Ambientalista considera aprovação da MP 327 “descaso com a população”

A ambientalista Gabriela Vuolo, da Organização Não-Governamental(ONG) Greenpeace, considerou lamentável a aprovação, na Câmara dos Deputados, da MP 327, que altera as regras para o plantio de transgênicos no entorno das unidades de conservação. Em entrevista à Agência Brasil, ela disse que a medida “comprova o descaso com as questões ambientais, com a população”.

Entre os principais pontos da MP, está também a liberação comercial de uma variedade de algodão transgênico, ainda não liberado pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), que já foi plantado e colhido. Na opinião de Gabriela Vuolo, está "acontecendo o mesmo que ocorreu com a soja, a política do fato consumado".

Outro ponto da MP 327 diz respeito à mudança no sistema de votação da CTNBio. Agora, para liberar comercialmente um produto transgênico, o quórum será de 14 votos, ou seja, maioria absoluta, e não mais de dois terços (18 votos) como foi todo o processo durante os 13 meses de funcionamento da comissão. No total, A CTNBio é formada por 27 membros.

Segundo a ambientalista, a entidade não vai desistir da luta: “vamos continuar lutando para que a biossegurança do Brasil seja respeitada. A segurança das pessoas, dos agricultores, deve ser garantida. Essa aprovação da Câmara mostra uma tendência muito séria de privilegiar uma minoria, como a bancada ruralista, os grandes agricultores, o lobby do agronegócio e da indústria de biotecnologia”.

A medida provisória permite o cultivo de transgênicos nas zonas de amortecimento (faixas de 500 metros entre as plantações e as áreas ambientalmente protegidas) de unidades de conservação, em áreas de proteção de mananciais de água utilizável para o abastecimento público e nas áreas declaradas como prioritárias para a conservação da biodiversidade.

A MP segue para preciação no Senado Federal,e deve ser votada somente na próxima legislatura. "Vamos aguardar a votação no Senado. Se também for aprovada, vamos recorrer ao Executivo, ao próprio presidente, para que ele vete a MP", acrescentou Vuolo.

Chova ou faça sol, vigília contra transgênicos não arreda pé da CTNBio

A chuva era fraca, mas insistente. Quando as pesadas nuvens davam uma trégua, era a vez do sol forte incomodar. Mas os trabalhadores rurais e integrantes de ONGs ambientalistas e da sociedade civil não arredaram pé e mantiveram a vigília em frente à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), em Brasília. A manifestação, iniciada na manhã desta quarta-feira, foi organizada para protestar contra uma possível aprovação de dois pedidos de liberação comercial de milho geneticamente modificado feitos pelas empresas Bayer e Monsanto.

O pedido feito pela Bayer é para comercializar um milho resistente ao agrotóxico gluofosinato de amônio (Liberty Link). Já o pedido da Monsanto é para a comercialização de um milho com propriedade inseticida (Guardian Bt).

Gritando palavras de ordem a favor das sementes crioulas e contra os transgênicos, os manifestantes abriram faixas lembrando aos integrantes da Comissão, que chegavam para a última reunião do órgão no ano, sobre a importância de se manter o Brasil livre do milho geneticamente modificado. A vigília é organizada pela Via Campesina e pela Campanha Por Um Brasil Livre de Transgênicos. A reunião da CTNBio termina na quinta-feira à tarde (14/12).

O deputado João Alfredo (PSOL-CE) compareceu à vigília e conversou com os manifestantes. O parlamentar, que é relator do Grupo de Trabalho da Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias, alertou aos presentes que a biossegurança do país corre um sério risco no atual momento.

"O que está em jogo aqui agora não é apenas a liberação dessas duas variedades de milho transgênico mas também a proteção de toda a biodiversidade brasileira. Temos uma Medida Provisória para ser votada no Congresso que pode alterar a relação de forças na CTNBio e prejudicar trabalhadores rurais, o meio ambiente e nós consumidores", afirmou o deputado, que pede um aliança forte entre movimentos sociais e instituições ambientalistas para combater as forças ruralistas e de empresas transnacionais como Bayer e Monsanto.

"Quando vejo as contradições desse atual governo, que deu mais espaço aos ruralistas, que orienta seus esforços em prol do agronegócio e das grandes empresas multinacionais, fico pessimista com o nosso futuro. Mas ao ver movimentos como esta vigília, em que há uma forte aliança entre movimentos sociais, organizações ambientalistas e órgãos de defesa do consumidor, retomo meu otimismo."

Uma carta pedindo que o governo proteja a agro-biodiversidade brasileira e impeça a introdução do milho transgênico no país foi entregue pelos trabalhadores aos membos da CTNBio. Mário Barbarioli, agricultor paranaense de 50 anos, exibia com orgulho sua coleção de mais de 100 variedades de sementes de milho, e outras de feijão, arroz e leguminosas. Representante da rede EcoVida de AgroEcologia de Curitiba, Barbarioli trouxe o mostruário de sementes crioulas de sua região para mostrar o perigo que o Brasil corre se liberar variedades transgênicas.

"Se eles (integrantes da CTNBio) liberarem os transgênicos, acredito que em 10 anos não teremos mais quase nenhuma semente crioula. A contaminação é muito veloz porque o milho tem polinização cruzada, acelerando o processo", alertou o agricultor.

Para Ventura Barbeiro, engenheiro agrônomo do Greenpeace Brasil, também presente à vigília, é preciso aprender com a experiência de outros países para não sofrermos os mesmos problemas.

"A contaminação do milho por transgênicos já é uma realidade no México, Espanha e Estados Unidos, entre outros. Por isso estamos aqui,
para proteger o patrimônio genético brasileiro", disse ele.

Darci Frigo, coordenador da ONG Terra de Direitos, também integrante da Campanha Por Um Brasil Livre de Transgênicos, existe hoje uma
completa falta de transparência por parte da CTNBio na aprovação de pedidos de liberação comercial de produtos geneticamente modificados.

"As regras são bem definidas, mas elas não têm sido observadas pelos integrantes da CTNBio. Temos que tornar público o que eles escondem. Não há um devido cuidado com decisões que podem afetar nossa biodiversidade e até a saúde humana. Quem vai se responsabilizar no futuro caso haja uma contaminação das lavouras? Quem garante a sobrevivência das sementes crioulas?", questiona.

Recentemente, o Greenpeace protocolou diversos documentos junto à CTNBio, apontando os possíveis impactos do milho transgênico sobre o meio ambiente e a saúde humana. Os textos estão disponíveis no link:
www.greenpeace.org.br/biblioteca/transgenicos.php

Justiça suspende decisões da CTNBio sobre milho transgênico da Bayer

Qualquer decisão sobre a liberação comercial no Brasil do milho transgênico da Bayer, resistente ao herbicida glufosinato de amônio, está suspensa por determinação da Justiça Federal de Curitiba até que a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) assegure a realização de uma audiência pública para discutir o processo.

A decisão foi tomada na quarta-feira (5/12). A audiência pública está prevista em lei e foi solicitada em outubro pelas organizações Terra de Direitos, AS-PTA e o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), que não foram atendidas pelas CTNBio. A Associação Nacional de Pequenos Agricultores (ANPA), que reúne mais de 80 mil agricultores de todo o Brasil, também pediu que a CTNBio realizasse a audiência. As entidades entraram com uma Ação Civil Pública, acatada pela Justiça.

Para as organizações, a realização da Audiência Pública é fundamental para a transparência dos procedimentos e para que a sociedade seja informada adequadamente sobre os impactos que envolvem a liberação comercial de milho transgênico. O principal fundamento da ação judicial é a Constituição Federal, que se baseia no princípio democrático e assegura aos cidadãos o direito de participar das decisões que lhes afetam diretamente, especialmente em matéria de meio ambiente.

Para Maria Rita Reis, da Terra de Direitos, “biossegurança é um assunto de interesse público. Não há justificativa para que o destino da agricultura, da biodiversidade e da saúde da população sejam decididos a portas fechadas. Isso seria um retrocesso enorme”. Gabriel Fernandes, da AS-PTA destaca que a resistência de alguns membros da CTNBio de garantir a transparência nas suas decisões obrigou as entidades a recorrerem à Justiça. "Eles resistem a mecanismos legais como a presença do Ministério Público e a realização de audiências públicas", explicou.

Marilena Lazzarini, coordenadora institucional do IDEC, acredita que há vários aspectos no processo de liberação comercial do milho que precisam ser melhor debatidos com cientistas que não participam da CTNBio e com a sociedade, como os impactos à saúde dos consumidores. "Não há justificativa para a CTNBio não ampliar a discussão que só irá contribuir para uma decisão mais fundamentada e responsável", diz ela.

As entidades estão confiantes que o Poder Judiciário irá garantir o direito democrático de participação, porque se trata de princípio assegurado pela Constituição Federal e também porque não há prejuízo algum na realização da audiência pública para as pesquisas na área ou para a União Federal, CTNBio.

reas protegidas ameaçadas por transgênicos

O Presidente Lula assinou ontem a Medida Provisória (MP) 327/06 para reduzir a zona de amortecimento – área tampão que separa as unidades de conservação das áreas de plantio de organismos geneticamente modificados (OGMs). De acordo com a nova MP, as zonas de amortecimento passam a ser determinadas caso-a-caso para cada uma das variedades transgênicas, por meio de decreto presidencial.

As zonas de amortecimento tinham sido regulamentadas pela Lei de Biossegurança, aprovada em 2005, e garantiam uma distância mínima de 10km entre o plantio de transgênicos e as unidades de conservação. A MP revogou o artigo que regulamentava essa distância, e o primeiro decreto presidencial, número 5950/06, publicado junto com a Medida, trata de duas variedades já aprovadas no Brasil: a soja e o algodão. De acordo com as novas regras, fica estabelecida uma distância de 500metros para a soja transgênica Resistente ao Roundup (RR) e 800metros para o algodão transgênico inseticida (Bt). Quando houver parentes silvestres do algodão na unidade de conservação, a distância aumenta para 5km.

Para o Greenpeace, essa decisão é uma afronta ao princípio da precaução e não poderia ter sido tomada sem uma consulta à sociedade. “A sociedade civil brasileira exige respeito à biossegurança e ao meio ambiente do país e repudia qualquer medida que possa colocar em risco a segurança ambiental brasileira”, disse Gabriela Vuolo, da campanha de engenharia genética do Greenpeace Brasil.

O Greenpeace avalia que esta MP seja uma medida para agradar agricultores e multinacionais da área de biotecnologia, e que teria como conseqüência a possível expansão da área de cultivo transgênico no sul do país. No Paraná, por exemplo, a indústria Syngenta foi recentemente multada por ter feito um cultivo experimental de soja transgênica na zona de amortecimento do Parque Nacional do Iguaçu, reconhecido pela UNESCO como Patrimônio da Humanidade. Até hoje a Syngenta não pagou a multa de R$1 milhão estabelecida pelo Ibama.

“Se antes dessa Medida, as zonas de amortecimento eram desrespeitadas, agora a situação só tende a piorar”, alerta Vuolo. “Gostaríamos de acreditar que o governo vai proteger as unidades de conservação. Mas se o Ministério da Agricultura até hoje não tem dados precisos sobre a quantidade e a localização dos plantios transgênicos no país, como o governo pretende fiscalizar cada uma das zonas de amortecimento?”, questionou Gabriela.

O Greenpeace publicou no dia 17 de outubro um protesto virtual e convidou os brasileiros a enviarem mensagens de repúdio ao governo Lula; 5.057 pessoas participaram. Mesmo assim, o governo preferiu ignorar esses pedidos e atender aos interesses das indústrias de biotecnologia e de alguns poucos agricultores.

Produtores de soja têm dois anos para se adequar a compromisso com importadores

As empresas brasileiras produtoras de soja na Amazônia que ainda estão em situação irregular e desrespeitam o Código Florestal têm prazo de dois anos para se adequar. O prazo foi dado pelo mercado europeu, que ameaça embargar as compras. Na terça-feira (25), multinacionais exportadoras como a Cargill, ADM, Bünge e Maggi assinaram o compromisso de não comprar soja proveniente de plantações onde haja trabalho escravo, uso de grãos transgênicos, desmatamento ilegal, invasão de terras indígenas e públicas, e de áreas comunitárias.

A Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove) e a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), que representam o setor, já informaram estar comprometidas com esses objetivos. Para o diretor-geral da Anec, Sérgio Mendes, "não se pode ficar indiferente a essa questão".

Já o presidente da Associação dos Produtores de Soja do Estado de Mato Grosso (Aprosoja), Rui Prado, afirmou que organizações não-governamentais que vêm pressionando para o cumprimento do Código "defendem muito mais problemas econômicos do que ambientais". E garantiu ter "consciência de produzir de socioambientalmente correta, até porque nós respeitamos a legislação brasileira".

De acordo com Ana Cristina Barros, representante da ONG The Nature Conservancy, o Código exige que o produtor das áreas ribeirinhas cuide das margens na propriedade e evite a erosão. Em cada propriedade, ainda segundo Código, deve ser mantida uma área de vegetação nativa: “Na área de floresta amazônica, esse percentual é de 80%. Na de cerrado, onde se pode plantar soja na região, o índice cai para 20%. E nas áreas de transição, é de 35%. No caso de reserva permanente é necessária autorização do governo para desmatar ou queimar", explicou.

Paulo Adário, coordenador da campanha do Greenpeace para a Amazônia, alertou que o plantio de soja vem provocando desmatamento na região, o que aumentou após a instalação de um porto da empresa Cargill, em Santarém (PA), para exportação. O porto, explicou, atraiu uma grande quantidade de produtores do sul do país e do norte do estado de Mato Grosso. “Eles procuravam por terra barata", lembrou.

Segundo o coordenador, a soja ocupa 45% de toda a área plantada com grãos no Brasil. No entanto, gera apenas 5,5% dos empregos do setor. "É uma indústria altamente mecanizada, de grandes produtores com muito dinheiro. Os rendimentos beneficiam poucas pessoas e causam um enorme impacto social e ambiental”, avalia. Dados do Greenpeace apontam que as multinacionais exportam mais de 60% da soja produzida no país.

Ainda de acordo com o Adário, o processo do embargo do produto está sendo discutido na Europa, com a adesão de outras multinacionais e indústrias de produção de produção e abate de franges. “Nos próximos dois anos haverá um acompanhamento e se os mecanismos de legalização não forem cumpridos por empresas brasileiras, toda a soja produzida na Amazônia pode ser embargada", afirmou.

Ministério Público de Uberlândia investiga uso de transgênicos pela Cargill

O Ministério Público Federal (MPF) de Uberlândia, em Minas Gerais, investigará a unidade da Cargill na cidade para saber se a empresa está fazendo valer o direito do consumidor à informação quanto aos alimentos produzidos a partir de transgênicos. A investigação também servirá para verificar se há omissão do Poder Público na fiscalização.

Para realizar a investigação, o Procurador Leonardo Augusto Santos Melo solicitou ao Greenpeace, no início de julho, informações sobre a Cargill e suas atividades relacionadas à soja. A solicitação do MPF é resultado da denúncia feita em outubro do ano passado, quando o Greenpeace divulgou que a soja transgênica estava entrando nas unidades da Cargill e da Bunge sem qualquer controle, e que os óleos de soja Liza e Soya, fabricados pelas empresas, não traziam qualquer informação em seus rótulos. O Greenpeace já compilou e encaminhou ao MPF as informações solicitadas pelo Procurador.

“Essa iniciativa do Ministério Público é muito importante, e esperamos que a investigação seja realmente levada adiante”, disse Gabriela Vuolo, da campanha de engenharia genética do Greenpeace. “Desde que a soja transgênica foi autorizada pelo governo federal, empresas do setor de óleo vêm escondendo do consumidor se estão ou não usando ingredientes geneticamente modificados para fabricar seus produtos. Os brasileiros têm o direito de saber o que estão comprando e de escolher se querem ou não comer transgênicos”.

Em outubro de 2005, o Greenpeace denunciou a utilização de soja transgênica na fabricação das duas marcas líderes de óleo de cozinha no Brasil. Na época, cerca de 20 ativistas representando consumidores brasileiros e empurrando 20 carrinhos de supermercado cheios de latas de óleos Soya, fabricado pela Bunge, e Liza, fabricado pela Cargill, desceram a rampa do Congresso Nacional para entregar formalmente diversos dossiês contendo as evidências da denúncia. Os dossiês foram entregues ao Ministério da Justiça, ao Ministério Público Federal e aos deputados Fernando Gabeira (PV-RJ) e João Alfredo (PSOL-CE), da Comissão de Meio Ambiente da Câmara, reivindicando o cumprimento do decreto que determina a rotulagem dos produtos fabricados com matéria-prima transgênica.

Grandes empresas revelam por que adotam política não-transgênica

Para atender exigências do mercado, algumas das maiores indústrias de alimentos e redes varejistas que atuam no Brasil já adotaram uma política de não utilização de transgênicos. Essa é a principal conclusão do “Relatório Brasileiro de Mercado: a Indústria de Alimentos e os Transgênicos”, lançado hoje pelo Greenpeace no auditório da Apimec (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais), em São Paulo. O estudo comprova que essa política traz resultados lucrativos, sem implicar em dificuldades técnicas insuperáveis.

O documento, produzido por um jornalista independente e com prefácio do Instituto Ethos, conta a experiência de 13 grandes empresas alimentos que adotaram uma política de não utilizar organismos geneticamente modificados em seus produtos. O estudo se baseia no depoimento de dez fabricantes de alimentos (Batavo, Brejeiro, Caramuru, Ferrero, Imcopa, Josapar, Perdigão, Sadia, Sakura e Unilever) e três redes varejistas (Carrefour, Pão de Açúcar e Sonae). Juntas, têm um faturamento anual de mais de R$ 54,7 bilhões (levando-se em conta apenas as que divulgaram seus dados financeiros).

Apesar da aprovação da Lei de Biossegurança ter aberto caminho para a expansão da soja transgênica no Brasil, muitas companhias perceberam que a produção e a comercialização de produtos sem organismos geneticamente modificados poderia ser uma alternativa vantajosa, inclusive no mercado externo. É o caso da Caramuru Alimentos, a maior processadora de grãos de capital nacional do Brasil, que investe, desde 2000, na produção e exportação de derivados de soja não transgênicos (óleo, farelo e lecitina) para o mercado europeu. A empresa também produz o primeiro e único óleo de soja comprovadamente não-transgênico do mercado brasileiro. "Identificamos uma crescente demanda por produtos não-transgênicos e adequamos nossa estrutura de produção para atender esse novo e mais exigente mercado", diz César Borges de Souza, vice-presidente da Caramuru Alimentos.

O exemplo da indústria de derivados de soja Imcopa é emblemático de como a opção por produtos livres de organismos geneticamente modificados pode transformar completamente, e para melhor, um negócio. Em 1998, a empresa optou por trabalhar apenas com o grão convencional e, em apenas sete anos, seu volume de soja processada aumentou oito vezes. “O principal benefício dessa política não-transgênica para a Imcopa é sua atuação em nichos de mercado com amplo reconhecimento por parte de seus clientes, notadamente aqueles localizados na Europa e na Ásia”, afirma Luiz Antonio Regi, gerente do departamento de qualidade da empresa.

O relatório mostra também que, apesar de ser difícil mensurar o retorno de marketing ou imagem decorrente da adoção dessa prática, nenhuma das empresas consultadas quis ter seu nome associado aos produtos transgênicos e todas temem a rejeição dos consumidores. “As indústrias e redes varejistas que adotam a política de não usar transgênicos estão atentas à vontade do brasileiro”, diz Gabriela Vuolo, da campanha de engenharia genética do Greenpeace. “Pode ser difícil para algumas companhias calcular esse retorno em valor monetário, mas elas sabem que, se optassem por usar transgênicos, correriam o risco de perder clientes”, avalia. Desde 2002, quando o Greenpeace encomendou a primeira pesquisa sobre a opinião dos consumidores brasileiros a respeito dos produtos geneticamente modificados, o índice de rejeição aos transgênicos é superior a 70%, tendo variado um ou dois pontos ao longo dos anos.

Mosquitos saudáveis

No último mês, cientistas anunciaram o desenvolvimento de um Aedes aegypti imune à dengue e de um Anopheles spp resistente à malária. A idéia é que, ao inserir os insetos modificados num habitat natural, eles se reproduzam e se estabeleçam, levando à extinção ou à diminuição significativa dos mosquitos originais, transmissores das doenças. O problema é que não se sabe ao certo que conseqüências tais interferências podem acarretar. A polêmica está lançada, no mundo acadêmico e entre ambientalistas.

A edição de 14 de março da revista Proceedings of the National Academy of Sciences, da Academia Nacional de Ciências dos EUA, traz artigo de Ken Olson, Anthony James e colaboradores anunciando a obtenção de um Aedes aegypti resistente ao vírus da dengue tipo 2, o causador mais freqüente da doença.

A novidade empolgou o biólogo molecular Elói de Souza Garcia, ex-presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e membro da Academia Brasileira de Ciências. "Os mosquitos que sobreviveram à transformação gênica foram capazes de se reproduzir e estabelecer colônia em laboratório, tornando-se assim uma ferramenta genética e uma estratégia importante para o controle da dengue, doença que afeta aproximadamente 50 milhões de pessoas por ano, e mata cerca de 20 mil, em todos os continentes. A sociedade deve começar a avaliar os resultados e impactos da liberação de insetos transgênicos na natureza", defende Garcia, que é superintendente de Desenvolvimento Científico da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado do Rio de Janeiro.

Desde a década de 90, cientistas de diversas partes do mundo vêm desenvolvendo metodologias para modificar o genoma de mosquitos, inserindo genes artificiais ou de outros seres vivos. No caso da dengue, para que a doença seja transmitida é necessário que o vírus infecte as células do intestino do Aedes aegypti. Explorando características do processo de multiplicação do vírus da dengue nas células do inseto, pesquisadores do Colorado e da Califórnia, autores do estudo, conseguiram produzir uma linhagem de mosquitos geneticamente modificados resistentes ao vírus.

Os pesquisadores clonaram parte do RNA do vírus, utilizando-o para produzir um gene artificial. Então inseriram esse material genético em embriões do mosquito. O gene aciona um mecanismo de defesa nas células do mosquito que faz com que elas, ao serem infectada com o vírus, imediatamente reconheçam o RNA duplicado e o destruam. Assim interrompem o processo infeccioso e portanto a transmissão da doença.

O grande sucesso da experiência está no fato de que os descendentes dos embriões transformados também apresentaram o RNA modificado e ficaram altamente resistentes à infecção da dengue. A transmissão do material genético para a prole significa que disseminação dessa variante de mosquito na natureza é uma possibilidade real.

Veneno de abelha
Esta semana, pesquisadores do Laboratório de Malária do Centro de Pesquisa René Rachou (CPqRR), unidade da Fiocruz em Minas Gerais, anunciaram a criação de um mosquito transgênico do gênero Anopheles spp., transmissor da malária. O mosquito – o primeiro geneticamente modificado na América Latina – é resistente à infecção pelo protozoário Plasmodium spp, parasita da doença. A pesquisa representa o primeiro passo em busca de uma nova estratégia para bloquear a propagação da malária.

Em parceria com pesquisadores da Universidade Johns Hopkins, dos EUA, a equipe mineira introduziu no genoma do mosquito uma forma modificada da proteína fosfolipase A2, retirada do veneno de abelhas, que funciona como uma vacina contra a malária no inseto, impedindo o desenvolvimento do parasita em seu organismo. Com essa interferência genética, feita através de microinjeção em embriões, os mosquitos passaram a produzir a enzima protetora por conta própria. A técnica de ponta foi financiada pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

A malária (ou paludismo) é a doença tropical e parasitária que mais causa problemas sociais e econômicos no mundo, só superada em número de mortes pela Aids. É considerada problema de saúde pública em mais de 90 países, onde 2,5 bilhões de pessoas (cerca de 40% da população mundial) convivem com o risco de infecção. Só na África, cerca de 400 milhões de pessoas são infectadas por ano, das quais 1 milhão morre. No Brasil, a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) registrou 591 mil casos de malária em 2005.

De acordo com o pesquisador Luciano Andrade Moreira, coordenador do projeto no CPqRR, nesta primeira fase foram gerados mosquitos transgênicos da espécie Aedes fluviatilis, vetor da malária aviária, causada pelo Plasmodium gallinaceum. Além de ser mais seguro, uma vez que não há risco para as pessoas, é mais fácil obter o ciclo completo deste parasita em laboratório. "Já possuímos uma criação de mosquitos transmissores de malária humana, da espécie Anopheles aquasalis. Esperamos em seis meses obter as primeiras larvas transgênicas desta espécie", diz Moreira. O trabalho é parte da tese de doutorado de Flávia Guimarães Rodrigues, aluna de Moreira.

Futuramente, os pesquisadores pretendem alimentar os mosquitos transgênicos com sangue de pacientes com malária, para confirmar a inibição do desenvolvimento do parasita. Moreira acredita que ainda serão necessários no mínimo dez anos para se ter certeza de que estes insetos podem ser introduzidos no campo, onde se misturariam aos mosquitos comuns e transmitiriam aos seus descendentes genes antimalária.

O mosquito transgênico foi recebido como alternativa promissora de combate à doença, já que não há vacina eficaz contra malária e o protozoário parasita tem se mostrado resistente aos medicamentos, assim como o mosquito aos inseticidas.

A questão agora é estudar os riscos ao meio ambiente.

Competição
Desde que surgiu o primeiro mosquito transgênico, um Aedes aegypti criado em 1998 nos Estados Unidos, nunca foram realizados testes na natureza.

Para Elói Garcia, esse tipo de manipulação da transgenia, voltada para o bloqueio do desenvolvimento do vírus ou do parasita, não representa perigo potencial. "No entanto, experimentos controlados precisam comprovar essa minha opinião. Não se sabe, por exemplo, qual a viabilidade desses insetos quando liberado na natureza. Há pesquisadores que acreditam que o melhor transgênico é o feito pela natureza nos milhões de anos do processo evolutivo. Numa competição com os insetos produzidos no laboratório, os ‘selvagens’ seriam mais ‘adequados’ para as condições naturais", diz.

Segundo Pedro Lagerblad de Oliveira, coordenador do Instituto Virtual da Dengue do Estado do Rio de Janeiro, muitos cientistas conceituados acham que a introdução de mosquitos transgênicos na natureza para controlar a disseminação de doenças nunca vai funcionar. Ele, entretanto, acredita que a tática pode dar certo. "Mesmo que o novo mosquito não extinga o outro, poderá diminuir as taxas de transmissão. Se a estratégia funcionar, o custo será mínimo, uma vez que o mosquito se espalha. É uma questão de sobrevivência crucial para países africanos, por exemplo, onde o investimento em saúde por habitante é de dez dólares por ano, mal garantindo a vacinação antipólio", afirma.

Antes disso, entretanto, ele defende a ampla realização de testes. "No caso da malária, uma idéia em discussão é um teste de campo numa ilha onde a doença seja endêmica. Espalharia-se o mosquito e, caso algo desse errado, a extinção seria factível com inseticida", diz.

Lagerblad de Oliveira, que é professor do Departamento de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, não nega a existência do risco, mas diz que ele não é maior do q

ue o da introdução de uma espécie exógena num ecossistema, podendo se tornar vetor de outra doença. "É um problema novo. É preciso pensar em que testes fazer e fazê-los", defende.

* Marina Lemle é jornalista especializada em ciência e tecnologia. Trabalhou na Ciência Hoje/SBPC, em O Globo e no Jornal do Brasil. Atualmente trabalha na Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj) e colabora para os sites No Mínimo e SciDev.Net.

Sementes “suicidas” continuam sob moratória da CDB

Continuam sob moratória em todo o mundo a pesquisa de campo e a comercialização das sementes conhecidas como “suicidas” ou Terminator, modificadas por tecnologia genética de restrição de uso (GURT, na sigla em inglês) para gerar plantas estéries, incapazes de produzir novas sementes. A manutenção da medida foi confirmada na sexta-feira, dia 24 de março, durante as discussões sobre biodiversidade agrícola na 8a Conferência das Partes (COP 8) da Convenção da Diversidade Biológica (CDB), que acontece até o próximo dia 31, em Curitiba (PR).

Logo no início da manhã, o presidente do Grupo de Trabalho (GT) que debatia o tema, o irlandês Mathew Job, propôs a retirada do item 2(b) das recomendações feitas durante a reunião preparatória à COP realizada em Granada, na Espanha, entre janeiro e fevereiro deste ano. O item abria a possibilidade de países autorizarem, mediante análise “caso a caso”, experiências com sementes suicidas, o que representaria uma quebra da moratória contida na Decisão V/5, tomada na COP 5, em 2000. Como não houve nenhuma objeção dos cerca de 15 delegados presentes à plenária, Job considerou a proposta aprovada e deu o assunto por encerrado. E mais: sugeriu e aprovou uma emenda à redação original que estende a moratória a qualquer pesquisa com GURTs, inclusive em laboratório. Segundo uma fonte da delegação brasileira, a deliberação foi fruto de um acordo fechado no dia anterior entre representantes de países contrários e favoráveis à moratória. Os termos da negociação ainda não são conhecidos.

O texto aprovado não pode ser considerado definitivo porque precisa ainda ser ratificado pela plenária da COP 8. A expectativa é de que a proposta seja mantida uma vez que o costume nas COPs tem sido não alterar as redações vindas dos GTs. É bom lembrar, no entanto, que a discussão do tema pode ser reaberta não apenas nesta COP, mas também nas próximas e em outros fóruns da CDB (reuniões preparatórias e de grupos técnicos).

A manutenção da moratória foi fruto da pressão e de manifestações constantes de organizações do movimento social de luta pela reforma agrária – como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) e a Via Campesina – nas plenárias e do lado de fora do Expotrade, centro de convenções onde está ocorrendo a COP 8. O uso de sementes transgênicas vem ampliando a dependência econômica de pequenos e médios produtores rurais e o monopólio do mercado agrícola por empresas multinacionais de sementes. Plantações desenvolvidas com a tecnologia Terminator, por sua vez, podem contaminar e erodir geneticamente (diminuir a variabilidade genética) variedades locais de espécies agrícolas manejadas por populações locais. As sementes manipuladas, portanto, representam uma ameaça à soberania alimentar das comunidades que dependem da agricultura familiar e de subsistência.

Atuação discreta

Apesar da boa acolhida da notícia sobre a deliberação do GT, a atuação discreta da delegação brasileira nos debates sobre o tema voltou a ser criticada por várias organizações da sociedade civil. Elas argumentam que o Brasil deveria posicionar-se de forma mais contundente contra as GURTs já que é o país anfitrião da COP 8, dono da maior biodiversidade do planeta e com uma legislação nacional que já proíbe a tecnologia Terminator e é mais restritiva que a própria CDB.

A defesa da retirada do texto dos itens que liberavam as pesquisas com as sementes suicidas de acordo com o princípio do caso-a-caso ficou a cargo dos delegados da Argentina, Venezuela e Malásia. Enquanto isso, representantes da Nova Zelândia, Austrália e Estados Unidos defenderam a manutenção da redação original. Nos últimos anos, delegados australianos e neozelandeses vêm posicionando-se sob clara influência do governo estadunidesense, que não ratificou nem faz parte da CDB, mas tem direito à voz em suas instâncias de decisão.

“Acho que a posição do Brasil não foi clara e explícita. O país poderia assumir a liderança internacional na luta contra as GURTs, mas perdeu a oportunidade”, argumenta Maria Rita Reis, assessora jurídica da organização Terra de Direitos. Ela avalia que, mais uma vez, divergências entre os vários ministérios envolvidos com o tema foram responsáveis pela ambiguidade da atuação brasileira. A advogada lembra que os ministérios da Agricultura (MAPA) e de Ciência e Tecnologia (MCT) defenderam publicamente a adoção da análise de caso a caso para a liberação de pesquisas de campo com GURTs.

Maria Rita Reis ataca ainda o poderoso lobby da indústria da biotecnologia e do agronegócio tanto na COP8 quanto na 3a Reunião das Partes (MOP 3) do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança (que trata dos transgênicos), ocorrida de 13 a 17 de março, também em Curitiba. Ela explica que nesses dois fóruns internacionais apenas os delegados dos governos podem posicionar-se nas plenárias em nome de seus países, mas vários deles, inclusive o Brasil, convidam um número excessivo de representantes do setor privado para integrar suas delegações, o que lhes permite influenciar diretamente os negociadores oficiais em defesa dos interesses das grandes corporações multinacionais. “Diferente do que acontece na maioria dos tratados internacionais, nas conferências ambientais deveriam prevalecer os interesses do meio ambiente e das populações. Isso não vem acontecendo”.

"As sementes Terminator foram feitas para nos escravizar” , diz líder indígena

Na manhã de ontem, dia 23 de março, quinta-feira, um senhor colombiano chamado Lorenzo Muellas Hurtado pediu a palavra no Grupo de Trabalho (GT) sobre diversidade agrícola que está discutindo o tema das tecnologias genéticas de restrição de uso (GURTS, na sigla em inglês) na 8ª Conferência das Partes (COP-8) sobre a Convenção da Diversidade Biológica (CDB), que acontece em Curitiba (PR), até o próximo dia 31. Ele fez um discurso contundente contra o uso das sementes modificadas geneticamente, denominadas Terminator, que geram plantas estéreis, incapazes de produzir novas sementes, mas são mais resistentes a mudanças climáticas e a certos tipos de herbicidas. As pesquisas com este tipo de tecnologia estão proibidas atualmente, mas o poderoso lobby das empresas multinacionais de tecnologia, como a Monsanto, tenta liberá-las na CDB. O assunto é considerado um dos mais polêmicos da COP-8.

Hurtado qualificou as Terminator não só como “sementes assassinas”, mas também como “genocidas”. Organizações da sociedade civil, o movimento social e vários pesquisadores temem que plantações desenvolvidas com este tipo de manipulação genética possam contaminar e, em consequência, extinguir variedades locais e tradicionais de algumas espécies agrícolas. Além disso, o uso dos GURTS também pode vir a consolidar o monopólio das grandes empresas multinacionais de transgênicos e a dependência financeira dos pequenos e médios produtores rurais.

Hurtado: "A CDB não foi feita por uma necessidade das populações indígenas, mas pelos governos e pelas empresas multinacionais de biotecnologia."

Pertencente ao povo Guambiano, Hurtado, 68 anos, mal aprendeu a ler e a escrever, mas já foi governador, senador e deputado constituinte de seu país. Ele concedeu uma entrevista ao ISA logo depois de fazer seu discurso no GT de biodiversidade agrícola. Nela, fala sobre os GURTS, a CDB e sobre o regime de acesso aos recursos genéticos, que está sendo negociado na Convenção e pretende estabelecer regras internacionais para regular as relações entre os países provedores e os usuários dos recursos genéticos.

Por que o Sr. é contra as pesquisas com os GURTS?

Lorenzo Muellas Hurtado – Essas sementes foram feitas para nos escravizar. O tipo de tecnologia dos GURTS foi desenvolvido para nos obrigar a comprar mais e mais sementes de seus fornecedores. Por outro lado, as Terminator também ameaçam nossa identidade cultural. Para nós, Guambianos, as sementes não servem apenas para o nosso sustento, para nossa alimentação e para o nosso vestir. Elas têm papel importante na comunicação com nossos antepassados e com o mundo espiritual. Tem um valor simbólico importante, como oferenda para os espíritos que estão no alto das montanhas e nos lagos.

Mas você não acha que as sementes geneticamente modificadas podem significar uma boa alternativa econômica, se as variedades tradicionais forem preservadas também?

Nossas sementes já estão suficientemente testadas por milhares de anos de inovações e experiências. Se quiserem considerar a questão apenas do ponto de vista econômico, posso garantir que nossas sementes são muito boas e resistentes. Mas este tipo de visão é para capitalistas e nossas sementes não podem ser reduzidas apenas a um bem econômico.

Qual a sua expectativa em relação às negociações da COP-8?

A CDB não foi feita por uma necessidade das populações indígenas, mas pelos governos e pelas empresas multinacionais de biotecnologia. Essas negociações nos causam preocupação e temor, nos incomodam. Creio que as determinações tomadas na Convenção não servem para proteger e garantir os direitos das populações indígenas. Não esperamos nada de bom da COP. Aqui, estão cegos, surdos e mudos para nossos problemas e nossos direitos.

Qual a solução, então, para proteger os recursos biológicos e os conhecimentos associados à biodiversidade das populações tradicionais?

A solução é articularmos uma mobilização massiva dos povos indígenas, uma grande organização em nível internacional que possa levar adiante a nossa luta.

Como o Sr. avalia a atuação do Fórum Internacional Indígena para a Biodiversidade (FIIB), órgão auxiliar oficial do secretariado da CDB?

Não acho que o FIIB está tendo uma atuação correta. Eles trabalham na perspectiva de que a CDB vai conseguir implementar mecanismos para uma repartição justa e equitativa dos benefícios. Não acho que isso vá acontecer.

O Sr. acha que os delegados indígenas deveriam retirar-se da COP-8? Isso poderia ser uma arma política eficiente?

Alguns indígenas acreditam nessa repartição justa e eqüitativa de benefícios. Eles estão pensando em dinheiro. Estes nem deveriam estar aqui. Os representantes dos povos indígenas deveriam estar lutando contra a venda de seus recursos. Nossa luta é em defesa de nossa dignidade. Estamos na América há milhares de anos lutando por ela.

O Sr. não acredita ser possível instituir um sistema internacional de repartição justa dos benefícios da biodiversidade?

Os colonizadores da América foram responsáveis pelo saque do continente. Eles nos fizeram pobres, não porque fôssemos pobres. Hoje, as grandes multinacionais querem nos levar os últimos recursos. Nunca vão querer dividir de forma justa, mas vão querer arrancar de nós o máximo, nossas águas, nossas terras, nossos recursos biológicos e até o nosso sangue. Isso foi tudo o que os nossos antepassados nos deixaram e é aquilo que devemos deixar para os nossos descendentes. Este é o nosso legado.

O Sr. acha que os recursos e os conhecimentos dos povos indígenas podem ser comercializados?

Nossa luta tem de ser para mantê-los em seus sítios originais. Nossos sábios sabem que não somos os donos de nossas terras e de nossos recursos: somos seus administradores. E os deuses nos orientam como usá-los. Também precisamos sempre presenteá-los com o fruto dessas terras e desses recursos. Assim eles continuarão nos abençoando.

Qual seria a alternativa a um regime internacional de acesso aos recursos genéticos e repartição dos benefícios?

Temos duas culturas: a ocidental e a nossa cultura tradicional. Concordamos que deve haver trocas entre elas. A cultura tradicional também desenvolve ciência e deve ser usada pela ciência ocidental para desenvolver tecnologia. Mas isso não deve acontecer a serviço das grandes empresas multinacionais de biotecnologia. Isso deve ser feito com cuidado, com zelo e envolvendo pessoas honestas, pessoas dignas, e não mentirosos. Nós mesmos, povos indígenas, temos nos apropriado da tecnologia ocidental para nosso proveito: estamos usando os computadores e o correio eletrônico para nos organizarmos, por exemplo. Isso é uma coisa positiva.

Em linhas gerais, como é a legislação colombiana sobre o assunto? Os povos indígenas colombianos estão satisfeitos com ela?

A Colômbia ratificou a CDB. A Constituição colombiana reproduz vários dos dispositivos da Convenção. A CDB é muito ampla: trata desde microorganismos até o material colido de seres humanos, como sangue. Não estamos satisfeitos com isso. Temos denunciado as conseqüências disso, porque a legislação liberalizou o acesso aos nossos recursos e conhecimentos. Um pesquisador com a lei na mão tem acesso liberado aos nossos territórios e aos nossos recursos. Somos contra este livre acesso para a bioprospecção (pesquisa biológica com fins comerciais). Eles virão de qualquer jeito, até à força, e queremos tentar impedir isso.

Existem muitos casos de roubo de conhecimentos e recursos dos povos indígenas na Colômbia?

Em 1992, logo nos 500 anos da chegada dos colonizadores, por exemplo, pesquisadores colombianos vieram até mui

tas aldeias afirmando que iriam curar ou pesquisar problemas de saúde. Retiraram o sangue de várias pessoas afirmando que iriam fazer análises para curar essas doenças. Quando nos demos conta, o material já estava em laboratórios de genética dos Estados Unidos. Quando era senador, lutei para repatriar o material, mas até hoje não conseguimos fazê-lo.