Reservatório de Três Marias: regulador do São Francisco

A conservação do lago de Três Marias é uma tarefa que envolve diversos órgãos públicos e setores da sociedade. Entretanto, a manutenção da vida aquática na região tem como maior especialista o professor Yoshimi Sato. Doutor em Ecologia e Recursos Naturais, ele acompanha a vida dos peixes da lagoa desde a inauguração da Estação de Hidrobiologia e Piscicultura de Três Marias, em 1976.

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Tanque para reprodução de peixes na Estação de Hidrobiologia e Piscicultura da Codevasf. Foto: Bruno Radicchi.

Sato chegou à região no momento em que ganhava força o movimento ecológico, e os problemas para a manutenção da vida aquática local chamaram sua atenção. Como chefe da estação mantida pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf), ele desenvolveu, em mais de 25 anos de trabalho, diversos projetos de estudo de impacto ambiental, mortandade e repopulação dos peixes no lago.

Mesmo com os trabalhos desenvolvidos por Sato e outros ambientalistas, a degradação do ecossistema do reservatório continua preocupante. “O trecho que vai da nascente até Pirapora e inclui a barragem de Três Marias é o mais importante do vale. É o nascedouro e maior reduto de peixes do São Francisco, e a região que mais contribui com águas para o rio. Se isso não for preservado, nós vamos deixar pouca coisa para as gerações futuras”, explica.

professorsato.jpgUm desses problemas é a destruição das lagoas marginais, melhor lugar para reprodução dos peixes. Segundo dados da Codevasf, na região de Iguatama-MG, em 1982, existiam cerca de 80 lagoas, sendo 28 permanentes. Atualmente, o total não chega a 20. "Temos que recuperar estes berçários naturais. As lavouras de cana e pastagens estão dominando e acabando com as lagoas", afirma Sato.

Outro fator de desequilíbrio é a introdução de espécies exóticas ao rio. Entre elas estão o tucunaré e o bagre africano, predadores que não existiam na região e foram trazidos por pesque-pagues e, principalmente, por projetos do governo. Estes peixes se adaptaram bem na região e passaram a devorar filhotes e peixes nativos.

Para o professor Yoshimi Sato, embora já em estado adiantado, a degradação do São francisco ainda é recuperável. Foto: Fernando Zarur

Sato explica que existem poucas alternativas para a manutenção do meio-ambiente regional. “A degradação do baixo São Francisco é irrecuperável”, afirma, para logo depois dizer que o Velho Chico ainda tem salvação. Parte dessa solução viria com a reintrodução de espécies nativas – trabalho apenas paliativo – e a preservação das lagoas marginais.

Entre as soluções propostas, Sato descarta as “escadas” e “elevadores” para peixes. Em sua opinião, muitos peixes não conseguem subir os níveis, e os que conseguirem encontrarão condições desfavoráveis para reprodução e não poderão voltar. A água no reservatório está parada, é transparente, tem temperatura diferente da ideal, falta de oxigênio, entre outros problemas apontados por ele.

“Precisamos conhecer os interesses por trás dessas ações”, alerta Sato. “Se você perguntar para qualquer morador das cidades da região, todos serão a favor das tais escadas, mas não conhecem a real situação”. Sato explica também que as autoridades optam por este tipo de obra porque querem dar uma resposta à população. “Acho que as escadas são um pretexto para dar dinheiro para as empreiteiras”, conclui Sato.

Ecoturismo em São Roque de Minas

O município de São Roque de Minas tem um patrimônio ambiental invejável. Dentro de seus limites está localizado o Parque Nacional da Serra da Canastra (Parcanastra), uma das formações mais típicas de Minas Gerais, além de mais de 30 cachoeiras que passam dos 40 metros de altura. Isso sem falar que São Roque abriga as nascentes do rio São Francisco.

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Abraço às nascentes do rio São Francisco, em São Roque de Minas – MG. Foto: Marcello Larcher

Mas toda essa abundância pode estar ameaçada, não por indústrias poluidoras ou desastres ambientais, mas pela exploração desorientada do turismo na região. Foi o que contou à equipe da Expedição Américo Vespúcio o secretário de Indústria, Comércio e Turismo, Edílson Romer de Faria.

“Nosso potencial turístico é único, mas o que existe hoje é um turismo espontâneo, que não sustenta um desenvolvimento econômico”, explica Edílson, relatando dados de que a cidade conta com mais de 700 leitos em hotéis e pousadas, além de áreas para camping. Mas mesmo com tanto movimento, segundo o secretário, os negócios de turismo não se sustentam com apenas picos durante feriados prolongados. “Que dono de pousada vai contratar pessoas se ele não sabe quando vai haver movimento novamente? São Roque precisa de um projeto de ecoturismo racional.”

ecoturismo_2.jpgAs dificuldades são muitas. A arrecadação de São Roque, embora seja um município extenso, depende quase que exclusivamente de repasses da União. Até mesmo o levantamento de potencial turístico, que depende da contratação de técnicos, não pôde ser feito, e o prazo para conseguir verbas para o Programa Nacional de Municipalização do Turismo (PNMT) encerra-se em abril. “Nem mesmo verbas para que eu participasse do encontro preliminar do PNMT semana passada conseguimos levantar no município”, contou Edílson.

Imagem de São Francisco colocada na nascente do rio, no alto da Serra da canastra. Foto: Fernando Zarur

Enquanto isso o prazo vai se fechando também para o patrimônio natural. Nos próximos meses a estrada até São Roque deve ser asfaltada e espera-se um aumento desenfreado de visitantes. Edílson teme que aconteçam cenas como as que foram vistas quando um grupo de motoqueiros organizou uma rota pelo meio da nascente do São Francisco, um terreno frágil, que mal pode ser pisado. Outro problema são os incêndios, cada vez mais freqüentes. O último, que destruiu 30% do Parcanastra, deixou um saldo de 20 tamanduás mortos. “Eu convido vocês em agosto do ano que vem para assistirem a outro grande incêndio”, indigna-se Edílson.

Congos e Moçambiques

Uma das mais tradicionais manifestações populares brasileiras, a congada é realizada em todo o interior, principalmente de Goiás e Minas, incluindo regiões banhadas pelo São Francisco. A festa acontece anualmente entre os meses de outubro e novembro como parte das comemorações em homenagem a Nossa Senhora do Rosário e Santo Expedito.

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Foto: Fernando Zarur

A festa reafirma a religiosidade de seus participantes e é um dos exemplos mais claros do sincretismo brasileiro. Elementos católicos e de religiões africanas ancestrais se misturam e tornam-se indissociáveis. Assim, as imagens de santos e terços misturam-se a tambores, conchas e bengalas, enquanto hinos são entoados com ritmo africano.

Com trajes festivos, bandeiras, tambores e guizos, os congados representam personagens que imitam cortes européias, com reis, rainhas, princesas e capitães. Antigamente era conhecida como “festa dos pretos”, devido a suas origens africanas, mas hoje participam pessoas de várias comunidades. Há dois grupos principais, os congos, com roupas coloridas, e os moçambiques, de roupas brancas.

A tradição passa de pai para filho, como atesta seo Espedito Francisco Martins (foto), que tem toda a família envolvida nas festividades. Ele é capitão do moçambique e condutor dos reis e rainhas, que no coletivo formam o reizado. Também o pescador Clotário Pinheiro viu a tradição seguir em sua família: herdou do pai o título de Rei Perpétuo. “A primeira vez em que brinquei o congado, estava nos braços de minha mãe”, conta Clotário, hoje com 67 anos.