Acusados de assassinato de líder indígena na Raposa Serra do Sol são absolvidos

Alex Rodrigues – Agência Brasil

Após dois dias de um julgamento que mobilizou índios e produtores rurais e teve seu início adiado por seis vezes, o Tribunal Regional Federal (TRF) de Roraima absolveu, por falta de provas, os três acusados pelo assassinato do líder macuxi Aldo da Silva Mota, 52 anos, morto a tiros em janeiro de 2003. A sentença foi anunciada no início da manhã de sábado (19).

Para organizações indigenistas e ambientalistas, o assassinato de Mota é um dos vários crimes cometidos em função da disputa por terras durante o processo de demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Seu corpo foi encontrado por parentes, dias após ter desaparecido. Estava enterrado em uma fazenda de Uiramutã, cidade criada em 1995. À época, a Fundação Nacional do Índio (Funai) já havia identificado a área como terra tradicional indígena.

Na época do crime, a fazenda onde o corpo de Mota foi encontrado era ocupada pelo ex-vereador Francisco das Chagas Oliveira da Silva, conhecido como Chico Tripa, inicialmente acusado pelo Ministério Público Federal (MPF) de ter contratado Elisel Samuel Martin e Robson Belo Gomes para matar o índio macuxi.

Segundo a assessoria do Ministério Público Federal (MPF) no estado, o procurador Ângelo Goulart Villela tem até esta sexta-feira (25) para analisar a possibilidade de recorrer contra a sentença do juri.

Já o Conselho Indígena de Roraima (CIR) promete recorrer da decisão. Dizendo-se surpreso com a decisão, o coordenador geral do CIR, Mário Nicácio, disse que o conselho e a família de Mota vão tentar evitar que o processo volte a ser julgado no estado.

“Não aceitamos a decisão. A família vai recorrer, com assistência jurídica do CIR, e nós vamos manter nossa mobilização por justiça”, disse Nicácio, por telefone, à Agência Brasil. O coordenador questionou a composição do juri, composto por duas mulheres e cinco homens e presidido pelo juiz federal Helder Girão Barreto, e a postura do próprio MPF.

“Desde o início, notamos, no juri, um pré-julgamento pelo fato de Aldo ser um índio e viver na reserva e uma sede de vingança pela demarcação da Raposa Serra do Sol. E questionamos também a postura do MPF, que, no papel de advogado de acusação, em vez de defender os interesses indígenas, pediu a absolvição do Chico Tripa por falta de provas”, disse Nicácio.

A assessoria do Ministério Público Federal confirmou que o procurador Ângelo Goulart Villela não viu indícios da participação do fazendeiro Chico Tripa no crime, razão pela qual pediu sua absolvição e confirmou que o procurador pediu a condenação de Elisel Samuel Martin e Robson Belo Gomes. Martin e Gomes também foram absolvidos pelo juri por falta de provas.

A assessoria do MPF não quis comentar as declarações do coordenador geral do CIR.

Edição: Fábio Massalli

Ataque a indígenas em Mato Grosso do Sul é tragédia anunciada, diz membro do CDDPH

Luciana Lima (Agência Brasil)

O ataque ao acampamento indígena Tekoha Guaiviry, ocorrido ontem (18), no município de Amambai, em Mato Grosso do Sul, é tragédia anunciada, disse hoje (19) o vice-presidente do Conselho dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), Percílio de Souza Lima Neto. De acordo com o conselheiro, há muito tempo a região é palco de conflitos entre os interesses dos índios e das empresas de agronegócio.

“Toda violência contra comunidades indígenas em Mato Grosso do Sul já estava anunciada há longo tempo. Nós já constatamos que não há espaço para os interesses indígenas, e há uma crescente discriminação contra os integrantes dessa comunidade”, disse. Ele apontou a especulação pelas terras como principal motivo dos conflitos. O ataque pode ter levado à morte o líder dos Guarani Kaiowá, cacique Nísio Gomes, de 54 anos de idade, que, de acordo com relato dos índios, foi baleado e o corpo levado pelos pistoleiros.

O cacique ainda não foi encontrado, segundo o Ministério Público Federal (MPF), que confirmou o desaparecimento do chefe indígena. Há informações de que dois índios – uma mulher e um criança de 5 anos – também foram levados pelos pistoleiros. Os indígenas disseram que cerca de 40 homens encapuzados e armados invadiram o acampamento localizado entre Amambai e Ponta Porã.

A Polícia Federal começou ontem a investigar o caso a pedido do MPF. Representantes da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) também acompanham as investigações.

Terra Indígena Amambaipeguá

Cerca de 60 índios moravam no acampamento, mas, de acordo com a polícia, somente dez estavam no local para dar informações. Assutados com a violência, muitos buscaram proteção na mata. Ontem, os policiais encontraram sangue humano no local indicado pelos índios onde o cacique teria foi baleado. Amostras do sangue foram recolhidas para análise pericial.

A área ocupada pelos Guarani Kaiowá faz parte da região denominada Terra Indígena Amambaipeguá. O processo de demarcação da área começou em junho de 2008 e, desde então, foi interrompido diversas vezes por decisões judiciais, em ações movidas por produtores rurais da região e forças políticas municipais e estaduais.

De acordo com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), nos últimos oito anos, cerca de 200 índios foram mortos em conflitos de terra. A assessoria do conselho informou que os indígenas ocuparam o trecho da terra que está em processo de demarcação no início deste mês.

Edição: Aécio Amado

Ampliação do cultivo de arroz provoca degradação em Raposa, afirma Ibama

Os efeitos nocivos à fauna e à flora da Terra Indígena Raposa Serra do Sol se tornam mais intensos conforme se amplia o cultivo de arroz na reserva. Foi o que afirmou à Agência Brasil a superintendente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em Roraima, Nilva Cardoso Baraúna.

“Ocorre tipo uma degradação e contaminação em cadeia. O agrotóxico lançado na agricultura, com a chuva é arrastado para os rios e provoca a morte de peixes e pássaros. E com isso chegam também ao humano, que consome água in natura”, explicou Nilva.

Com o sistema de detecção por georreferenciamento, técnicos do Ibama têm verificado que as áreas de rizicultura na Raposa Serra do Sol são ampliadas ano a ano. O clima e a característica de solo propício favorecem um cultivo dinâmico, diz a superintendente: “O período de colheita é de três em três meses. Se retira uma safra e já se joga a outra”.

Os arrozeiros que utilizam o Rio Surumu para produzir o arroz irrigado ocupam atualmente 36 mil hectares dos 1,7 milhão existentes na Raposa Serra do Sol, pela última demarcação. Segundo Baraúna, as tentativas de diálogo com o grupo sobre questões ambientais não prosperaram. “Eles querem permanecer em área fértil, com água em abundância e terras griladas”, afirmou.

O Ibama já aplicou multa de R$ 30,6 milhões por danos ambientais ao líder dos arrozeiros, Paulo César Quartiero, e promete punir outros produtores da área. A superintendente avalia que o valor não é exorbitante nem abusivo.

“Quando começa a sentir no bolso, se pensa duas vezes em promover algum tipo de degradação desta natureza. O meio ambiente é um bem público e as multas têm que corresponder ao dano que afeta a coletividade.”

Fazendeiro acusado de mandar matar Dorothy Stang é absolvido em novo julgamento

Por cinco votos a dois, o fazendeiro Vitalmiro Bastos Moura, o Bida, foi absolvido hoje (6) da acusação de mandante da morte da missionária americana Dorothy Stang, em novo julgamento na 2ª Vara do Juri de Belém (PA).

O advogado Eduardo Imbiriba, que defendeu o fazendeiro, pediu a absolvição de Bida, sustentando a tese de negativa de mando do crime.

O promotor Edson Souza, que atuou na acusação, informou que entrará com um recurso pedindo um novo julgamento no prazo legal de cinco dias. Ele adiantou que vai fundamentar a sua apelação com base no fato de que o resultado do julgamento foi contrária às provas dos autos, que apontavam Bida como mandante do crime.

Edson Souza disse que a apelação será apreciada por uma câmara de desembargadores do Tribunal de Justiça do Pará, e a decisão sobre se haverá um novo julgamento só deverá ser anunciada no fim do ano.

O juri que absolveu Bida era formado por seis homens e uma mulher. Eles acataram a tese da defesa de negativa de autoria de mando do crime. Os jurados, no entanto, mantiveram a condenação de Rayfran das Neves, apontado como o executor do assassinato, que no primeiro julgamento foi condenado a 27 anos de prisão, e agora teve a pena aumentada para 28 anos.

No primeiro julgamento, Valdomiro Bastos havia sido condenado a 30 anos de prisão. Hoje ao ser anunciada a absolvição, o fazendeiro foi imediatamente colocado em liberdade.

A missionária Dorothy Stang foi morta com seis tiros em Anapu, a 300 quilômetros da capital paraense, em fevereiro de 2005. Ela trabalhava com a Pastoral da Terra e comandava o programa em uma área autorizada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Promotor do caso Dorothy diz que está sendo ameaçado de morte há um ano 

O promotor Edson Souza denunciou hoje (6), da tribuna da 2ª Vara do Júri de Belém, onde está sendo realizado o novo julgamento do mandante e do executor do assassinato da missionária norte-americana Dorothy Stang, as ameaças que ele e sua família vêm sofrendo, há cerca de 1 ano. Segundo Souza, as ameaças são feitas em telefonemas anônimos, em que um desconhecido alerta para ele “tomar cuidado, porque pode haver tombamento”. Tombamento, na linguagem rural da região, significa morte.

De acordo com informações divulgadas pelo Tribunal de Justiça do Pará, o promotor fez a denúncia na fase do julgamento destinada aos debates sobre as teses da acusação e da defesa. Edson Souza não soube dizer se as ameaças estariam relacionadas ao caso Dorothy Stang ou a outros processos em que ele também atua na acusação.

O promotor mantém a tese de que a missionária foi morta a mando do fazendeiro Vitalmiro Bastos Moura, o Bida, que pagou Rayfran das Neves Sales para executar o crime.

Conselho relata atentado contra índios em Raposa Serra do Sol

O clima de tensão entre os moradores da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (RR) – à espera de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a demarcação contínua e a permanência de não-índios na área de 1,7 milhão de hectares – continua. O Conselho Indígena de Roraima (CIR) divulgou hoje (5) nota em que informa que dez índios da reserva teriam sido baleados por “jagunços do líder dos arrozeiros Paulo César Quartiero”. As informações são de que pelo menos um dos atingidos se encontra em estado grave, com ferimentos na cabeça, ouvido e nas costas.

O relato da entidade é de que os índios trabalhavam na construção de barracos quando foram surpreendidos pelos supostos autores do ataque. “As comunidades indígenas da TI Raposa Serra do Sol estavam construindo suas casas em sua terra, quando uma caminhonete e 5 (cinco) motoqueiros, vindo da Fazenda Deposito, de ocupação do arrozeiro Paulo César, chegaram logo atirando por todos os lados no sentido de impedir que os indígenas construíssem suas malocas. Um dos pistoleiros foi identificado como Roberto. Logo que efetuaram suas armas de fogo fugiram”, descreve a nota.

Segundo o coordenador geral do CIR, o makuxi Dionito José de Souza, os fatos demonstram a impossibilidade da permanência de produtores de arroz na reserva. “Só vai gerar conflitos e mortes os não-índios ficarem lá”, disse à Agência Brasil, após ressaltar o descontentamento das comunidades indígenas com o que ele chama de agressão.

Desde o dia 11 de abril, a Polícia Federal (PF) efetua um trabalho de monitoramento e garantia da segurança pública dentro da terra indígena, após a decisão do STF que suspendeu a Operação Upatakon 3, que visava a retirada dos não-índios do local.

O delegado Fernando Segóvia, coordenador-geral da operação, informou que agentes da PF já trabalham na apuração dos fatos ocorridos na manhã de hoje (5) e que alguns feridos foram encaminhados para a capital Boa Vista.

“Há duas versões: uma de que os índios teriam entrado na propriedade rural e sido expulsos a bala e outra de que ocorreu uma tocaia. Estamos buscando informações para saber qual é a verdadeira”, ressaltou Segóvia.

O delegado também disse que a necessidade de um eventual reforço do efetivo policial ainda será avaliada.

Bispo denuncia que há 300 pessoas "marcadas para morrer" no Pará

Trezentas pessoas que vivem no interior do estado do Pará estão sendo ameaçadas de morte, por terem denunciado casos de tráfico de seres humanos, exploração sexual de crianças e adolescentes e pedofilia.

O número foi apresentado hoje (6) pelo bispo da Diocese da Ilha de Marajó (PA), dom José Luiz Azcona, em reunião extraordinária do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH). Ele é um dos quatro religiosos ameaçados de morte no estado.

Azcona afirmou que o governo do Pará, apesar de ter conhecimento do número, ainda não tomou providências para reduzir os casos. “Não me preocupa tanto a minha segurança pessoal. Se existem 300 homens e mulheres marcados para morrer, isso indica uma sociedade doente, pobre e moribunda”, criticou.

Segundo o bispo, dos 300 ameaçados de morte, apenas 100 estão sob proteção do governo federal. “Tem que ter uma mudança de mentalidade, uma conversão. [É preciso] Olhar para a Amazônia como a Amazônia é, não com os olhos de Brasília.”

O bispo disse ainda que há conivência de autoridades locais em casos de “prostituição, tráfico e consumo de drogas e uso de bebidas alcoólicas entre os jovens”.

PF prende líder dos arrozeiros na terra indígena Raposa Serra do Sol

Agentes da Polícia Federal prenderam hoje (6) na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, o líder dos arrozeiros e prefeito de Pacaraima, Paulo César Quartiero.

A informação foi confirmada pela assessoria de imprensa da PF em Brasília, que alegou não ter conhecimento sobre as circunstâncias da prisão, porque os delegados responsáveis estão momentaneamente sem comunicação. A reportagem tentou contato com eles e também com Quartiero por telefones celulares, mas os aparelhos estavam desligados ou fora da área de cobertura.

A prisão ocorreu um dia após funcionários do arrozeiro terem baleado índios que construíam barracos na Fazenda Depósito, de sua propriedade (leia mais ao lado). Quartiero  lidera o movimento de resistência à retirada de não-indígenas da reserva. Hoje à noite, a assessoria de imprensa da PF informou à Agência Brasil que o ruralista teria sido preso em flagrante por porte ilegal de armas.

Até o fim do mês, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve julgar ações pendentes que contestam o decreto de demarcação da reserva em área contínua e decidir se os produtores podem ou não permanecer no local. Recentemente, uma operação de retirada deles foi suspensa pelo Supremo.

Durante a operação, Quartiero chegou a ser preso pela PF por desacato, mas foi libertado após algumas horas, mediante pagamento de fiança.

MPF denuncia responsável por tentativa de atentado contra Polícia Federal em Roraima

O Ministério Público Federal (MPF) em Roraima denunciou à Justiça David Amaro da Conceição por ter tentado explodir, no dia 7 de abril, um posto da Polícia Federal no município de Pacaraima, fronteira com a Venezuela, durante manifestação contra a retirada de arrozeiros da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol.

O denunciado foi preso em flagrante, dentro de um veículo, enquanto tentava acender uma bomba de fabricação caseira. Dentro do carro foram encontrados ainda 35 coquetéis molotov, oito garrafas com gasolina e quatro bombas caseiras. David disse, em depoimento, ter sido contratado por líderes do movimento contra a retirada de arrozeiros da reserva. Ele promoveria o atentado contra o posto da PF em troca de um emprego nas lavouras de arroz.

Na denúncia, o MPF acusa David dos crimes de tentativa de dano qualificado, atentado contra a segurança de serviço de utilidade pública, explosão e uso de artefato explosivo sem autorização legal. O denunciado está sujeito à condenação de pena de até dez anos de prisão, além do pagamento de multa.

Aumento o número de índios assassinados no país

O número de índios assassinados cresceu 64% de 2006 para 2007, passando de 56 para 92 casos registrados em uma população total de 734 mil indígenas no país. A maior parte dos casos, ocorreu em Mato Grosso do Sul, onde 80 índios foram mortos nesse período: 27 em 2006 e 53 em 2007, indicando um aumento de 99% nos crimes de um ano para outro.

As informações fazem parte do relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil 2006/2007, elaborado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), entidade ligada à Igreja Católica que acompanha a questão indígena há 36 anos e desde 1998 publica o relatório bianual. O relatório foi apresentado hoje (10) na 46ª Assembléia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Itaici, no município de Indaiatuba, São Paulo.

O documento, que aborda também questões de invasão de terras, trabalho escravo e falta de assistência nas áreas da saúde e educação indígenas, aponta a questão fundiária como o principal fator responsável pelo aumento na violência entre e contra os índios.

Segundo a organizadora do relatório, Lúcia Rangel, pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o aumento de assassinatos é resultado da crescente tensão no cotidiano das comunidades indígenas em Mato Grosso do Sul.

Ela disse que, por falta de terras, os índios vivem em acampamentos à beira das estradas ou “confinadas” em reservas, como a de Dourados, no sul do estado, onde 12 mil índios da etnia Guarani-Kaiowá vivem em cerca de 3,4 mil hectares. De acordo com o relatório, a maior parte dos assassinatos que tiveram autoria identificada foi cometida por índios.

“É uma população que não tem onde plantar, não tem como reproduzir seus meios básicos de vida, e daí decorre uma série de problemas, como desnutrição e mortalidade infantil, suicídio de jovens e conflitos internos, com assassinatos de índios por índios, e também de indígenas por seguranças de fazendeiros que não querem abrir mão de uma parte das suas terras.”

Conforme o levantamento do Cimi, um índio da reserva de Dourados dispõe de um espaço 20 vezes menor do que o de uma cabeça de gado no estado: para o gado, há em média 7 hectares de terra, enquanto na reserva de Dourados há cerca de 0,3 hectare por pessoa (o equivalente a um espaço de 30 metros quadrados ou faixa de uma sala de três por dez metros).

Lúcia Rangel lembrou que a reserva foi criada para reunir índios da etnia Guarani-Kaiwoá que estavam dispersos em Mato Grosso do Sul antes da ocupação do estado com a criação de gado e o plantio em larga escala de algodão, milho e soja e, mais recentemente, de cana-de-açúcar destinada ao biodiesel. Em Mato Grosso do Sul, além de Dourados, quatro áreas foram destinadas à etnia que, segundo o Cimi, reúne cerca de 40 mil índios no estado. As cinco áreas totalizam 40 mil hectares. Porém, os índios reivindicam da Funai a demarcação de mais 100 terras que no passado teriam sido ocupadas por eles, e a disputa pela posse de tais áreas vem gerando conflitos externos.

Uma das reivindicações da etnia é reaver suas antigas aldeias em Mato Grosso do Sul, disse a pesquisadora. “O estado deu prioridade a um projeto de desenvolvimento baseado no agronegócio, com plantações em larga escala e criação do gado em detrimento da demarcação da terra indígena, e o índios ficaram sem as terras.”.

O relatório também destaca o impacto negativo para os índios do trabalho em usinas e fazendas de cana-de-açúcar, por falta de outras alternativas de subsistência. Houve quatro assassinatos em alojamento de usinas e dois casos de trabalho escravo comprovados pelo Ministério do Trabalho no ano passado – um em março, envolvendo 150 índios, e outro, em novembro, com mais de 1.100 indígenas encontrados em situações de trabalhodegradante.

Também foram relacionados casos de violência contra índios, com assassinatos, exploração ilegal e invasão de terras indígenas, em 2006 e 2007, nos estados do Maranhão, Pernambuco e Espírito Santo.

No Maranhão, segundo estado com maior número de assassinatos, foram registrados 10 mortes de índios Guajajara no período em episódios relacionados à invasão de aldeias por madeireiros e ao contato com a estrada de ferro da empresa Vale do Rio Doce, que corta a terra indígena.

No Espírito Santo, foi destacada a disputa por terras entre os índios Tupinikim e Guarani e a empresa Aracruz Celulose, com uma série de conflitos violentos que só cessaram no ano passado com a demarcação definitiva das terras indígenas. O relatório atribui o aumento da violência contra os povos indígenas à omissão e lentidão do governo federal em demarcar as terras.

Índios cometeram maioria dos assassinatos de indígenas apontados pelo Cimi

O relatório revela ainda que a maioria dos 149 assassinatos registrados nesse período entre indígenas, com autoria definida, foi cometida por pessoas das próprias comunidades, em situações de brigas, muitas delas familiares. Mais da metade do total dos crimes ocorreu em Mato Grosso do Sul.

Para a antropóloga Lúcia Rangel, coordenadora do levantamento, o aumento da violência entre os próprios índios é reflexo das condições degradantes a que eles estão submetidos, principalmente em Mato Grosso do Sul, por estarem “confinados” em pequenas reservas onde há superpopulação e condições precárias de saúde e subsistência.

A antropóloga explicou que, apesar das várias comunidades de uma mesma reserva – como é o caso de Dourados, onde estão os Guarani-Kaiwoá – terem a mesma cultura e falarem a mesma língua, elas estão organizados em unidades autônomas (chamadas tekohá) baseadas em relações familiares e com chefias políticas e religiosas independentes.

“Quando várias dessas unidades são colocadas em uma área sem espaço, começam a competir entre si, o conflito vai aumentando e entra-se num ciclo de violência interna que não se resolverá, a não ser que cada uma das unidades retome a terra que corresponde ao seu tekohá.”, afirmou Lúcia Rangel, referindo-se à reivindicação dos 45 mil índios da etnia Guarani-Kiaowá por 100 áreas de terra no estado.

Ao comentar os suicídios registrados entre jovens indígenas no país (33 em 2006 e 28 em 2007), a antropóloga disse que trata-se de um fenômeno de difícil compreensão. “Parece um grito de alerta da juventude de que as coisas não vão bem, de que a vida está violenta, de que são ameaçados, e eles buscam no mundo dos espíritos a segurança e a paz que não encontram aqui.”

Procurada pela Agência Brasil desde terça-feira (8), a Fundação Nacional do Índio (Funai) informou, por meio da assessoria de imprensa, que o presidente do órgão, Mário Meira, não tinha agenda disponível para comentar os resultados do relatório, disponibilizados com antecedência para órgãos de imprensa.

Expansão sucroalcooleira ameaça índios do Mato Grosso do Sul, alerta Ministério Público

Ao abrir novas oportunidades para produtores rurais e para a indústria sucroalcooleira, a expansão das lavouras de cana-de-açúcar poderá resultar no aumento da exploração de trabalhadores rurais em situação degradante, inclusive de indígenas. A preocupação é do subprocurador-geral do Trabalho, Luís Camargo, coordenador Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério Público do Trabalho (MPT).

“Se em situação normal já ocorre a exploração, imagina com a perspectiva de instalação de mais de uma centena de empresas, destilarias de açúcar e álcool, que serão implantadas no país atendendo a um crescimento enorme para essa produção”, questiona ele. De acordo com Camargo, no caso dos indígenas, a preocupação é que com a entrada de novas empresas no mercado voltem a ocorrer problemas como os verificados durante quase vinte anos no estado do Mato Grosso do Sul.
Na semana passada, o grupo de fiscalização da Delegacia Regional do Trabalho (DRT) do Mato Grosso do Sul resgatou 409 trabalhadores em situação degradante, no canavial da Destilaria Centro Oeste Iguatemi, uma usina de álcool localizada no município de Iguatemi. Desses, 150 eram indígenas das etnias guarani e terena, que dormiam nas dependências da empresa, num alojamento de alvenaria construído para abrigar 50 pessoas, segundo informações do Ministério do Trabalho e Emprego.

“O trabalhadores indígenas no Mato Grosso do Sul sabem cortar cana-de-açúcar, ou seja, eles têm o know how, conhecem a atividade, então são muito requisitados”, explica o subprocurador. Segundo Camargo, até o início de 2001, a mão-de-obra indígena era explorada sem carteira assinada.

“Era como se os indígenas prestassem serviço sem um vínculo de emprego, o que é um completo absurdo. Nós tivemos que entrar com inúmeras ações civis públicas, e só depois de ganhar todas as ações na Justiça é que nós conseguimos com que os usineiros registrassem os contratos de trabalho”. O procurador teme que “com essa enorme quantidade de destilaria s, voltemos a nos deparar com esse episódio de exploração”.

Outra preocupação, segundo Camargo, é com o grau de exploração dos trabalhadores rurais. Segundo ele, muitas empresas exigem que cada trabalhador corte cerca de 15 toneladas de cana-de-açúcar por dia. Para o subprocurador, o volume é “humanamente absurdo”. Apenas no interior de São Paulo, de acordo com ele, pelo menos seis trabalhadores rurais morreram nos últimos anos em função desse exigência.

“Há alguns anos, o chamado campeão do corte, ou seja, aquele trabalhador que cortava muito, cortava oito, nove toneladas de cana por dia. Hoje, trabalhadores que cortam oito toneladas de cana já não são mais admitidos, já não prestam mais para esse serviço, porque não atingem os índices mínimos exigidos. O que se exige hoje é um número absurdo, e por conta disso há pessoas que estão morrendo de exaustão”.

Para minimizar os riscos de expansão das lavouras de cana-de-açúcar no país, Camargo defende que o processo de implantação das empresas seja feito de forma racional, com regularização da contratação da mão-de-obra. “Se houver uma implantação indiscriminada, com o objetivo de lucro rápido e imediato, a exploração dos trabalhadores e a degradação do meio ambiente vai ser inevitável”, alertou.

Segundo a DRT/MS, os 409 trabalhadores resgatados em Iguatemi eram mantidos em condições degradantes. “Os trabalhadores estavam lá sem fornecimento de alimentação, eles tinham que trazer alimento de casa, sem fornecimento de água em condições adequadas, sem instalação sanitária na frente de trabalho, sem local para refeição”, acrescenta o chefe da Seção de Inspeção do Trabalho da DRT do Mato Grosso do Sul, Antonio Maria Pena.

Segundo ele, nove empresas do ramo estão instaladas no estado. “Essa usina em que a gente encontrou a situação degradante é uma usina que está começando agora, talvez por isso não se prestou a devida atenção ao cumprimento da legislação no que diz respeito ao ambiente de trabalho”.

Pena informou que o grupo de fiscalização da DRT prepara mais uma ação numa dessas empresas para verificar denúncias de exploração de indígenas em situação de trabalho degradante. Para não prejudicar a operação, ele preferiu não adiantar o nome da usina nem a data da ação.