Seca na Amazônia é causada por dois pontos de aquecimento no Oceano Atlântico

A explicação para a seca que tem atingido a região Norte está no Oceano Atlântico, segundo Everaldo Souza, meteorologista do Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam). "Há duas áreas de aquecimento. Na região da Bacia Norte, onde tem havido episódios de furacões, e na região subtropical, próxima à costa sul e sudeste do Brasil, há muita água quente. Isso provoca a formação de chuvas sobre o oceano. Como a atmosfera na região tropical é dinâmica, acontece um movimento de compensação: o ar mais frio desce, mas sobre a Amazônia. E isso inibe a formação de nuvens e a ocorrência de chuvas na região" explicou.

O fenômeno, segundo ele, tem sido observado nos últimos três meses e tende a se manter em outubro. Na última sexta-feira (23), os meteorologistas do Centro Técnico Operacional do Sipam em Manaus realizaram a reunião trimestral de análise climática. "O prognóstico é feito com base no conhecimento científico e em alguns modelos numéricos e estatísticos. Então, a tendência é que em outubro permaneça a condição de pouca chuva na parte sul da Amazônia, nos estados do Acre, Rondônia e no sul do Amazonas. Já em novembro e dezembro, as condições vão se normalizar. A tendência é que a estação chuvosa, então, ocorra normalmente", acrescentou.

Rio Negro registra nível mais baixo dos últimos 42 anos

O nível do rio Negro no Porto de Manaus está hoje em 16,97 metros, 53 centímetros abaixo da maior vazante (menor volume de água) já registrada pelo Serviço Geológico do Brasil (antiga Companhia de Pesquisa e Recursos Minerais, ainda conhecido pela sigla CPRM), ocorrida em 1963.

No dia 27 de setembro do ano passado, a altura das águas do rio Negro era de 21,74 metros. "As chuvas também diminuíram. Em agosto, elas foram quase metade da média registrada para o período entre 1961 e 1990", explicou Daniel Oliveria, supervisor de Hidrologia da CPRM. O índice de chuvas no mês passado foi de 29 milímetros, bem abaixo dos 139 milímetros medidos em agosto de 2004.

A Divisão de Atendimento aos Usuários do Centro Técnico Operacional (CTO) do Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam) em Manaus tem recebido relatos de problemas causados pela seca. São 171 usuários no interior do Amazonas, Roraima e Acre que se comunicam e falam com Manaus por meio de textos e voz enviados via satélite. "Com relação à grande vazante dos rios, nós registramos reclamações de usuários das cidades de Benjamin Constant, Ipiranga, Manacapuru, Boca do Acre e do posto indígena do Laranjal. Eles informaram que a seca prejudica inclusive a locomoção e traz muitas doenças", relatou Liliane de Araújo, chefe da Divisão de Atendimento aos Usuários da Coordenação de Atendimentos ao Usuário do CTO-Manaus.

Mais de 400 municípios do Nordeste e do Sul decretaram emergência devido à seca

A seca já obrigou mais de 400 municípios das regiões Nordeste e Sul a decretar situação de emergência. O sertão nordestino e o Rio Grande do Sul são os locais com o maior número de cidades castigadas pela falta de chuva. Somente na Paraíba, não chove há mais de três meses em 123 municípios. E no Sul a estiagem atinge 124 municípios, um quarto do total no Estado. O governo federal ainda não reconheceu o problema nessas áreas.

A assessoria do Banco do Nordeste estima em cerca de 550 mil o número de produtores da região que acumulam dívidas de quase R$ 600 milhões devido à falta de chuva. A alternativa é apelar para o auxílio do governo. Mas o processo é demorado e não há garantias de ajuda.

De acordo com o coordenador da Defesa Civil do Rio Grande do Sul, coronel Paulo Roberto Osório, o prefeito do município que decreta a situação de emergência tem cinco dias para fazer a avaliação de danos. A partir daí, técnicos da defesa civil vão ao local fazer a vistoria e encaminham relatório ao governador, que homologa e envia ao Ministério da Integração Nacional, onde a emergência é reconhecida ou não.

Na avaliação de danos, a área atingida pode ser classificada no nível 1, quando o prejuízo chega a 5% do Produto Interno Bruto (PIB) municipal; no nível 2, quando atinge 10% do PIB; e no 3, que equivale a qualquer valor acima dos 10%. "Até o nível 2, o município tem saúde financeira para arcar com as conseqüências e danos. Acima de 10%, o estado homologa a situação de emergência e o governo reconhece a situação. Isto quer dizer que o município está apto a receber ajuda, seguro ou qualquer subsídio dos programas para agricultura e pecuária do governo federal", explica Osório.

Essa ajuda pode representar repasse de dinheiro, dispensa de licitação para compra de bens de socorro à população e isenção de impostos. De acordo com a assessoria de Imprensa do Ministério da Integração Nacional, apesar de o governo não reconhecer a emergência decretada, "os estados e os municípios podem usar todos os recursos para ajudar o povo. O governo federal apenas complementará".

Segundo o coordenador da Defesa Civil, a estiagem no Sul já está chegando ao fim. "Há possibilidade de chuvas esparsas durante o final de semana, o que já ameniza a situação. E temos a informação de que até o final de janeiro, início de fevereiro, o quadro se manterá". A previsão é confirmada pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), mas para a região Nordeste estão previstas apenas pancadas de chuva. E entre fevereiro e maio, a seca deve voltar.

Dia de Campo da Embrapa mostra em Petrolina opção de cultivo na seca

Pesquisadores da Embrapa Semi-Árido realizam amanhã (15) Dia de Campo na localidade de Pau-Ferro, em Petrolina, no Sertão do São Francisco. A idéia é demonstrar aos agricultores da região e do município de Acauã, no Piauí, onde foi implantado o Fome Zero, uma opção de cultivo para o período da seca, a partir da utilização dos solos úmidos das margens de barragens e açudes. Além disso, serão apresentadas técnicas de armazenamento e conservação de forragens, para manter o rebanho em boas condições nutricionais, no período da estiagem.

O evento, financiado pelo Banco do Nordeste, será realizado na propriedade rural do agricultor Pedro Cesário dos Santos, com a participação de técnicos da Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Reforma Agrária de Petrolina. De acordo com o pesquisador da Embrapa, Francisco Pinheiro Araújo, a população local terá cesso a uma técnica pouco utilizada no semi-árido: a abertura de sulcos em curva de nível, que tem a vantagem de facilitar a conservação do solo.

Seca prejudica pecuária e provoca morte de animais silvestres no Pantanal

A estiagem está causando sérios problemas no Pantanal, como a morte do gado e de animais silvestres como capivaras e jacarés. Além disso, o rio Paraguai, o principal da bacia que leva seu nome, está atingindo níveis cada vez mais baixos desde outubro, diminuindo praticamente dois centímetros em média a cada dia. No dia 14, o nível do rio na cidade de Ladário (MS) era de 1,16 metro e a probabilidade de atingir menos de um metro é de 77%, segundo método probabilístico desenvolvido por técnicos da unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária na região, a Embrapa Pantanal.

Segundo Sérgio Galdino, pesquisador da Embrapa Pantanal, a navegação é a primeira atividade afetada quando os níveis são baixos. O nível de alerta oficial é de um metro, mas o pesquisador alerta para a situação crítica da região, em função da pouca oferta de água. "Quando chega a 1,20, é praticamente inviável a navegação comercial", observa. Grandes embarcações responsáveis pelo transporte de cargas como minério, grãos e combustível diminuem a carga quando o volume do rio está em tais condições. Há impacto também em outra atividade de importância sócio-econômica para a região, o turismo, com a redução no número de embarcações que levam turistas ao Pantanal, atraídos principalmente pela pesca.

A pecuária também sofre os efeitos da seca no Pantanal. Com a redução na oferta de água, o pantaneiro já recorre a um sistema parecido com o dos açudes do Nordeste, que é a construção de pilhetas. São tanques de aço inoxidável circulares, instalados em cavas de quatro a cinco metros de profunidade, que recebem água do lençol freático, por bombeamento. "Não é o ideal, pode até ter conseqüências negativas, como a redução do volume de águas subterrâneas, mas o fato é que, assim, o pantaneiro não só está salvando sua atividade econômica, mas contribuindo também para a manutenção da vida silvestre", atesta Galdino.

É comum bois e vacas disputarem com jacarés e capivaras a água das pilhetas. Em outras regiões, como várias lagoas secaram, o jacaré é uma das espécies mais ameaçadas, porque precisa ficar submerso até se deslocar a locais ideais para reprodução e alimentação. Alguns, fracos devido à redução do estoque de água, não conseguem se deslocar e morrem.

Chuvas

Embora a ocorrência de chuvas no Pantanal seja entre outubro e março, até agora não choveu. Curiosamente, o Pantanal atravessa o que os pesquisadores chamam de ciclo de cheias. Esse último começou em 1974 e já completa 29 anos. Segundo Sérgio Galdino, da Embrapa, é possível que esteja começando um ciclo de seca, mas é cedo para o fim do ciclo de cheia. Os pesquisadores já haviam previsto que em 2001 se interromperia o atual ciclo de cheia. O nível máximo não passou de 4,66 metros, considreado de cheia pequena, nos anos de 1998, 1999 e 2000. Na seqüência, em 2001, o pico de cheia foi de 3,15 metros e o rio Paraguai chegou a atingir, em outubro daquele ano, apenas 90 centímetros.

Em maio de 2002, o nível voltou a subir e cehgou a 5,10 metros. Por isso, segundo a metodologia desenvolvida por técnicos da Embrapa Pantanal, o atual ciclo de cheia continua e, com seus 29 anos de duração, é o maior de que se tem registro. Desde 1900, o normal é que os ciclos de cheia e de seca se intercalem, num intervalo aproximado de 20 anos. O ciclo anterior de cheia durou de 1942 a 1963. Para efeito de comparação com a situação atual, houve cinco anos de seca. No entanto, o nível média da régua de Ladário foi de 2,54 metros. Isso leva os pesquisadores da unidade de pesquisa a classificarem de atípico o atual ciclo de cheia.

Um das teorias que explicariam esse ciclo atípico do Pantanal é a ocorrência de um maior volume de chuvas na bacia e a expansão da atividade humana nos planaltos adjacentes, cujos efeitos mais marcantes são o desmatamento e a erosão. Em estudos desenvolvidos na região, pesquisadores da Embrapa Pantanal constataram que a área desmatada nesses planaltos em 1976 era de pouco mais de 10 mil quilômetros quadrados, ou 4,83% de sua superfície. A partir da década de 70, houve expansão da fronteira agrícola, o que resultou no aumento da área desmatada para 46,22% das terras do planalto da bacia do Alto Taquari, registrado em 1994. A atividade agropecuária no planalto do Alto Taquari ocasiona também perda do solo, devido à falta de vegetação, e conseqüente erosão e assoreamento do leito do Taquari. No baixo curso do Taquari, verifica-se já uma inundação em sua vasta planície.

O Pantanal como um todo está localizado numa planície, caracterizada por baixas declividades. Depois que as águas enchem as cabeceiras da bacia do Alto Paraguai, de outubro até março, começa o escoamento. O pico do volume de água ocorre a partir de abril, no máximo até julho. Quanto mais chove nas cabeceiras, mais rápido se dá o pico. Essa é a explicação para a cheia registrada em maio desse ano. Se o volume de chuva é pequeno, a água demora mais a percorrer a planície e o pico se dá mais tarde. Galdino atribui o fato de as cheias ocorrerem cada vez mais cedo ao desmatamento provocado pelo crescimento da atividade agropecuária.

O nível de 5,10 registrado em maio deste ano é o ideal para a manutenção da biodiversidade no Pantanal e também do ponto de vista sócio-econômico, na visão do pesquisador da Embrapa, que desenvolve estudos hidrológicos no Rio Paraguai há alguns anos. Juntamente com outros pesquisadores, ele acompanha a variação do nível do rio Paraguai no posto de medição de Ladário, cidade localizada na porção sudoeste do Pantanal. A preocupação, agora, é com a estiagem que está impondo uma seca atípica num ciclo de cheia e prejudicando atividades econômicas e manutenção da biodiversidade.

O posto de medição que mais dispõe de dados de toda a rede instalada na Bacia do Alto Paraguai é o de Ladário, porque tem registros diários, sem uma interrupção sequer, desde 1900. A régua de medição está instalada no 6º Distrito Naval da Marinha do Brasil. Além disso, é representativo também, porque a maioria do volume dágua da bacia, 81% da vazão média de saída do território brasileiro, passa pelo posto.