Doença de índio, por Ligia Bahia

Por Ligia Bahia, originalmente publicado no Blog do Noblat

Recursos assistenciais modernos, financiados com verbas públicas para atender exclusivamente ricos, acirram desigualdades na saúde. A falta de posto, hospital, equipamento, médico, remédio e qualidade no atendimento para quem mais precisa corresponde à exuberante disparidade social, regional, étnica e racial nos indicadores de saúde.

O desacerto entre as necessidades e as chances de obter cuidados é o resultado da concentração de dinheiro do governo para a parcela da população mais saudável, com a insuficiência de assistência aos grupos vulneráveis. Logo, as carências não são generalizáveis.

Em 2010, o gasto per capita com saúde foi de R$ 726. Cada brasileiro teve direito em média a R$ 2 por dia, quando recorreu ao SUS. Para a população indígena, cerca de 300 povos que constituem uma das maiores diversidades étnicas e linguísticas do mundo, o valor foi bem menor, R$ 411.

Entre indígenas e não indígenas as desigualdades na saúde são flagrantes. Apesar do recente crescimento demográfico dos povos indígenas, os diferenciais entre a expectativa de vida, taxa de mortalidade de crianças e acesso ao sistema de saúde persistem.

A incidência de doenças infecciosas e parasitárias (malária, tuberculose, diarreia e pneumonia) é maior na população indígena. Além disso, o envolvimento de indígenas com a sociedade nacional e global, e as mudanças em seus sistemas de agricultura e extração em função da aquisição ou oferta de alimentos industrializados, causam obesidade, hipertensão e diabetes.

A Constituição de 1988, que reconheceu a organização social, línguas, costumes, tradições e os direitos originários sobre as terras que os índios ocupam, atribuiu ao SUS a responsabilidade pela saúde indígena.

Os distritos especiais de saúde indígena foram criados com o propósito de respeitar as diferenças socioculturais e, portanto, romper com a imposição dos referenciais e práticas terapêuticas ocidentais.

Consequentemente, a construção de espaços de interação entre as equipes do SUS e os povos indígenas é duplamente desafiante. As rotinas de atendimento aos povos indígenas requerem, frequentemente, adaptações a condições geográficas e demográficas e compreensão mútua das diferenças sobre os referenciais de causa das doenças.

A atividade de vacinação de povos indígenas, por exemplo, que pode exigir a subida e a descida de rios, depende do tempo da conservação de imunobiológicos no gelo. A doença, na perspectiva indígena, é entendida como uma ameaça coletiva, extensiva ao grupo de parentes e desencadeia estratégias de cuidados igualmente compartilhadas.

Para restabelecer a saúde é necessário re-harmonizar a ordem social e cosmológica. As “doenças de branco” são apenas como uma expressão sintomática de fenômenos muito mais complexos. A introdução de substâncias químicas no corpo tem um grau de importância relativamente menor do que uma viagem xamânica em busca da resolução dos problemas coletivos que propiciaram a eclosão da doença.

Com poucos recursos e sem a constituição de equipes do SUS com formação adequada, as desigualdades na saúde entre indígenas e não indígenas se acentuarão. Os persistentes problemas relacionados às terras, a educação e saúde ameaçam objetivamente a sobrevivência dos povos indígenas.

Constatam-se duas formas para abordar a saúde indígena no Brasil. A primeira entende que existem índios tão somente situados no território brasileiro, sem manter relação de pertencimento parcial ou integral para com o país, e a segunda considera que esses povos constituem o Brasil. São modos opostos de encarar o problema e sua solução.

Caso se considere que os índios moram em solo “nacional” por acaso, em função de processos sociopolíticos que não foram de sua própria escolha, as providências para atender seus problemas de saúde tenderão a contingentes. Se, ao contrário, concebermos que o brasileiro é índio, a saúde indígena constituirá um componente necessário e prioritário das políticas de saúde.

Em 2013, o Brasil vai realizar uma Conferencia Nacional de Saúde Indígena. As reivindicações dos povos indígenas incluem o aumento de recursos financeiros para saúde e participação nas decisões. A ocasião é propícia, em função da visibilidade das inúmeras manifestações públicas dos indígenas e não indígenas e dos avanços internacionais em relação aos direitos da saúde dos povos indígenas.

Como a comparação com outros países virou mania entre os atuais dirigentes da saúde, nada melhor do que pegar jacaré nessa onda.

O governo australiano acaba de anunciar seu plano de saúde para aborígines nacionais. A característica fundamental do plano é investir mais na saúde indígena e abordar o racismo que por muitos anos tem dificultado o acesso de indígenas australianos aos cuidados e aos serviços de saúde pública.

O compromisso estabelecido pelo Ministério da Saúde australiano é o de propiciar condições para que os indígenas tenham o mesmo status de saúde do restante da população e permitir que a compreensão holística sobre saúde dos indígenas seja praticada e investigada, com finalidades científicas mediante a cooperação entre iguais.

O Brasil precisa rever as concepções e as práticas que organizam a atuação do SUS na saúde indígena, a começar pelos investimentos e ruptura com a apresentação e representação do trabalho que envolve os cuidados aos povos indígenas como algo exótico. A retórica pró-diversidade ancorada no silêncio a respeito das desigualdades e etnocídio puxa o país para trás. Se os índios não tiverem saúde, não teremos saúde.

Ligia Bahia é professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Lei de Saneamento Básico é publicada no Diário Oficial

A lei que estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico foi publicada hoje (8) no Diário Oficial da União. Além da universalização do acesso, ela prevê que o abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e o manejo dos resíduos sólidos sejam feitos de forma adequada à saúde pública e à proteção do meio ambiente.

De acordo com a Lei 11.445/07, as políticas públicas de saneamento básico deverão criar mecanismos de controle social, ou seja, formas de garantir à sociedade informações e participação no processo de formulação das medidas relacionadas ao setor.

Segundo o Ministério das Cidades, esse controle poderá ser feito por meio de conselhos municipais, estaduais e federal que terão caráter consultivo, mas poderão exercer pressão sobre assuntos ligados ao setor, como, por exemplo, a fixação das tarifas públicas.

A lei foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no dia 5 de janeiro deste ano. Durante solenidade no Palácio do Planalto, o ministro das Cidades, Márcio Fortes, citou números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad-2005) para destacar que 82,32% dos 53 milhões de domicílios particulares no país têm acesso à água.

UE quer transformar o Brasil em lixeira mundial de pneus

O Brasil corre risco de se tornar a lixeira de pneus usados dos países desenvolvidos, caso a Organização Mundial do Comércio (OMC) reconheça a demanda submetida pela União Européia contra a decisão brasileira de restrição à importação de pneus reformados. Dado que o Órgão de Solução de Controvérsias da OMC está discutindo o caso esta semana, uma coalizão de ONGS, entre elas Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Fboms), Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA), Conectas Direitos Humanos, Greenpeace Brasil e WWF Brasil, pedem que a União Européia reveja sua posição e retire sua demanda na OMC.

Embora continue a importar pneus novos, desde 1991 o Brasil proibiu a importação de pneus usados e reformados a fim de evitar geração de passivos adicionais e acumulação, por poderem representar um perigo à saúde pública e causar severos ônus ambientais para a geração presente e futura. Como reação a esta decisão brasileira, a União Européia, que exportou 39.478 toneladas de pneus reformados e 138.206 de pneus usados em 2005, decidiu levar o caso à OMC.

A coalizão de ONGs acredita que dependendo de sua condução, este caso pode significar o enfraquecimento dos acordos ambientais multilaterais, tais como a Convenção da Basiléia sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito e a Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs) vis-à-vis as regras da OMC.

“Isto representa um tremendo contraste com a postura pública da UE em comércio e meio ambiente. Ao levar este caso à OMC, a UE está sinalizando ao resto do mundo que sua defesa do meio ambiente na OMC é algo oportunista e secundário em relação aos seus interesses comerciais”, afirma Juliana Malerba da Rede Brasileira de Justiça Ambiental.

Enquanto o Brasil ativamente reforma os pneus que consome internamente, os países da UE reformam pouquíssimos pneus usados (a Itália reforma 14%, a Alemanha 11% e Áustria, Hungria, República Tcheca e Eslováquia não realizam nenhum tipo de reforma)

A destinação de pneus usados representa um sério perigo à saúde pública, já que quando estocados, oferecem condições perfeitas para a reprodução do mosquito que transmite a dengue, além de significar riscos de disseminação da febre amarela, malária e outros problemas relacionados. A incineração, outra forma de destinação, aumenta os riscos à saúde ao contribuir para o desenvolvimento de doenças como o câncer, lesões cerebrais, anemia, disfunções endócrinas, asma e diabetes.

“A OMC deve levar em conta as obrigações de direitos humanos assumidas por seus membros. Neste caso, trata-se da obrigação do Brasil de garantir o livre e pleno exercício do direito à saúde”, diz Juana Kweitel da Conectas Direitos Humanos.

Ao reformar pneus (substituindo a banda de rodagem gasta por uma nova), o Brasil reduz o número de pneus novos que seriam necessários e de carcaças a serem descartadas. Diferentemente dos novos, os pneus reformados de carros de passeio – aproximadamente toda a exportação que sai da UE – não podem ser reformados novamente e necessitam ser coletados e descartados após um único uso.

“A UE deveria dar um exemplo ao mundo em responsabilidade ambiental e de saúde ao lidar com seu próprio passivo. Despachar os pneus para o Brasil ou para qualquer país em desenvolvimento é uma prática de dumping disfarçada de reciclagem. Nós já temos problemas suficientes com o nosso passivo e não há justificativa para a UE contribuir para nossa crise de destinação dos pneus usados”, enfatiza Marcelo Furtado do Greenpeace Brasil.

Por outro lado, como a UE aprovou a legislação (Landfill Directive – 1993/31/EC) que proíbe o estoque e o descarte de pneus usados em aterros após julho de 2006, mais de 80 milhões de pneus que eram jogados por ano em aterros carecem agora de nova destinação. Está claro que a UE considera a exportação de pneus reformados uma solução para evitar o descarte e tratamento dentro de suas fronteiras.

“A UE não está considerando este caso sob a perspectiva de proteção ambiental e da saúde, embora clame pela defesa destes valores na OMC”, acrescenta Temístocles Marcelos, coordenador do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Fboms).

“O Brasil não deveria ser forçado a aceitar algo que causará mais riscos ambientais e de saúde ao País”, completa Clarisse Castro, da Secretaria da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip).

Representantes do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Fboms) estão presentes em frente ao prédio da OMC em Genebra durante as reuniões do painel de 5 a 7 de julho e entregarão à organização uma declaração assinada por mais de 80 ONGs de 23 países.