Cacique yawalapiti pede a jovens que não abandonem tradições por causa da tecnologia

Visitante no fim de semana de festa na principal aldeia dos Kuikuro, o cacique Aritana, representando os Yawalapiti, diz que não se opõe ao envolvimento dos jovens do Parque Indígena do Xingu com a tecnologia – desde que ele não implique abandonar as tradições.

“Inclusive me entrevistaram aí hoje, eles são jovens, né?”, relata o líder, em entrevista à Agência Brasil. “Eu falei tudo isso para eles: Olha, principalmente vocês que estão mexendo com essa máquina aqui, depois não vão se sujar com urucum [semente usada para tintura vermelha], não vão querer fazer nada, vão querer fazer só isso, também não vale, né? Tem que participar de festa, participar de cerimônia, fazer tudo.”

Após ver imagens de um Kuarup (festa de celebração dos mortos) em 1984, ele comenta que os jovens estavam um pouco envergonhados nas danças do último sábado (21).

O integrante do Coletivo Kuikuro de Cinema Jairão (ou Mahajugi) Kuikuro, 20 anos, diz que as duas atividades não são excludentes: “A gente dança também. Como seis realizadores, vai se revezando com a câmera”.

Jairão leva uma prancheta com uma lista de perguntas jornalísticas, em português, aos participantes. Ele conta que escreve na sua língua e na dos brancos, além de falar kalapalo: “Para os mais velhos, é difícil escrever. Para mim, está fácil demais. Sou lingüista. Estou estudando direto. Eu não tenho vergonha de falar na frente do branco porque o índio foi o primeiro habitante do Brasil”.

“Escrevo bastante poesia em português”, conta o jovem kuikuro. “Com vela. Às vezes compro pilha, boto a lanterna, fico escrevendo na minha casa, na oca. ” Recorda trechos de poema elaborado às vésperas das sessões audiovisuais e da inauguração do centro de memória em sua aldeia: “Estamos aqui, cinco horas da manhã e tal… A poeira está incomodando os brancos. Ontem meu pai foi pescar…” Ele diz que escreveu em português, mas pode traduzir. “Quem lê sou eu mesmo. Meu irmão, a rapaziada.”

Para o jornalista Washington Novaes, autor de documentários sobre povos da região, existe um conflito latente, ainda sem desfecho, entre as novas e as antigas gerações no Xingu. No centro dele estariam o consumismo e o abandono de atividades do cotidiano. “Não se sabe até quando os velhos vão aceitar a postura dos jovens”, comenta. “Eles vão perdendo a autonomia [de saber fazer todo o necessário à sobrevivência] e interrompem um conhecimento, uma habilidade. É o momento em que o conflito se explicita, e vamos ver em que direção ele se desdobra.”

Segundo o jornalista, a educação bilíngüe é criticada por muitos dos idosos. Ele diz não ter uma conclusão sobre a expectativa, de índios mais velhos, de que a documentação em vídeo leve os jovens a querer saber dos mitos e formatos tradicionais. Na Aldeia Ipatse, boa parte do acervo do centro de documentação foi recolhido pelo grupo de cineastas.

Quinta-feira, 24/05/2001

Último dia no Xingu, marcamos de ir bem cedo para a aldeia Yawalapiti com a pretensão de aproveitar ao máximo o dia. Acordamos atrasados e corremos para pegar carona com a caminhonete do Posto.

Por volta das oito horas chegamos à aldeia e sentamos no centro, como sempre fazemos, para conversar com Aritana, Aiupú, Tapi, Aumaury e os outros homens da tribo. No dia anterior, havíamos combinado de emprestar nosso telefone Globalstar para que Aritana pudesse ligar para a casa do Orlando Villas Bôas. Tudo funcionou perfeitamente, conversamos com o Orlando e sua mulher, Marina. Foi muito legal fazer este tipo de interação direto de uma aldeia, no meio do Xingu. Eles adoraram e elogiaram a qualidade da transmissão.

Depois, decidimos ir garantir o almoço com uma pescaria. Saímos acompanhados da meninada Yawalapiti e começamos a remar, subindo o Tuatuari. Seguindo a orientação dos meninos, Fernando e Fábio provaram ser exímios remadores. Em poucos minutos, pegamos um canal do rio muito raso, que passava entre uma vegetação densa cheia de jacarés. Não entendendo muito bem aonde íamos, continuamos para onde apontavam.

Abandonamos o remo e começamos a tomar impulso nas árvores que nos cercavam. Em determinado momento, foi necessário deitar dentro da canoa para passar por baixo dos galhos. O cenário era lindo e impressionante: vimos morcegos, jacarés e muitos pássaros. Finalmente, as plantas se descortinaram numa pequena e calma lagoa.

Encostamos de canto numa moita. O Paroí e o Guilherme, únicos com anzol, começaram a pesca. A primeira vítima do Guilherme foi uma piranha. Isto, somado aos jacarés que pescavam calmamente, serviu como um alerta para considerarmos a área como imprópria para o banho. Alimentando os mosquitinhos, ficamos mais de uma hora para conseguir o seguinte menu para o almoço: três pintados pequenos, duas piranhas e três mandis.

Na volta, os homens nos esperavam com beiju e o fogo aceso. Sentindo muita fome, devorei os pintados com vontade. Depois, fomos comprar um pouco de artesanato, como redes, cerâmicas, e os famosos colares de caramujo xinguanos. Estes colares funcionavam no passado como a principal moeda de troca entre as tribos do Xingu. Ainda hoje, eles têm alto valor de troca entre todas as aldeias da região e com os caraíbas (não-índios).

Já sentindo um pouco de saudade, pegamos a carona de volta na carreta improvisada do trator da tribo. O detalhe é que, além de não contarmos com air bag e nem barra de proteção lateral, o carro está com a direção quebrada. Zig-zageando pela estrada, numa das curvas seguimos reto, mata adentro. Fomos assim, nos agarrando ao antigo chassi, elevado à condição de carreta, até o Posto Leonardo. Foi muito divertido.

De noite, paramos para arrumar nossas coisas. Amanhã acordaremos às cinco da manhã para enfrentar seis horas de barco e outras três horas na caçamba da caminhonete até chegar a Canarana – MT. Avisamos desde já e pedimos desculpas aos nossos milhões de leitores, mas a atualização de amanhã está comprometida.

Como sempre, nossa estada aqui passou muito rápido, mas de uma forma muito intensa. Ao mesmo tempo em que estamos satisfeitos por termos completado esta etapa do trabalho e aproveitado ao máximo a oportunidade, estamos todos tristes de ir embora. Nosso contato com as pessoas daqui foi muito bom. Em pouco tempo, nos apegamos a algumas das criancinhas que ficam se dependurando na gente o dia inteiro e também podemos dizer que começamos a fazer verdadeiros amigos por aqui. Portanto, fica nosso agradecimento especial ao Aritana, que mal nos conhecia e nos recepcionou tão bem. Ao Kokoti, chefe do Posto Indígena Leonardo Villas Bôas, que nos deu todo apoio para realizar o trabalho. Além deles, poderíamos continuar fazendo uma longa lista que sempre seria incompleta: Travi (cozinheiro), Autucumã, Jaílton (professor), Kapi, Ualá, Camila, Afukaká, Jacalo, Leo, Marina e muitos outros.

Agora, nosso próximo passo é visitar as reservas dos Xavantes, o primeiro povo indígena contatado pela Expedição Roncador-Xingu.

Inté,

Fernando

Cotidiano na Aldeia

O dia no Posto Indígena Leonardo Villas Bôas, lugar onde estamos hospedados no Alto Xingu, começou antes do sol nascer. Ainda escuro, o cozinheiro preparava a refeição: leite, café e umas bolachas água e sal que trouxemos de Canarana. Enquanto isso, as mulheres e crianças índias tomavam banho no rio, fazendo um barulho que tornou impossível o sono.

construcao_oca_fernando.jpgÀs 7:30, quando levantamos, Aumary, irmão do cacique Aritana, da tribo Yawalapiti, já nos esperava com a Toyota. Nos preparamos, subimos na caçamba e tomamos o rumo da aldeia. Ao chegar, encontramos os homens ajudando na construção de uma maloca. Eles fazem mutirões no qual o dono da casa deve arrumar todo material, como imbira, sapê e madeira para armação, enquanto o resto dos homens da tribo ajuda na construção. No meio de toda a atividade, foi morta uma inocente jararaca que perambulava por ali, motivo de agitação e curiosidade entre as crianças da aldeia.

Com trabalho coletivo, os homens da tribo ajudam na construção de cada oca da aldeia. Foto: Fernando Zarur

Após vermos e fotografarmos o trabalho na oca, passamos o resto da manhã conversando no centro da aldeia. Este seria o local da casa dos homens, hoje, provisoriamente, substituída por uma choupana. No ano passado uma forte tempestade derrubou a casa do Piracumã, irmão do Aritana e diretor do Parque Indígena do Xingu, e a antiga casa dos homens. Normalmente, este seria um lugar reservado aos homens, onde estariam guardados máscaras, flautas e diversos instrumentos rituais proibidos para as mulheres. Do modo como está, é somente um local de reunião.

Conversamos e comemos peixe com beiju com a maioria dos chefes de família Yawalapiti. Entre eles, chamava a atenção o velho Parú, pai de Aritana, antigo cacique e rezador da tribo. Grande amigo de Orlando Villas Bôas e responsável pela reunião de sua tribo (espalhada e reduzida a somente 12 membros na década de 1940), ele é capaz de encontrar raízes que sugam veneno de qualquer cobra, de rezar para manter onça afastada e fazer peixe pular na rede durante a pesca do timbó.

Por volta do meio-dia, fomos com mais uns 15 meninos tomar banho no rio Tuatuari. Com certeza foi um dos momentos mais divertidos da viagem. Jogamos uma partida de futebol das mais confusas da história, ninguém tinha idéia de que time era, só sabíamos o lado do gol. Também descobrimos que existe uma divisão entre a praia das mulheres e a dos homens. Ontem, desavisados, tomamos banho na praia das mulheres, mas hoje fomos levados pelas crianças ao local correto.

huka_huka_fabio.jpgDuas horas depois, voltamos para a tribo. Era hora de começar o treinamento do Huka-Huka. A luta é muito semelhante ao judô e à greco-romana, envolve força e, sobretudo, muita técnica. O treino dura mais de uma hora e só permite aos participantes rápidos descansos de um ou dois minutos. Participavam alguns guerreiros que treinavam para competição com outras aldeias do Alto Xingu, e três jovens que estão passando pelo Awawoiá.

Jovens descansam durante poucos minutos entre cada combate de huka-huka. Foto: Fábio Pili

O Awawoiá é a passagem da criança para a fase adulta. O jovem Yawalapiti, entre 14 e 17 anos (a idade depende do participante), começa uma preparação para se tornar um adulto respeitado diante da tribo. Para isso, fica isolado dentro de sua casa, sem nenhum contato com mulheres, sem poder sair e participar do cotidiano tribal. A exceção é o treinamento diário de huka-huka, uma das condições para o fim da transição. Até o banho acontece à noite, quando os outros índios não usam mais o rio. O Awawoiá só termina quando o treinador do jovem o considera preparado, o que pode durar de dois a cinco anos.

PS – Fernando pede espaço para comentar que depois de vários dias tomou água gelada, em segredo, na casa do Kokoti.