Crescimento agrícola ameaça os répteis do Cerrado

Agência Brasil – ABr – O Cerrado é apontado hoje como um dos mais ricos biomas brasileiros, mas ainda é pouco conhecido. Um dos seus principais habitantes são os lagartos, répteis que podem alcançar 1,5 metro no Brasil e até três metros em outras regiões do planeta. Preocupado com a ameaça de extinção que paira sobre esses animais, Guarino Colli, professor da Universidade de Brasília (UnB), coordena um grupo de pesquisas de herpetólogos (estudiosos de répteis e anfíbios), cujo objetivo é buscar informações sobre a distribuição geográfica, os hábitos, a dieta, a reprodução, o comportamento e a identificação das espécies de lagarto no Cerrado.

“No Cerrado existem cerca de 50 espécies de lagartos. Quando encontramos uma espécie sem identificação, ela tem que ser descrita em uma publicação especializada. Só a partir de então, o nome da espécie passa a existir para a comunidade científica”. Cerca de 25% das espécies de lagartos do Cerrado são endêmicas, ou seja, são originárias dessa região, observa Colli.

Esses animais vivem em quase todos os ambientes (subterrâneos, aquáticos, terrestres e arbóreos). A maioria tem quatro patas e coloca ovos, mas existem alguns que são vivíparos – a fêmea gera filhotes. Alimentam-se dos artrópodes (insetos, aranhas, escorpiões, grilos e formigas), mas há também os herbívoros que preferem as plantas, caso das iguanas. Além de serem, na maioria, animais de hábitos diurnos, alguns indivíduos são crípticos, quer dizer, têm a capacidade de se camuflar no ambiente.

Segundo o pesquisador, os lagartos brasileiros só mordem quando ameaçados, mas não são venenosos. Os que têm essas características só são encontrados nos Estados Unidos, México e Guatemala. Colli diz que curiosamente algumas pessoas acham que o jacaré é um lagarto mas, na verdade, o jacaré é mais aparentado com as aves que com os lagartos. Já os dragões da Ilha de Komodo, na Indonésia, esses sim são lagartos. Além disso, explica o professor, as cobras são lagartos sem pernas.

Colli conta que a ameaça de extinção desses animais é reflexo da indiscriminada ocupação do Cerrado, apesar de ver uma robusta inquietação com o meio ambiente por parte dos órgãos governamentais. “Todos vimos o que aconteceu com a Mata Atlântica, no início do século XX e hoje há uma preocupação enorme com a sua recuperação. Os pecados do século passado ainda podem ser perdoados, já que não havia uma consciência preservacionista na sociedade. Hoje, a sociedade já sabe quais as conseqüência do desmatamento. Mas, mesmo assim, estamos vendo a repetição dos mesmos erros”.

“O Cerrado tem uma área maior do que a Mata Atlântica. Se não frearmos esse desmatamento, dentro de 20 anos o Cerrado desaparecerá. É um problema complexo porque envolve uma questão econômica. O Brasil depende muito da exportação para ter a balança comercial positiva. Boa parte da exportação é feita por meio dos grãos, da soja, do milho. E o Cerrado é grande produtor dessas sementes”, destaca Colli.

Na opinião do pesquisador, em função do fator econômico muitas pessoas fecham os olhos para os problemas ambientais. A soja, hoje, é a principal causa da ocupação do Cerrado. “Na Constituição Brasileira, os ecossistemas são protegidos por lei como a Amazônia, a Caatinga e a Mata Atlântica, mas o Cerrado sequer é mencionado. Isso porque é fronteira agrícola. Tem muita gente ganhando dinheiro com a produção de soja. Se produz muito hoje e isso é bom, mas e daqui a 20 anos quando não tiver mais Cerrado?”, indaga.

Há nove espécies de lagartos que já integram as listas de animais ameaçados de extinção no Ibama. Além da questão da cultura da soja, eles são mortos também por causa da valorização do couro para a confecção de roupas e calçados. E há ainda os apaixonados pelos bichos que os compram como animais de estimação e alimentam o tráfico de animais. Uma das espécies mais comercializadas é a iguana.

“Sou contra a domesticação desses animais porque, em primeiro lugar, é ilegal. A Legislação nacional diz que não se pode manter animais silvestres em cativeiro, a não ser mediante uma licença do Ibama. Esse tipo de atividade estimula o tráfico, além de, em casa, não se ter as condições adequadas para manter esses animais”, afirma Colli.

No Brasil não temos muitos problemas de tráfico (importação) desses animais. Na Europa e nos Estados Unidos, o tráfico tem sido um problema constante. Tem muita gente criando esses bichos em casa e boa parte sai ilegalmente de países como o Brasil. “Isso pode prejudicar a cadeia alimentar de ecossistemas desses países. Se esse animal cai no ecossistema, ele se torna uma presença exótica, desequilibrando todo o meio ambiente. Ainda não temos problemas desse nível no país, mas começamos a identificar problemas com a rã-touro-gigante, proveniente de outros países”, comenta o pesquisador.

Uma das queixa de Colli é que, apesar de toda essa riqueza do Cerrado, Brasília não tem um museu de história natural. “Qualquer país da América do Sul tem o seu em sua capital. Eles têm um papel muito importante na vida cultural da cidade, servindo como incremento à educação, como um lugar que desenvolve ciência e pesquisas. Brasília perde muito nesse aspecto da vida cultural, pois praticamente a única mostra de história natural é o Zoológico que, apesar de todas as limitações, é a única opção para ser ver a fauna do Cerrado e se aprender alguma coisa a respeito dela”, ressalta.

Para Colli, a inexistência de um museu em Brasília é uma questão política. Falta visão aos governantes para compreender o potencial desse espaço. “Temos aqui no departamento de Zoologia do Instituto de Ciências Biológicas da UnB, uma das mais importantes coleções da fauna de anfíbios e répteis do país. Certamente a maior do Centro-Oeste. São em torno de 40 mil espécimes. Todavia, não temos estrutura para deixar que pessoas venham ver os animais. A universidade tem várias coleções científicas espalhadas nos departamentos que poderiam contribuir para a consolidação de um Museu de História Natural, que demanda tantos esforços do governo. Coleções científicas não só atendem aos cientistas, mas também à sociedade em geral em termos de lazer, educação e turismo”, lembra.

“A nossa maior preocupação é com a conservação do Cerrado. Temos nos esforçado para nos tornar um centro de excelência do Cerrado. Muito do que podemos fazer, se perde, porque a informação que produzimos não chega ao grande público. A universidade fica, muitas vezes, afastada. Se tivéssemos um Museu de História Natural em Brasília, todos sairiam ganhando e muito mais poderiam aprender sobre o que o Cerrado tem”, conclui o pesquisador.

Camila Cotta

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