Brasil ainda não conseguiu administrar a Amazônia, diz ex-primeira ministra da Noruega

São Paulo – A criadora do conceito de desenvolvimento sustentável, Gro Harlem Brundtland, ex-primeira ministra da Noruega, disse hoje (9) que o Brasil ainda não conseguiu administrar a Amazônia e a produção de energia do país de modo sustentável.

"O Brasil tem dificuldades para gerenciar a vida da floresta de maneira sustentável. E a geração de energia no país é uma questão que ainda não está equacionada", afirmou. Ela considerou, no entanto, que a adoção de processos sustentáveis no Brasil é mais problemática que em outros países. Sustentabilidade é a capacidade de um sistema continuar funcionando indefinidamente sem que ele esgote as capacidades do meio de prover matéria e energia.

Para Gro Brundtland, em razão do tamanho do território nacional, as medidas brasileiras afetam também os países vizinhos. "Além de ter que pensar nele próprio, o Brasil tem de pensar também nos vizinhos", afirmou.

A ex-primeira ministra norueguesa foi diretora geral da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 1998 a 2002. E presidiu a Comissão Mundial sobre o Desenvolvimento e o Meio Ambiente, grupo que liderou a criação dos conceitos políticos, como o de desenvolvimento sustentável, adotados até hoje.

O relatório final da Comissão, publicado em 1987, serviu como base para a realização da conferência Rio 92 e para a criação da Agenda 21 – documento assinado por 179 países com as estratégias que devem ser adotadas para se alcançar a sustentabilidade – pela Organização das Nações Unidas.

Pesquisa localiza população de primata ameaçado em 35 municípios no Piauí

João Pessoa (09/11/05) – Pesquisadores do Centro de Proteção de Primatas Brasileiros do Ibama (CPB) registraram e obtiveram relatos de ocorrência da presença de macacos guaribas em 45 áreas no estado do Piauí. Estes dados foram obtidos durante mais uma expedição de levantamento e mapeamento das áreas de ocorrência da espécie Alouatta ululata. Esta é uma das 10 espécies de primatas consideradas criticamente em perigo.

O projeto em parceria com a Secretaria de Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos do Estado do Piauí (SEMAR) conta, também, com o apoio da Gerência Executiva do Ibama daquele estado.  No total foram três expedições no ano de 2005, nas quais os técnicos percorreram mais de 5.500 km, onde visitaram 155 áreas em 33 municípios no norte do estado. O trabalho ainda não está terminado. Os especialistas voltarão ao Piauí em 2006 para concluir o levantamento no norte do estado e avançar para o centro-sul. “O número de áreas a percorrer é maior do que o esperado. Estamos obtendo registro destes animais em ambientes dos mais diversos: matas serranas, caatinga, cerradões, até manguezais”, explica o biólogo Marcelo Marcelino, chefe do Centro.

Este trabalho de mapeamento procura além de registro das áreas de ocorrência das populações remanescentes da espécie, obter uma estimativa do tamanho dessas populações e identificar espacialmente o estado de conservação da espécie ao longo de sua área de ocorrência. Estes dados vão ajudar a elaborar  um plano nacional de conservação destes guaribas.

Causas da ameaça

Apesar da redução e do isolamento das áreas de mata ser um fator preponderante para a extinção da espécie, a caça vem sendo a maior preocupação dos pesquisadores. “O animal está sendo muito caçado e o seu isolamento facilita ainda mais a caça. Em várias localidades os guaribas já foram extintos e em outras a sua extinção é eminente por causa da caça”, alerta a bióloga Juliana Gonçalves, responsável pelo projeto. Na localidade de Jacaraí, no município de São José do Divino, os pesquisadores obtiveram o relato de que o último exemplar de guariba foi comido por urubus no galho da árvore onde tombou morto por um tiro de caçador. “A caça destes animais é covarde e revoltante, porque o animal não foge ao ser surpreendido. Morre olhando pacificamente para o caçador”, afirma Marcelo Marcelino.

O Parque Zoobotânico da Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Piauí está cuidando de dois filhotes de guariba. Segundo o veterinário Luciano Lucena, não se conhece a história destes filhotes, mas provavelmente são vítimas da ação de caçadores que devem ter matado suas mães, já que chegaram ao Parque ainda em fase de amamentação.

 Por outro lado em alguns municípios como Campo Maior, Caxingó, Joaquim Pires, Pedro II, vários proprietários de terras não são tolerantes à caça em suas propriedades, principalmente dos guaribas, tornando estas áreas verdadeiros santuários para algumas populações remanescentes da espécie.
No Ceará, onde os pesquisadores estiveram em 2004, o mapeamento já foi concluído e a Serra da Ibiapaba é a principal área de concentração de guaribas no estado. Nesta área, o Ibama estará realizando ainda este ano uma extensa campanha contra caça destes animais, envolvendo o Parque Nacional de Ubajara, a Área de Proteção Ambiental da Serra da Ibiapaba e o Escritório Regional de Sobral.

Pesquisa em Genética

Os pesquisadores do Centro de Proteção de Primatas Brasileiros estão realizando também estudos de DNA e citogenética das populações de guaribas do Piauí. Usando armas com dardos anestésicos, os pesquisadores capturaram nesta última expedição um exemplar macho adulto para a coleta de sangue. Este material além de servir para os estudos em genética, será aproveitado também para análise laboratoriais que verificam o estado de saúde do animal e a presença ou não de hemoparasitas. Na captura, para evitar qualquer risco de acidente com o animal, os pesquisadores utilizam uma droga anestésica dissociada de relaxante muscular. Neste procedimento o guariba adormece na árvore e é apanhado por um escalador que desce o animal em segurança dentro de um saco de tecido amarrado a uma corda. Uma vez no chão os pesquisadores coletam o material sanguíneo e fazem o registro dos dados de morfometria. Todo este procedimento dura menos de uma hora.

Os guaribas

Os macacos guaribas, também conhecidos como bugio ou capelão, são encontrados em quase todo o Brasil. São animais grandes, que vivem em bandos de seis a oito indivíduos, às vezes até mais, habitando áreas de mata, onde alimentam-se de folhas, que representam entre 40 a 50% de sua dieta, além de flores e frutos. Chegam a pesar mais de 5 kg e são conhecidos por seus gritos potentes, que podem ser ouvidos a grandes distâncias. Essa capacidade se deve a um proeminente osso hióide na garganta, que funciona como uma caixa de ressonância, amplificando o som do seu grito. Acredita-se que os gritos sirvam para estabelecer sua área de domínio na floresta em relação aos demais grupos de guaribas. Um grupo social de guaribas é geralmente é constituído por um macho adulto, dominante, duas fêmeas adultas e um número variável de animais juvenis e filhotes. As fêmeas reproduzem um filhote a cada gestação, que dura em torno de seis meses. O filhote permanece agarrado à mãe até o vigésimo mês quando é desmamado.

No Brasil existem seis espécies de macacos guaribas, cientificamente conhecidos como primatas do gênero Alouatta. Este Gênero possui ao todo dez espécies reconhecidas, sendo que as demais espécies ocorrem em outros países da América do Sul e na América Central. Os guaribas da espécie Alouatta ululata são endêmicos ao Brasil, isto é, só ocorrem em nosso país. São animais muito bonitos, com coloração predominantemente negra com as mãos, pés, a ponta da cauda e parte das costas de cor variando de castanho-avermelhado a amarelo, tendo ainda a parte lateral dos pêlos mais longos com a mesma coloração das costas.

Ação pede reconhecimento da terra indígena dos Krahô-Kanela

O Ministério Público Federal no Tocantins entrou com Ação Civil Pública contra a União e a Fundação Nacional do Índio (Funai), para garantir à comunidade indígena krahô-kanela a declaração, por sentença, do direito à posse sobre as terras que tradicionalmente ocuparam, o chamado loteamento “Mata Alagada”, uma área de 31.925 hectares, localizada no município de Lagoa da Confusão. A ação, promovida pelo procurador da República Álvaro Lotufo Manzano, foi protocolada na Justiça Federal em Palmas na última segunda-feira, 7 de novembro.

Na ação, o MPF pede a antecipação de tutela, para garantir que os krahô-kanela possam ocupar imediatamente a área reivindicada. Na hipótese de a terra não ser considerada como de ocupação tradicional da comunidade indígena, o MPF quer que a ação seja convertida em desapropriação indireta, para que os índios possam permanecer no imóvel. Pede também a avaliação das benfeitorias existentes para posterior indenização aos atuais detentores de títulos de propriedade; a condenação da União e da Funai ao pagamento de indenização pelos danos morais suportados pela comunidade indígena em razão de sua omissão; e a determinação de que sejam paralisadas quaisquer atividades impactantes sobre o meio ambiente na área.

Como a Funai não publicou o relatório do grupo técnico que realizou o levantamento fundiário da terra indígena krahô-kanela, para eventual contestação, o MPF solicita ainda que seja determinado ao órgão a publicação dos editais, para chamar os interessados em questionar a demarcação proposta no documento no prazo de 90 dias

Breve histórico – A reivindicação pela terra dos krahô-kanela já dura 21 anos. Nesse período, eles foram transferidos para o interior da Ilha do Bananal, próximos aos índios javaé, que, por causa das diferenças culturais, não os aceitaram; tiveram sua identidade étnica questionada e foram deslocados para um projeto de reforma agrária do Incra, onde também não se adaptaram, já que seu modo de vida é diferente do dos assentados. Desde setembro de 2001, os índios vêm sendo alojados em locais provisórios, sem condições de desenvolverem qualquer atividade produtiva e de auto-sustentação.

Diante da omissão da União e da Funai em promover a demarcação da terra dos krahô-kanela, Manzano entende que cabe ao Poder Judiciário declarar o direito reivindicado pela comunidade indígena.

O procurador alerta para a urgência do retorno da comunidade para suas terras, pois, considerando a precariedade de suas atuais condições de vida, existe o risco de extinção da comunidade, caso a situação se arraste por mais tempo. Segundo dados da Funasa, 80% dos membros da comunidade estão com verminose, decorrente das condições insalubres do local onde estão alojados, na Casa do Índio, em Gurupi.

País pode ter safra agrícola recorde em 2006, prevê IBGE

A primeira prévia sobre a safra agrícola brasileira, feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta para um possível recorde em 2006. O levantamento, divulgado hoje (08/11), mostra que a safra pode ter um aumento de 12,2% em relação à safra de 2005.

Se a previsão se confirmar, a safra nacional do ano que vem vai ser de 126,6 milhões de toneladas, recorde no país. Apesar da estimativa no aumento de produção, a área plantada deve ser 4,46% menor que em 2005.

Segundo o gerente da pesquisa do IBGE, Neuton Alves Rocha, a redução da área plantada deve-se à cautela do produtor em relação às mudanças climáticas, que provocaram grandes perdas na atual safra. "É mais negócio plantar menos, ter um custo de produção menor, e alcançar uma produtividade maior mesmo com os preços baixos", explicou.

Área plantada de soja terá redução de 8% no Rio Grande do Sul, aponta federação

As lavouras de soja no Rio Grande do Sul terão neste ano uma redução de 8%. De acordo com levantamento da Federação da Agricultura (Farsul), 16% das lavouras já foram semeadas no estado e os primeiros prognósticos apontam para um total de 3,2 milhões de hectares cultivados até o final do ano.

Para o presidente da Comissão de Grãos da Farsul, Jorge Rodrigues, a produtividade deverá cair, ainda em conseqüência das perdas da última safra, causadas pela estiagem. Ele explicou que o produtor ficou sem recursos para investir em tecnologia .

Conforme levantamento da Federação das Cooperativas Agropecuárias do Rio Grande Sul (Fecoagro), a safra de soja deste ano deverá ficar em torno de 8,9 milhões de toneladas. Em 2004, a área plantada foi de 4,170 milhões de hectares e a safra ficou em 3 milhões de toneladas, com a quebra de 5 milhões de toneladas causada pela seca.

Começam em Pernambuco discussões para Conferência Nacional de Meio Ambiente

Recife – Empresários, trabalhadores, representantes do poder público e de instituições da sociedade civil vão debater entre hoje (3) e amanhã, em Caruaru, no Agreste de Pernambuco, propostas para a política nacional de meio ambiente.

Eles participam da conferência regional promovida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O evento é preparatório para a Conferência Estadual de Meio Ambiente, programada para acontecer de 25 a 28 deste mês, na capital pernambucana.

De acordo com o superintendente regional do Ibama, João Novaes, as propostas apresentadas nas conferências regionais serão consolidadas em um documento para a Conferência Nacional de Meio Ambiente, que ocorrerá em Brasília, de 10 a 13 de dezembro.

Entre os temas a serem discutidos em Pernambuco estão: a revitalização do Rio São Francisco, seca, proteção de áreas de mangue, Mata Atlântica, Caatinga e impactos ambientais do pólo gesseiro de Araripe.

Segundo o Ibama, 30 entidades da sociedade civil estão envolvidas na organização das conferências regionais no estado. Essas comissões têm caráter permanente e devem continuar mobilizadas mesmo depois da realização das conferências.

Ibama produz kit educativo com informações sobre biodiversidade do cerrado

Brasília – O Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) apresentou ontem (1) o kit de Educação Ambiental do Corredor Ecológico do Cerrado Paranã – Pirineus. O kit é resultado de três anos de trabalho desenvolvido no nordeste goiano, sudeste do Tocantins e norte do Distrito federal, regiões que compõem o corredor.

Dois mil kits vão ser distribuídos, principalmente, nos municípios que integram a área de preservação ambiental. O material contém cartilhas com informações sobre a biodiversidade do cerrado, um CD-ROM que traz um "vôo virtual sobre a área do projeto", além de um jogo ilustrado com plantas e animais da região. Para o coordenador do projeto pelo Ibama, Sérgio Carvalho, o kit é uma parte fundamental do trabalho, contudo "o objetivo final do projeto como um todo, é a melhoria da gestão dos ecossistemas do cerrado".

Segundo Carvalho, o material foi desenvolvido a partir de demandas das comunidades que integram a região de Paranã – Pirineus. Ele espera que o kit sirva como base para ações de educação ambiental. "A gente capacitou professores, representantes da sociedade e pessoas chaves em algumas comunidades para estarem reaplicando as atividades de educação ambiental que foram passadas a elas. Esse kit vai servir como subsídio para as pessoas ampliarem as ações de educação ambiental", disse Carvalho.

De acordo com o Ibama, foram investidos cerca de 700 mil reais no projeto que contou com a participação de uma agência de cooperação internacional japonesa. Carvalho informou que o Ibama pretende ampliar esse tipo de projeto em outras regiões do país. "A nossa idéia é utilizar a experiência do Paranã – Pirineus, avaliar o que foi sucesso ou não e reaplicar em outras áreas do Brasil. Ou seja, no cerrado, Amazônia, caatinga e mata atlântica, claro que adequando à realidade local."

Incra encontra irregularidades no maior assentamento da América Latina

Boca do Acre (AM) – De 3 de agosto até ontem (dia 31), dez técnicos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) vistoriaram 7 mil lotes do maior projeto de assentamento da América Latina: o Juma, em Apuí, no sul do Amazonas. Entre os problemas encontrados, estão o desmatamento ilegal e a reconcentração fundiária.

Segundo o superintendente regional do Incra no Amazonas, João Pedro Gonçalves, sete em cada 10 lotes ultrapassaram os 20% de área desmatada permitida por lei e sete em cada 10 assentados saíram do projeto.

"Tem gente que vive lá e possui 10 lotes, 15 lotes. A partir desse levantamento, vamos resolver a questão na esfera administrativa ou na esfera judicial, na Justiça Federal, pedindo a reintegração de posse", afirmou Gonçalves. Ele informou ainda que o Incra e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) estão definindo em conjunto uma área de reserva ambiental coletiva dentro do assentamento – uma espécie de compensação ao desmatamento irregular em cada lote.

O projeto de assentamento Juma surgiu em 1982, como fruto da construção da Rodovia Transamazônica. Ele tem 689 mil hectares e capacidade para 7,5 mil famílias. "O Juma foi criado no contexto de uma geopolítica de expansão, segundo a máxima da terra sem homens. O governo trouxe colonos do sul do país, principalmente do norte do Paraná, e pagou a eles um salário mínimo durante seis meses. Os migrantes chegaram aqui e sofreram com a realidade da floresta. Muitos voltaram, muitos morreram. Os que ficaram podem ser considerados heróis", defendeu Gonçalves.

"O perfil do assentado do Juma é diferente daquele com o qual a gente lida hoje, com as populações tradicionais, com os ribeirinhos. Os colonos não trabalham com a farinha, com o extrativismo. Eles derrubam a floresta para plantar grãos e criar gado. Mas possuem o grande mérito de terem transformado Apuí no maior produtor de café do Amazonas, dentro da prática da agricultura familiar. A última safra girou em torno de 8 mil sacas", argumentou o superintendente.

Identificação de quilombo em reserva biológica cria polêmica em Rondônia

Uma portaria publicada no começo de outubro pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) é exemplo acabado da conversa de surdo e mudo existente entre órgãos do governo federal. A portaria número 29, publicada no último dia 5 e assinada pelo superintendente regional do Incra em Rondônia, determina a demarcação de um quilombo no Vale do Guaporé, região no extremo noroeste do estado. O problema é que o quilombo, chamado Santo Antônio, tem seu território sobreposto à Reserva Biológica (Rebio) do Guaporé, uma Unidade de Conservação (UC) federal de proteção integral, administrada pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama). A sobreposição é proibida por lei. Agora, Ibama e Incra esgrimam argumentos na tentativa de defender cada qual o seu quinhão. Enquanto isso, as 21 famílias quilombolas que habitam o local sobrevivem dos benefícios dos programas assistenciais do governo federal e a floresta em seu entorno desaparece ao ritmo constante dos tratores de madeireiros e pecuaristas.

O Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc) proíbe que os recursos naturais da Rebio do Guaporé – criada há 20 anos em uma área de mais de 605 mil hectares – sejam explorados por qualquer pessoa, mesmo que faça parte de população tradicional. Com a exceção de atividades educacionais, nada pode ser feito dentro de qualquer UC de proteção integral. Acontece que os quilombolas do vale do Guaporé são descendentes de escravos fugidos que chegaram na região há pelo menos 200 anos. É por isso que o superintendente do Incra em Rondônia, Olavo Nielow, diz que a reserva nunca deveria ter sido criada na área ocupada pela comunidade. “Não há como contestar a existência do quilombo, muito mais antigo do que a criação da reserva”, diz Nienow.

O chefe do Incra garante que o Ibama integrou o grupo de trabalho para a regularização fundiária dos quilombos – além de Santo Antonio (com área de quase 87 mil hectares), outra comunidade do Vale do Guaporé foi contemplada por portaria do Incra no dia 5: o quilombo de Pedras Negras, mais ao sul do vale – por sua vez sobreposto a uma Reserva Extrativista estadual -, foi declarado com quase 43 mil hectares. Além de Incra e Ibama, as comissões que decidiram pela demarcação dos quilombos também contaram, de acordo com as portarias, com representantes do governo estadual e da Universidade Federal de Rondônia.

Tentativas de despejo

Olavo Nienow explica que a regularização fundiária das comunidades é urgente. Relata que a comunidade de Santo Antônio, em especial, tem sofrido ao longo dos anos um histórico de ameaças, violências e tentativas de despejo. “O mais grave é que a reserva é constantemente invadida por madeireiros e não há fiscalização suficiente”, reclama. “E os quilombolas são exatamente os que mais ajudam a preservar os recursos naturais da área”. Ele afirma que, embora a relação entre Incra e Ibama realmente não seja “muito amistosa”, as divergências devem ser tratadas nas esferas federais, ou seja, em Brasília.

O gerente executivo do Ibama em Ji-Paraná (RO), Walmir de Jesus, esteve em Brasília na segunda-feira, 31 de outubro, reunido com o presidente do órgão, Marcus Barros. A sobreposição do quilombo na Rebio, entretanto, não estava na pauta da reunião. Na última sexta-feira, o gerente regional fora denunciado pela polícia por estelionato e apropriação indébita de madeira, conforme notícias veiculadas pela imprensa. Walmir de Jesus está sendo acusado de facilitar a retirada irregular de 16 mil metros cúbicos de madeira nobre, o equivalente a cerca de 8 mil árvores de uma reserva florestal de Rondônia. Sobre o caso da sobreposição, Walmir de Jesus é enfático. “Somos contrários à forma como o Incra conduziu o processo. Houve má-fé na criação dos quilombos, os limites são artificiais”.

O funcionário diz que o Ibama vai realizar um novo trabalho antropológico, segundo ele “honesto”e “sério”, para rever os limites das áreas das comunidades. “Sabemos que cerca de 80% da verdadeira área de Santo Antônio fica fora da Rebio, onde atualmente existem fazendas. Como é muito mais difícil mexer com os fazendeiros, colocaram o quilombo em cima da reserva”. Walmir de Jesus nega ainda que o Ibama tenha participado das comissões citadas nas portarias do Incra. “Do jeito que ficou, a área da Santo Antônio está superdimensionada e a da Pedras Negras, subdimensionada”. O gerente do Ibama admite que, ainda que a presença da comunidade quilombola não prejudique as condições de conservação das espécies na reserva biológica, a situação pode se agravar. “O impacto seria muito maior com a demarcação definitiva, pois muita gente que saiu de lá pode voltar e aumentar a população”.

A bióloga Mariluce Messias, presidente da Ação Ecológica Vale do Guaporé (Ecoporé), a ONG ambiental mais antiga de Rondônia, também contesta a criação de ambos os quilombos. Para ela, trata-se de “uma má notícia travestida de boa notícia”. “No caso do quilombo de Santo Antônio, a comunidade foi expulsa por fazendeiros dentro da Rebio e pressionados a demandar o reconhecimento do território ali dentro”, explica. “E, no caso do quilombo de Pedras Negras, o que aconteceu foi que a criação da área diminui drasticamente o território da comunidade, que antes podia ocupar toda a Reserva Extrativista. Agora eles têm uma área insuficiente para sobreviver e, quando buscarem recursos naturais fora dos limites do quilombo, estarão ilegais em sua própria terra”.

A tese de doutorado do historiador Marco Antônio Teixeira, da Universidade Federal de Rondônia, fundamentou a portaria do Incra que está sendo objeto de polêmica. “A criação da Rebio e a presença do Ibama foram dois fatores que oprimiram a comunidade de Santo Antônio do Guaporé”, acusa Teixeira. Ele conta que o Vale do Guaporé é a única região rondoniense com população quilombola, descendente dos escravos que trabalharam na mineração do ouro entre 1734 e 1835, a partir da antiga capital do Mato Grosso, Vila Bela da Santa Trindade. “Atualmente no vale existem 3 comunidades reconhecidas e outras oito com estudos em andamento. Mas pelo menos quatro foram extintas depois da criação da Rebio”, afirma o pesquisador. Ele diz que Santo Antônio chegou a ter 300 habitantes e que, agora, estes não passam de oitenta. “As pessoas foram expulsas e acabaram nas periferias das cidades, muitas no tráfico ou na prostituição”, afirma. “Com a demarcação das terras, os quilombolas terão liberdade para manejar os recursos naturais e cultivar roças”.

Atração turística

José Soares Neto, uma das lideranças das comunidades quilombolas do Vale do Guaporé, nega que os moradores de Santo Antônio tenham se transplantado para a atual localização do quilombo. “Nunca houve nenhum quilombola nas fazendas. O que acontecia é que, no passado, nossos ancestrais viviam escondidos na mata, longe da beira do rio, para onde foram apenas mais recentemente”, explica. “O Ibama deveria ter mais responsabilidade”. A liderança quilombola diz ter sido um dos criadores da ONG Ecovale que, em 1999, se credenciou como colaboradora do Ibama em atividades de preservação do Vale do Guaporé.

Há alguns anos, inclusive, a presença das comunidades quilombolas na região era tratada como atração em pacotes de ecoturismo para a região. Os visitantes eram convidados a conviver com as comunidades centenárias e a acompanhar as atividades de extração e defumação da seringa, a coleta da castanha e a fabricação artesanal da farinha de mandioca. Soares Neto conta que a parceria se deu exclusivamente na reserva extrativista das Pedras Negras. “Porque na Rebio o Ibama nunca nos apoiou em nada, muito pelo contrário”. Ele ressalva o órgão tem quadros conscientes da situação quilombola na região mas que, em ger

al, a presença das comunidades negras incomoda mais os funcionários que trabalham na Rebio do que a existência de índios. “A discriminação é muito maior contra os negros”.

Além de estar agora sobreposta a uma comunidade quilombola, a Rebio do Guaporé tem parte de sua área incidindo sobre a Terra Indígena Massaco, onde vivem povos indígenas isolados. E também é limítrofe à TI Rio Branco, habitadada pelos Aruá, Kanoe, Makurap, Tupari, entre outros índios. O chefe da Reserva Biológica do Guaporé, Samuel Nienow – filho do superintendente do Incra no estado -, afirma que quer saber se os sítios arqueológicos encontrados na reserva são indígenas ou quilombolas. “Temos que respeitar o direito das comunidades, mas a Rebio precisa de proteção, pois abriga espécies ameaçadas de extinção e é seu local de reprodução”, afirma. Samuel Nienow diz que já ouviu falar da relação complicada entre o Ibama e os quilombos na região do Guaporé. “Mas acredito que podemos ter uma parceria com eles para somar o lado ambiental ao social”.

Presença negra na Amazônia

A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), estima que existam cerca de mil comunidades quilombolas na Amazônia, sendo que o Pará concentra 335 delas e o Maranhão, 535. Números de uma presença que boa parte dos brasileiros ignora. O antropólogo Alfredo Wagner, da Universidade Federal do Amazonas, autor do projeto Nova Cartografia Social da Amazônia, lembra que a historiografia sempre omitiu ou subdimensionou a presença negra na maior floresta tropical do planeta. “Esta omissão combina com o discurso ambientalista radical, que quer apagar a presença do homem na Amazônia”, aponta o pesquisador. “Os chamados conservacionistas não entendem que a presença destes grupos é que permitiu a reprodução de muitas espécies naturais”, critica.

O antropólogo afirma que alguns autores, entretanto, registraram e documentaram a introdução de escravos na Amazônia, inclusive sua relação com os povos indígenas. “Estes trabalhos evidenciam que a força do trabalho escravo na região não foi reduzida, como o senso comum tende a imaginar.” Wagner afirma que a chegada dos negros pelos portos de São Luís e Turiassú, no Maranhão, e Belém, no Pará, vindos principalmente das atuais Guiné, Angola, Congo e Moçambique, começou por volta de 1755, com a criação da Companhia Geral do Grão Pará e Maranhão. “A data coincide com a da abolição indígena”, lembra Wagner.

Ao longo de todo o período colonial, aproximadamente 50 mil escravos teriam entrado na Amazônia. Trabalharam para os jesuítas, militares em áreas de fronteira – o que os levou para a parte ocidental do território – e para grandes empreendimentos da coroa portuguesa e de fazendeiros brasileiros, como plantações de cana de açúcar, arroz, mineração de ouro e pecuária. “Tudo isso era feito com mão-de-obra escrava. O Estado português inclusive concedia crédito para os fazendeiros comprarem escravos”. Com o abandono das fazendas e o fim da escravidão, os quilombos se constituíram como núcleos agrícolas e extrativistas praticamente isolados da sociedade nacional. “Muitos quilombolas se tornaram seringueiros como meio de vida, mas não deixaram de manter sua própria cultura”, diz a pesquisadora Jô Brandão, da Conaq.

Operação Ouro Verde prende 34 pessoas por extração e transporte irregular de madeira na Amazônia

Brasília – Os Ministérios do Meio Ambiente e da Justiça, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Polícia Federal, iniciaram, na madrugada de hoje, a Operação Ouro Verde, que visa a combater a extração ilegal de madeira na região amazônica. Participam da operação 400 agentes da Polícia Federal, 27 analistas ambientais e dois procuradores federais do Ibama.

Na operação, estão sendo cumpridos em seis estados (Pará, Mato Grosso, Goiás, Rondônia, Tocantins e Maranhão) dezenas de mandados de prisão e 78 mandados de busca e apreensão. A Polícia Federal informou que já foram presas 34 pessoas – entre empresários e dois servidores da Secretaria da Fazenda do Pará. O objetivo da operação é combater práticas irregulares de exploração dos recursos florestais nos estados do Pará, Mato Grosso e Rondônia.

O principal crime identificado foi o de falsificação de ATPF, a Autorização para o Transporte de Produtos Florestais. O uso ilegal das autorizações legaliza a comercialização de madeira extraída irregularmente. Para auxiliar no combate às irregularidades, o Ibama decidiu suspender por até 30 dias o fornecimento de ATPFs a pessoas físicas e jurídicas consumidoras de matéria-prima florestal nos estados do Pará, Maranhão e Rondônia. A portaria será publicada amanhã (27) no Diário Oficial da União.

As investigações começaram em maio de 2003, quando o Ibama descobriu 1.263 ATPFs irregulares. Em setembro do mesmo ano, o Ibama encontrou mais 724 ATPFs falsas. Em dezembro do ano passado, a Polícia Federal começou a investigar a origem e a forma de comercialização das ATPFs falsificadas.

Hoje começaram a ser expedidos os mandados de busca e apreensão contra os envolvidas nas irregularidades. Até o momento, foram aplicadas multas que somam mais de R$ 509.129 milhões. Entre as empresas envolvidas nas irregularidades estão siderúrgicas do Pará e do Maranhão.

Segundo as investigações, as ATPFs falsas eram impressas principalmente em Goiânia. Os documentos irregulares, cuja qualidade surpreendeu a Polícia Federal, eram enviados por via aérea para empresas dos estados de Mato Grosso, Pará, Rondônia e Maranhão.

Com as ATPFs falsas, os madeireiros transportavam livremente os carregamentos de madeira para as Regiões Nordeste e Sul do Brasil. Os papéis estavam sendo também para o transporte de carvão vegetal.

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, considerou fundamental a parceria entre os órgãos federais envolvidos no combate às irregularidades. "Desde o início de 2003, estamos fazendo essas investigações. O trabalho é apurado e tem levado a resultados significativos, desmontando quadrilhas que atuavam há décadas na região", disse ela.

De acordo com a ministra, só foi possível desbaratar a quadrilha, porque o trabalho teve ação continuada em todo o país, com foco particular na Amazônia, por causa do Plano de Combate ao Desmatamento.

Para o diretor geral da Polícia Federal, Paulo Lacerda, a Operação Ouro Verde é especial porque desmontou a logística da quadrilha, alcançado os responsáveis pela fabricação, venda e adulteração das ATPFs. Segundo Lacerda, essa ação conjunta é mais um passo que se dá no combate ao desmatamento no Brasil e em especial nos estados onde a prática é considerada ilegal.

Governo não está cumprindo acordo sobre São Francisco, diz frei

O frei Luiz Flávio Cappio, bispo de Barra, na Bahia, considera que o governo federal não está cumprindo o acordo firmado entre ele e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O acordo entre Cappio e o presidente, foi intermediado pelo ministro Jaques Wagner, da Secretaria das Relações Institucionais. Segundo Cappio, o acordo previa que, antes que as obras continuassem, haveria uma ampla discussão sobre os efeitos da unificação da bacia do Rio São Francisco com outros rios do Nordeste.

A afirmação foi feita hoje (26), em entrevista coletiva. Um dos exemplos citados pelo frei é que o Exército estaria trabalhando na Ilha de Assunção, a 600 quilômetros da Bahia, em que passará um canal. O frei Cappio participa da Assembléia Popularda 4ª Semana Social Brasileira, promovida até sexta-feira (28) pela Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

"Tudo o que estiver no momento acontecendo em termos de transposição de águas fere a justiça e fere o acordo", disse frei Cappio. "Segundo o acordo, nada aconteceria em termos de transposição. Isso foi assinado. O ministro teve a outorga do presidente para assinar em nome dele. Não está sendo cumprido porque nada aconteceria antes do debate para a construção de um projeto alternativo", declarou o frei.

Segundo Luiz Flávio Cappio, já está sendo organizado, para a primeira semana de novembro, um seminário específico voltado para a elaboração de uma agenda comum entre os diversos segmentos atingidos pela obra no São Francisco.

"Nós desejamos criar um projeto permanente de convivência com o semi-árido para que o povo do semi-árido seja levado à sério como povo. Para que o nordeste tenha um projeto permanente de alternativas de desenvolvimento sustentável", explicou o bispo de Barra. Ele disse também esperar que "o governo seja sensível à realidade do semi-árido e se abra para que nós possamos realizar um projeto que seja sempre permanente e de acordo com as necessidade da população".

Frei Cappio negou que vá se encontrar hoje com o presidente Lula. Mas ressaltou que quando convidado, não irá sozinho. "Quando formos lá não queremos ir sozinhos. Queremos que conosco estejam aqueles que serão os sujeitos da elaboração desse projeto".

Frei Cappio ficou em greve de fome durante 11 dias em protesto contra o modo como o governo Federal pretende realizar a transposição do Rio São Francisco às bacias do Nordeste Setentrional. O bispo decidiu interromper a greve no dia 6 de outubro, depois de conversar com o secretário das Relações Institucionais do governo, ministro Jaques Wagner, que na ocasião assegurou que o debate sobre a transposição seria prolongado.

Parte da obra no São Francisco é para beneficiar grandes agricultores, critica frei

O frei Luiz Flávio Cappio disse que uma das principais causas de protestos contra o projeto do governo federal para o Rio São Francisco é a construção de um canal que leva água de Pernambuco, na região da cidade de Cabrobó, até o Ceará, Rio Grande do Norte e a Paraíba. No projeto, o canal é chamado de "Eixo Norte".

"O Eixo Norte do atual projeto de transposição é para beneficiar o grande latifúndio de produção de frutas para a exportação, os grandes projetos agroindustriais e o hidronegócio", criticou hoje (26) frei Cappio, em entrevista coletiva. Ele está em Brasília para participar da Assembléia Popular da 4ª Semana Social Brasileira, promovida pela Confederação Nacional dos Bispos do Brasil. O frei, que é bispo de Barra, na Bahia, passou 11 dias em greve de fome contra o projeto de unificação da bacia do Rio São Francisco com outros rios do Nordeste.

"A prioridade do uso da água do São Francisco é para o povo do semi-árido e não novamente repetir o modelo do pequeno colocando a mesa do grande", afirmou. O bispo criticou a forma como as informações sobre o projeto de transposição estão sendo divulgadas.

"O endereçamento das águas não é para aqueles que realmente necessitam e isso gera uma confusão muito grande porque a propaganda do atual projeto de transposição é uma propaganda enganosa, dizendo que vai dar água para quem tem sede. É apelativa e não é verdadeira", afirmou Cappio.

Questionado se seria o responsável por uma crise em relação ao projeto, o bispo respondeu que "apenas deu visibilidade a uma crise que já existia e que a verdade só emergiu". Para ele, "quem aprofundou a crise foi o rolo compressor do governo que, com um projeto autoritário, não ouviu as populações atingidas pela transposição". Cappio criticou o ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, que segundo ele, "está na contramão do que foi acordado com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva".

O frei também disse que não teme qualquer punição da Igreja Católica e que não sabe se voltará a fazer outra greve de fome. "Quem está disposto à morte não tem medo de sanções. Por isso ainda não sei qual será o próximo passo. Espero um gesto de grandeza do governo para a abertura de um diálogo".