Novas invasões madeireiras ameaçam paz entre aldeias no Xingu

O Parque Indígena do Xingu (PIX), no noroeste do Mato Grosso, segue sendo ameaçado por invasões de madeireiras clandestinas. Se no final de 2005 um um grupo de caciques denunciou um foco de extração ilegal de madeira nos arredores de uma aldeia Trumai, no limite oeste do PIX, agora é a vez de lideranças Ikpeng pedirem auxílio ao governo federal para evitar o alastramento do desmatamento perto de uma aldeia desta etnia. Os índios afirmam que se os órgãos responsáveis não intervierem pode haver conflitos violentos entre aldeias, fato até hoje inédito na reserva indígena criada nos anos 1960 e que hoje é habitada por uma população de 5 mil pessoas de 14 etnias distintas.

Em ofício enviado no começo deste ano à Fundação Nacional do Índio (Funai), a Associação Indígena Moygu Comunidade Ikpeg (AIMCI) relata a gravidade da situação na aldeia Ronuro que, não por coincidência, é vizinha à aldeia Terra Nova, dos Trumai, onde 800 hectares de floresta foram desmatados entre 2004 e 2005. O relato das lideranças Ikpeng, aliás, se refere também às irregularidades na aldeia Terra Nova: “Desde dezembro de 2004 está ocorrendo a retirada de madeira… atividade esta que é de conhecimento da Funai, não tem autorização nenhuma por escrita… Sabemos que a retirada de madeira dentro de área indígena é uma atividade ilegal, no entanto esse acontecimento tem vindo com outras irregularidades. Constatamos a presença de pessoas não autorizadas a entrar em área indígena, com o agravante de estarem portando armas de fogos”, afirmam os Ikpeng. “O fato é que os empregados da madeireira que atua na área participam e estimulam quase que semanalmente de festinhas como forró. Os riscos de contaminação por doenças como DST, AIDS é grande, pois as relações sexuais interétnicas estão recorrentes e até casamentos com índias.”

Cópias deste ofício foram enviadas para Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Ministério Público Federal, Polícia Federal, Ministério do Meio Ambiente e organizações da sociedade civil, entre elas o ISA, que testemunha a ausência de medidas efetivas por parte dos órgãos federais para combater o desmatamento dentro do parque. “Depois da denúncia dos caciques em 2005, o Ibama realizou uma ação na área atingida e afastou os invasores. O problema é que ficou nisso”, diz André Villas-Bôas, coordenador do Programa Xingu do ISA. “Como não houve um monitoramento permanente do problema, em pouco tempo os madeireiros voltaram para dentro do parque expandindo sua área de atuação”.

A inoperância das autoridades para reprimir as invasões dos madeireiros tem posto em risco as relações pacíficas estabelecidas entre as aldeias das diferentes etnias xinguanas. Na denúncia feita ao governo federal, as lideranças Ikpeng advertem que, se nada for feito para acabar com o desmatamento dentro do parque, poderão entrar em guerra contra os invasores e os índios que estão associados à atividade ilegal. “Diante da gravidade desta situação… vimos solicitar tomada de devidas providências cabíveis urgentes, para impedir a continuidade da retirada de madeira e as conseqüências maléficas que essa atividade tem trazido para dentro do Parque Indígena do Xingu. Ou temos que trazer a imprensa para mostrar a realidade no nível nacional e internacional. Outrossim, queremos informar que se não houver solução… os guerreiros Ikpeng resolveram de forma violenta. O prazo que os guerreiros vão esperar é trinta dias…”.

O administrador regional da Funai no PIX, Tamalui Mehinako, esteve nas duas aldeias cujos caciques associaram-se aos madeireiros dos municípios vizinhos e já avisou a presidência da Funai do risco de um conflito entre índios. Em relatório interno, Tamalui diz que “As ações de exploração madeireira têm causado indignação nas comunidades indígenas adjacentes, o que pode evoluir para atitudes de confronto entre os índios. As ameaças foram feitas aos grupos que têm praticado o corte ilegal das árvores, e podem ser cumpridas, caso a Funai não intervenha de forma eficaz, com a proibição dessa exploração e fiscalização permanente dessas áreas”.

“Lá não tem mais mato não”

A visita do administrador do parque as aldeias envolvidas foi em julho do ano passado e a impressão, muito negativa. “Lá não tem mais mato não”, afirma Tamalui. “Andei muito pela Aldeia Terra Nova e só vi trator, caminhão de tora e muitos brancos acampados”. O servidor conta que o cacique Ararapan Trumai, ao conversar com ele, demonstrou estar arrependido de abrir as portas do PIX para os invasores. “Ele me falou que perdeu a cabeça e que percebeu que está destruindo o Xingu. Disse também que só fez negócio com os madeireiros pois não recebe da Funai carro, combustível e alimento”. Tamalui diz que as justificativas do cacique não o convencem. “Ninguém no Xingu está passando fome, então não precisa fazer isso. Para mim o que ele quer mesmo é viver que nem fazendeiro, andando em carro de luxo”.

Já na aldeia Ronuro, segundo o relato de Tamalui Mehinako, a retirada das toras conta com a autorização do cacique local, Ataki Ikpeng. “Ele me disse que viu seu parente Ararapan ganhar dinheiro e os madeireiros chegarem à área dele, então resolveu entrar no negócio. Disse que só vai parar se o outro cacique também parar”. O administrador do parque, contudo, afirma que nem dinheiro os caciques envolvidos no esquema conseguem ganhar. “Todo o lucro fica com os brancos, os índios não conseguem nada, apenas se endividar”.

O problema é que a falta de recursos atinge também a própria Coordenação de Fiscalização da Funai. Tamalui diz que desde o ano passado aguarda a liberação de verbas para que os fiscais do Xingu possam vistoriar os pontos mais vulneráveis da reserva em condições mínimas de trabalho, o que inclui equipamentos de rádio, barcos a motor e combustível. Enquanto o apoio não chega, novas invasões pipocam no Parque Indígena do Xingu. Na semana passada Tamalui recebeu em seu escritório em Brasília um radiograma de Alupá Kaiabi, coordenador de fiscalização alocado no parque, que alerta para nova denúncia de extração ilegal de madeira na região norte do PIX. “Não sabemos se dentro ou fora da reserva, por este motivo necessitamos deslocar uma equipe até o local…outrossim informar se o combustível da fiscalização que estava empenhado já está liberado. Aguardo resposta”.

Xingu enfrenta avanço de DSTs, diabetes e obesidade

De acordo com o médico sanitarista Douglas Rodrigues, o atendimento prestado pela Unifesp – iniciado em 1965 – faz do Xingu uma exceção positiva em relação ao panorama da saúde indígena no Brasil, mas não consegue avançar em ações de prevenção e promoção de saúde, e fica "correndo o tempo todo atrás das doenças". Ele afirma ainda que o convênio da universidade com a Funasa também sofre com atrasos nos repasses de recursos e que a fundação ainda não conseguiu adequar o modelo de atendimento às especificidades dos povos indígenas. Leia a seguir a entrevista na íntegra.

Qual sua avaliação do sistema de saúde indígena atual?

Douglas Rodrigues – Eu vivi o tempo em que a Fundação Nacional de Índio (Funai) era a responsável pela saúde indígena e acompanhei a entrada em cena da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e a mudança a partir de 1999, com a criação dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas, os Dseis. Essa mudança foi boa, pois melhorou o acesso dos índios aos serviços de saúde. Os indicadores mostram isso, a mortalidade infantil diminuiu, ainda que a Funasa não tenha um sistema de informação confiável. O Sistema Único de Saúde (SUS) ter incluído a saúde indígena dentro de seu escopo foi também um grande avanço. Isso é inquestionável. Hoje existem propostas para a Funai reassumir o sistema. Acho que isso vai ser uma catástrofe, pois a Funai não tem estrutura nem quadros para isso e já mostrou ao longo dos anos que não consegue fazer. Quando o Ministério da Saúde assumiu o sistema, o orçamento da saúde indígena cresceu muito. Mas ter dinheiro, é importante dizer, é apenas o começo.

O que mais deve acontecer?

A Funasa não adequou sua cultura institucional, eles continuam trabalhando com os índios como no tempo que em que controlavam malária no meio do mato. Às vezes o pessoal da Funasa me pergunta quantos índios têm no Xingu para mandar cesta básica, e eu digo que não é assim que funciona. O refinamento do modelo, adequar o atendimento a cada área, isso não foi feito. Não dá para pasteurizar ações desde Brasília. E isso talvez implique mais pessoal preparado, formado para isso de forma multidisciplinar. E isso a Funasa não consegue fazer. Por que não consegue fazer? Primeiro porque a fundação não tem quadro, ela terceiriza tudo. E terceiriza do jeito que dá, meio assim: ‘com quem tiver eu faço’. Há poucas ONGs preparadas com experiência acumulada. E tem que capacitar as outras parceiras, como as associações indígenas. Senão não se cria competência técnica.

O que você quer dizer com adequar a cultura institucional?

Eles precisam entender que o trabalho de saúde indígena é muito complexo. São 400 mil índios aldeados no Brasil, mas cada mil são diferentes dos outros mil e estes dos outros 500 e por aí vai. As situações são muito distintas. Então os critérios comuns de saúde pública, como um médico para dois mil habitantes – que valem para cidades como São Paulo -, não servem ao Xingu, nem para o Dsei Yanomami, onde talvez seja necessário um médico para 500, 300 habitantes. Os índios são muito vulneráveis, estão em locais distantes e de difícil acesso.

Qual a mudança mais urgente?

O Estado brasileiro tem que possibilitar a gestão indígena do sistema. Como isso (a capacitação das associações indígenas) nunca foi feito, muitas associações simplesmente quebraram. Outra coisa é que as associações indígenas existem para defender os direitos dos índios, para brigar com o Estado por estes direitos. E o modelo atual as torna dependentes do Estado, do financiamento, e elas ficam com o rabo preso. Hoje o que você encontra nas coordenações regionais são ‘consultores’, muitas vezes apadrinhados políticos, e isso aumentou muito neste atual governo. O processo seletivo não é claro, falta transparência e os cargos são totalmente loteados. E com muita rotatividade, o que impede a criação de lastro e entendimento do trabalho. Cada um que entra quer reinventar a roda. Isso ocorre em todos os lugares, com raras exceções. O Xingu é uma delas, graças à presença da Unifesp, pela qual a gente tem como capacitar as pessoas, oferecer perspectivas de estudo e aprimoramento profissional.

A crise da saúde indígena também atinge o trabalho da Unifesp no Xingu?

A parte administrativa e financeira da Funasa está dissociada da gestão do sistema de saúde, então a burocracia é muito grande e impede que os recursos cheguem a tempo. Temos recorrentes pendências de pagamento, normalmente pendências burocráticas. No ano passado estávamos para fazer uma campanha de vacinação – o que fazemos 4 vezes por ano – e não tinha dinheiro. Quando reclamamos pela imprensa, a Funasa disse que tinha problema na prestação de conta. Mas eles não tinham nos avisado que problema era esse. Assim não ia resolver nunca. Três dias depois da nossa reclamação, saiu o dinheiro. Então quem tem poder fogo, espaço na mídia para pressionar, passa por umas dificuldades, mas acaba realizando o trabalho. Mas nossos problemas são insignificantes perto do que companheiros de outros lugares passam. O panorama do atendimento de saúde indígena no Brasil é muito desigual.

Qual a diferença?

O diferencial no Xingu é que tem uma universidade por trás, que atua na região há mais de 40 anos e que acumulou muito conhecimento sobre aquela população. Temos registros epidemiológicos desde 1965. E o atendimento sanitário no Xingu, além de ter por trás uma instituição forte e um programa consolidado em quatro décadas de trabalho, é apoiado diretamente pelos índios. Agora sei que em outras áreas, ONGs e associações indígenas ficam seis meses sem receber e não têm como trabalhar. E quando não tem dinheiro para salário, não tem também para gasolina, para motor, para remédio. E isso são as ações que chamamos de curativas. As de promoção de saúde, que são as que deveriam ser priorizadas neste modelo, nem chegam perto de acontecer.

O Xingu tem o melhor atendimento de saúde indígena no Brasil?

Em termos de modelo de atenção e de indicadores de saúde, o Xingu está entre os primeiros. O Xingu é parte da Escola Paulista de Medicina, hoje Universidade Federal de São Paulo. O que fazemos lá eu nunca vi em outras áreas: damos cobertura de 97%, índice superior aos de muitas cidade brasileiras. Na verdade não temos muita informação das outras áreas, mas sei que no Rio Negro, por exemplo, as condições são muito piores do que no Xingu. Os Guarani de São Paulo, mesmo estando no estado mais rico e desenvolvido da União, estão em péssima situação. Por isso conseguimos olhar para frente, planejar ações, e não apenas apagar incêndios.

Qual deveria ser a prioridade, prevenção ou cura?

Tem que ter recurso para as duas coisas. A prevenção é fundamental para termos menos doenças lá na frente, mas em muitos momentos você precisa de recursos, humanos e financeiros, para cuidar das doenças que estão acontecendo na hora. Com o passar do tempo, as ações de promoção vão diminuindo este componente de doenças, até o momento ideal em que este componente fica pequeno e trabalhamos basicamente com prevenção. Mas na situação atual isso nunca vai acontecer, pois não há recursos para a promoção da saúde indígena. Então ficamos sempre apagando incêndio, correndo atrás da doença. E ainda tendo que escolher quais doenças tratar, pois muitas vezes só dá para atacar as que oferecem risco de vida.

Quais são os principais problemas de saúde na população xinguana?

O que vemos é que no Xingu há uma epidemia de câncer de colo de útero. Em abril deste ano operamos 21 mulheres xinguanas, com lesões graves, sendo que o número de mulheres sexualmente ativas no parque, que é
o grupo de risco para o HPV (vírus causador das lesões) não passa de 900. E já perdemos duas mulheres no Xingu por causa disso, pela demora nos diagnósticos, nas operações. E estamos para perder mais uma paciente. O câncer de colo de útero é uma doença emergente introduzida há uns quinze anos no parque, o que em termos de saúde pública é uma introdução recente. Quando eu comecei a trabalhar no Xingu, há 25 anos, uma gripe colocava um indivíduo adulto e forte na rede, com 39 graus de febre, o pulmão chiando. Era um agente agressor novo. Com o passar do tempo, os organismos vão ser adaptando às infecções e as manifestações clínicas deixam ser tão floridas, como falamos no jargão médico. Talvez isso esteja ocorrendo com o HPV. Por ser uma doença recente as mulheres indígenas estão tendo uma reação de defesa mais exacerbada, em um processo inflamatório que gera alterações celulares e que pode levar à lesão cancerosa. Daqui a 40 ou 50 anos a convivência da população com este agente infeccioso vai fazer com que mecanismos secundários de defesa atuem e não provoquem tantos casos de câncer. Queremos fazer uma pesquisa para confirmar essa impressão.

Ou seja, os índios do Xingu estão mais ameaçados por doenças, digamos, modernas, do que por enfermidades que prevaleciam há duas, três décadas, como tuberculose, gripe e malária?

Sim. O Xingu não é mais um lugar isolado, as pessoas entram e saem o tempo todo, o povo de lá está em permanente contato com a sociedade branca, e junto com o contato vem o contágio. Antes só se chegava lá de avião, os índios ficavam restritos à área. Hoje vai todo mundo de carro para todos os lados. Outra mudança importante é a monetarização das relações dentro do parque. Hoje há muitos índios assalariados no Xingu, seja pela Funai ou por outras instituições e projetos. Então diminuímos a incidência das doenças chamadas tradicionais, mas têm novas doenças surgindo, muitas ligadas a um estilo de vida mais sedentário e à alimentação. Antes a malária matava terrivelmente. Hoje você tem 30, 40 casos por ano. Até a década de oitenta essa quantidade acontecia a cada semana. Ao mesmo tempo, naquela época não havia praticamente casos de hipertensão arterial ou obesidade no Xingu, nem diabetes. Isso não é mais verdade. Só na área da aldeia NGoyvere e dos postos indígenas Pavuru e Diauarum temos quase 40 pessoas hipertensas, tendo que tomar remédios. Tivemos dois óbitos por acidente vascular cerebral, os primeiros da história do Xingu. Já temos dois ou três índios usando marca-passos, devido a cardiopatias conseqüentes de hipertensão arterial.

Quais os outros impactos desta mudança no estilo de vida dos índios do Xingu?

A mudança de hábito leva também a dois extremos: obesidade e desnutrição, principalmente nas grávidas, nas crianças e nos idosos. E a desnutrição em crianças simplesmente praticamente não existia. Hoje temos 15 a 20% das crianças menores de cinco anos com algum grau de desnutrição. No Xingu não temos casos graves, tirando uma ou outra exceção. Mas isso está avançando. E é intrigante. Como em aldeias cheias de alimentos tem um monte de criança desnutrida? A conclusão a que estamos chegando, a partir dos relatos dos próprios índios, é que isso tem a ver com mudança de hábitos relativos aos cuidados com as crianças. Por exemplo, uma comida especial. No Xingu, uma criança pequena não come uma série de coisas, é só um ou outro peixe que pode comer, ela se alimenta basicamente de caldos. Isso vem se perdendo. Os antigos Kaiabi nos contaram que antigamente as crianças andavam com uma cuiazinha cheia de farinha de peixe, para cima e para baixo, isso não tem mais. Além do mais, as roças estão diminuindo, a rapaziada está mais interessada nas coisas da cidade do que em abrir roça. Quer mais arrumar trabalho para poder comprar arroz e feijão.

Outra coisa que está diminuindo ou mesmo acabando no Xingu é o intervalo interpartal, o que chamamos de ‘couvade’. O período durante o qual o casal não mantém relações sexuais, que entre os índios é de um a dois anos. Exatamente para evitar que venha um filho atrás do outro. O conhecimento tradicional diz que o sujeito não pode mexer com a mulher até o filho começar a andar. Por isso que muitos têm duas ou três mulheres. Mas agora ninguém respeita mais isso. E dizem que é ‘porque é assim que os brancos fazem’. Então, agora, há uma mulher grávida e amamentando, que em algum tempo vai ter sete, oito meninos para dar de comer, a roça vai ter que aumentar, e ela acaba cuidando mais de uns, menos de outros. Portanto, há uma conjunção de causas, mas não é falta de alimento, de disponibilidade de comida. Lá as pessoas plantam, o que está acontecendo é que a comida não está chegando na boca das crianças da forma adequada, da forma tradicional. Diferente da aldeia Guarani aqui em São Paulo, por exemplo, onde não tem espaço para plantar um pé de milho.

E a obesidade?

Esse é outro problema. Antes todo mundo remava seus barcos para cima e para baixo. Agora é só barco a motor. Cortava madeira no machado, agora com motossera. E tem também o aumento da ingestão de sal e de açúcar. Para a gente entender isso, temos que lembrar da teoria do gene econômico, que diz que populações que tem acesso a alimentos de forma sazonal, ou seja, de forma irregular ao longo do ano, com períodos de fartura alternados com períodos de escassez, como os povos indígenas, tem metabolismo diferente. Estas pessoas teriam em sua estrutura genética um ou mais pares de genes que fazem com que os indivíduos absorvam muito para poder armazenar nos períodos de escassez. São os tais genes econômicos. Agora, com a sedentarização fazendo com que se gaste menos energia nas atividades diárias, e a contínua oferta de alimento, o cara fica obeso e pode desenvolver diabetes. Esse problema atinge os índios norte-americanos desde a década de sessenta. Isso agora está acontecendo no Brasil. No Xingu tivemos até hoje dois casos de diabetes, ambos de mulheres de grandes caciques. E os índios, por terem o gene econômico, têm essa tendência de desenvolver a obesidade e diabetes. Estes problemas são ameaças importantes, atuais, e a Funasa não está nem pensando em tratar, o problema deles é conseguir vacinar, controlar a diarréia.

Povo Katukina faz alerta contra uso indevido do kampô, a “vacina do sapo”

Índios do Alto Juruá, no Acre, divulgam carta denunciando o uso não autorizado de seu nome na comercialização da secreção da perereca Phyllomedusa bicolor, cuja aplicação tem sido divulgada nas grandes cidades do País como uma terapia indígena milagrosa. Enquanto isso, a substância e suas moléculas são patenteadas no mundo todo e o governo federal tenta fazer do kampô um caso emblemático de repartição de benefícios associados aos recursos genéticos da biodiversidade brasileira.

A popularização do uso da secreção da perereca kampô (Phyllomedusa bicolor) nas grandes cidades brasileiras começa a preocupar os mais antigos detentores deste conhecimento, os Katukina, povo indígena do Alto Juruá, no Acre. No começo deste mês, a Associação Katukina do Campinas (Akac) divulgou uma carta solicitando que as pessoas que fazem a prática comercial da “vacina do sapo”, como a substância é conhecida, não utilizem o nome da etnia como forma de “legitimar” a atividade. A carta é direcionada em especial a duas terapeutas, uma de São Paulo e outra de Belo Horizonte, citadas nominalmente no documento, que estariam valendo-se do nome da Akac para divulgar a aplicação da substância e lucrar com isso. No documento, os Katukina também afirmam que a comercialização do kampô trouxe problemas para a comunidade indígena e pedem que a prática seja encerrada. Leia aqui a carta na íntegra.

A associação indígena enviou cópias da carta aos escritórios da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, em Rio Branco, e deu vinte dias para que o uso indevido do kampô em nome dos índios fosse abandonado. O prazo se encerrou ontem, 26 de abril. “Estamos preocupados porque não autorizamos ninguém a usar nosso saber. A polícia e o Poder Judiciário precisam saber disso”, afirma Fernando Katukina, vice-presidente da Akac. O líder indígena esclarece que a preocupação é em relação ao uso do nome de seu povo na venda das aplicações da secreção da jia. “Tem muita gente se promovendo em cima do nosso povo, mas nós queremos que o kampô seja utilizado de forma legal, com respeito ao nosso conhecimento e sem estimular a biopirataria”.

Os Katukina utilizam a secreção principalmente como um estimulante capaz de aguçar os sentidos dos caçadores, para que a busca por alimento na mata seja bem-sucedida. Quem sofre de panema (azar na caça), portanto, é tratado com aplicações da substância. A antropóloga Edilene Coffaci de Lima, da Universidade Federal do Paraná, uma das maiores estudiosas da etnia, explica que, fora do contexto da caça, homens e mulheres Katukina também fazem uso do kampô. “Desde muito cedo, entre o primeiro e segundo ano de vida uma criança começa a receber o kampô, quase sempre por iniciativa dos avós”, descreve.

A antropóloga afirma que “este uso moderado é feito para aliviar indisposições diversas, como diarréias e febres ou sonolência, que tiram o ânimo das pessoas para o desempenho das atividades mais simples. Mas, ainda que se queira debelar o incômodo físico que diversas patologias causam, o uso do kampô é determinado muito mais pela avaliação moral que se faz do desânimo que proporcionam. Afinal, depois de ser recomendado como estimulante aos caçadores, o kampô é recomendado àqueles que padecem de preguiça (tikish)”.

Panacéia da floresta

Nos últimos anos, o uso do kampô tem se popularizado entre a população das grandes cidades brasileiras como uma milagrosa terapia indígena. Em folhetos de divulgação, a substância é classificada como um poderoso energizante e fortalecedor do sistema imunológico, uma verdadeira panacéia, capaz de tratar doenças do coração em geral, hepatite, cirrose, infertilidade, impotência, depressão, entre outras enfermidades. De acordo com o material de divulgação, o kampô seria eficaz até mesmo no tratamento de câncer e AIDS. Cada aplicação da secreção do anfíbio – feita sobre pequenas feridas abertas na pele do usuário a partir de queimaduras – custaria até R$ 120,00. A popularização do kampô também se valeu de inúmeras reportagens em televisão e revistas, produzidas a partir da experiência de jornalistas que se submeteram aos efeitos da substância. A maioria dos narradores descreve que, após receber a aplicação do kampô, sente em poucos minutos um forte mal-estar, acompanhado geralmente de vômitos. Em seguida, o kampô provocaria uma sensação de revitalização de todo o organismo e aguçamento dos sentidos.

Em 2004, o uso indiscriminado da secreção cresceu tanto que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu sua propaganda, que vinha sendo feita principalmente na internet. Meses antes, em abril de 2003, as lideranças da Terra Indígena Campinas/Katukina já haviam solicitado oficialmente ao governo federal que tomasse providências para proteger e valorizar o uso tradicional do kampô pelos índios. Além dos Katukina, os Yawanawá, Kaxinawá e Marubo, entre outros povos indígenas, também têm no kampô um elemento cultural importante. A demanda dos Katukina levou o Ministério do Meio Ambiente (MMA) a elaborar um projeto para, a partir do caso do kampô, aprimorar o acesso aos recursos genéticos da biodiversidade brasileira e a repartição de benefícios aos detentores dos conhecimentos tradicionais associados.

Moléculas patenteadas

O projeto conta com diversas parcerias governamentais e não-governamentais e também tem, entre seus objetivos, “contribuir para a estruturação sustentável da cadeia produtiva da ‘vacina do sapo’, promovendo estudos dos efeitos da aplicação da substância sobre a sustentabilidade sociocultural e ambiental, com vistas a se iniciar um processo que contribua para a análise da possibilidade de validação do uso não-tradicional e a proteção do uso tradicional desse etnofármaco”, conforme texto do próprio ministério. Em outras palavras, o projeto visa combater a biopirataria do kampô e desenvolver pesquisas que resultem em medicamentos a partir da secreção daquele anfíbio. Segundo levantamento feito pela ONG Amazonlink, existem dez pedidos de patentes sobre a Philomedusa Bicolor feitos por laboratórios, universidades ou centro de pesquisas em escritórios de patentes no exterior.

Um dos coordenadores do projeto, Bruno Filizola, do Programa Brasileiro de Bioprospecção e Desenvolvimento Sustentável de Produtos da Biodiversidade (Probem), do MMA, afirma que a secreção da perereca tem cerca de 200 moléculas com potencial comercial e que existem pelo menos 80 pedidos de patente sobre o gênero Philomedusa, em escritórios de patentes no mundo todo. Os registros recaem principalmente sobre moléculas com potencial antimicrobiano. A própria Empresa Brasileira de Pesquisa e Agropecuária (Embrapa), que faz parte do projeto governamental sobre o Kampô, tem a patente de uma outra espécie de sapo, cuja secreção também tem propriedades com potencial para a produção de medicamentos.

Alguns pesquisadores da Embrapa, inclusive, não reconhecem que existe conhecimento tradicional associado ao uso do kampô. Argumentam que a “ciência” já havia chegado ao conhecimento sobre as propriedades do gênero Philomedusa, independentemente do conhecimento dos índios do Acre. “Realmente muitos cientistas ainda não internalizaram os princípios da CBD (Convenção da Biodiversidade)”, reconhece Filizola. A CBD prevê a repartição de benefícios do acesso aos recursos genéticos da biodiversidade aos detentores de conhecimentos tradicionais associados a estes recursos. “A transformação deste bem cultural dos índios em bem de mercado certamente vai gerar impactos nas comunidades indígenas. Por isso queremos viabilizar a cadeia produtiva do kampô”, diz Bruno Filizola.

O advogado do ISA, Fernando Mathias, questiona a eficácia do projeto do governo brasileiro em um caso no qual “a biopirataria já se consumou”. “O que o governo vai fazer e

m relação às patentes que já existem? Esse passivo vai ser objeto de negociação entre os índios e as empresas? Vai haver espaço para discutir a quebra ou ao menos a abertura das patentes já concedidas ou os índios vão apenas receber um troco em troca da privatização de seus conhecimentos e do patrimônio genético brasileiro?”, pergunta. “Se o que de fato prevalece neste e outros casos são os interesses das corporações transnacionais farmacêuticas, este projeto do governo corre o risco de não passar de uma cortina de fumaça no campo da repartição de benefícios”.

Líderes indígenas acusam o governo Lula de traição

Mais de 500 índios de 20 estados brasileiros deram início ontem em Brasília ao Acampamento Terra Livre, mobilização que abre a agenda do Abril Indígena, série de eventos, debates e reivindicações dos povos indígenas brasileiros que ocorre ao longo deste mês. Sob uma lona de circo há poucos metros do Congresso Nacional, representantes de dezenas de etnias somaram críticas à política indigenista do governo federal. Destacaram, entre as principais falhas e omissões da gestão do presidente Lula, a falta de demarcações de terras indígenas há muito tempo reivindicadas e o descaso com a saúde indígena.

“Sempre tentamos eleger um presidente que representasse o movimento social. Nos enchemos de esperança quando Lula ganhou, pensamos que finalmente teríamos saúde, terra e educação”, lembra Jecinaldo Barbosa Cabral, coordenador da Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira). “Mas tudo mudou. O governo fechou o diálogo conosco e se aliou aos inimigos dos povos indígenas, traindo todos os compromissos antes firmados”.

O loteamento da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e a concessão a deputados e governos estaduais – principalmente de Santa Catarina e Roraima – colocando os direitos indígenas como moeda de troca, para o fortalecimento da base governista no Congresso, foram apontados pelas lideranças presentes ao evento como as práticas do governo Lula que mais contrariaram os interesses indígenas. “Como o governo nunca teve maioria na Câmara Federal, precisou barganhar nossos direitos nos estados para formá-la. Isso é inaceitável”, afirmou Uiton Tuxá, do povo Tuxá, de Pernambuco. “Como é inaceitável que o Estatuto dos Povos Indígenas esteja engavetado a 12 anos no Congresso Federal e o governo não mova uma palha para votá-lo”.

"Mortos como cachorros"

A abertura dos trabalhos foi marcada por discursos revoltados e emocionantes. Muitos denunciavam o perigo de povos inteiros serem extintos. “Estamos sendo mortos como cachorros”, gritou o cacique Anastácio, do povo Guarani Kaiowá, do Mato Grosso do Sul. “Os fazendeiros atacam a gente e nada acontece com eles, nenhuma punição”. O cacique Nailton Pataxó denuncia o descaso com o atendimento sanitário de sua aldeia, no sul da Bahia. “Quando um parente fica doente, demora mais de um mês para conseguir medicamento. Quando o remédio chega, o quadro já piorou tanto que não serve mais”.

Membros do Fórum de Defesa dos Direitos Indígenas (FDDI) também tomaram a palavra ontem para analisar a atual conjuntura política nacional em relação aos interesses e lutas dos povos indígenas. O antropólogo Marco Paulo Schettino, do Ministério Público Federal, afirma que o governo federal confunde os direitos dos índios com os interesses da Fundação Nacional do Índio (Funai). “E a Funai age como se a demarcação de terras fosse um favor aos índios, como se a tutela exercida por ela fosse a melhor política indigenista”.

As críticas à Funai seguiram na voz de Gilberto Azanha, do Centro de Trabalho Indigenista. “O papel do órgão não é brecar as reivindicações dos índios, mas buscar atendê-las. Infelizmente esse governo faz menos pelos interesses indígenas do que qualquer outro governo, inclusive o dos militares”. O advogado Raul Silva Telles do Valle, do ISA, lembra também que a mobilização dos povos indígenas é fundamental para enfrentar a frente anti-indígena existente no Congresso Nacional e nos estados brasileiros. “Vivemos um momento histórico em que muitas conquistas recentes, como as da Constituição Federal, estão sendo ameaçadas. Mais do que nunca os povos indígenas precisam estar unidos e atuantes”.

A realização do Abril Indígena pelo terceiro ano consecutivo também foi valorizada ontem pelos líderes indígenas. A criação no mês passado da Comissão Nacional de Política Indigenista , pelo governo federal, atendeu a uma demanda expressa no acampamento de 2005. Os povos indígenas presentes ao acampamento querem, agora, que a comissão priorize o encaminhamento, pelo Ministério da Justiça, das terras que estão paradas no órgão à espera da publicação da portaria que define seus limites, para que o processo de demarcação possa avançar. Cinco das 13 terras que já haviam sido levantadas pelo movimento indígena como prioritárias desde o ano passado estão localizadas em Santa Catarina.

As atividades no Acampamento Terra Livre continuam hoje, quando os participantes do acampamento se dividem em grupos para debater demarcação de terras, proteção dos territórios, sustentabilidade e gestão territorial, saúde Indígena, política indígenista e gênero. Após os trabalhos em grupos, as conclusões serão compartilhadas entre os participantes. Na quinta-feira, as atividades serão finalizadas com a discussão e aprovação de um documento final do Abril Indígena/Acampamento Terra Livre 2006, que será apresentado ao Senado Federal em audiência pública no mesmo dia.

Teremos mais quatro anos de contaminação livre”

Para o coordenador da Campanha Por um Brasil Livre de Transgênicos, o economista Jean Marc van der Weid, a sociedade brasileira não deve comemorar a mudança do governo brasileiro sobre a identificação e rotulagem de Organismos Vivos Modificados (OVMs) destinados à exportação. A nova posição – que prevê a distinção clara dos produtos transgênicos – foi oficializada pela ministra Marina Silva na segunda-feira (13/3) e apresentada pela delegação do Brasil ontem na 3ª Reunião da Partes do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança.

Especialista em desenvolvimento agrícola, Jean Marc van der Weid afirma que o País ainda tem muito a temer. “O compromisso me parece muito vulnerável e há grandes riscos de contaminação durante estes quatro anos que o governo concede de prazo para os produtores se adaptarem à nova regra”. Na tarde da terça-feira 14, enquanto avançavam as discussões sobre o polêmico artigo 18-2 (a) do protocolo – que trata da identificação e rotulagem – e também as pressões pelos corredores da MOP3, tanto para que países se juntem ao Brasil em defesa do “contém”, quanto para que não cheguem a um consenso deixando a questão em aberto, Weid concedeu a seguinte entrevista ao ISA:

ISA – Porque o senhor classifica o novo posicionamento do governo brasileiro como temerário?

Jean Marc van der Weid – Porque a decisão mantém o status quo por mais quatro anos. Na verdade, a posição anterior, de manter o “pode conter” era tão ruim, que agora está todo mundo comemorando, ainda que o progresso seja muito pequeno, se é que há algum progresso. Pois nesse interim, neste 4 anos, continuaremos sem controle dos movimentos transfronteiriços de transgênicos e, sem identificação, não há como tomar medidas mais rigorosas de contenção e assim se abre o caminho para a contaminação. Em outras palavras, o governo permitiu mais quatro anos de contaminação livre. Isso pode ser o suficiente para chegarmos a um nível de comprometimento que não seja mais possível controlar a produção dos transgênicos, num processo sem volta.

Esse risco é real?

É real porque a estratégia dos fabricantes de transgênicos é espalhar seus produtos pelo planeta, sobretudo nos países de terceiro mundo, que têm menos capacidade de resistência e controle. Isso vai fazer com que a contaminação nestes países se generalize.

Trata-se de uma estratégia deliberada?

Exatamente. A indústria não pode permitir que se crie um sistema de controles nos países e internacionalmente. Isso significaria que os consumidores de países importadores de transgênicos poderiam optar se querem ou não comprar estes produtos. Até agora a tendência em diversos lugares de mundo, inclusive nos EUA, é optar por produtos não-transgênicos. Todas as pesquisas americanas mostram que a grande maioria da população daquele país quer uma rotulagem clara de produtos e, uma vez sabendo sua composição, escolhe os não-transgênicos. Isso é uma paulada para a indústria. Então ela não pode permitir que se estabeleça essa separação clara no mercado por atacado internacional como no mercado de varejo de qualquer país.

Sobre a contaminação, quais as culturas mais expostas no Brasil a esse risco?

Milho e algodão são os casos piores. A soja é problemática por se tratar de um grande volume produzido, mas tem um sistema de reprodução diferente que não permite um nível de contaminação tão alarmante, chega a 1 ou 2% por safra. A longo prazo isso é significativo, mas com o milho, você começa a plantar e o cruzamento entre o que é e o que não é transgênico é imediato. Isso faz do milho o caso mais grave, ainda que o algodão também seja um caso perigoso.

Existe uma região do País que esteja mais exposta à contaminação?

A contaminação pode acontecer em qualquer lugar do Brasil. Porque nesta altura do campeonato é muito difícil de se cumprir as medidas de contenção que ainda estão sendo discutidas, por exemplo na Embrapa, para evitar a contaminação dos algodões que são nativos do Brasil. Como a biodiversidade nativa brasileira está ameaçada pelos transgênicos, decidiu-se o algodão transgênico pode ser plantado no Centro-Oeste, mas não no Norte ou no Nordeste, onde tem incidência destes algodões nativos. Agora, como se pode controlar o fluxo de sementes nas divisas entre, por exemplo, Goiás e Bahia? Se não conseguem controlar esse fluxo na fronteira do Brasil com Argentina – na verdade mal tentam – o que dizer dos controles entre estados brasileiros? Isso simplesmente não vai acontecer e se começarem a plantar, vai haver contaminação.

Há um mapeamento das plantações contaminadas no Brasil?

Há uma estimativa aproximada. Até onde podemos identificar, o algodão ainda é muito pouco, sobretudo no Centro-Oeste, mas está crescendo. A soja ainda está fortemente concentrada no Rio Grande do Sul, o grosso da produção transgênica ainda é lá. E tem dois tipos de movimentos interessantes: no primeiro, as sementes que facilitaram o cultivo clandestino no Sul não se adaptam bem às condições climáticas do Centro-Oeste. Por isso não avançou. Podia ter entrado no Paraná, mas foram duramente reprimidas pelo governo do estado, o que funcionou como uma barreira importante. Agora, já que está legalizada a multiplicação de sementes desde o ano passado, então a Monsanto está trabalhando para produzir e multiplicar sementes adaptadas ao Centro-Oeste. O segundo movimento está sendo feito por produtores de grande porte que estão percebendo que há um problema de mercado, que não vale a pena arriscar nos transgênicos, sendo que há um mercado garantido, que está pagando inclusive um sobrepreço pelo não-transgênicos, por uma hipotética vantagem na hora de se aplicar herbicida.

Quer dizer que os transgênicos não estão seduzindo mais os produtores?

Aquela euforia passou. Os grandes produtores do Mato Grosso e Goiás não passaram para os transgênicos. No fundo foi até bom que o Rio Grande do Sul tenha forçado a barra no começo e ficado sozinho pois deu tempo para o resto do País verificar o que acontece a partir do terceiro e quarto ano de cultivo. Os dados estão começando a surgir agora e dizem basicamente o seguinte: bateu seca ou alta temperatura, a soja transgênica dança e dança muito mais rápido; no ano passado, com uma seca no Paraná e no Rio Grande do Sul de estatística semelhante do ponto de vista de chuva e temperatura, a perda da soja no foi de 75% no RS, e no PR, de 25% da safra. Uma diferença cavalar. Outra coisa é que o Rio Grande do Sul mal exportou no ano passado e essa falta de produtividade está fazendo com que o estado esteja perdendo os mercados estrangeiros, como o europeu e o chinês, para os paranaenses. O que está ocorrendo também é que os produtores de transgênicos começam a plantar usando menos herbicida nos primeiros anos, mas depois passam a usar cada vez mais, entrando num ciclo vicioso maluco, que eleva os custos lá para cima. Isso porque as antigas ervas invasoras adquirem resistência e voltam mais fortes para atacar as plantações. E o que é mais comum – a seleção das espécies invasoras é tão violenta que só vão brotar aquelas que resistem aos herbicidas. E estas começam a se multiplicar rapidamente, ocupando o espaço deixado pelas que foram completamente eliminadas.

A principal crítica da agroindústria em relação a rotulagem clara e precisa “contém transgênicos” afirma que os custos de rastreamento e separação da produção oneraria o setor a ponto deste perder competitividade em relação a seus concorrentes, principalmente EUA e Argentina. Esse problema é real?

De modo algum, isso é uma cortina de fumaça, pura cascata. O aumento sobr

e o valor da soja vendida hoje no mercado internacional seria de 0.02 %. Isso para fazer o exame da identificação, pois é apenas isso que pede o protocolo: que em uma carga que sai de um porto brasileiro esteja escrito que contém tais tipos de transgênicos em tantas porcentagens. O custo que deve ser contado pela regra do “contém”, portanto, é quanto custa fazer uma análise quantitativa e qualitativa num porto. No caso brasileiro, nosso caso só diz respeito à soja, que é o único transgênico que exportamos. E essa soja tem um único evento, que é a resistência ao glifosato. Então trata-se de uma única análise, que custa 250 dólares. Esse valor quem me passou foram as empresas certificadoras. Esse custo é para você analisar 5 mil toneladas. Como exportamos 20 milhões de toneladas, vamos ter um custo de 1 milhão de dólares para fazer a identificação. Isso não representa nada, por exemplo, se comparado ao que se perde de soja no transporte por caminhão, que é em geral de 10 a 20% da carga total. Então se o produtor quer fazer economia, que invista para diminuir o chamado Custo Brasil, a precariedade das estradas. A nossa competividade internacional, portanto, não está em jogo na identificação da soja transgênica.

Qual é o próximo desafio da campanha?

Apesar de termos um problema grave no Brasil de se cumprir a lei e de eu achar que está se desenhando com o milho um panorama de contaminação parecido com o que ocorreu com a soja – contaminação essa que conta com a cumplicidade do governo federal, assim como contava com a do governo anterior – o que vai pegar nos próximos meses é a legalização das seis variedades transgênicas de milho na CNTBio (Comissão Nacional de Biossegurança), pedida pela Monsanto e pela Syngenta Seeds. Isso vai levar uns três meses para ser analisado e vai ser um debate duro. Agora, o curioso é que hoje a comissão tem menos opiniões formadas, consolidadas, do que eu podia imaginar. Isso vai fazer com que ocorra um debate de fundo no lugar do embate ideológico, que sempre prevaleceu, puxado pelos pró-transgênicos. Deste modo vamos ter mais chance de a votação levar em conta cada circunstância, tema por tema, risco por risco, e ser mais honesta do que as anteriores, que foram levadas basicamente na marra pelos pró-transgênicos.

MOP 3 começa com nova posição brasileira sobre rotulagem de transgênicos e ataques de Requião

A Terceira Reunião das Partes do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança (MOP 3) começou ontem (13/3) em Curitiba em clima de resistência à expansão dos produtos transgênicos no Brasil e com o fim do suspense em relação à posição brasileira sobre a rotulagem de produtos geneticamente modificados destinados à exportação, a principal polêmica do encontro.

CURITIBA – Enquanto o governador do Paraná, Roberto Requião, centrava seu discurso na abertura do evento em ataques à transnacional Monsanto, uma das maiores produtoras de Organismos Vivos Modificados (OVMs), a Ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, anunciava à noite em São Paulo que o governo Lula defenderia na reunião a rotulagem de OVMs com o termo “contém”, ao invés da genérica expressão “pode conter”. Na MOP 2, realizada em 2005, em Montreal, no Canadá, o Brasil se alinhou à Nova Zelândia na defesa desta rotulagem abrangente, impedindo a definição do artigo 18b do Protocolo, que trata da rotulagem de produtos transgênicos exportados.

O dia começara na MOP 3 com a constatação de que a Ministra Marina Silva não assumiria a presidência do encontro, numa manifestação clara de que a titular do Meio Ambiente não aceitaria a posição até então defendida pela maioria dos delegados do governo brasileiro em relação a rotulagem. Enquanto os Ministérios da Agricultura, Ciência e Tecnologia e Desenvolvimento, Indústria e Comércio defendiam uma terminologia genérica, com a expressão "pode conter", o MMA queria um controle mais estrito, com a expressão "contém" obrigatória em todos os produtos transgênicos que cruzam fronteiras. A rotulagem explícita é, inclusive, prevista na legislação nacional para a comercialização interna.

A mudança de posição se deu durante reunião ocorrida em Brasília entre Marina Silva, Roberto Rodrigues, ministro da Agricultura, Dilma Roussef, ministra-cehefe da Casa Civil, e o presidente Lula. No final, chegou-se ao consenso pela rotulagem “contém”, mas desde que os produtores que hoje não realizam o rastreamento na cadeia produtiva possam ter quatro anos para adaptar-se às novas regras. A posição brasileira, que deve ser oficializada na MOP hoje, prevê que os produtores que já realizam a separação de sua produção transgênica deverão rotular “contém”assim que o Protocolo definir a questão.

A nova posição brasileira leva a um suposto consenso que não exporia as fissuras internas do governo Lula aos demais membros do Protocolo. O Brasil parece viver, no momento em que recebe o maior evento de políticas ambientais do planeta desde a Rio 92, uma crise de identidade: não sabe se permanece ao lado dos países megadiversos, como nos embates da COP de proteção à biodiversidade e remuneração dos países cujos territórios abrigam o grosso dos recursos naturais do planeta, ou se migra de vez para o bloco dos países exportadores de grãos.

A nova posição, contudo, foi classificada por especialistas de organizações ambientais como "uma emenda pior do que o soneto". O Greenpeace classificou como injustificável o prazo de 4 anos para a adaptação a rotulagem estrita.

O advogado do ISA, Fernando Mathias, avalia que a nova posição brasileira cria uma insegurança em relação a quais cultivos estariam sob a regra do "contém" e quais sob a regra de transição do "pode conter". "Há divergência por exemplo em relação a soja: a importação do grão estaria sob a regra do contém ou do pode conter? O Greenpeace, por exemplo, acha que a importação estaria sob o contém. Já o Ministério da Agricultura e Pecuária interpreta que a importação estaria sob o “pode conter”, porque a legislação de rotulagem não se aplica a importação de cargas de commodities, mas apenas ao produto final nas prateleiras do mercado interno."

A expectativa nos corredores da MOP, contudo, é que até sexta-feira os países enfim cheguem a um consenso para acabar com o principal impasse do tratado sobre Biossegurança.

De acordo com Rubens Nodari do Ministério do Meio Ambiente, que integra a delegação brasileira na MOP, a decisão do Brasil pelo "contém" certamente influenciará a de outros países também. "O prazo de 4 anos para que todos se adaptem às novas regras foi uma forma de acabar com o impasse entre os ministérios. Isso significa que agora, todos terão de seguir o mesmo rumo", avalia.

A ministra Marina Silva em entrevista ontem à noite em São Paulo foi enfática ao dizer que a decisão pelo “contém” já estava valendo e que o prazo de 4 anos era cumulativo.

Requião faz duras críticas

Muitos delegados envolvidos na polêmica entre os termos “contém” e “pode conter”, se surpreenderam com o discurso direto feito na abertura do evento pelo governador do Paraná. Roberto Requião destacou a política do estado de não permitir a produção, a comercialização e a exportação de produtos transgênicos. E criticou duramente os países que aceitam as pressões das grandes empresas de biotecnologia. "Paraná é o único estado livre de transgênicos não porque sejamos intransigentes, mas porque prezamos nossa autonomia, nossa soberania e a biossegurança em nossas plantações". O governador não poupou o governo federal, que não apoiaria o estado na luta contra os OVMs. "Há uma pressão enorme para federalizar o Porto de Paranaguá, onde atualmente executamos um controle rígido para vetar a entrada de cargas transgênicas", denunciou o governador. Requião também disse que o governo paranaense quer disseminar as informações sobre os riscos dos OVMs para dificultar que a produção de soja transgênica prospere no País.

O primeiro dia da MOP 3 ainda foi marcado por protestos de membros das organizações Via Campesina, Movimentos dos Sem-Terra (MST) e Movimentos dos Atingidos por Barragem (MAB), que não puderam entrar no espaço onde a reunião está sendo realizada. A ausência de representantes de movimentos sociais e da sociedade civil em Curitiba, por sinal, destoou da reunião anterior, MOP 1, realizada na Malásia, em 2004, quando os representantes de povos indígenas e populações locais tiveram entrada livre no evento.

PL sobre loteamentos urbanos pode esvaziar legislação ambiental

A Câmara dos Deputados pode colocar em votação na próxima semana um polêmico Projeto de Lei que trata de parcelamento e uso do solo. O PL nº 3.057/2000, de autoria do deputado Bispo Wanderval (PL-SP) e que tramita no Congresso desde 2000, busca solucionar um dos maiores problemas urbanos do País – a criação de loteamentos e assentamentos clandestinos. Para isso, estabelece novas regras para a ocupação urbana, dando maior poder para os municípios na gestão de seu território. Entretanto, por outro lado, o PL pode comprometer aspectos importantes da legislação ambiental vigente no País e esvaziar seus órgãos mais atuantes, como o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e seus equivalentes nos estados. Entre seus pontos principais, o PL inclui:

:: Admissão de loteamentos em várzeas (terrenos alagadiços e sujeitos a inundações), desde que o loteador providencie o "escoamento das águas";

:: Previsão de que somente "leis" podem controlar a especulação imobiliária com impacto ambiental, vedando que decretos ou resoluções do Conama e de conselhos estaduais de Meio Ambiente possam estabelecer critérios de proteção ambiental;

:: Previsão da possibilidade de loteamentos e construções em “topo de morros” (hoje considerados Áreas de Preservação Permanente pelo Código Florestal) e penhascos com inclinação de até 45 graus;

:: Dispensa o loteador de colocar iluminação pública e pavimentação no loteamento, como se tais equipamentos fossem considerados de "luxo";

:: Redução de Área de Preservação Permanente (APP) com mata ciliar de 30 para 15 metros, nos cursos d´água de até 2 metros em áreas urbanas consolidadas;

:: Dispensa de manutenção de quaisquer das APPs previstas no Código Florestal, no caso de "regularização fundiária urbana" (favelas e outras ocupações irregulares). As APPs passariam a ser estabelecidas pelo poder municipal;

:: Admissão de supressão de vegetação de APP, inclusive em Áreas de Proteção de Mananciais, em área urbana consolidada, para fins de regularização fundiária;

:: Possibilidade de legalizar ocupações irregulares de praças e outras áreas comuns do povo, pós 5 anos de ocupação;

:: Legalização de "clubes de campo" localizados irregularmente às margens de represas e lagos;

:: Fim de licença ambiental para loteamentos; os aspectos ambientais seriam apreciados em conjunto com os urbanísticos, em uma chamada "licença-integrada";

:: Previsão de que o licenciamento ambiental de loteamentos passa a ser, como regra, do município, afastando-se o licenciamento estadual, mesmo no caso de impactos ambientais supramunicipais;

:: Vedação do poder de conselhos estaduais de Meio Ambiente em fixar diretrizes gerais para loteamentos menores ou iguais a um hectare;

:: Previsão de que o Conama só poderá disciplinar a proteção ambiental em face da especulação imobiliária se o loteamento se localizar em Unidade de Conservação ou houver desmatamento de espécie ameaçada de extinção;

Diante das questões acima colocadas, as organizações ambientalistas pedem que o projeto seja apreciado pela Comissão de Meio Ambiente da Câmara – o PL tramitou apenas na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania -, discutido com o Ministério do Meio Ambiente e com a sociedade civil. O advogado do ISA, André Lima, lembra que a aprovação do projeto pode legitimar uma estratégia muito comum e utilizada por gestores municipais interessados em aumentar a arrecadação de impostos, como o IPTU, e engordar seus redutos eleitorais com a criação de bairros inteiros, da noite para o dia. “Isso acontece todos os anos, seja no Distrito Federal seja nas áreas de mananciais da Grande São Paulo”, aponta Lima. “Com o PL aprovado, bastaria uma lei municipal para criar áreas de expansão urbana sem levar em conta a legislação ambiental e florestal”. Por embutir estes riscos, Lima apelida o projeto de “parcelamento do Meio Ambiente”.

O PL recebeu ao todo 136 emendas e poderá ser votado na próxima quinta-feira, 23 de fevereiro, sem ter que passar pelo plenário da Câmara, sendo encaminhado diretamente ao Senado. Isso porque o governo federal considera sua aprovação prioritária para acontecer antes das eleições. Por isso, é suficiente que o PL passe pelas comissões da Câmara, apenas. O advogado Rodrigo Agostinho, da ONG Vidágua, afirma que a discussão do projeto não passou por órgãos ambientais e que o debate foi conduzido por setores imobiliários. "Enquanto o movimento ambientalista trabalhava pela aprovação do PL de Gestão de Florestas e do PL da Mata Atlântica a tramitação final sobre parcelamento e uso do solo foi muito rápida", diz. Rodrigo ogado afirma que a atual legislação sobre loteamento urbano tem de fato de ser revista, mas que o novo marco legal não pode atropelar a legislação ambiental.

Identificação de quilombo em reserva biológica cria polêmica em Rondônia

Uma portaria publicada no começo de outubro pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) é exemplo acabado da conversa de surdo e mudo existente entre órgãos do governo federal. A portaria número 29, publicada no último dia 5 e assinada pelo superintendente regional do Incra em Rondônia, determina a demarcação de um quilombo no Vale do Guaporé, região no extremo noroeste do estado. O problema é que o quilombo, chamado Santo Antônio, tem seu território sobreposto à Reserva Biológica (Rebio) do Guaporé, uma Unidade de Conservação (UC) federal de proteção integral, administrada pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama). A sobreposição é proibida por lei. Agora, Ibama e Incra esgrimam argumentos na tentativa de defender cada qual o seu quinhão. Enquanto isso, as 21 famílias quilombolas que habitam o local sobrevivem dos benefícios dos programas assistenciais do governo federal e a floresta em seu entorno desaparece ao ritmo constante dos tratores de madeireiros e pecuaristas.

O Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc) proíbe que os recursos naturais da Rebio do Guaporé – criada há 20 anos em uma área de mais de 605 mil hectares – sejam explorados por qualquer pessoa, mesmo que faça parte de população tradicional. Com a exceção de atividades educacionais, nada pode ser feito dentro de qualquer UC de proteção integral. Acontece que os quilombolas do vale do Guaporé são descendentes de escravos fugidos que chegaram na região há pelo menos 200 anos. É por isso que o superintendente do Incra em Rondônia, Olavo Nielow, diz que a reserva nunca deveria ter sido criada na área ocupada pela comunidade. “Não há como contestar a existência do quilombo, muito mais antigo do que a criação da reserva”, diz Nienow.

O chefe do Incra garante que o Ibama integrou o grupo de trabalho para a regularização fundiária dos quilombos – além de Santo Antonio (com área de quase 87 mil hectares), outra comunidade do Vale do Guaporé foi contemplada por portaria do Incra no dia 5: o quilombo de Pedras Negras, mais ao sul do vale – por sua vez sobreposto a uma Reserva Extrativista estadual -, foi declarado com quase 43 mil hectares. Além de Incra e Ibama, as comissões que decidiram pela demarcação dos quilombos também contaram, de acordo com as portarias, com representantes do governo estadual e da Universidade Federal de Rondônia.

Tentativas de despejo

Olavo Nienow explica que a regularização fundiária das comunidades é urgente. Relata que a comunidade de Santo Antônio, em especial, tem sofrido ao longo dos anos um histórico de ameaças, violências e tentativas de despejo. “O mais grave é que a reserva é constantemente invadida por madeireiros e não há fiscalização suficiente”, reclama. “E os quilombolas são exatamente os que mais ajudam a preservar os recursos naturais da área”. Ele afirma que, embora a relação entre Incra e Ibama realmente não seja “muito amistosa”, as divergências devem ser tratadas nas esferas federais, ou seja, em Brasília.

O gerente executivo do Ibama em Ji-Paraná (RO), Walmir de Jesus, esteve em Brasília na segunda-feira, 31 de outubro, reunido com o presidente do órgão, Marcus Barros. A sobreposição do quilombo na Rebio, entretanto, não estava na pauta da reunião. Na última sexta-feira, o gerente regional fora denunciado pela polícia por estelionato e apropriação indébita de madeira, conforme notícias veiculadas pela imprensa. Walmir de Jesus está sendo acusado de facilitar a retirada irregular de 16 mil metros cúbicos de madeira nobre, o equivalente a cerca de 8 mil árvores de uma reserva florestal de Rondônia. Sobre o caso da sobreposição, Walmir de Jesus é enfático. “Somos contrários à forma como o Incra conduziu o processo. Houve má-fé na criação dos quilombos, os limites são artificiais”.

O funcionário diz que o Ibama vai realizar um novo trabalho antropológico, segundo ele “honesto”e “sério”, para rever os limites das áreas das comunidades. “Sabemos que cerca de 80% da verdadeira área de Santo Antônio fica fora da Rebio, onde atualmente existem fazendas. Como é muito mais difícil mexer com os fazendeiros, colocaram o quilombo em cima da reserva”. Walmir de Jesus nega ainda que o Ibama tenha participado das comissões citadas nas portarias do Incra. “Do jeito que ficou, a área da Santo Antônio está superdimensionada e a da Pedras Negras, subdimensionada”. O gerente do Ibama admite que, ainda que a presença da comunidade quilombola não prejudique as condições de conservação das espécies na reserva biológica, a situação pode se agravar. “O impacto seria muito maior com a demarcação definitiva, pois muita gente que saiu de lá pode voltar e aumentar a população”.

A bióloga Mariluce Messias, presidente da Ação Ecológica Vale do Guaporé (Ecoporé), a ONG ambiental mais antiga de Rondônia, também contesta a criação de ambos os quilombos. Para ela, trata-se de “uma má notícia travestida de boa notícia”. “No caso do quilombo de Santo Antônio, a comunidade foi expulsa por fazendeiros dentro da Rebio e pressionados a demandar o reconhecimento do território ali dentro”, explica. “E, no caso do quilombo de Pedras Negras, o que aconteceu foi que a criação da área diminui drasticamente o território da comunidade, que antes podia ocupar toda a Reserva Extrativista. Agora eles têm uma área insuficiente para sobreviver e, quando buscarem recursos naturais fora dos limites do quilombo, estarão ilegais em sua própria terra”.

A tese de doutorado do historiador Marco Antônio Teixeira, da Universidade Federal de Rondônia, fundamentou a portaria do Incra que está sendo objeto de polêmica. “A criação da Rebio e a presença do Ibama foram dois fatores que oprimiram a comunidade de Santo Antônio do Guaporé”, acusa Teixeira. Ele conta que o Vale do Guaporé é a única região rondoniense com população quilombola, descendente dos escravos que trabalharam na mineração do ouro entre 1734 e 1835, a partir da antiga capital do Mato Grosso, Vila Bela da Santa Trindade. “Atualmente no vale existem 3 comunidades reconhecidas e outras oito com estudos em andamento. Mas pelo menos quatro foram extintas depois da criação da Rebio”, afirma o pesquisador. Ele diz que Santo Antônio chegou a ter 300 habitantes e que, agora, estes não passam de oitenta. “As pessoas foram expulsas e acabaram nas periferias das cidades, muitas no tráfico ou na prostituição”, afirma. “Com a demarcação das terras, os quilombolas terão liberdade para manejar os recursos naturais e cultivar roças”.

Atração turística

José Soares Neto, uma das lideranças das comunidades quilombolas do Vale do Guaporé, nega que os moradores de Santo Antônio tenham se transplantado para a atual localização do quilombo. “Nunca houve nenhum quilombola nas fazendas. O que acontecia é que, no passado, nossos ancestrais viviam escondidos na mata, longe da beira do rio, para onde foram apenas mais recentemente”, explica. “O Ibama deveria ter mais responsabilidade”. A liderança quilombola diz ter sido um dos criadores da ONG Ecovale que, em 1999, se credenciou como colaboradora do Ibama em atividades de preservação do Vale do Guaporé.

Há alguns anos, inclusive, a presença das comunidades quilombolas na região era tratada como atração em pacotes de ecoturismo para a região. Os visitantes eram convidados a conviver com as comunidades centenárias e a acompanhar as atividades de extração e defumação da seringa, a coleta da castanha e a fabricação artesanal da farinha de mandioca. Soares Neto conta que a parceria se deu exclusivamente na reserva extrativista das Pedras Negras. “Porque na Rebio o Ibama nunca nos apoiou em nada, muito pelo contrário”. Ele ressalva o órgão tem quadros conscientes da situação quilombola na região mas que, em ger

al, a presença das comunidades negras incomoda mais os funcionários que trabalham na Rebio do que a existência de índios. “A discriminação é muito maior contra os negros”.

Além de estar agora sobreposta a uma comunidade quilombola, a Rebio do Guaporé tem parte de sua área incidindo sobre a Terra Indígena Massaco, onde vivem povos indígenas isolados. E também é limítrofe à TI Rio Branco, habitadada pelos Aruá, Kanoe, Makurap, Tupari, entre outros índios. O chefe da Reserva Biológica do Guaporé, Samuel Nienow – filho do superintendente do Incra no estado -, afirma que quer saber se os sítios arqueológicos encontrados na reserva são indígenas ou quilombolas. “Temos que respeitar o direito das comunidades, mas a Rebio precisa de proteção, pois abriga espécies ameaçadas de extinção e é seu local de reprodução”, afirma. Samuel Nienow diz que já ouviu falar da relação complicada entre o Ibama e os quilombos na região do Guaporé. “Mas acredito que podemos ter uma parceria com eles para somar o lado ambiental ao social”.

Presença negra na Amazônia

A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), estima que existam cerca de mil comunidades quilombolas na Amazônia, sendo que o Pará concentra 335 delas e o Maranhão, 535. Números de uma presença que boa parte dos brasileiros ignora. O antropólogo Alfredo Wagner, da Universidade Federal do Amazonas, autor do projeto Nova Cartografia Social da Amazônia, lembra que a historiografia sempre omitiu ou subdimensionou a presença negra na maior floresta tropical do planeta. “Esta omissão combina com o discurso ambientalista radical, que quer apagar a presença do homem na Amazônia”, aponta o pesquisador. “Os chamados conservacionistas não entendem que a presença destes grupos é que permitiu a reprodução de muitas espécies naturais”, critica.

O antropólogo afirma que alguns autores, entretanto, registraram e documentaram a introdução de escravos na Amazônia, inclusive sua relação com os povos indígenas. “Estes trabalhos evidenciam que a força do trabalho escravo na região não foi reduzida, como o senso comum tende a imaginar.” Wagner afirma que a chegada dos negros pelos portos de São Luís e Turiassú, no Maranhão, e Belém, no Pará, vindos principalmente das atuais Guiné, Angola, Congo e Moçambique, começou por volta de 1755, com a criação da Companhia Geral do Grão Pará e Maranhão. “A data coincide com a da abolição indígena”, lembra Wagner.

Ao longo de todo o período colonial, aproximadamente 50 mil escravos teriam entrado na Amazônia. Trabalharam para os jesuítas, militares em áreas de fronteira – o que os levou para a parte ocidental do território – e para grandes empreendimentos da coroa portuguesa e de fazendeiros brasileiros, como plantações de cana de açúcar, arroz, mineração de ouro e pecuária. “Tudo isso era feito com mão-de-obra escrava. O Estado português inclusive concedia crédito para os fazendeiros comprarem escravos”. Com o abandono das fazendas e o fim da escravidão, os quilombos se constituíram como núcleos agrícolas e extrativistas praticamente isolados da sociedade nacional. “Muitos quilombolas se tornaram seringueiros como meio de vida, mas não deixaram de manter sua própria cultura”, diz a pesquisadora Jô Brandão, da Conaq.

Governo do Mato Grosso do Sul quer liberar usinas perto do Pantanal

A seca que nos últimos três meses assola o Pantanal não é a única ameaça à fauna e flora da maior planície alagável do planeta. Um projeto de lei apresentado pelo governo do Mato Grosso do Sul, e que começou a tramitar na Assembléia Legislativa do estado na quinta-feira 8 de setembro, pretende permitir que usinas sucroalcooleiras se instalem na bacia do Alto Rio Paraguai. É a terceira tentativa do governador Zeca do PT de emplacar uma mudança na Lei Estadual nº 328, criada em 1982, que veta este tipo de empreendimento em toda a bacia do Paraguai.

O projeto visa liberar a construção de usinas de álcool e açúcar em 18 dos 33 municípios da região peri-pantaneira. Se aprovado, a cana poderia ser plantada em uma região serrana que divide de norte a sul o estado do Mato Grosso do Sul, delimitando as bacias dos rios Paraguai e Paraná. A planície pantaneira seria, portanto, preservada. Clique no mapa ao lado para ver, em detalhe, onde fica o Pantanal e a região proposta para abrigar as usinas.

O que preocupa organizações ambientalistas e políticos do estado contrários à mudança na lei, contudo, é a possibilidade de contaminação dos rios que correm do planalto para o Pantanal. Os defensores da manutenção da atual legislação afirmam que as usinas podem descarregar nos cursos dágua o vinhoto, um líquido tóxico e residual do processo de destilação do álcool da cana-de-açúcar. Em contato com a água, a substância absorve oxigênio e pode comprometer a sobrevivência das espécies aquáticas.

Alessandro Menezes, da ONG Ecologia e Ação (Ecoa), alerta também que as usinas podem despejar no solo e em rios outros poluentes, como a água cáustica utilizada na lavagem da cana e anticorrosivos e detergentes aplicados nos equipamentos das instalações. “Além disso a monocultura da cana pode alterar grandes áreas de Cerrado, comprometendo a biodiversidade e desfigurando o entorno do Pantanal, região considerada Patrimônio da Humanidade pela Unesco, que tem no turismo uma de suas principais atividades econômicas”, adverte.

O ambientalista ressalva ainda que nenhum estudo sobre a viabilidade de usinas na bacia do rio Paraguai foi apresentado à sociedade civil do Mato Grosso do Sul. “Sem estas análises não podemos dizer quais são os riscos e custos do projeto para a região”. Ele lembra que o Aquífero Guarani, uma das maiores reservas subterrâneas de água doce do mundo, localizado em grande parte na região, também poderia ter seus pontos de recarga contaminados.

O deputado estadual Pedro Kemp (PT), apesar de ser o líder do governo na Assembléia Legislativa do estado, diz estar convencido de que a instalação de usinas na região peri-pantaneira, mesmo com os cuidados e as atuais tecnologias disponíveis, pode resultar em acidentes que comprometem o equilíbrio ecológico de todo o Pantanal. “Queremos debater outra alternativas para a região norte do estado, como o cultivo de girassol e mamona para a produção de biodisel”, diz Kemp.

O deputado articula uma frente parlamentar para barrar a aprovação do projeto. Afirma que atualmente 14 dos 24 deputados estaduais do MS compõem o bloco contra as usinas, mas que o lobby do governo e dos prefeitos dos municípios contemplados no projeto de lei pode mudar o jogo. “Existem interesses políticos muito fortes por trás deste projeto, mas nossa intenção é pautar o debate do ponto de vista técnico”.

Alessandro Menezes, da Ecoa, diz que os municípios favoráveis à mudança na lei precisam avaliar corretamente os benefícios que estão sendo vinculados à chegada das usinas. “Os prefeitos acham que os caixas municipais vão engordar com a chegada das empresas, mas o que estão esquecendo é que, para atraí-las, o estado vai ter que oferecer altos incentivos fiscais”.

A Ecoa e outras entidades ambientalistas têm articulado uma campanha de mobilização no estado contra a aprovação do projeto e, desde o começo de setembro, recolheram cinco mil assinaturas contra a mudança na legislação. “Temos que esclarecer a população pois o governo garante que a cana vai ser a salvação do Mato Grosso do Sul”.

Exigências ambientais

O governo estadual afirma que o projeto pretende apenas gerar uma alternativa de desenvolvimento para os municípios da região do norte do estado. Sustenta também que os riscos ambientais serão evitados pela tecnologia disponível e pelo controle sobre o manejo da cana e seus resíduos.

O projeto exige uma série de quesitos do ponto de vista de viabilidade ambiental para a instalação das usinas. Entre outras coisas, que cada empreendimento seja objeto de Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima), apresente ao governo um plano de manejo do vinhoto, seja construído em local com altitude a partir ou acima de 230 metros do nível do mar, fique a pelo menos mil metros de qualquer corpo dágua e a 3 quilômetros de núcleos urbanos.

O secretário estadual de Produção e Turismo, Dagoberto Nogueira Filho, principal defensor do projeto, frisa que, com os cuidados previsto na lei e com a atual tecnologia empregada em usinas, a cana-de-açúcar é a melhor opção para uma região cujas principais atividades econômicas são a pecuária e a soja. “Com o preço destas mercadorias caindo, nosso estado está padecendo de uma saída lucrativa”, diz o secretário. “Com este tipo de investimento, vejo o Brasil no futuro como uma espécie de Arábia Saudita de uma das principais fontes de energia renovável do mundo”. O secretário garante que as plantações de cana impedem o assoreamento de rios. “A cana é ambientalmente correta, entre outros motivos porque suas raízes seguram a terra e evitam o assoreamento dos rios”.

O próximo embate entre os defensores da atual lei e os pró-usinas será em audiência pública sobre o projeto, marcada para o dia 21 de setembro em Campo Grande, quando uma dezena de prefeitos favoráveis à mudança da legislação deve comparecer. Até lá, as entidades ambientalistas do estado esperam que o abaixo-assinado contra as usinas próximas ao Pantanal tenha recebido o apoio de pelo menos dez mil pessoas.

Justiça Federal interdita “a maior área grilada do Brasil”

O Ministério Público Federal (MPF) no Pará entrou com uma Ação Civil Pública (ACP)em 18 de abril para impedir que a criação da Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio, localizada na região da chamada Terra do Meio, no sudoeste do Pará, resultasse no pagamento pelo Ibama de indenização – a título de desapropriação – à uma empresa que alega ser dona de metade da área incluída na reserva. A notícia foi dada em primeira mão pelo Instituto Socioambiental (ISA). No último dia 12 de agosto, finalmente, a Justiça Federal em Santarém respondeu de forma positiva ao pedido dos procuradores da República. Para o MPF, a resposta da Justiça abre o último capítulo da novela de um dos casos de grilagem de terra mais famosos da história do País.

Em decisão liminar, o juiz federal substituto Fabiano Verli ordenou que a empresa Incenxil – do grupo CR Almeida, pertencente ao empreiteiro paranaense Cecílio Rego de Almeida – interrompesse qualquer atividade ou ocupação na suposta propriedade, chamada fazenda Curuá, que o imóvel permanecesse indisponível para venda ou troca e que qualquer pagamento por indenização pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) fosse suspenso. A liminar ainda determina o fim da utilização de forças policiais por parte da empresa, conforme denúncias feitas por comunidades ribeirinhas e movimentos sociais da região em janeiro deste ano, também divulgadas pelo Instituto Socioambiental com exclusividade.

Na próxima segunda-feira, 22 de agosto, os procuradores Felício Pontes e Ubiratan Cazetta, dois dos autores da Ação Civil Pública que ensejou a liminar, devem ser reunir em Belém com membros do Exército e da Polícia Federal para planejar uma operação conjunta sobre os mais de 4.7 milhões de hectares da “fazenda Curuá” com o objetivo de retirar todos os funcionários e instalações da empresa. “Nossa preocupação agora é limpar a área”, afirma Felício Pontes.

O procurador acredita que a Incenxil deve entrar com recurso no Tribunal Regional Federal em Brasília para tentar derrubar a liminar, mas está confiante de que a decisão será confirmada em segunda instância. Pontes e seus colegas já vislumbram inclusive o fim da disputa judicial entre órgãos públicos do Pará e da União contra a Incenxil, que se arrasta há mais de uma década. “O pontapé final para esta novela acabar será a publicação de sentença, a partir da avaliação de um pedido final do Ministério Público, confirmando a nulidade do registro do imóvel em todos os cartórios do Pará”, projeta o procurador.

A chamada fazenda Curuá – além de incidir praticamente sobre metade dos 736 mil hectares da Resex Riozinho do Anfrísio, criada em novembro pelo governo federal – também está sobreposta a toda a extensão das Terras Indígenas Xypaia e Curuaya, toda a área da Floresta Nacional de Altamira, 82% da Terra Indígena Baú, do povo Kayapó, e toda a gleba de dois assentamentos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Na Ação Civil Pública que deu origem à liminar os procuradores afirmam que “esse imóvel é reconhecido como a maior área grilada do Brasil”.

Real objeto: comprar terras no Pará

O juiz federal Fabiano Verli, de acordo com sua decisão publicada na sexta-feira passada, parece suspeitar do mesmo. Ao fundamentá-la, Verli escreve que “pairam fortíssimas suspeitas de que ela (Incenxil) tenha indevidamente se considerado dona de uma enorme gleba de terras no Pará”. O juiz também remete a suspeita à origem do caso, quando coloca que “uma área que era pequena e do Estado do Pará, arrendada para extrativismo, depois se transformou num colosso de terras…”.

O juiz ainda aponta irregularidades no registro do imóvel nos cartórios de Altamira: “…vejo erros crassos na condução da função notarial por parte da cartorária Eugênia (denunciada em alguns feitos). Ela parecia averbar tudo sem o mínimo de conferência…parecia permitir a multiplicação de áreas sem qualquer critério, sem nenhuma checagem…”.

Um dos trechos mais interessantes da decisão trata do interrogatório de Roberto Beltrão, que seria o representante da Incenxil na região, pelo juiz. Fabiano Verli escreve que Beltrão lhe disse “não conhecer atividades práticas, reais, que sejam objeto social da Incenxil. Admitiu que, na prática, a empresa foi criada com um único real objeto: comprar terras no Pará”.

O suposto funcionário foi além e declarou em juízo que “não tem notícia de onde seria a sede da empresa, nunca viu seus sócios, não tem idéia de qual seria o objeto social, não conhecia outros bens eventualmente de propriedade da Incenxil, nem tinha informações diretas sobre sua atuação, funcionamento e idoneidade de seus sócios”.

A colheita de depoimentos de pessoas diretamente envolvidas no caso foi uma opção do magistrado Verli. Ele ouviu também o representante do Ibama na região e advogados da empresa. A demora em decidir sobre a medidas pedidas na ACP – quase quatro meses – se deu em parte por esta opção, em parte pela atuação dos defensores da Incenxil, que protocolaram mais de 10 volumes de documentos – com a intenção de invalidar a ação – para serem estudados em detalhe.

“Ainda que demorada, a decisão judicial satisfez plenamente o Ministério Público Federal, pois demonstra que a Justiça Federal está sensível à questão da grilagem de terras”, avalia Felício Pontes. “Os juízes parecem compreender, mais do que nunca, que a violência dos conflitos fundiários na Amazônia é um grave problema e que medidas drásticas devem ser tomadas para a conciliação do desenvolvimento das comunidades ribeirinhas com a preservação ambiental”.