Povo Katukina faz alerta contra uso indevido do kampô, a “vacina do sapo”

Índios do Alto Juruá, no Acre, divulgam carta denunciando o uso não autorizado de seu nome na comercialização da secreção da perereca Phyllomedusa bicolor, cuja aplicação tem sido divulgada nas grandes cidades do País como uma terapia indígena milagrosa. Enquanto isso, a substância e suas moléculas são patenteadas no mundo todo e o governo federal tenta fazer do kampô um caso emblemático de repartição de benefícios associados aos recursos genéticos da biodiversidade brasileira.

A popularização do uso da secreção da perereca kampô (Phyllomedusa bicolor) nas grandes cidades brasileiras começa a preocupar os mais antigos detentores deste conhecimento, os Katukina, povo indígena do Alto Juruá, no Acre. No começo deste mês, a Associação Katukina do Campinas (Akac) divulgou uma carta solicitando que as pessoas que fazem a prática comercial da “vacina do sapo”, como a substância é conhecida, não utilizem o nome da etnia como forma de “legitimar” a atividade. A carta é direcionada em especial a duas terapeutas, uma de São Paulo e outra de Belo Horizonte, citadas nominalmente no documento, que estariam valendo-se do nome da Akac para divulgar a aplicação da substância e lucrar com isso. No documento, os Katukina também afirmam que a comercialização do kampô trouxe problemas para a comunidade indígena e pedem que a prática seja encerrada. Leia aqui a carta na íntegra.

A associação indígena enviou cópias da carta aos escritórios da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, em Rio Branco, e deu vinte dias para que o uso indevido do kampô em nome dos índios fosse abandonado. O prazo se encerrou ontem, 26 de abril. “Estamos preocupados porque não autorizamos ninguém a usar nosso saber. A polícia e o Poder Judiciário precisam saber disso”, afirma Fernando Katukina, vice-presidente da Akac. O líder indígena esclarece que a preocupação é em relação ao uso do nome de seu povo na venda das aplicações da secreção da jia. “Tem muita gente se promovendo em cima do nosso povo, mas nós queremos que o kampô seja utilizado de forma legal, com respeito ao nosso conhecimento e sem estimular a biopirataria”.

Os Katukina utilizam a secreção principalmente como um estimulante capaz de aguçar os sentidos dos caçadores, para que a busca por alimento na mata seja bem-sucedida. Quem sofre de panema (azar na caça), portanto, é tratado com aplicações da substância. A antropóloga Edilene Coffaci de Lima, da Universidade Federal do Paraná, uma das maiores estudiosas da etnia, explica que, fora do contexto da caça, homens e mulheres Katukina também fazem uso do kampô. “Desde muito cedo, entre o primeiro e segundo ano de vida uma criança começa a receber o kampô, quase sempre por iniciativa dos avós”, descreve.

A antropóloga afirma que “este uso moderado é feito para aliviar indisposições diversas, como diarréias e febres ou sonolência, que tiram o ânimo das pessoas para o desempenho das atividades mais simples. Mas, ainda que se queira debelar o incômodo físico que diversas patologias causam, o uso do kampô é determinado muito mais pela avaliação moral que se faz do desânimo que proporcionam. Afinal, depois de ser recomendado como estimulante aos caçadores, o kampô é recomendado àqueles que padecem de preguiça (tikish)”.

Panacéia da floresta

Nos últimos anos, o uso do kampô tem se popularizado entre a população das grandes cidades brasileiras como uma milagrosa terapia indígena. Em folhetos de divulgação, a substância é classificada como um poderoso energizante e fortalecedor do sistema imunológico, uma verdadeira panacéia, capaz de tratar doenças do coração em geral, hepatite, cirrose, infertilidade, impotência, depressão, entre outras enfermidades. De acordo com o material de divulgação, o kampô seria eficaz até mesmo no tratamento de câncer e AIDS. Cada aplicação da secreção do anfíbio – feita sobre pequenas feridas abertas na pele do usuário a partir de queimaduras – custaria até R$ 120,00. A popularização do kampô também se valeu de inúmeras reportagens em televisão e revistas, produzidas a partir da experiência de jornalistas que se submeteram aos efeitos da substância. A maioria dos narradores descreve que, após receber a aplicação do kampô, sente em poucos minutos um forte mal-estar, acompanhado geralmente de vômitos. Em seguida, o kampô provocaria uma sensação de revitalização de todo o organismo e aguçamento dos sentidos.

Em 2004, o uso indiscriminado da secreção cresceu tanto que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu sua propaganda, que vinha sendo feita principalmente na internet. Meses antes, em abril de 2003, as lideranças da Terra Indígena Campinas/Katukina já haviam solicitado oficialmente ao governo federal que tomasse providências para proteger e valorizar o uso tradicional do kampô pelos índios. Além dos Katukina, os Yawanawá, Kaxinawá e Marubo, entre outros povos indígenas, também têm no kampô um elemento cultural importante. A demanda dos Katukina levou o Ministério do Meio Ambiente (MMA) a elaborar um projeto para, a partir do caso do kampô, aprimorar o acesso aos recursos genéticos da biodiversidade brasileira e a repartição de benefícios aos detentores dos conhecimentos tradicionais associados.

Moléculas patenteadas

O projeto conta com diversas parcerias governamentais e não-governamentais e também tem, entre seus objetivos, “contribuir para a estruturação sustentável da cadeia produtiva da ‘vacina do sapo’, promovendo estudos dos efeitos da aplicação da substância sobre a sustentabilidade sociocultural e ambiental, com vistas a se iniciar um processo que contribua para a análise da possibilidade de validação do uso não-tradicional e a proteção do uso tradicional desse etnofármaco”, conforme texto do próprio ministério. Em outras palavras, o projeto visa combater a biopirataria do kampô e desenvolver pesquisas que resultem em medicamentos a partir da secreção daquele anfíbio. Segundo levantamento feito pela ONG Amazonlink, existem dez pedidos de patentes sobre a Philomedusa Bicolor feitos por laboratórios, universidades ou centro de pesquisas em escritórios de patentes no exterior.

Um dos coordenadores do projeto, Bruno Filizola, do Programa Brasileiro de Bioprospecção e Desenvolvimento Sustentável de Produtos da Biodiversidade (Probem), do MMA, afirma que a secreção da perereca tem cerca de 200 moléculas com potencial comercial e que existem pelo menos 80 pedidos de patente sobre o gênero Philomedusa, em escritórios de patentes no mundo todo. Os registros recaem principalmente sobre moléculas com potencial antimicrobiano. A própria Empresa Brasileira de Pesquisa e Agropecuária (Embrapa), que faz parte do projeto governamental sobre o Kampô, tem a patente de uma outra espécie de sapo, cuja secreção também tem propriedades com potencial para a produção de medicamentos.

Alguns pesquisadores da Embrapa, inclusive, não reconhecem que existe conhecimento tradicional associado ao uso do kampô. Argumentam que a “ciência” já havia chegado ao conhecimento sobre as propriedades do gênero Philomedusa, independentemente do conhecimento dos índios do Acre. “Realmente muitos cientistas ainda não internalizaram os princípios da CBD (Convenção da Biodiversidade)”, reconhece Filizola. A CBD prevê a repartição de benefícios do acesso aos recursos genéticos da biodiversidade aos detentores de conhecimentos tradicionais associados a estes recursos. “A transformação deste bem cultural dos índios em bem de mercado certamente vai gerar impactos nas comunidades indígenas. Por isso queremos viabilizar a cadeia produtiva do kampô”, diz Bruno Filizola.

O advogado do ISA, Fernando Mathias, questiona a eficácia do projeto do governo brasileiro em um caso no qual “a biopirataria já se consumou”. “O que o governo vai fazer e

m relação às patentes que já existem? Esse passivo vai ser objeto de negociação entre os índios e as empresas? Vai haver espaço para discutir a quebra ou ao menos a abertura das patentes já concedidas ou os índios vão apenas receber um troco em troca da privatização de seus conhecimentos e do patrimônio genético brasileiro?”, pergunta. “Se o que de fato prevalece neste e outros casos são os interesses das corporações transnacionais farmacêuticas, este projeto do governo corre o risco de não passar de uma cortina de fumaça no campo da repartição de benefícios”.

Ibama inicia campanha Operação Mata Nativa para combater desmatamento na caatinga

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) lançará amanhã (25) a Operação Mata Nativa, inicialmente na região de caatinga do Araripe (PE), contra o desmatamento desse bioma. Segundo João Arnaldo Novaes, superintendente do Ibama de Pernambuco, a região é o segundo maior pólo de gesso do mundo e o maior do Brasil.

"Nós temos verificado que o maior foco de desmatamento de caatinga está sendo a geração de matriz energética, ou seja, de lenha e carvão" afirmou Novaes. Segundo ele, as empresas que usam o produto florestal como fonte de energia estão "aquecendo" o mercado ilegal de madeira. Ele afirmou que a indústria siderúrgica e o pólo de gesso são responsáveis pelo uso de quase dois milhões de estéreos de lenha – medida de volume que equivale a um metro cúbico – por ano.

Segundo ele, estudos recentes mostram que a caatinga perdeu 30% da cobertura florestal nos últimos dez anos. "Com essa ação nós pretendemos reverter isso, exercendo um controle sobre o consumo florestal em cada empresa, pelo tipo de forno que possui", afirmou.

Novaes disse que os instrumentos de fiscalização do Ibama eram muito frágeis e explicou como será feito o controle a partir de agora: "Vamos passar a fazer um cálculo do consumo de cada empresa pelo tipo de forno que ela possui e fazer a conferência da produção através do ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços]. Então nós vamos cruzar os dados e verificar a demanda de consumo de lenha daquela empresa".

De acordo com o superintendente, "a meta é fazer com que todo consumo de produtos florestais da caatinga seja oriundo de manejo florestal sustentável". Ele informou que esse modo de exploração não causa um impacto representativo ao meio ambiente e não põe em risco a biodiversidade. "Além de beneficiar diretamente o meio ambiente, ainda teremos a garantia da criação de centenas ou milhares de empregos diretos e indiretos", acrescentou.

Segundo Novaes, a campanha de proteção à caatinga é permanente, será estendida a outras regiões e nos próximos seis meses conseguirá conter o desmatamento de mais de 15 mil hectares de floresta. Ele afirmou ainda que junto com a operação será lançada a campanha "Seja Legal" para que as empresas, a sociedade e o governo cobrem e colaborem para que o consumo de produtos florestais seja feito de forma sustentável.

São Paulo tem cerca de 5 mil índios vivendo em aldeias

São Paulo – Existem atualmente cerca de 5 mil indígenas vivendo nas 28 aldeias no estado de São Paulo, de acordo com de Amauri Vieira, chefe de serviço de assistência da Administração Regional da Funai no estado, localizada no município de Bauru. Os povos Guarani, Terena, Kaigang e Krenak estão espalhados em comunidades na região centro-oeste, no Vale do Ribeira, na capital, além do litoral norte e sul.

"Há também índios que moram na capital e trabalham lá, mas não vivem em aldeias nem têm terra definida. É o caso dos Pankararu. São mais de 1.500 índios originários de Pernambuco e que estão na capital há muitos anos", afirmou Vieira. Além dos Pankararu, moram na região metropolitana de São Paulo os Fulniô, Xavante, Xucuru, Xucuru-Kariri e Pankararé.

Ao todo, são 17 mil hectares de terras indígenas no estado. A maior fica na cidade litorânea de Mongaguá. Trata-se da terra Aguapeu, com 4.500 hectares. Mas ainda há situações precárias de demarcação de terra, principalmente na cidade de São Paulo.

"As áreas indígenas na capital são muito pequenas realmente. Os indígenas vivem numa situação difícil, principalmente os Guarani da aldeia Jaraguá, onde há 300 índios com menos de 2 hectares de terra demarcados pela Funai", diz Vieira.

Ele explica que ainda este ano cada uma das três aldeias Guarani na capital passarão por um processo de ampliação do território em 100 hectares. A medida é fruto de uma parceria entre a Funai, os índios e a Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S.A.) – empresa ligada ao governo estadual.

A população Guarani é a mais populosa do estado. "Apesar da proximidade junto à população urbana, o índio Guarani ainda preserva muito sua cultura", diz Vieira. Historicamente esse povo sempre habitou o litoral brasileiro, do Rio Grande do Sul até o Rio de Janeiro. No entanto, a Funai não tem estimativa sobre o percentual de índios dizimados ao longo dos anos.

"Hoje o que se registra é um crescimento da população indígena. Felizmente isso tem acontecido não só em São Paulo, mas no Brasil inteiro. Já se fala em torno de 470 mil índios que vivem em aldeias em todo em país", conclui Vieira.

Festa no Dia do Índio reunirá 11 etnias no litoral paulista

São Paulo – O Dia do Índio será comemorado com festa no litoral paulista. A cidade de Bertioga, considerada Capital Nacional do Índio, sediará a partir de amanhã (19) a 6ª Festa Nacional do Índio, organizada pela Prefeitura. Durante os cinco dias de atividades estarão presentes cerca de 500 índígenas de 11 etnias, vindos de vários estados. Estão previstas exposições de artesanato, fotografias, culinária, atividades esportivas, além de seminários sobre a diversidade cultural indígena.

Representantes da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), órgão ligado ao governo federal, participam amanhã de palestra sobre saúde indígena. O objetivo é orientar os índios sobre prevenção da Aids e de outras Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs). Nesta sexta-feira (21), Marcos Terena, articulador dos Povos Indígenas na Organização das Nações Unidas (ONU), coordena um fórum sobre juventude e a ecologia.

Segundo a prefeitura, só no ano passado, cerca de 120 mil pessoas passaram pelo evento. Foram convidados para a 6ª Festa Nacional do Índio representantes dos povos Assurini (PA), Kaiapó (PA), Gavião (PA), Bororo (MT), Paresi (MT), Yawalapiti (MT), Terena (MS), Iratxe Manoki (MT), Karajá (TO), Xerente (TO) e Guarani (SP). A entrada é gratuita.

Mais de 57% das áreas indígenas em São Paulo não estão demarcados, revela Funai

São Paulo – Das 28 aldeias indígenas no estado de São Paulo, somente 12 estão com a área homologada pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e somente duas estão com o processo de demarcação em andamento. A informação foi dada hoje (18) por Amauri Vieira, chefe de serviço de assistência da Administração Regional da Funai, localizada no município de Bauru. As terras que ainda não foram identificadas pelo órgão se concentram no Vale do Ribeira e na região de Ubatuba (litoral norte).

Segundo Vieira, o motivo desse cenário é o sucateamento da fundação. "Isso é grave. A Funai se encontra hoje com um problema muito sério de falta de técnicos, fruto de uma situação que vem se deteriorando ao longo dos anos. Isso impede, evidentemente, que esses processos de identificação de terras sejam mais ágeis", afirma.

Ele informa que na década de 80 a Funai mantinha cerca de 4.500 servidores em todo o país, mas hoje esse número caiu para 2.200. Na Administração Regional da Funai em Bauru, 40 funcionários são responsáveis pelo atendimento dos cerca de 5 mil índios de São Paulo e de mais 900 do estado do Rio de Janeiro.

"É um quadro insuficiente, muito difícil de trabalhar. É preciso o triplo desse número para que a Funai estivesse presente em todas as regiões desses estados prestando uma assistência efetiva", diz Vieira.

Os funcionários da Funai de várias regiões do país estão em greve desde a última sexta-feira (14). Eles reivindicam a abertura de concurso público, reajuste salarial e plano de carreira.

Pequenos produtores contestam ciclo da monocultura da soja

"O Brasil já viveu o ciclo da cana de açúcar, do ouro, do café e agora vive o ciclo da monocultura da soja", afirmou Nilffo Vandcheer, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Lucas do Rio Verde (MT), em uma roda de debates na sede do sindicato, organizada por diversos representantes da sociedade civil para discutir os riscos do uso intensivo dos agrotóxicos para saúde humana e ambiental. No início de março, a cidade foi pulverizada com uma nuvem de agrotóxicos, que dizimou plantas ornamentais, medicinais e a produção de pequenos produtores.

As entidades reivindicam que seja convocada uma audiência pública com toda a população para se debater o problema das pulverizações que ocorreram sobre a cidade nos últimos quatro anos. Nessa audiência os representantes da sociedade civil querem que seja criado um fórum permanente de discussão sobre os rumos do desenvolvimento do município. Também querem que as autoridades municipais se comprometam com medidas efetivas para prevenção e fiscalização dos acidentes com agrotóxicos.

Para Nilffo, o municipio conseguiu conquistar uma qualidade de vida razoável, uma infraestrutura urbana das melhores do país e, agora, tem que discutir como manter e melhorar a qualidade de vida e a distribuição da renda. Segundo ele, "são apenas os grandes produtores que se beneficiam do modelo de desenvolvimento baseado no agronegócio – enquanto uns poucos ganham, a maioria perde com esse modelo", afirmou o sindicalista.

Nilffo Vandcheer defendeu que a solução está na diversificação da produção do município, no fortalecimento da agricultura familiar e da produção orgânica. Segundo ele, o agronegócio emprega pouco, concentra a renda na mão dos grandes fazendeiros, degrada o meio ambiente com o uso intensivo de fertilizantes químicos, agrotóxicos e de maquinário pesado que compacta o solo impedindo a infiltração da água e causando erosão. "O agronegócio já devastou as matas do município, acabou com a diversidade de espécies vegetais e animais da região, contaminou os rios e as lagoas e agora ameaça inclusive a saúde e a qualidade de vida dos habitantes", disse em referência às pulverizações de agrotóxicos.

Para Celito Trevisan, presidente da Associação dos Chacareiros de Lucas do Rio Verde, também presente à roda de debates, esse modelo de desenvolvimento baseado na monocultura da soja esta com os dias contados. "Esse é um modelo que não pode se sustentar a longo prazo. Quando a soja estava a R$ 45 a saca, como em 2004, ela avançou sobre a Amazônia derrubando a floresta e concentrando ainda mais a propriedade", critica.

"Os fazendeiros diziam que o agronegócio era a solução para o Brasil. Agora que a saca esta a R$15 eles ficam ai chorando e querendo que o povo pague a conta, que o governo prorrogue as dividas deles, mas quando eles estavam enchendo os bolsos com os dólares da exportação da soja eles não chamaram o povo para repartir com eles", afirmou em entrevista à Radiobrás.

Conferência pode ser a base de parlamento indígena, diz presidente da Funai

Durante os sete dias da Conferência Nacional dos Povos Indígenas, os cerca de 800 representantes indígenas de 225 etnias se reunirão em plenárias pela manhã e formarão dez grupos de trabalho no período da tarde. Cada dois grupos debaterá um tema proposto pelo encontro e apresentará relatórios que serão discutidos pelos demais. Eles participarão, assim, da formulação de uma política indigenista.

Para o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Mércio Pereira Gomes, a base do parlamento indígena pode surgir da conferência. "Seria um lugar onde os índios debateriam como representantes de seus povos, não como associações. Seriam representantes eleitos por seus povos para discutir o desenvolvimento e o futuro das políticas indígenas", observou.

A conferência será aberta amanhã, por volta das 19 horas, seguindo até o dia 19 de abril, no Pavilhão de Exposições do Parque da Cidade, em Brasília. Durante a abertura, será feito um resumo das nove conferências regionais realizadas no ano passado. Além disso, será distribuído material sobre o Programa Índio Cidadão Brasileiro.

"Neste programa, foi feita a análise de todos os povos indígenas, da situação dos jovens e das dificuldades pelas quais estão passando. O que queremos é que a sociedade veja o índio como cidadão brasileiro", afirmou Mércio.

Entre os temas que serão discutidos estão autonomia cultural e política, tutela e autodeterminação dos povos, além da questão das terras, como processos de demarcação. Segundo Mércio, eles também vão debater se querem que a Funai continue a sendo responsável pelos povos indígenas. "É preciso que as falas sejam sinceras na conferência", salientou.

Mércio lembrou que existem hoje no Brasil 450 mil índios, sendo cerca de 300 mil eleitores. "Eles votam e são votados", destacou.

Segundo a assessoria de imprensa da Funai, a greve dos servidores federais (iniciada em 15 de março) não vai prejudicar a organização do evento. Um acordo teria sido feito com os grevistas para que a conferência siga com normalidade.

Florestas de Araucárias possuem animais em extinção, plantas e pinturas rupestres

Na próxima semana, um decreto presidencial deve passar para a mesma categoria o Refúgio da Vida Silvestre do Rio Tibagi, também na região Sul.

De acordo com o coordenador da força-tarefa das Araucárias do Ministério do Meio Ambiente, Maurício Savi, essas unidades abrigam não só animais e plantas em extinção das florestas de Araucárias, como grutas com pinturas rupestres.

O Refúgio da Vida Silvestre do Rio Tibagi, por exemplo, é o habitat do papagaio-do-peito-roxo, ameaçado de extinção. Com cerca de 30 mil hectares, o refúgio ainda possui os últimos remanescentes de várzea em bom estado de conservação e protege as nascentes do rio Tibagi. Além do papagaio-do-peito-roxo, a região abriga o lobo-guará e o macuquinho do brejo.

Outra Unidade de Conservação recém-criada, a Reserva Biológica das Perobas guarda em seus 8,1 mil hectares o último fragmento desprotegido de Floresta Estacional Semidecidual, uma das formações da Mata Atlântica. "Nessa região, além da peroba existem outras espécies ameaçadas como o xaxim, a canela, a anta, a jaguatirica e o puma", conta o coordenador da força-tarefa das Araucárias e também biólogo, Maurício Savi.

Segundo ele, as novas unidades de conservação Reserva Biológica das Araucárias e Parque Nacional dos Campos Gerais também abrigam material genético raro e único. A área é caracterizada não só pela presença da Araucária, mas também por ter 30% de cobertura com campos naturais, outro ecossistema ameaçado.

"Atualmente, só existem 0,2% da cobertura original desse tipo de formação no país", revela Savi. Localizado nos municípios de Ponta Grossa, Castro e Carambei, o Parque Nacional dos Campos Gerais possui afloramentos rochosos e diversos sítios com pinturas rupestres e manifestações indígenas. Nele, existem plantas que não são encontradas em nenhum outro local, também chamadas de endêmicas. É o caso da palmeira anã.

De acordo com dados da Secretaria Estadual do Meio Ambiente, em 1890, as áreas de floresta com Araucária cobriam originalmente cerca de 7,38 milhões de hectares no Paraná. O desmatamento fez com que este número chegasse a 269 mil hectares em 1984 e atualmente o Estado possui 0,8% de araucárias em estágio avançado de regeneração, ou seja, árvores mais antigas e originais.

Devido à qualidade da madeira da araucária, leve e sem falhas, a espécie foi muito procurada por madeireiras a partir do início do Século XX. Estima-se que, entre 1930 e 1990, cerca de cem milhões de pinheiros tenham sido derrubados. Entre 1950 e 1960, foi a principal madeira de exportação do país.

Líderes indígenas acusam o governo Lula de traição

Mais de 500 índios de 20 estados brasileiros deram início ontem em Brasília ao Acampamento Terra Livre, mobilização que abre a agenda do Abril Indígena, série de eventos, debates e reivindicações dos povos indígenas brasileiros que ocorre ao longo deste mês. Sob uma lona de circo há poucos metros do Congresso Nacional, representantes de dezenas de etnias somaram críticas à política indigenista do governo federal. Destacaram, entre as principais falhas e omissões da gestão do presidente Lula, a falta de demarcações de terras indígenas há muito tempo reivindicadas e o descaso com a saúde indígena.

“Sempre tentamos eleger um presidente que representasse o movimento social. Nos enchemos de esperança quando Lula ganhou, pensamos que finalmente teríamos saúde, terra e educação”, lembra Jecinaldo Barbosa Cabral, coordenador da Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira). “Mas tudo mudou. O governo fechou o diálogo conosco e se aliou aos inimigos dos povos indígenas, traindo todos os compromissos antes firmados”.

O loteamento da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e a concessão a deputados e governos estaduais – principalmente de Santa Catarina e Roraima – colocando os direitos indígenas como moeda de troca, para o fortalecimento da base governista no Congresso, foram apontados pelas lideranças presentes ao evento como as práticas do governo Lula que mais contrariaram os interesses indígenas. “Como o governo nunca teve maioria na Câmara Federal, precisou barganhar nossos direitos nos estados para formá-la. Isso é inaceitável”, afirmou Uiton Tuxá, do povo Tuxá, de Pernambuco. “Como é inaceitável que o Estatuto dos Povos Indígenas esteja engavetado a 12 anos no Congresso Federal e o governo não mova uma palha para votá-lo”.

"Mortos como cachorros"

A abertura dos trabalhos foi marcada por discursos revoltados e emocionantes. Muitos denunciavam o perigo de povos inteiros serem extintos. “Estamos sendo mortos como cachorros”, gritou o cacique Anastácio, do povo Guarani Kaiowá, do Mato Grosso do Sul. “Os fazendeiros atacam a gente e nada acontece com eles, nenhuma punição”. O cacique Nailton Pataxó denuncia o descaso com o atendimento sanitário de sua aldeia, no sul da Bahia. “Quando um parente fica doente, demora mais de um mês para conseguir medicamento. Quando o remédio chega, o quadro já piorou tanto que não serve mais”.

Membros do Fórum de Defesa dos Direitos Indígenas (FDDI) também tomaram a palavra ontem para analisar a atual conjuntura política nacional em relação aos interesses e lutas dos povos indígenas. O antropólogo Marco Paulo Schettino, do Ministério Público Federal, afirma que o governo federal confunde os direitos dos índios com os interesses da Fundação Nacional do Índio (Funai). “E a Funai age como se a demarcação de terras fosse um favor aos índios, como se a tutela exercida por ela fosse a melhor política indigenista”.

As críticas à Funai seguiram na voz de Gilberto Azanha, do Centro de Trabalho Indigenista. “O papel do órgão não é brecar as reivindicações dos índios, mas buscar atendê-las. Infelizmente esse governo faz menos pelos interesses indígenas do que qualquer outro governo, inclusive o dos militares”. O advogado Raul Silva Telles do Valle, do ISA, lembra também que a mobilização dos povos indígenas é fundamental para enfrentar a frente anti-indígena existente no Congresso Nacional e nos estados brasileiros. “Vivemos um momento histórico em que muitas conquistas recentes, como as da Constituição Federal, estão sendo ameaçadas. Mais do que nunca os povos indígenas precisam estar unidos e atuantes”.

A realização do Abril Indígena pelo terceiro ano consecutivo também foi valorizada ontem pelos líderes indígenas. A criação no mês passado da Comissão Nacional de Política Indigenista , pelo governo federal, atendeu a uma demanda expressa no acampamento de 2005. Os povos indígenas presentes ao acampamento querem, agora, que a comissão priorize o encaminhamento, pelo Ministério da Justiça, das terras que estão paradas no órgão à espera da publicação da portaria que define seus limites, para que o processo de demarcação possa avançar. Cinco das 13 terras que já haviam sido levantadas pelo movimento indígena como prioritárias desde o ano passado estão localizadas em Santa Catarina.

As atividades no Acampamento Terra Livre continuam hoje, quando os participantes do acampamento se dividem em grupos para debater demarcação de terras, proteção dos territórios, sustentabilidade e gestão territorial, saúde Indígena, política indígenista e gênero. Após os trabalhos em grupos, as conclusões serão compartilhadas entre os participantes. Na quinta-feira, as atividades serão finalizadas com a discussão e aprovação de um documento final do Abril Indígena/Acampamento Terra Livre 2006, que será apresentado ao Senado Federal em audiência pública no mesmo dia.

Nenhum posseiro de Raposa Serra do Sol foi indenizado no prazo de um ano

A uma semana de expirar o prazo para a retirada de todos os ocupantes não-índios da terra indígena Raposa Serra do Sol, conforme estabelecido no decreto de homologação, assinado em 15 de abril de 2005, nenhum posseiro foi indenizado, de um total estimado de 250 famílias.

O administrador da Funai em Boa Vista, Gonçalo Teixeira, informa que a Instituição tem recursos para pagar 28 processos de famílias em que o levantamento fundiário já foi concluído.

De acordo com o decreto homologatório, o Governo Federal deveria, no prazo de um ano, indenizar os ocupantes de boa-fé e reassenta-los em áreas do Incra, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.

A competência do Incra é reassentar clientes da reforma agrária, em áreas de 100 ou 500 hectares, a depender do tamanho da posse. A maioria absoluta dos posseiros é considerada pequeno produtor.

Raimundo Lima, diretor de Programas para a Região Norte, do Incra Nacional, garante que o Instituto já dispõe de áreas para reassentar as famílias. “Apenas os rizicultores (grandes produtores), que se negaram a discutir uma alternativa para a desintrusão, não serão atendidos de imediato pelo Governo”, informa.

Além de receberem a indenização e os lotes de terra do Incra, os pequenos produtores poderão acessar financiamentos do Pronaf [Programa Nacional da Agricultura Familiar]. “Essa uma forma que o Governo Federal está buscando para amparar as famílias”, acrescenta Lima.

Nagib Lima, coordenador do Comitê Gestor, encarregado de cumprir as metas pós-homologação, inclusive a desintrusão da terra indígena, assegura que até o dia 15 de abril, todos os posseiros serão cadastrados. “A partir do dia 17 de abril, eles [posseiros] poderão procurar o escritório do Grupo de Trabalho formado por Funai e Incra, para receberem as indenizações”, comenta Lima.

O coordenador destaca, ainda, que até hoje, 10/4, cerca de 95% dos posseiros já foram cadastrados e que a única resistência enfrentada pelo Grupo de levantamento fundiário foi nas lavouras de arroz e na vila Surumu.  Para que o trabalho seja concluído, a Polícia Federal está fazendo a segurança dos servidores.

O Conselho Indígena de Roraima – CIR, está atuando no sentido de que o Comitê Gestor conclua o levantamento fundiário e o Governo Federal pague as indenizações imediatamente. Devido aos rumores de possíveis conflitos na região da Raposa Serra do Sol, o CIR solicitou a presença da Polícia Federal para garantir a segurança das comunidades indígenas.

Apesar de toda a tensão vivenciada na terra indígena Raposa Serra do Sol, principalmente na região de Surumu (próxima aos arrozais), nenhum incidente foi constatado até esta data.