entre Funai e Funasa deveria ter ocorrido muito antes, logo assim que a Funasa passou a cuidar da saúde dos índios. Ele acredita que a parceria é positiva. "Vai ser muito bom. Da nossa parte, a intenção é trabalhar em conjunto", disse Txucarramae. "A Funai e Funasa foram criadas em função do índio, então eles têm que trabalhar juntos. É o que eu espero que isso aconteça agora em diante", afirmou.

Estudo mostra mortalidade maior entre crianças indígenas que entre velhos

O estudo Saúde Brasil 2005, do Ministério da Saúde, revela que a mortalidade indígena entre as crianças é maior do que entre os índios com mais de 70 anos. Mais de 30% das mortes de índios registradas em 2003 ocorreram entre menores de cinco anos (659 óbitos), enquanto 27,5% do total verificou-se entre as pessoas com mais de 70 anos.

Segundo o estudo, o segmento indígena é o único em que esse fenômeno ocorre. Em todos os outros (brancos, pretos, pardos e amarelos), a proporção de mortes é maior entre os mais velhos. Entre a população branca, por exemplo, metade das mortes registradas em 2003 ocorreu entre idosos e de cada 100 mortos apenas 5,1 eram menores de cinco anos. O estudo destaca que a mortalidade entre os índios com idade até 5 anos "suscita urgência de desenvolvimento de ações, programas e políticas de saúde direcionadas a esta população".

O diretor do Departamento de Saúde Indígena da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), José Maria de França, disse que as ações de atendimento básico estão contribuindo para reverter esse quadro. "Se continuarmos o trabalho na condição em que nós estamos fazendo, se os indicadores continuarem assim [reduzindo-se], com pouco tempo, vamos ter uma mortalidade muito baixa", afirmou.

A mortalidade na população indígena como um todo é mais grave na Região Norte, com 1,4% de todos os óbitos registrados em 2003, seguida do Centro-Oeste, 0,9%. No Norte, a mortalidade entre as crianças com menos de um ano de idade é 2,7 vezes maior do que entre todas as crianças dessa faixa etária na região. Os dados usados no estudo levam em consideração tanto a população indígena que vive nas aldeias, cerca de 438 mil pessoas, quanto a das áreas urbanas, 332 mil.

Outro levantamento, feito pela Funasa, que leva em consideração apenas os índios das aldeias, registra significativa queda na mortalidade infantil nos últimos anos. Em 2000, foram 74,6 mortes entre crianças para cada 1.000 nascidos vivos contra 47,7 mortos para cada 1.000, em 2004. No ano passado, com 68% dos dados consolidados, o registro é de 28,5 para cada 1.000.

Diretor da Funasa diz que situação de índios guarani-kaiowá é "lamentável"

O diretor-executivo da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), Danilo Forte, avalia como "lamentável" a situação dos índios guarani-kaiowá, do Mato Grosso do Sul. Despejados há um mês, os indígenas estão desabrigados, vivendo na beira da estrada – que liga as cidade de Antonio João e Bela Vista.

"A tarefa de demarcação de terras não é nossa, é da Funai. É lamentável que aqueles que foram nossos preceptores sejam jogados, despejados a beira de uma estrada, de forma desumana", afirma.

Segundo Forte, a função da Funasa, responsável por garantir a saúde indígena, seria a de fazer um acompanhamento preventivo. Mas, devido a situação em que se encontram as famílias, a fundação tem sua atuação limitada. "A gente tem procurado suprir a nossa tarefa institucional. Mas é claro que deixa muito a desejar", avalia.

De acordo com o diretor-executivo, a Funasa está fornecendo cestas básicas e água e deslocou uma equipe médica até o local. Após o despejo, uma criança indígena morreu e outras 15 estão em estado de desnutrição.

Funai alerta sobre riscos à saúde das crianças em acampamento guarani-kaiowá

As condições precárias no acampamento dos índios guarani-kaiowá em Mato Grosso do Sul colocam em risco a vida das crianças da tribo, na opinião do coordenador regional da Fundação Nacional do Índio (Funai), Odenir Oliveira. Segundo ele, vários casos de desidratação e diarréia já foram registrados. Há 18 dias, cerca de 400 Guarani-Kaiowá estão acampados na estrada que liga os municípios de Bela Vista e Antônio João, a cerca de 350 quilômetros de Campo Grande. Em 15 de dezembro, por ordem judicial, eles foram despejados da terra homologada em favor da tribo.

"Desde o despejo, duas crianças já morreram. No acampamento, os índios estão sujeitos a condições desumanas de vida, o calor é intenso e água, quente. A situação é preocupante", alerta Oliveira. "Já foram entregues cestas básicas e as equipes da Fundação Nacional de Saúde Funasa baseadas nos municípios próximos ao acampamento estão prestando assistência diária. Ainda assim, o risco de novas mortes existe."

O líder indígena Isaías Sanches Martins conta que uma das crianças morreu ao nascer, no dia em que a tribo foi despejada da terra Nhande Ru Marangatu, porque a mãe, assustada com a ação de retirada, caiu e bateu com a barriga no chão. A índia estava grávida de seis meses. No dia 19 de dezembro, outra criança guarani-kaiowá morreu, desta vez no acampamento.

"Era uma menina de 2 anos. Ela ficou assustada com o despejo. Passou fome durante a montagem do acampamento e tomou água quente. Teve muita diarréia e morreu em conseqüência da desidratação", conta Martins. Segundo ele, na tentativa de melhorar as condições do acampamento, nos últimos dias, os índios passaram a se dedicar à construção de barracas de madeira, forradas com folhas de árvores de Bacuri. A intenção é proteger as famílias da chuva e do vento.

Em abril de 2005, cerca de 20 crianças indígenas morreram na região de Dourados (MS), em decorrência de desnutrição. Em relatório lançado no ano passado, os técnicos das Funasa ressaltaram que a desnutrição é um reflexo da falta de terras para os índios e dos problemas sociais que decorrem desse "confinamento" em áreas insuficientes para a sobrevivência indígena.

Cacique quer ações de saúde indígena executadas pela Funasa

Brasília – Um dos principais pontos da política indigenista do governo federal criticados por lideranças indígenas é a atenção à saúde dos índios. Para o cacique Marcos Xukuru, de Pesqueira (PE), a maior parte dos problemas ocorre devido ao repasse de verbas aos municípios pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa), órgão responsável pela assistência à saúde indígena. "A Funasa tem recebido muito recurso por parte do governo federal para fazer esse trabalho. Mas, infelizmente, como se dá a municipalização e a terceirização dos recursos, as ações nas bases ficam prejudicadas", afirmou.

Para mudar esse quadro, o cacique é a favor de que todas as ações na área de saúde sejam executadas diretamente pela Funasa. "Nós estamos tentando reverter essa situação e por isso defendemos a federalização, ou seja, que não entrem outros órgãos ou prefeituras, mas que seja responsabilidade do governo federal".

Já para o líder indígena Antão Rumori, da etnia xavante, a Fundação Nacional do Índio (Funai) deveria ser a gestora da saúde indígena. "Irregularidades existentes na gestão da Funasa é que motivam as reivindicações pela volta da Funai", explicou Rumori, durante a solenidade em comemoração ao Dia Nacional do Índio, realizada nessa segunda-feira (18). Na ocasião, o presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes, afirmou que a reivindicação se deve à crença de que apenas a Funai conhece a tradição, os costumes e as necessidades dos povos. "Os índios acreditam que é a Funai que tem conhecimento, mas basta a Funasa incorporar o espírito indigenista que tudo estará resolvido".

Para o presidente da Funai, desde que a gestão da saúde passou para a Funasa, muitas melhoras podem ser observadas, como a distribuição de água potável e queda da mortalidade infantil. "Nem tudo é retrocesso. Houve uma melhora na parte sanitária, poços artesianos foram abertos em 4,5 mil aldeias indígenas. Além disso, houve queda da mortalidade infantil, de modo que a gente pode comemorar", disse.

Mas, no entendimento do cacique Marcos Xukuru, um dos reflexos da falta de uma política adequada à saúde indígena é a morte de 19 índios da etnia Guarani-Kaiowá por causa de desnutrição e doenças decorrentes da desnutrição.

A Funai reconhece que a mortalidade infantil entre os povos indígenas é superior à média nacional. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o coeficiente de Mortalidade Infantil no Brasil em 2004 alcançou o índice de 25,1 para cada mil e o coeficiente de Mortalidade Infantil Indígena no mesmo ano chegou a 47,48 para cada mil. Atualmente, os esforços da Funasa relacionados à saúde indígena se concentram em campanhas de vacinação, ampliação de atendimento médico-hospitalar e combate à desnutrição.

As críticas contra a política indigenista do governo Lula foram reunidas em um documento lançado no final de março pelo Fórum em Defesa dos Direitos Indígenas (FDDI). "A saúde indígena é um escândalo. Milhões são gastos pela Funasa com seminários e reuniões, enquanto crianças indígenas morrem por subnutrição, a exemplo do que está acontecendo em Mato Grosso do Sul. As medidas emergenciais ora adotadas são paliativas. O problema requer a coordenação das ações de governo, hoje inexistente, e políticas públicas diferenciadas para os povos indígenas", diz o documento.

Entre as reclamações contidas no chamado Manifesto Indígena também está a demora nos processos de demarcação de terras indígenas. O documento propõe ainda a criação de um Conselho Nacional de Política Indigenista.

O FDDI é composto pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), pelo Conselho Indígena de Roraima (CIR), pela Associação Brasileira de Antropologia (ABA), pelo Instituto Socioambiental (ISA), pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), pelo Centro de Trabalho Indigenista (CTI) e pela Comissão Pró-Yanomami (CCPY).