Entrevista: Oswaldo Reis

Jornal do Brasil – Em julho de 1967, o médico Oswaldo Reis chegava à Brasília como um dos fundadores do Departamento de Ciências de Saúde da Universidade de Brasília (UnB). Na época, empolgado com a proposta inovadora do novo curso superior, o jovem doutor de 30 anos deixou seu trabalho com medicina tropical em países da América Central pela Organização Mundial da Saúde para se dedicar ao projeto na Nova Capital.


"O que a gente fez primeiro era evitar que isso não fosse um turismo. (…) Eu não queria isso, então eu criei atividade curricular. Todas as áreas da universidade tinham um estágio rural não obrigatório." Foto: Fábio Pili

Dois anos mais tarde, Reis assumia como Decano de Assuntos Comunitários, cargo que manteve até 1976. Nesse período, montou o campus avançado da UnB em Aragarças, MT. O ponto recebia estudantes que participavam do Projeto Rondon e serviu como uma importante base de apoio para o desbravamento da região localizada próxima ao Parque Indígena do Xingu. Os universitários prestavam assistência para garimpeiros, pioneiros que fundavam novas cidades e aos índios que habitavam uma região ainda pouco conhecida.

O médico conversou com o Jornal do Brasil e Rota Brasil Oeste sobre os desafios e a importância da interiorização da saúde pública no Centro-Oeste.

– Como foi a implantação do Campus Avançado da Universidade de Brasília?

– Em 1969, eu fui para o Chile, logo que retornei, criei o campus avançado da Universidade de Brasília, que era parte do projeto Rondon. Mas eu era crítico da maioria dos outros campi. Tinha um teco-teco na UnB, ganhado na época do Darcy, que foi exatamente para fazer trabalhos antropológicos. E esse teco-teco estava encostado, inclusive tinha um piloto da universidade que não fazia nada. Então a gente recuperou esse teco-teco, que se chamava Espírito de Filadélfia e o piloto era o Custódio, muito conhecido na região. Comecei então a trabalhar, indo de teco-teco para a região todo fim de semana e comecei a montar o campus avançado.

– E como era a preparação para os alunos que ia à região?

– O que a gente fez primeiro era evitar que isso não fosse um turismo. Era muito comum o cara conhecer a região amazônica e bater foto com índio, com papagaio ou com macaco. Eu não queria isso, então eu criei atividade curricular. Todas as áreas da universidade tinham um estágio rural não obrigatório. Quem quisesse aquela disciplina, tinha de ter interesse e supervisão docente. Eles iam para lá por períodos determinados, de acordo com cada estágio, de cada carreira. Eu tinha dois médicos docentes permanentes na área. Eles eram professores assistentes da universidade e ficaram morando lá e coordenavam localmente as atividades.

– O campus era multidisciplinar?

– Sim, todas as áreas da UnB. Por exemplo, o pessoal de pedagogia ia para lá para treinar as professoras leigas, capacitá-las. Então tinha um professor da UnB, que é o Paulo Vicente Guimarães, que era também o que dava suporte na região. O fundamental, para nós, era que eles não substituíssem o pessoal local, que era contrário à filosofia que o Projeto Rondon tinha de levar aluno para substituir os locais. O nosso objetivo era treinar indivíduos, fazer treinamento em serviço. Enfim, todas as áreas da UnB atuaram lá, o pessoal de geologia também, que fazia estudos mineralógicos naquela região toda, e faziam com os alunos.

– Como funcionava a assistência no caso da saúde?

– Nós treinávamos estudantes para ser médicos rurais. Criei um programa de educação continuada, pegando esse aluno formado, interiorizando-o em cidades do Centro-Oeste. Os municípios que tinham o interesse, eu estudava as condições para ver se era viável e fazia um chamado consórcio intermunicipal. Isto é, para reunir recursos de vários pequenos municípios para manter um profissional em tempo integral na região. Isso foi um trabalho de interiorização e de saúde pública. Eram médicos treinados com a patologia, com os problemas de medicina tropical.

– Como era a estrutura?

– Nunca me preocupei em conseguir equipamentos sofisticados para a região. O que eu queria era mostrar como era um hospital rural. Eu podia pegar equipamentos do hospital de Sobradinho, ou do meu laboratório de pesquisas do minhocão e colocar lá. Mas não me interessava. Queria um hospital real, fazer os exames comuns de qualquer cidade do interior. A preocupação nossa era não artificializar. O cirurgião trabalhava lá com as condições de roça.<~/p>

– Quais eram os atendimentos mais comuns?

Aragarças estava dentro do paralelo para ganhar incentivos fiscais, aquelas grandes fazendas iam nascendo. Empresários do sul estavam comprando terras lá e começaram a entrar para fazer a sua exploração. Eu reunia essas pessoas e mostrava que seria um investimento com alto retorno se ajudassem os nossos hospitais. Ali é uma zona de malária, de leshmaniose, de febre amarela. Um indivíduo com malária perde vários dias de trabalho. Isso tem um custo. Nós mostramos que se eles permitissem a gente treinar um capataz da fazenda para as coisas mais elementares. Aí, através de rádio eu dava instruções. E toda vez que precisasse internar um peão de uma fazenda dessas também não era gratuito. Tinha uma lista de soro, de seringas, de gases, de remédios. As vezes, os fazendeiros se reuniam e me davam uma quantia em dinheiro para comprar material.

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