Representantes da sociedade civil expõem frustração com a COP-8

Enquanto aguardavam o início da plenária final da 8a Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica, que se encerrou na sexta-feira, 31 de março, participantes foram convidados a fazer uma breve avaliação do evento, apresentado como o mais importante realizado no país desde a Rio-92. As opiniões, em sua maioria feitas em tom de desabafo, apontam que, com exceção da moratória às tecnologias Terminator, não houve avanço sobre os principais temas discutidos. Leia a seguir alguns trechos dos depoimentos.

Martin Kaiser, do Greenpeace Internacional
“Basicamente, essa conferência foi um fracasso. Perdeu-se a oportunidade de estabelecer acordos para brecar a perda global da biodiversidade e práticas ilegais e destrutivas de extração madeireira ou de exploração marinha. Foram adiadas decisões de combate à biopirataria e a respeito da adoção de um regime internacional de acesso e repartição de benefícios, em vez de negociar essas questões aqui. Em relação ao financiamento da CDB, os Estados Unidos querem enfraquecer as contribuições do GEF para a biodiversidade, e os outros países doadores não pretendem dar mais dinheiro. Também não se chegou a nenhum resultado sobre financiamento a áreas de proteção marinhas ou terrestres. Sobre a meta de redução de perda de biodiversidade até 2010, nenhum país estava realmente preparado e teve vontade política para que fosse atingida. O Brasil, como anfitrião da conferência, fracassou em desencadear uma agenda para a criação de novos mecanismos de financiamento para a proteção da biodiversidade.”

Lim Li Lin, da Rede do Terceiro Mundo
“Esta foi uma das mais intensas e difíceis COPs das quais eu já participei. O tema particularmente mais difícil foi o de acesso e repartição de benefício. Nós não estávamos nem discutindo a sustância do regime internacional, mas seu modus operandi. Isso é muito crítico, porque os países em desenvolvimento querem um processo claro, com um cronograma definido a respeito de quando terminaremos as negociações, e os países desenvolvidos, tais como Austrália, Nova Zelândia e Canadá, não querem um regime de nenhuma maneira. Nós tivemos, entretanto, decisão boa em relação às sementes Terminator. Por causa da pressão pública de fora e do bom trabalho dos negociadores, a moratória foi mantida. Em relação às árvores transgênicas, existe uma decisão de que seja aplicado o princípio de precaução porque não existem suficiente dados, conhecimento e capacidade técnica acumulada sobre o assunto. Não é a melhor decisão que poderíamos ter tido. A melhor decisão seria a moratória às árvores transgênicas, mas, dentro das circunstâncias, ao menos existe um acordo de que existem efeitos de longo prazo e transfronteiriços, pouca informação a respeito dos impactos no meio ambiente e também foram reconhecidos os possíveis impactos sobre comunidades indígenas e locais. Parte da decisão é que esse tema será discutido no SBSTTA – órgão subsidiário de aconselhamento científico, técnico e tecnológico da CDB – e redefinido na COP-9; então, daqui até lá nós temos muito trabalho pela frente.”

Marciano Toledo da Silva, da Via Campesina
“De certa forma ela reflete o que está acontecendo em outras convenções: todas as questões estão virando produtos comercializáveis. Os resultados da conferencia não foram satisfatórios. Tivemos grandes vitórias, como a moratória aos GURTs e a adoção do princípio de precaução em relação às árvores transgênicas, mas muitos pontos não avançaram, empurrados para serem discutidos daqui a alguns anos, e a redução da perda da biodiversdade até 2010 não vai ser conquistada e, até lá, perderemos muita biodiversidade e consequentemente conhecimento tradicional associado.”

Fernanda Kaingang, do Instituto Indígena Brasileiro para a Propriedade Intelectual
“Os povos indígenas do mundo estão frustrados. A gente assistiu aos países iniciarem uma negociação sobre a criação de um regime internacional de acesso repartição de benefícios na qual eles não reconhecem o nosso papel de protagonistas na conservação da biodiversidade, não reconhecem o nosso direito de decidir sobre o uso dos conhecimentos tradicionais – o consentimento prévio e informado e o direito de dizer não, eu não quero o acesso. Países desenvolvidos como o Canadá, Austrália e Nova Zelândia sistematicamente resistiram a reconhecer os direitos fundamentais dos povos indígenas. Por que durante a discussão do regime internacional e dentro da convenção todo mundo se lembra da OMC, da OMPI, mas ninguém se lembra dos tratados de proteção dos direitos indígenas, como a Convenção 169? Saímos frustrados. Mesmo em relação ao artigo 8j nós não vimos nenhum avanço. Mais uma vez a voz e a participação dos povos indígenas foi restrita. Esperamos que nas próximas COPs se passe a retroceder menos e a implemente mais um pouco do muito que já foi discutido.”

Ricarda Steinbrecher, da Federação dos Cientistas Alemães
“Em termos do que essa conferencia conquistou, parece que foi muito pouco, o que é muito triste, uma vez que é essa é única convenção internacional que nos temos com mandato para proteger a biodiversidade e o seu uso sustentável. Nós deveríamos passar para frente o eu nos foi dado e nós estamos fazendo uma bagunça disso. Sobre as questões que acompanhei na COP-8, acho que são únicas bem–sucedidas: a reafirmação da moratória às tecnologias Terminator, o que é crucial, especialmente quando pensamos em termos dos impactos sobre as comunidades indígenas e locais e pequenos agricultores, e a outra foi a adoção do princípio de precaução em relação às árvores transgênicas. Todos concordaram que não temos dados suficientes, não sabemos quais são os impactos e potenciais destrutivos sobre os ecossistemas florestais mundiais.”

Ângela Cordeiro, do Centro Ecológico – Assessoria e Formação em Agricultura Ecológica
“Não sei se é muito pessimista, mas a minha avaliação é de que temos uma série de derrotas consolidadas. Acho que os textos aprovados são versões enfraquecidas das propostas iniciais. Prevaleceram as propostas de eliminar qualquer coisa que envolvesse incentivo para a biodiversidade local e participação das comunidades locais, não só nas discussões especificas de 8j e ABS, mas em outros temas. Essa foi uma prática do Canadá, da Austrália e da Nova Zelândia. Acho que isso reflete um despreparo, uma incapacidade e falta de coordenação de outras delegações, inclusive a do Brasil. Acho que a decisão a respeito das árvores transgênicas ficou ruim. Temos também algumas outras derrotas adiadas, como é o caso do Terminator, uma vez que a gente nunca sabe o que vem na próxima COP. O que a gente tem ouvido dos povos indígenas eles também estão bastante frustrados.”

Marcos Terena, do Fórum Indígena Internacional sobre Biodiversidade
“A participação dos povos indígenas no Brasil aqui na COP-8 foi importante para mostrar que a megabiodiversidade do Brasil envolve também uma sociobiodiversidade. Em relação às discussões e decisões, em todo processo da ONU não podemos falar como agentes principais, quem fala por nós sãos os Estados. Além disso, os acordos são definidos nas plenárias oficiais, onde nós não podemos participar.”

Michael Schmdleher, da Amazonlink.org
“Esse é um processo muito, muito lento. O que é um problema, uma vez que a adoção de um regime internacional de acesso e repartição de benefícios é uma questão urgente. E, nesse ritmo, a gente vê vai demorar muito para sair. Outra notícia preocupante é a que diz respeito da intenção dos Estados Unidos de diminuir em 50% as contribuições para o Fundo Mundial para o Meio Ambiente. A gente percebe que a CDB e

stá um pouco afastada da realidade. As decisões tomadas aqui não têm tanta validade, pois, muitas vezes, outras práticas e outros acordos internacionais, como os da OMC, prevalecem. Além disso, a gente está vendo que a mídia nacional e internacional deu pouca atenção à conferência.”

Edna Marajoara, da Cooperativa Ecológica das Mulheres Extrativistas do Marajó
“Nós participamos de todo o processo e durante as decisões sobre acesso e repartição de benefícios as discussões foram feitas em inglês, sem tradução, e a gente não tinha como acompanhar. Acho que o governo brasileiro deveria prover um intérprete para acompanhar as comunidades tradicionais. Em relação às decisões, nós temos uma proposta de regime internacional de acesso a repartição de benefícios que vai começar a ser discutida daqui a quatro anos. Isso até parece a questão dos transgênicos. Daqui a alguns anos os nossos conhecimentos tradicionais terão sidos todos violados. E aí, eles vão proteger o quê?”

José Naim Perez, Machupe, Chile, do Fórum Internacional Indígena sobre Biodiversidade
“Eles nos deixam com um sabor amargo em nossas bocas. Não houve nenhum avanço em relação às questões dos povos indígenas. Eles não querem se comprometer com os direitos indígenas. Eles não querem entender que o acesso à biodiversidade e aos recursos genéticos muitas vezes afeta diretamente os povos indígenas. E se eles não estabelecerem um mecanismo sobre acesso e repartição de benefícios vai ser muito complicado, porque nós não vamos permitir que eles se apropriem dos nossos últimos recursos e de nossos conhecimentos.”

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