Novos assassinatos agravam o quadro de violência contra os povos indígenas

ISA – As mortes de um índio Xukuru e outro Aticum, em 07/02, resultam de conflitos ligados à desintrusão da Terra Indígena Xukuru (PE). Este é o quarto caso de assassinato de índios no país, desde o começo do ano. Contra essa situação, 32 etnias lançaram o documento Nunca mais um mundo sem nós, os povos indígenas.

O mais recente assassinato de índios no Brasil aconteceu no município de Pesqueiras (PE), a 214 quilômetros de Recife, na última sexta-feira, 07/02. Josenildo José dos Santos, índio Xucuru, e José Adeílson Barbosa da Silva, da etnia Aticum, faziam segurança não-armada para o cacique Marcos Luidson de Araújo e foram mortos por um grupo de pistoleiros durante emboscada que tinha como alvo o cacique, que escapou.

Revoltados, índios Xukuru incendiaram casas e veículos de pessoas ligadas ao suposto mandante do crime, o índio Xukuru Expedito Cabral, conhecido como Biá, que está foragido. O revide provocou um novo incidente, em que seis índios foram baleados. Eles permanecem internados num hospital de Caruaru.

O conflito entre os índios é resultado da intervenção da Igreja local, da prefeitura e de fazendeiros (veja quadro abaixo), no contexto da desintrusão da Terra Indígena Xukuru, que já está demarcada. “A elite local financiou o Biá, que nunca lutou pelos direitos dos índios, na tentativa de rachar o movimento dos Xukuru. Isso não aconteceu e agora tentaram uma medida desesperada”, relatou Roberto Santos, missionário do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) de Pernambuco.

Outros assassinatos

Com os crimes em Pesqueiras, a onda de violência sobre os povos indígenas desde o começo do ano se intensificou e tornou-se mais alarmante. No dia 02/01, o corpo de Aldo da Silva Mota, Macuxi de 52 anos, foi encontrado próximo à fazenda Retiro, vizinha à Terra Indígena Raposa-Serra do Sol (RR), cuja homologação pelo governo federal – que ainda não ocorreu – tem causado conflitos intensos na região. Em 08/01, Leopoldo Crespo Kaingang, de 77 anos, foi espancado até a morte em Miraguaí (RS), vítima da crueldade de três jovens. Marcos Veron, cacique Guarani-Kaiowá de 72 anos, morreu no dia 13/01, em decorrência de um confronto com peões na fazenda Brasília do Sul, município de Juti (MS). Esse povo está em conflito constante com fazendeiros que ocupam áreas de sua terra tradicional. No último dia 05/02, outro incidente aconteceu, mas felizmente sem mortos. Os índios Kaxinawá Anastácio Maia, 84, sua mulher, Maria Rosa, 82 e seu filho, José Maia, 36, foram baleados no município de Jordão (AC), a mando de um vereador da cidade, devido a brigas entre as duas famílias.

O caso dos Xukuru volta a pressionar o governo federal no sentido de tomar uma atitude mais incisiva em relação às questões indígenas no Brasil. A Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) informou que, a exemplo dos conflitos na Terra Indígena Raposa-Serra do Sol (RR), toda a situação de violação de direitos humanos será acompanhada de perto. Mas os povos indígenas querem medidas mais abrangentes e durante o III Fórum Social Mundial, realizado no fim de janeiro, em Porto Alegre (RS), lançaram uma série de reivindicações no documento intitulado Nunca mais um mundo sem nós, os povos indígenas, assinado por 32 etnias.

Entenda o caso Xukuru

De acordo com o deputado federal Fernando Ferro (PT-PE), que acompanha os conflitos envolvendo os Xukuru e a elite do município de Pesqueiras, a maioria dos posseiros da região quer negociar a saída da área, mas um pequeno grupo de fazendeiros se recusa, na expectativa de permanecer na Terra Indígena ou de aumentar o valor das indenizações a serem pagas.

“Esses fazendeiros, apoiados pelo prefeito de Pesqueiras, manipulam um grupo de 70 Xukuru para prejudicar a implementação da Terra Indígena”, disse Ferro. Na região existem cerca de seis mil índios, espalhados em 24 aldeias, sendo que três delas são habitadas por grupos ligados ao Biá. A Igreja local também é acusada de apoiar o grupo de Biá e estimular o conflito.

Segundo o antropólogo José Augusto Laranjeira Sampaio, da Associação Nacional de Ação Indigenista da Bahia (Anai), que acompanha a trajetória dos Xukuru em Pernambuco desde 1982, o objetivo da Igreja em Pesqueiras é estabelecer, numa parte da área indígena, o Santuário de Nossa Senhora das Graças, um pólo de turismo religioso. Laranjeira ressalta que desde a década de 90 os Xukuru são um povo bastante coeso, devido à liderança produzida pelo cacique Xicão, o pai do atual cacique Luidson assassinado em 1998. “O grupo ligado ao Biá é muito reduzido e só se sustenta pelo apoio da prefeitura, que lhe deu um cargo de assessoria, da Igreja e dos fazendeiros locais.”

Com o acirramento dos conflitos após o atentado de 07/02, o deputado Fernando Ferro pediu a presença na área da Polícia Federal e da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) para garantir a integridade física dos índios e acompanhar as investigações sobre o crime. Até o momento, um suspeito foi preso.

O fato da SEDH ter acompanhado diretamente o caso sinaliza uma nova postura do Estado brasileiro, já que o governo Fernando Henrique foi denunciado no ano passado à Corte Interamericana de Direitos Humanos por negligenciar o caso Xukuru. Nos últimos anos, quatro pessoas foram assassinadas em decorrência da disputa de terras na região.

“Nilmário Miranda (secretário da SEDH) afirmou que vai pedir ao Presidente da República a rápida liberação da verba para as indenizações em Pesqueiras, bem como a reestruturação da Funai local, que é acusada de corrupção e de conivência com os fazendeiros”, disse Ferro. Para ele, a desintrusão diminuirá sensivelmente os conflitos.

Ricardo Barretto

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