Pesquisa indica parâmetros para urbanização de favelas

Programa Habitare- Um referencial para implantação de melhores condições de vida para populações que habitam favelas no Brasil. Esse é o resultado da pesquisa Parâmetros Técnicos para Urbanização de Favelas, mais um estudo integrado ao Programa de Tecnologia de Habitação (Habitare/FINEP).
Executado pelo Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos
(Labhab), da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, através da
Fundação Para a Pesquisa Ambiental (FUPAM), o trabalho teve como
principal foco de estudo oito experiências brasileiras (veja abaixo) de
urbanização de favelas, nas cidades de São Paulo, Diadema, Rio de
Janeiro, Goiânia e Fortaleza.

“O estudo foi baseado na seleção de programas expressivos de urbanização
de favelas no país e centrou-se em favelas de pequeno e médio porte”,
explica a professora Erminia Terezinha Menon Maricato, coordenadora do
projeto. Para operacionalização da pesquisa, foram organizados
instrumentos como roteiros para caracterização das políticas de
habitação dos municípios e dos programas escolhidos, para vistoria de
campo, para entrevistas com lideranças comunitárias e para entrevistas
com técnicos e agentes promotores. Foi organizado também um questionário
para pesquisa junto aos moradores. A partir destes instrumentos, o
levantamento de dados foi executado por pesquisadores das próprias áreas
de estudo.

Com base em um diagnóstico das experiências de urbanização, a equipe
elaborou recomendações voltadas a garantir a sustentabilidade, a
adequabilidade e a replicabilidade dos programas de urbanização de
favelas no país. Os três indicadores orientaram as análises e a
definição de soluções técnicas e parâmetros para atuação das diversas
esferas institucionais envolvidas na ação de urbanização do espaço de
convívio de famílias moradoras de favelas.

Políticas Públicas

A integração dos projetos de urbanização destas áreas carentes às
políticas de desenvolvimento, fundiárias, de meio ambiente e
planejamento urbano é uma das recomendações da equipe. No item políticas
públicas, o grupo também destaca a necessidade de um posicionamento
claro para o setor governamental, carente de uma articulação na última
década. E descreve como conseqüência desse cenário a inexistência de
diretrizes técnicas e urbanísticas, assim como de linhas de
financiamento direcionadas à melhoria da qualidade de vida nas áreas de
favelas.

Outra recomendação no campo das políticas públicas é a atenção especial
à questão fundiária. Isso porque o estudo constatou que nas comunidades
estudadas a maior parte dos programas de urbanização não estava
vinculado a programas de regularização de posse dos lotes. “Acreditamos
que isso pode ser um limitante à idéia de cidadania e também à
sustentabilidade do projeto de urbanização da favela”, alerta o
relatório final da pesquisa.

A coordenadora do trabalho explica que sem registro de sua propriedade,
o morador tem dificuldade de acesso ao crédito no comércio, e a falta de
registro legal do terreno e da aprovação da construção impedem a
obtençãode financiamentos públicos e privados para melhoria da moradia.
“Por esse problema, as linhas de financiamento da Caixa Econômica
Federal, que exigem o terreno como garantia, normalmente são inviáveis
para a favela”, complementa.

Esta fragilidade da estrutura de financiamento é outro problema
detectado pela pesquisa e relacionado à inexistência de políticas
públicas para o setor. Os estudos mostraram que os programas combinaram
as mais variadas linhas e fontes de recursos. Em sete dos oito casos
estudados, as prefeituras atuaram como promotores, mas na maior parte os
programas de urbanização eram marginais na política de investimentos dos
municípios.

Ainda no item políticas públicas, outra conseqüência da inexistência de
diretrizes para a urbanização e manutenção de áreas invadidas é a
dificuldade de entrosamento entre os agentes municipais e as
concessionárias estaduais de saneamento, iluminação e energia. De acordo
com a pesquisa, as concessionárias de saneamento e energia, geralmente
estaduais, atuam de maneira pontual (nas favelas ou trechos da cidade
que elas consideram prioritárias) e não se comprometem com fiscalização,
operação ou manutenção nas áreas de favelas urbanizadas.

Maquiagem

Além de desatreladas de políticas públicas, algumas iniciativas de
urbanização não visam à melhoria de qualidade de vida da população
favelada, mas uma maquiagem na imagem dos bairros, constatou a
pesquisa. Um dos exemplos é o programa de Fortaleza, que não teve como
objetivo a urbanização da favela, mas correspondeu à necessidade de
liberar a orla marítima para melhor exploração do turismo.

“Isso pode explicar os problemas de projeto, a insatisfação da população
quanto aos serviços e obras executados, bem como o abandono da área pelo
poder público após a conclusão”, alerta a equipe. Diante dessa
constatação, outra recomendação do trabalho é que as obras de
urbanização não sejam intervenções pontuais, mas estejam ligadas aos
projetos direcionados aos bairros, buscando uma integração física e
social das comunidades que vivem nas favelas. Para isso, e equipe sugere
planos de bairros, que atendam as necessidades de equipamentos e
serviços de lazer, esportes, educação e saúde nas favelas em processo de
urbanização.

ÁREAS ESTUDADAS

São Paulo
Programa de Saneamento Ambiental da Bacia Hidrográfica do Reservatório

Guarapiranga
Favelas Santa Lúcia e Jardim Esmeralda

Diadema
Programa Municipal de Urbanização e Regularização de Favelas / Núcleos
Habitacionais Vila Olinda e Barão de Uruguaiana

Rio de Janeiro
Programa Municipal Favela-Bairro
Favela Ladeira dos Funcionários / Parque São Sebastião

Goiânia
Programas Morada Viva, da Prefeitura de Goiânia, e Projeto Meia Ponte,
do Instituto Dom Fernando
Ocupações Jardim Conquista e Dom Fernando I

Fortaleza
Programa Pró-Moradia / Urbanização de Áreas Degradadas – COHAB/CE
Favela Castelo Encantado

Coordenação Geral: Profa. Erminia T.M. Maricato/USP
Fone:11 3818 4577
Fax: 11 3818 4647
E-mail: erminia@usp.br

Amanhã

Muitas vezes, a poesia fala por mil manifestos, protestos, alarmes. Morto por fuzilamento em 1936, García Lorca escreveu uma verdadeira declaração de amor à água. Uma homenagem justa ao que diferencia e empresta à Terra sua cor.

Segue trecho da poesia “Amanhã”, escrita em 7 de agosto de 1918:

“(…)As árvores que cantam
se partem e se secam.
E se tornam planícies
as montanhas serenas.
Mas a canção da água
é uma coisa eterna.

Ela é luz feita canto
de ilusões românticas.
Ela é firme e suave,
cheia de céu e mansa.
Ela é névoa e é rosa
da eterna manhã.
Mel de lua que flui
de estrelas enterradas.
Que é o santo batismo
senão Deus feito água
que nos unge as frontes
com seu sangue de graça?
Por algo Jesus Cristo
com ela se confirmou.
Por algo as estrelas
em suas ondas descansam.
Por algo a mãe Vênus
em seu seio engendrou-se
que amor de amor tomamos
quando bebemos água.
É o amor que corre
todo manso e divino,
é a vida do mundo,
a história de sua alma.

Ela encerra segredos
das bocas humanas,
pois todos a beijamos
e a sede nos mitiga.
É uma arca de beijos
de bocas já fechadas,
é eterna cativa,
do coração irmã.

Cristo deve dizer-nos:
“Confessai-vos com a água
de todas as dores,
de todas as infâmias.
A quem melhor, irmãos,
entregar nossas ânsias
do que ela que sobe ao céu
em envolturas brancas?”

Não há estado perfeito
como o de tomar água,
nos tornamos mais meninos
e melhores: e passam
nossa penas vestidas
com rosadas grinaldas.
E os olhos se perdem
em regiões douradas.
Oh! fortuna divina
por ninguém ignorada!
Água doce em que muitos
seus espíritos lavam,
não há nada comparável
a suas margens santas
se uma tristeza funda
nos deu suas asas.”

(Obra Poética Completa de Federico García Lorca, Ed. UnB, Trad. William de Melo)

Pequenos produtores da Amazônia adotam sistema agroflorestal

Agência Brasil – ABr – Seis parcelas de produção rural do noroeste de Mato Grosso, região de floresta amazônica, foram adotadas como Unidades Demonstrativas (UDs) de Sistemas Agroflorestais (SAFs) pelo projeto “conservação e uso sustentável da biodiversidade”, executado pela Fundação Estadual do Meio Ambiente e implementado pelo Instituto Pró-Natura com recursos do GEF – Fundo Global para o Meio Ambiente.

Duas unidades são de agricultores familiares e ficam no município de Juína; três são de assentados da reforma agrária, dos projetos Vale do Seringal, município de Castanheira, e Nova Esperança, em Cotriguaçu. Uma unidade é de pequeno produtor da gleba Treze de Maio, em Juruena, em área em processo de criação de assentamento pelo Incra.

A secretária de Agricultura e Meio Ambiente de Castanheira, Francisca Almeida, informa os pequenos produtores demonstram estar integrados ao conceito de sustentabilidade econômica, ambiental e social proposto para a região.

De acordo com o professor Carlos Passos, da Universidade Federal de Mato Grosso, os agricultores, como unidades demonstrativas, terão assistência técnica para aprimoramento do sistema e incentivo para a implantação de uma nova parcela de agrofloresta.

Os sistemas agroflorestais conciliam produção e conservação da floresta, permitindo que a área produza o ano todo, alternando cultivos de ciclo curto com culturas perenes e frutíferas, intercalando plantio de árvores nativas e exóticas.

Mogno terá maior proteção

ISA – O mogno deixa o Anexo III e passa a integrar o Anexo II. Isso significa que, a partir de agora, toda a comercialização da madeira deverá estar acompanhada de autorizações de uma autoridade científica independente, designada pela Cites. Conforme divulgado pela assessoria de imprensa da COP 12, o secretário geral da Convenção, Willem Wijnsteders, afirmou em discurso sobre o assunto que a medida “será de grande benefício para comunidades locais e indígenas que até agora não recebiam uma parte justa nos ganhos com a venda do mogno.”

A decisão foi contra a intenção do Itamaraty de manter o mogno no Anexo III da Convenção, o que significaria deixar a responsabilidade pela comprovação da legalidade da madeira ao país exportador. Denúncia do Greenpeace em nota à imprensa afirmou que a delegação brasileira tentou pedir uma votação secreta sobre a proposta, que é de autoria da Nicarágua e da Guatemala. A ONG internacional ressaltou que a delegação brasileira contrariou o compromisso assumido pelo Presidente Fernando Henrique e a posição do Ministro do Meio Ambiente, José Carlos Carvalho – que divulgou ontem ser favorável à inclusão do mogno no Anexo II.

Parte da Campanha SOS Mogno, a vigília promovida pelo Greenpeace em frente à Esplanada dos Ministérios continua até amanhã, 15/11, quando termina a COP 12.

Brasil não teve crise de energia e sim de água, diz ambientalista

Agência Brasil – ABr – O Brasil não teve uma crise de energia no último ano, mas um problema de escassez de água. A opinião é do coordenador de Programas Sócio-Ambientais da Câmara de Cultura, José Henrique Cortez, que participou hoje do seminário Energia e Desenvolvimento Sustentável, no Auditório Nereu Ramos da Câmara dos Deputados.

De acordo com José Henrique, o processo desordenado do uso e ocupação do solo que acaba com os mananciais de água também “acontece aqui em Brasília”. Utilizando-se de dados da Universidade de Brasília (UnB), informou que nos últimos 20 anos, num raio de 100 km da região, existem 600 nascentes esgotadas. “Em 2005, pensem bem no que está acontecendo”, alertou.

O objetivo do seminário foi discutir e analisar os temas relevantes sobre energia e meio ambiente. De acordo com Cortez, que fez a última palestra, compareceram ao evento 227 pessoas.

Ele informou à Agência Brasil que este é o terceiro seminário do tema, e que todos aconteceram neste ano. Para ele, os seminários valem a pena porque “ajudando esse processo de reflexão, nós achamos que ajudamos também o processo de consciência”. O coordenador também informou que pretende produzir um grande relatório, para ser divulgado ao público pela Internet.

A realização do evento foi da Câmara de Cultura – uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, com sede no Rio de Janeiro. O patrocínio foi da Petrobras. O evento aconteceu durante todo o dia, e tratou de assuntos como a energia e a sustentabilidade; a mídia ambiental brasileira e o seu papel na formação da cidadania; e a escassez de água neste século.

Outro tema levantado durante a palestra de José Henrique, que também é ambientalista, foi “Quem é o dono da água?”. Pergunta que ele mesmo respondeu: “Cada um acha que é o dono da água”. Para contribuir com a fiscalização da água, o coordenador informou sobre a existência dos comitês de bacias hidrográficas.

Segundo ele, o comitê permite a formação de agências de águas locais, e que são elas “que têm a autoridade de dar a outorga da água, ou seja, autorizar que alguém use, e dizer quanto custa usar”. Ele explicou que a sociedade, as empresas, comércio, cidades e prefeituras formam esse comitê. Qualquer pessoa pode se inscrever, ou montar um comitê.

Ele encerrou a palestra explicando que as razões para a crise hídrica são o estresse hídrico (por falta de gerenciamento), irregularidade pluviométrica, desmatamento ciliar e galeria, além de queimadas, do consumo irracional do solo e da falta de investimentos na área. A programação do evento vai estar à disposição em breve, segundo o coordenador, no endereço eletrônico www.camaradecultura.org

Larissa Jansen

Pesquisadores estudam o cerrado

Agência UnB – Pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) estão à frente de um dos maiores estudos já feitos sobre o cerrado. Professores do Departamento de Ecologia da UnB, os doutores Mercedes Bustamente, Carlos Klink e Heloísa Miranda, além do doutor Roberto Ventura Santos, do Departamento de Geoquímica, estão analisando as transformações nesse tipo de vegetação (que cobre cerca de 22% do território nacional). As alterações decorrem principalmente do uso da terra, como queimadas e conversão de áreas nativas em pastagens ou em áreas agrícolas.

Um dos objetivos das pesquisas – realizadas em áreas ecológicas no Distrito Federal – é determinar a influência dessas mudanças no comportamento do gás carbônico (CO2) e de gases nitrogenados, como o óxido nitroso (N2O) e o óxido nítrico (NO). Esses gases estão presentes em grandes concentrações em solos de cerrado e, se liberados para a atmosfera, podem contribuir para o aumento do efeito estufa, que provoca o aquecimento global. Além disso, os professores esperam fornecer embasamento científico para a elaboração de políticas públicas e projetos de governo que visem à conservação ou a um melhor uso dos recursos naturais existentes.

Os estudos da UnB – que envolvem mais de 150 participantes entre alunos da graduação, mestrado e doutorado, além de mestres de várias disciplinas – concentram-se em três frentes: Heloísa Miranda trabalha desde 1989 com a ecologia do fogo e com os efeitos das queimadas sobre o cerrado. Segundo a professora, o fogo é uma realidade para o cerrado há pelos 32 mil anos, e cada fisionomia da vegetação tem uma resposta diferente a ele. Os pesquisadores realizam queimadas controladas nas três fisionomias básicas do ecossistema (campo sujo, sensu stricto e cerrado denso) em diferentes épocas do ano – no início da seca, durante a estiagem e no início do período de chuvas. Com isso a equipe coordenada por Heloísa Miranda busca levantar dados consistentes para um melhor manejo das queimadas na região.

Os professores Mercedes Bustamante e Roberto Ventura Santos enfocam o impacto das mudanças no uso da terra sobre os ciclos de carbono, de gases nitrogenados e de nutrientes em solos de cerrado. Abordam o comportamento desses gases no solo, bem como as reações das populações microbianas, que, assim como pequenos insetos, são bons indicadores para o entendimento de ecossistemas.

Já o professor Carlos Klink estuda os efeitos da seca no cerrado. Segundo Klink, estudos indicam que a região central do Brasil, daqui a algumas décadas, será mais seca do que é atualmente. Por isso, o professor pretende avaliar a reação do ecossistema atual a essa futura realidade. Para tanto, serão analisadas duas áreas de cerrado, cada uma com 400 metros quadrados. Em uma delas, serão mantidas todas as condições naturais, enquanto na outra será simulada uma seca, restringindo-se a quantidade de chuvas. Já foram instalados sensores de água e de dióxido de carbono (CO2), e foi construída uma estrutura de suporte à lona que cobrirá uma das áreas, simulando a seca. O projeto abrangerá estudos sobre plantas, flores, frutos, crescimento das árvores e raízes, gases no solo, absorção de água e fotossíntese, dentre outros fatores. Além disso o professor desenvolve ainda Pesquisas Ecológicas de Longa Duração (Peld) no cerrado.

Os estudos dos professores da UnB ocorrem na Reserva Ecológica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nas áreas experimentais da Embrapa-Cerrados e na Estação Ecológica de Águas Emendadas.

As pesquisas sobre as alterações na flora microbianas e a simulação de seca ganham ainda maior relevância por estarem incluídas no Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA, na sigla em inglês), atualmente o maior programa de pesquisas científicas integradas sobre a região amazônica. O LBA conta com a participação de cerca de 40 organizações brasileiras, dentre universidades e institutos de pesquisa, 25 organizações de diversos países amazônicos, instituições dos Estados Unidos, como a Agência Espacial Norte-americana (Nasa), e de mais oito países europeus. O objetivo do programa é compreender o funcionamento dos ecossistemas naturais da Amazônia, além das mudanças ambientais e climáticas que vêm ocorrendo na região.

A inserção do cerrado no LBA justifica-se pelo fato de estar localizado em regiões fronteiriças da floresta amazônica, como uma área de transição entre ecossistemas. Além disso, essa vegetação tem sofrido, nas últimas décadas, grandes transformações relacionadas ao uso da terra e à ação humana. Estima-se que nos últimos 30 anos, 37% do cerrado original foram convertidos em áreas de pastagens, cultivo, assentamentos urbanos ou áreas devastadas.

Seminário reunirá lideranças indígenas em Brasília

Funai – Na próxima semana, segunda (18) e terça-feira (19), a partir das 9h30, sessenta lideranças indígenas estarão reunidas em Brasília, no auditório Petrônio Portela, no Senado Federal para debater a presença, inserção e participação dos povos indígenas nos espaços políticos na câmara dos vereadores e prefeituras e fazer um balanço das eleições de 2002, quando os candidatos indígenas não obtiveram o êxito esperado. Estarão presentes parlamentares indígenas do Peru, Venezuela, Equador, Guatemala e Colômbia.

O evento é organizado pelo Instituto de Estudos Sócio-Econômicos (Inesc), com o apoio da Funai, e articulação da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme) e Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônia(Coica). Por meio da sua Coordenação Geral de Defesa dos Direitos Indígenas (CGDDI), a Funai está colaborando na organização e no deslocamento de administradores indígenas, além de dar suporte em Brasília, durante a realização do evento.

Simone Cavalcante

Equipe de transição do governo Lula defende a proteção do mogno

ISA – Em sua primeira nota oficial, a equipe de transição para a área de meio ambiente do governo Lula, manifesta-se favorável a inclusão do mogno na lista da Convenção sobre Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas de Fauna e Flora (Cites), reunida no Chile, o que restringiria o comércio da espécie.

O deputado Gilney Viana (PT/MT), responsável pela área de meio ambiente na equipe de transição do governo Lula, enviou hoje, 08/11, ao Ministério do Meio Ambiente (MMA), nota anunciando uma série de pontos relacionados à exploração do mogno no Brasil. Em entrevista por telefone à reportagem do ISA, Viana revelou o teor da nota, que ainda não havia sido divulgada à imprensa, e fez uma ressalva: “A posição do Brasil na reunião da Cites é responsabilidade exclusiva do atual governo”.

A nota afirma que a exploração e comercialização de mogno tem sido predominantemente ilegal e insustentável, e que a situação é reconhecida pelo Ministério do Meio Ambiente. Entretanto, medidas como os diversos episódios suspendendo a comercialização da espécie e o bloqueio a sua exportação não foram suficientes. “A exploração do mogno é o principal vetor de exploração de outras espécies no Arco do Desmatamento, de invasão de áreas protegidas, de grilagem e da violência contra populações locais”, alertou Viana. A nota diz ainda que para se rever a situação é preciso estabelecer políticas de uso e exploração sustentável dos recursos naturais. “Colocar o mogno no Apêndice II é positivo e defensável, desde que o governo faça políticas mais amplas de proteção das florestas, com inclusão social e distribuição de renda”, afirmou Viana.

A inclusão do mogno no Apêndice II da Cites (veja quadro abaixo) – que está reunida de 03 a 15/11, em Santiago, no Chile – é uma reivindicação de diversas ONGs, que vêm pressionando o governo por meio de várias ações, como a campanha SOS Mogno.

Desde 02/11, integrantes da sociedade civil, liderados pelo Greenpeace, estão acampados na Esplanada dos Ministérios, debaixo de uma árvore de mogno, para exigir que o Brasil apóie a medida na atual reunião da Cites. Os manifestantes, que receberam essa semana o apoio da senadora Marina Silva (PT-AC), afirmam que só sairão do local no dia 15/11, quando termina a Convenção.

Próximos passos

A partir de segunda-feira, 11/11, a equipe de transição para a área de meio ambiente iniciará uma série de visitas a órgãos ambientais e não-ambientais do governo e a instituições da sociedade civil. Também será formado um grupo de trabalho em Brasília para assessorar o trabalho da equipe a partir de um estudo minucioso do programa de governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.

Gilney Viana não falou em ações prioritárias, mas disse que seu trabalho tem como objetivo imprimir à área ambiental importância significativa no próximo governo. “Queremos entrar onde a política econômica faz ligação com a política ambiental”, afirmou.

A Cites e o Apêndice II

A Cites é uma convenção internacional com o objetivo de assegurar que o comércio de espécies selvagens não ameace sua sobrevivência. Estabelecida oficialmente em 1975, hoje conta com 160 países e embora não seja incorporada às legislações nacionais, a Convenção oferece diretrizes que podem orientar a elaboração de leis e condutas que respeitem a vida selvagem, como a necessidade de autorização e documentação diferenciada para comercialização de espécies listadas em seus apêndices.

Esses apêndices são de três tipos, dependendo do grau de ameaça sobre a espécie. No Apêndice I são inclusas as espécies em extinção, sendo permitido seu comércio apenas em circunstâncias excepcionais. No Apêndice III, onde o mogno está incluso atualmente, estão as espécies protegidas em pelo menos um país que tenha pedido auxílio da Cites no controle do comércio da espécie.

Finalmente, o Apêndice II é a lista da Cites que inclui espécies que não estão necessariamente ameaçadas de extinção, mas cujo comércio precisa ser controlado para evitar exploração incompatível com sua sobrevivência. “Na prática, isso significa a obrigatoriedade de uma autoridade científica aceita pelo país comprador e pelo país exportador para avalisar a origem legal da madeira”, explica André Lima, coordenador do Programa Direito Socioambiental do ISA.

ISA, Ricardo Barretto, 08/11/02

Cenas da relação índios e militares na fronteira amazônica

ISA – Durante quase dois meses do ano de 2000, a antropóloga Roberta Mélega (*) esteve em dois pelotões de fronteira situados em terras indígenas, buscando informações para escrever sua dissertação de mestrado. Leia o relato escrito especialmente para o site do ISA, a propósito de um especial sobre índios e militares, que reúne documentos sobre o tema. Roberta retrata cenas observadas por ela, que ilustram bem situações vividas entre índios e militares na fronteira amazônica.

Uma crônica da relação índios e militares na Cabeça do Cachorro (AM)

Em 2000 passei cerca de um mês no Pelotão de Fronteira (PF) de Maturacá, entre duas aldeias Yanomami e três semanas no Pelotão de Fronteira de São Joaquim, situado ao lado de uma aldeia Kuripako, no alto rio Içana. Na cidade de São Gabriel da Cachoeira entrevistei vários soldados e oficiais do 5° Batalhão de Infantaria de Selva (BIS) e do Batalhão de Engenharia e Construção (BEC), ao longo dos três meses que passei na região. Eis, a seguir algumas das minhas impressões a respeito da relação índios-militares:

Pelotão de Fronteira de Maturacá

No PF de Maturacá, pude observar um permanente clima de tensão entre os militares e as duas aldeias Yanomami ali presentes: Maturacá e Ariabu. Daniel, chefe da aldeia de Maturacá, reclamou inúmeras vezes da ligação que ocorre entre militares e índias: os militares (em sua maioria soldados) procuram as índias em busca de sexo e mesmo para um tipo de namoro. Muitas vezes as índias aceitam, recebem presentes, mantêm a ligação clandestina, mas quando ficam grávidas os militares somem ou negam o envolvimento (costumam ser transferidos).

Uma índia de Maturacá me falou de cinco garotas de sua tribo que engravidaram de militares. Com os dados que levantei, não foi possível caracterizar a natureza da ligação nesses casos (namoro, relação sexual consentida, estupro). Esta mesma índia me falou que um dia estava andando por uma picada quando viu um soldado atrás da árvore de calça abaixada provocando-a com palavras eróticas.

Em um dia de “festa” dos soldados no pelotão, ouvi de um soldado já meio bêbado que não dá para passar meses a fio sem mulher, que aquela situação era insustentável e que eles tinham que procurar as índias por extrema necessidade. Quando estive no PF de Maturacá, havia 42 soldados, dez cabos, sete sargentos e quatro tenentes (sendo três da área de saúde). A maior parte dos soldados não tinha família ali; dois sargentos também moravam sozinhos; e os três tenentes de saúde eram solteiros. Os militares que tinham mulher e filhos eram os que menos causavam problemas com índias ou pelo abuso do álcool. As esposas de militares conviviam bem entre si e cheguei a assistir um campeonato de vôlei das esposas com as Yanomami: três times de índias (das aldeias de Maturacá, Ariabu e das estudantes) e dois times de brancas (esposas de sargentos e do tenente; esposas de cabos e soldados).

O único soldado Yanomami que havia ali era o Lins, que morava em Maturacá e era considerado rebelde pelos seus superiores. Bebia bastante, já havia sido punido inúmeras vezes e desacatado o comandante, mas os militares conservavam-no ali, pois ele era o único elemento de ligação com as aldeias. “Se não tivesse disciplina e hierarquia seria bom o exército”, Lins desabafou. Ele acabou entrando para o exército para “tirar documento”, na linguagem dos soldados da região. Para tirar a carteira de trabalho, é necessário o documento de reservista, o que leva os índios a terem contato com o exército.

No meio da confusão, eles não ficam sabendo que, como índios, não precisam servir o exército se não quiserem – acredito que a maioria desejasse se alistar, mas conheci alguns que entraram para o exército por desinformação.

Em Ariabu os chefes também não gostam da proximidade dos militares, mas têm uma relação melhor com o pelotão por causa de um Yanomami mais integrado, que tem balsa de garimpo e barcos para fazer viagens a São Gabriel.

Mas mesmo em Ariabu existe um tipo de reação à expansão dos militares pela região. Em um domingo, os Yanomami das duas aldeias se reuniram depois da missa para discutir a ocupação que os militares estavam fazendo da área em volta da pista de pouso, para a construção de casas para soldados e cabos com família. Os chefes argumentavam que justamente por aquela região passava o caminho para várias de suas roças, e que estava ficando difícil chegar às plantações.

Uma situação recorrente nas aldeias Yanomami ilustra bem o choque cultural que ocorre entre eles e os militares. Praticamente todos os dias, do final da manhã até escurecer, os homens mais prestigiados da aldeia se reúnem para cheirar o paricá, uma substância fortemente alucinógena. Sob efeito do paricá, alguns homens realizam curas, outros têm visões, alguns inventam canções e renovam os mitos.

Quando entra em transe, o Yanomami vai dançar e cantar no meio da aldeia, que se torna então um espaço ritualmente sagrado para a tribo. Atravessar esse espaço durante o ritual é um tabu, como eu mesma verifiquei: na primeira vez que cheguei na aldeia de Maturacá, perguntei pelo chefe, e me apontaram a sua casa, que era do lado oposto de onde eu estava, e fui atravessando a aldeia, quando vi uma mulher gesticulando. Cheguei mais perto, e ela me falou em voz baixa: “não atravesse, vá pelas laterais, pois eles estão cheirando paricá!”. Imediatamente fui para uma das laterais e contornei a aldeia até chegar a casa do chefe.

Certo dia, quando estava na aldeia de Ariabu, os chefes me pediram para avisar os militares que eles não poderiam entrar de trator para buscar coco no meio da tarde, pois estaria ocorrendo o ritual do paricá. Fui ao pelotão, avisei um oficial, e ele me disse que não havia problema, que dava para ir “pela ponta” da aldeia. Voltei para a aldeia, e algum tempo depois, quando um Yanomami estava em transe no pátio da aldeia, apareceu o mesmo militar dirigindo o trator, tentando passar pelo centro da aldeia. Os índios que estavam participando do ritual se juntaram e impediram o trator de atravessar o centro. O coco seria usado para a comitiva de generais que chegaria no dia seguinte.

Apesar de ter presenciado todo o episódio, não consigo definir se os militares agiram daquela forma por ignorância do significado do ritual para os Yanomami ou por desrespeito intencional às crenças indígenas. A imagem romanceada de índio é muito usada nas comitivas que visitam o pelotão. O comandante pede na véspera para que os chefes apareçam “a caráter”, ou seja, pintados e de penas, e deixam os índios que quiserem entrar no pelotão.

Algumas vezes os chefes Yanomami vão, outras não. O soldado Lins é instruído para se pintar, vestir plumas e segurar uma zarabatana na hora da apresentação do pelotão (formatura), situação que ele odeia, como ele mesmo me confidenciou. Mas mesmo com todos os percalços, Lins continuava no PF: apesar dos Yanomami não gostarem muito dos militares, Lins tinha um certo prestígio por ser o “novo-rico” na fronteira. Sua casa tinha antena parabólica, telhado de zinco, ele usava roupas novas e ganhava R$ 600,00 por mês.

Terça-feira de manhã era o dia de troca no pelotão: dezenas de índias surgiam com mandioca, frutas, batata-doce e coco para trocar por arroz, feijão e leite em pó. Elas primeiro descarregavam o que tinham trazido e formavam fila para receber o combinado. Cada uma trazia seus saquinhos plásticos surrados e a maioria pedia para receber mais leite em pó, pois o feijão era muito duro de cozinhar sem panela de pressão. O sargento dizia não poder dar mais leite em pó e punha a quantidade combinada de cada item. Uma situação tensa, com o sargento reclamando das índias e as índias falando entre si em Yanomami e rindo…

Em uma terça-feira que não assisti à troca, uma índia me parou no meio da tarde na aldeia para me pedir que eu assistisse a todas as trocas, pois quando eu estava por perto, o sargento as tratava melhor, e que daquela última vez ele havia mandado embora muitas delas. Outra situação tensa ocorreu nas vésperas das eleições, quando surgiram candidatos distribuindo bolachas, tabaco e camisetas aos índios. Como já havia terminado a época de campanha, os militares começaram a apreender o material distribuído fora do período legal, e chegaram a incriminar uma candidata. Quando quiseram dar uma busca na aldeia Maturacá, os índios se juntaram na entrada e impediram o ingresso dos militares, dizendo que “vocês mandam no pelotão, quem manda na aldeia é a gente”.

Existe uma cantina no PF que é usada tanto pelos militares quanto pelos garimpeiros e os Yanomami. Os índios normalmente compram farinha, refrigerante, açúcar e biscoito a um preço bem alto. O que acontece a maior parte das vezes é que eles ficam endividados e sem muita perspectiva de pagar, causando tensão ainda maior com os militares. Outro problema é a bebida alcoólica: os índios das comunidades não podem beber, mas os índios soldados (como Lins) bebem com freqüência e se endividam (às vezes a lata de cerveja chega a custar cinco reais), causando confusão no pelotão.

Um dia antes de eu ir embora do PF de Maturacá, chegou uma comitiva organizada pelos militares para estudar o impacto ambiental da construção de uma estrada ligando Maturacá a São Gabriel. Os chefes indígenas das duas aldeias compareceram e ouviram o que o coronel responsável pela comitiva tinha a dizer: que a estrada ajudaria a escoar a produção de artesanato e mandioca dos Yanomami (tal benefício nunca havia sido cogitado pelos Yanomami) e facilitaria o acesso dos índios à cidade.

Depois de ouvirem, todos os chefes se manifestaram contra a construção da estrada, alegando que destruiria rapidamente o modo de vida Yanomami. Ficaram, então, de um lado, o coronel falando dos pretensos benefícios que a estrada traria; e de outro, os chefes indígenas dizendo que a estrada traria a destruição dos costumes tradicionais. Soube posteriormente que a estrada foi aprovada pelo Comando Militar, mas ainda não começou a ser construída. Pelo que pude observar, a alegação dos índios me pareceu procedente: a estrada ligaria aldeias que vivem em um modo tradicional Yanomami, a uma cidade com quase 12 mil habitantes, com comércio, telefone e outros estímulos urbanos. O choque cultural seria muito grande, pois os Yanomami sentiriam a presença do branco tanto em São Gabriel (os mais jovens se interessam por viver na cidade), quanto nas aldeias (facilita o acesso de brancos curiosos por conhecer uma aldeia indígena, além da maior presença dos militares).

Pelotão de Fronteira de São Joaquim

A reação dos Kuripako aos militares no PF de São Joaquim, no alto rio Içana, é bem diferente. Como não há lugar no pelotão para soldados e cabos com famílias, eles acabam alugando uma casa na aldeia Kuripako vizinha ao PF. Não vi soldado não-índio morando na aldeia, somente de outras etnias além da Kuripako. O deslocamento de tropas, que para os militares é bastante comum, para os índios tem outras implicações.

Os índios podem não se adaptar por questões culturais.
Por exemplo, um soldado Tukano me falou que os Kuripako são conhecidos entre os Tukano por serem traiçoeiros, por envenenarem quem eles não gostam. Este soldado estava morando em São Joaquim havia alguns meses, e continuava desconfiado dos Kuripako.

Outro problema é o da hierarquia, que é própria do Exército, mas que tem outros significados entre os índios. Se um cabo Maku der ordens a um soldado Tukano, provavelmente este soldado não obedeceria ao cabo. Enquanto os Maku são um povo tradicionalmente nômade e caçador, de pequena estatura, os Tukano são fortes, têm várias roças, pescam e moram em aldeias muito bem organizadas. As duas etnias vivem numa relação simbiótica: os Maku fornecem caça e frutas aos Tukano, enquanto estes últimos dão em troca mandioca e outros produtos agrícolas.

Os Tukano exigem freqüentemente demonstrações de subordinação do povo Maku, que é muitas vezes chamado de “os acendedores de cigarro” dos Tukano. Dentro deste contexto cultural, dificilmente haveria uma adaptação no exército entre pessoas com papéis tão diferenciados historicamente.

Evangélicos, os Kuripako não bebem, fazem refeições comunitárias e passam quase o dia inteiro nas roças. Os cultos evangélicos na língua indígena acontecem todos os dias, e os Kuripako se reúnem também para o trabalho coletivo na aldeia.

Os soldados índios do PF que moram na aldeia (principalmente os não-Kuripako) desestruturam muitos destes costumes. Primeiro, porque eles não participam da vida da comunidade: suas mulheres não vão à roça, eles não ajudam nos trabalhos coletivos nem fazem refeições juntos. Segundo, porque eles começam a trazer hábitos que a comunidade não sabe lidar: dinheiro para pagar os homens por algum serviço; bebida alcóolica (já houve um caso de um soldado bêbado ameaçar o chefe da comunidade); gravidez de índias da aldeia por soldados que rapidamente são transferidos.

Embora tenha ouvido falar de casos mais explícitos de abuso por parte dos soldados, muitas vezes a ligação índia-militar interessa a ambos: mais de um soldado me apontou confidencialmente algumas garotas que vagueiam pela pista de pouso à noite em busca de parceiros. Para muitas delas, a idéia de se relacionar com um militar é uma forma de fazer parte do mundo do branco.

Uma figura importante para compreender essas ligações era Tiago, cabo Kuripako que morava na aldeia e que era o intermediário nas relações índios-PF. Bem-visto no pelotão e na aldeia, ele conquistou o respeito e a confiança de ambos. Seu filho adoeceu, e Tiago esperava vir socorro médico por avião, que não apareceu. Depois da morte de seu filho, ele estava indo morar em São Gabriel.

O número de soldados, cabos, sargentos e tenentes de São Joaquim é semelhante ao PF de Maturacá. De um modo geral, os Kuripako eram muito mais submissos aos militares que os Yanomami. Quando chegava uma comitiva, todos os índios da comunidade iam cantar o hino nacional para os generais, enquanto os Yanomami pensavam duas vezes se apareceriam no pelotão.

Mesmo assim, os Kuripako demonstram uma certa desconfiança em relação aos militares. Foi-me relatado por uma índia e dois militares que, alguns meses antes, um chefe Kuripako tinha adoecido gravemente e o médico do pelotão não era bem visto pelos Kuripako. Quando o avião militar chegou para levar o enfermo para o hospital de São Gabriel, ele tinha acabado de falecer. O médico colocou algodão nas narinas do morto, preparando-o para o enterro. Os Kuripako viram a cena e começaram a acusá-lo de ter matado seu chefe, e desde então a ligação do médico com os índios piorou muito.

Percebendo essa desconfiança, um enfermeiro de uma ONG que cuida da saúde dos Kuripako fixou-se em uma casa próxima à comunidade para atender os índios. Ele me contou que na vez anterior, havia se instalado no pelotão, e não apareceu quase nenhum índio para ser consultado.

A mesma situação de Maturacá, do soldado indígena como o “novo-rico” da fronteira, acontece em São Joaquim: telhados de zinco, parabólicas e o uso de bebidas alcóolicas trazem um novo status para esses jovens. De um modo geral, as índias das aldeias e mesmo de São Gabriel preferem casar com um militar – assim, o índio soldado é mais valorizado por elas que o índio não-soldado.

Relatos de Militares e de Esposas de Militares

Atuando na região chamada “Cabeça do Cachorro”, o exército possui seis pelotões ao longo de 1.500 Km de fronteira: Iauareté, Querari, São Joaquim, Cucuí, Maturacá e Pari-Cachoeira e, em construção, Tunuí. Oficiais em começo de carreira, esposas de militares e um sargento me contaram que a Amazônia é uma região atraente para os militares da infantaria.

A verba da transferência, que depende da distância e do tempo de serviço, é significativa para os oficiais e mesmo para os sargentos. Somente para ir, um sargento ganha em média R$ 25 mil, um tenente, R$ 30 mil, um capitão, R$ 35 mil, um coronel, R$ 40 mil e um general, R$ 70 mil (de acordo com os relatos que tive). A volta depende do lugar da transferência. Esses números são aproximados, pois variam também com o número de dependentes (solteiro ganha menos).

Tipicamente, um tenente que saiu de Santa Catarina para servir na Amazônia vai ganhar bem mais que um tenente nas mesmas condições que saiu do Pará. A esposa de um tenente do Sul me disse que seu marido ganharia cerca de R$ 70 mil com ida e volta à terra natal.

Um oficial em começo de carreira me informou que, a cada dois anos, o oficial pode indicar cinco opções de lugares que deseja ir, depois deve passar no mínimo dois anos no local, e pode pedir uma nova transferência, se desejar partir.
Segundo ele, a Amazônia tem sido cada vez mais colocada em primeira opção de escolha.

Esse mesmo oficial me explicou que existe a “medalha de mérito amazônico”: Dois anos sem punição dá direito a uma castanheira; cinco anos: duas castanheiras; dez anos: três castanheiras, o que ajuda na futura promoção. Segundo ele, a estadia na Amazônia conta 1/3 a mais de tempo para a aposentadoria. A mulher de um tenente que veio da Aman (Academia Militar das Agulhas Negras) me contou que o marido precisou da influência de um general para servir em São Gabriel.

Dos recém-formados em 2000 que escolheram servir na Amazônia, conversei com o mais bem colocado, que ficou em 23° lugar. Ele me disse que quatro recém-formados escolheram servir em São Gabriel, e dentre eles, o pior colocado era o 63° lugar, do total de 160 formandos. Existe apenas um oficial indígena no Brasil, segundo informações dos militares da região: Josimar Marinho, índio Tukano, tenente e capelão (veja nota 1 ao fim do texto).

Todos os outros índios que pertencem ao exército são majoritariamente soldados, em menor número cabos, e me disseram haver alguns casos de sargentos (que eu mesma não conheci). O comandante me informou que vem crescendo o número de jovens indígenas que ingressam voluntariamente nos batalhões de São Gabriel a cada ano (veja nota 2, ao final do texto).

Conversando com soldados e oficiais, pude constatar que são poucos os índios integrantes do exército que estão estabilizados na sua posição, fazendo parte do efetivo permanente. A maioria é obrigada a se desligar com oito anos de serviço, a fim de evitar a estabilidade. Um oficial me disse que isso não ocorre apenas com os índios, mas faz parte de uma política administrativa dos militares para enxugar os custos: restringir o número de funcionários militares estabilizados, que têm direito à aposentadoria pública, à saúde, ao pagamento de pensão à viúva, entre outros.

Conheci um soldado e um cabo indígena que foram estabilizados justamente por possuir habilidades específicas: um sabia andar bem no mato de São Joaquim e pilotar barcos à noite, o outro era um importante elemento de ligação do pelotão com a comunidade vizinha. Entretanto, de um modo geral os índios fazem trabalhos pouco qualificados no quartel, como pintar paredes, fazer faxina, entre outros, e acabam sendo dispensados muito antes da estabilização.

São Gabriel é uma cidade sem infra-estrutura, com alto índice de desemprego, e os índios que ali permanecem acabam exercendo as funções mais desvalorizadas: faxineiros, vendedores, pescadores, entre outros. Essa situação miserável leva a uma hiper-valorização do exército como o “redentor”, a solução dos problemas. Em um certo sentido, os militares simbolizam o poder dos brancos, e alistar-se no exército é uma forma de tentar fazer parte desse poder.

Constatei que a maior parte dos soldados indígenas vai se acomodando, permanecendo no exército até quando for possível, sem maiores preocupações com o futuro. Conheci um soldado Tukano no PF de Maturacá que havia gasto o dinheiro de todo um ano de trabalho no pelotão em apenas duas semanas em São Gabriel. Alguns soldados indígenas estavam endividados no PF por causa do gasto com bebida.

Enquanto estão no Exército, os soldados indígenas são prestigiados pelos demais índios por possuírem casa com telhado de zinco em vez de palha (apesar do telhado de zinco esquentar e fazer um barulho ensurdecedor nas chuvas, ele é valorizado porque dura mais) e antena parabólica. Recebendo a quantia inicial de um salário mínimo no primeiro ano, o soldado reengajado recebe um aumento substancioso a partir do segundo ano: cerca de R$ 600,00, variando de acordo com o tempo de serviço e o número de dependentes (segundo informações dos militares). Para a região, é um dinheiro considerável, que atrai a admiração da família e o interesse das mulheres.

Quando são desligados, os índios deixam a instituição militar bastante desorientados: já viveram demais a vida de branco para voltar, como se nada tivesse acontecido, para suas aldeias. Verifiquei que a maior parte dos Yanomami e Kuripako que serviram o exército voltaram para suas comunidades. A volta depende de alguns fatores, como raízes na comunidade, vínculos na cidade e tempo de quartel.

Tipicamente, o soldado indígena cujos pais ou a companheira já residem em São Gabriel e permanecem mais de quatro anos no quartel tendem a se fixar na cidade depois que deixam a instituição militar. Já os que passaram apenas um ou dois anos no exército e possuem raízes fortes nas aldeias tendem a voltar para suas comunidades.

Em 2000, o comandante me informou que ingressaram nos batalhões de São Gabriel 180 índios e 50 soldados de fora (das cidades de São Gabriel, Barcelos, Santa Isabel e em último lugar, Manaus). Segundo ele, os índios militares já representam quase 40% dos cabos e soldados da região, e a perspectiva para os próximos anos é de aumentar ainda mais o efetivo indígena no exército e o número de pelotões de fronteira na região amazônica.

(Nota 1 : Josimar não está mais no Exército)
(Nota 2: esse quadro est´se revertendo com os recentes cortes de verbas no Exército, motivando a dispensa de milhares de jovens recrutados)

(*) A autora realizou uma pesquisa sobre a relação índios e militares, como aluna de Mestrado em Antropologia da Universidade de São Paulo. Daí resultou em 2001 a dissertação de mestrado intitulada “À margem das culturas: um estudo de casos de índios brasileiros marginais”

Mão-de-obra indígena recebe qualificação

Agência Brasil – ABr – A Secretaria de Saúde de Mato Grosso do Sul continua hoje a capacitação de agentes multiplicadores que empregam mão-obra-indígena. O encontro reunirá por dois dias profissionais de saúde que trabalham nas diversas empresas. O qualificação está sendo realizada desde ontem, no Hotel Vale Verde, nesta capital. O objetivo, segundo a coordenação estadual do DST/Aids, responsável pela organização, é conscientizar o público alvo e instruí-lo para que transmitam corretamente ao povo indígena medidas preventivas contra Doenças Sexualmente Transmissíveis – DST e Aids, respeitando as diferenças entre os povos.
Participam representantes dos municípios de Brasilândia, Sidrolândia, Nova Andradina, Nova Alvorada do Sul, Dourados, Maracaju e Naviraí. Estão sendo oferecidas trinta vagas.