Usina de reciclagem será dirigida por catadores de lixo

Será inaugurada hoje (05/09) em Belo Horizonte a primeira fábrica de reciclagem da América Latina dirigida por catadores de lixo. O projeto envolve oito associações de catadores, que passam a controlar toda a cadeia produtiva: da coleta à comercialização, passando pela transformação de garrafas e embalagens em novos produtos de plástico.

"Essa usina surgiu de um sonho de acabar com a exploração dos interceptadores. Com ela, a renda média dos catadores, hoje em R$ 400, deve subir 30% já no primeiro momento", disse Luís Henrique da Silva, 38 anos, integrante da Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Matérias Recicláveis (Asmare). "Diretamente, 580 catadores serão beneficiados por essa usina. Indiretamente, contando as famílias desses catadores, chega a 2,5 mil o número de beneficiados."

Luís Henrique conta que, para conquistar a própria independência, os catadores foram a campo captar recursos. Apresentaram o projeto da usina para diversas empresas. Por fim, conseguiram o apoio da Fundação Banco do Brasil que, por sua vez, trouxe o apoio do Ministério do Trabalho, BrasilPrev e Petrobras. A construção e as máquinas, juntas, custaram R$ 4,5 milhões.

"Esse é o resultado de uma luta permanente dessa população para conquistar espaços na sociedade. Dessa vez, quem vai ficar com os lucros é o próprio catador", afirmou a coordenadora da Pastoral de Rua de Belo Horizonte, irmã Maria Cristina Bove. Durante o Primeiro Encontro Nacional sobre População em Situação de Rua, na última semana, a irmã reivindicou que as prefeituras apóiem outras iniciativas, repassando pelo menos parte do serviço de limpeza urbana para as associações de trabalhadores de rua.

Construída em um terreno cedido pela prefeitura, a usina dos catadores mineiros não só vai reduzir o depósito de lixo nos aterros sanitários da cidade como deve contribuir para gerar emprego na região onde a fábrica será instalada, no bairro Juliana.

Sessenta e quatro postos de trabalho foram abertos. Terão preferência na ocupação das vagas os moradores do próprio bairro. No primeiro ano de funcionamento da indústria, os catadores esperam reciclar cerca de 200 toneladas de plástico por mês. A partir do terceiro ano, a expectativa é elevar a produção para 600 toneladas mensais.

Professores ticuna conquistam ensino superior indígena no Alto Solimões

Manaus – A Organização Geral dos Professores Ticuna Bilíngües (OGPTB) inicia em novembro, em parceria com a Universidade do Amazonas (UEA), um curso de Licenciatura Plena que atenderá 250 professores indígenas da mesorregião do Alto Solimões (230 ticuna e 20 das etnias cocama, cambeba e caixana).

Serão oferecidos três habilitações: Estudo de Linguagem, que englobará o português, a língua indígena, espanhol, literatura, artes e educação física; Ciências da Natureza e Matemática – biologia, física, química e matemática – e Ciências Humanas – história, geografia, antropologia, sociologia e filosofia.

"Assim, nossos professores poderão assumir o ensino fundamental completo. Hoje eles cuidam apenas da 1ª a 4ª séries e da língua ticuna. Quem está trabalhando em escolas indígenas são os professores não-índios", contou Constantino Ramos Lopes, coordenador da OGPTB, em entrevista ao programa Ponto de Encontro, da Rádio Nacional Amazônia.

A entidade foi criada em 1986 e hoje reúne 504 professores. Segundo dados da própria OGPTB, existem no país cerca de 50 mil indígenas ticuna, concentrados às margens do Solimões e seus afluentes. Em 1993, a organização começou a oferecer cursos de formação aos professores indígenas que atuavam no Alto Solimões e haviam estudado apenas até a 4ª série do Ensino Fundamental.

"Oferecemos um curso de magistério, equivalente ao ensino médio. Quando começamos, o curso não tinha validade. Só em 2000 foi reconhecido pelo Conselho Estadual de Educação. O recurso não vinha do governo brasileiro, mas de organizações não-governamentais da Holanda, da Noruega", revelou o coordenador da OGPTB.

"Nossa sede, em Benjamin Constant, virou um grande centro de formação. O caminho para melhorar a educação é qualificar e valorizar o professor", disse. Em 2002, o curso foi encerrado, porque a demanda já estava suprida: 481 indígenas, dos quais 448 ticuna, tinham concluído o ensino médio. Esse bom resultado se refletiu no aumento do número de alunos ticuna na região, que passou de 7.458, em 1998, para 14.359 estudantes, no ano passado.

A OGPTB está concluindo neste ano o projeto Educação Ambiental e Uso Sustentável da Várzea em Áreas Indígenas Ticuna do Alto Solimões, iniciado em agosto de 2002. A iniciativa recebeu financiamento de R$ 500 mil do Projeto Manejo dos Recursos Naturais da Várzea (ProVárzea/Ibama), subprograma do Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (PPG7), coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente.

O objetivo do projeto é promover o uso racional dos recursos naturais da várzea em áreas indígenas do Alto Solimões, por meio de um programa de educação ambiental implementado nas escolas indígenas e não-indígenas. A verba financiou diversos cursos e palestras, além de oficinas de informática e de produção de material didático.

Doze cartazes com temas ecológicos, desenhados pelos próprios alunos e professores ticuna e escritos em língua indígena estão sendo lançados e distribuídos nas comunidades. Além disso, já está em etapa de edição um livro de educação ambiental elaborado com base no conhecimento tradicional ticuna, a partir de entrevistas com os indígenas mais idosos.

Supremo derruba liminar que impedia obras em área de proteção ambiental

Por sete votos contra dois, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu uma liminar que não permitia o licenciamento de obras em áreas ambientais de proteção permanente. A liminar, derrubada ontem (01/09) havia sido proposta pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza contra uma medida provisória (MP) de 2001 que permitia obras em áreas de proteção.

O ministro e relator do processo, Celso de Mello, votou pela restauração da medida provisória. Segundo informações do Supremo, Mello disse que a MP não resultou, nos quatro anos em que teve validade, em efeitos lesivos ao patrimônio ambiental. Também afirmou que a liminar havia provocado a paralisação de diversas atividades econômicas, como, por exemplo, a construção de usinas termoelétricas na região Nordeste do país.

O ministro Nelson Jobim, que em julho havia concedido a liminar de suspensão da MP, desta vez votou a favor da liminar. "A preservação do ambiente ecologicamente equilibrado não significa a sua estagnação, significa sim que os atos de exploração não serão aqueles atos de exploração permitidos na forma do Direito Comum, mas sim na forma de uma série de medidas de preservação", afirmou, segunda nota divulgada pelo STF.

Também votaram a favor da derrubada da liminar os ministros Eros Grau, Joaquim Barbosa, Cezar Peluso, Ellen Gracie, Sepúlveda Pertence e Celso de Mello. Votaram contra os ministros Carlos Ayres Britto e Marco Aurélio, que entenderam a complexidade do tema não permitiria a discussão da matéria por meio de Medida Provisória, mas sim por meio de projeto de lei para discussão no Congresso Nacional.

Para Ciro Gomes, plano sustentável da Amazônia trabalha todos os problemas da região

Os ministros da Integração Nacional, Ciro Gomes, e do Meio Ambiente, Marina Silva, estiveram hoje (31) no Senado Federal para acompanhar a apresentação do Plano da Amazônia Sustentável.

Segundo Ciro Gomes, esse é o primeiro projeto que trabalha todos os problemas da Amazônia. "É o primeiro plano estratégico feito olhando todos os ângulos da complexa questão da Amazônia fora do eixo Brasília, São Paulo e Rio, abrindo mão de qualquer veleidade tecnocrata para ser uma base de consenso que organize e una toda a força política e comunitária da Amazônia ou redor dessa estratégia de longo prazo", afirmou.

De acordo com a ministra do Meio Ambiente, o Plano Amazônia Sustentável está baseado em quatro eixos estruturantes: o ordenamento territorial e gestão ambiental; a questão do desenvolvimento sustentável com tecnologias adaptadas para a região; o fomento para as atividades produtivas sustentáveis e a promoção da inclusão social.

Marina Silva disse ainda que o projeto já está em andamento. "Hoje o processo já começa a se substanciar com os planos BR-163 sustentável, no plano de combate do desmatamento da Amazônia e num conjunto de ações de ordenamento fundiário e territorial", informou.

Apesar da presença dos dois ministros, a reunião – que seria composta pelas comissões de Meio Ambiente e Defesa do Consumidor, da Agricultura e Reforma Agrária e do Desenvolvimento Sustentável – foi suspensa por falta de quórum. A audiência foi remarcada, mas ainda sem data definida.

Patrus: indígenas serão prioridade do Suas

Uma das principais mudanças, com a implementação do Sistema Único de Assistência Social (Suas) no país, será a maior agilidade no repasse dos recursos do governo federal para estados, municípios e Distrito Federal. O anúncio foi feito pelo ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Patrus Ananias, durante entrevista concedida ao vivo na rede de emissoras de rádio da Radiobrás: Nacional AM, Nacional da Amazônia e Nacional do Rio de Janeiro. A entrevista também foi transmitida pela TV Nacional e pela TV NBR, o canal do Poder Executivo.

"Estamos vencendo a burocracia, acabando com os procedimentos antigos de processos, de assinaturas e informatizando, garantindo o repasse imediato de recursos. Além da agilidade, também a transparência, porque haverá maior controle, maior fiscalização dos conselhos de assistência social", informou Patrus. Cerca de dez emissoras participaram com perguntas ao ministro sobre o Suas. A entrevista também foi transmitida por mais de 200 emissoras que compõem a Rede Nacional de Rádio.

Durante a transmissão da entrevista, o ministro esclareceu dúvidas de ouvintes que ligaram para o estúdio. Muitos queriam saber se o Suas substituiria o Sistema Único de Saúde (SUS). "São dois programas distintos, mas que se complementam. O Sistema Único de Saúde continua e está sendo ampliado e aperfeiçoado, com novos programas, novos equipamentos. É um programa destinado a promover a saúde dentro de uma linha que vem se consolidando no Brasil", explicou o ministro.

Já o Suas, continuou Patrus, visa unificar e integrar as políticas de promoção social no país. "Estamos somando e integrando recursos do governo federal, dos governos estaduais e municipais que estão aderindo ao Suas, com a participação também da sociedade civil, das organizações não governamentais, entidades filantrópicas. Sabemos que, quando a gente soma esforços, a gente consegue mais e melhores resultados".

O Suas organiza serviços, programas e benefícios destinados a cerca de 60 milhões de brasileiros, em todas as faixas etárias. "Quando falamos do Suas, estamos falando do Bolsa Família; das Casas da Famílias que estão presentes nas comunidades pobres; do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil; do programa de prevenção e de combate à exploração sexual de crianças e adolescentes, o Sentinela; do Agente Jovens, um programa de apoio a jovens entre 15 e 17 para eles que possam continuar nos estudos, recebendo uma bolsa, prestando também serviços comunitários; de apoio à comunidades pobres, por meio de políticas de geração de trabalho e renda, da inclusão produtivas, das políticas de segurança alimentar, é nessa linha que se coloca o Sistema Único de Assistência Social", informou Patrus.

Índios aproveitam Kuarup para pedir preservação das nascentes do Xingu

O Kuarup, homenagem tradicional aos mortos ilustres do Xingu, foi também palco este ano de articulações políticas em prol da preservação ambiental. A cerimônia que se encerrou ontem (26/08) aconteceu este ano na aldeia kuikuro de Ipatse. Um dos líderes kalapalo, Kurikaré, aproveitou a presença no evento do coordenador de Políticas Indígenas de Mato Grosso, José Seixas da Silva, para pedir que o governo do estado desautorize a construção das barragens Paranatinga I e II, no rio Culuene, cerca de 100 km ao sul do parque.

Segundo o antropólogo Carlos Fausto, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, os Kalapalo dizem ser possível demonstrar por vestígios arqueológicos que a área era ocupada por seus ancestrais e relacionam esse território às origens históricas do próprio Kuarup. Kurikaré considera a área "sagrada". O governo do estado alega que o projeto é particular e que não pode se envolver na questão. As obras estão atualmente paradas por ordem da Justiça Federal.

Fausto lembra que o problema de as nascentes não estarem dentro dos limites do parque remonta à sua demarcação, no início da década de 60. Ele conta que o projeto original, defendido pelos irmãos Villas Boas, por Darcy Ribeiro e pelo marechal Cândido Rondon junto a Getúlio Vargas, previa uma área quatro vezes maior para o parque. Por causa da redução, várias áreas que podem ser cientificamente comprovadas como indígenas e que ficam na região das nascentes, explica, ficaram de fora dos limite do parque. "Metade das terras kalapalo está fora, por exemplo", diz ele.

Segundo a antropóloga e sanitarista Cibele Verani, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz e uma das convidadas para o Kuarup, a devastação na região já se constitui num "enorme problema de saúde" no parque." Vinte anos atrás, nós tínhamos água limpa para beber em qualquer uma dessas aldeias. Hoje, a maioria das pessoas já não pode beber água de alguns rios. E, de lá pra cá, nós temos visto a poluição descer, inclusive fazendo escassear a pesca", conta ela.

O Parque Indígena do Xingu conta atualmente com cerca de 2,6 milhões de hectares e tem hoje quase 5 mil habitantes. Junto com a área Kayapó, com que faz divisa ao norte, constitui-se, segundo a Fundação Nacional do Ìndio, na maior área contínua de preservação da sociobiodiversidade brasileira, num total de quase 15 milhões de hectares.

O problema é que, ao sul, ficam fora do parque as nascentes dos rios formadores do Xingu, o principal da região, e considerado o maior "rio indígena" do Brasil, pela grande quantidade dessas comunidades às suas margens. Em volta das nascentes de rios como Culuene, Tanguro, Arraias, Ronuro, Batovi e Curisevo, têm se alastrado nos últimos anos as lavouras extensivas de soja e algodão.

Em algumas fazendas, como é visível de avião, as plantações não respeitam as matas ciliares, e as marcas de erosão se multiplicam. O resultado já perceptível pelos índios é o assoreamento. "Hoje, dá pra atravessar a pé o rio. Antigamente, era fundo", conta Fadiuvi, líder dos índios kalapalo. Ele conta também que as comunidades se incomodam com a presença crescente do turismo de pesca nos rios da região. O lixo deixado nas praias pelos turistas desce para dentro do parque na época das chuvas, e aparece na barriga dos peixes e tartarugas que servem de alimentação para os xinguanos – tradicionalmente, todos os povos do Alto Xingu evitam a carne de caça.

O que os índios temem, mas ainda não dispõem de estudos para comprovar, é a possível contaminação das águas por agrotóxicos. Segundo Carlos Fausto, o perigo é real, principalmente por causa desse hábito xinguano de comer peixe. "Nós sabemos que os efeitos da acumulação de alguns componentes, como os metais pesados, na carne do peixe, só são sentidos a longo prazo", alerta ele.

Sebastião Salgado defende mobilização nacional pela ampliação do Parque do Xingu

O fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado foi presença ilustre no Kuarup que aconteceu esta semana na aldeia Ipatse, dos Kuikuro, no Alto Xingu. Mundialmente conhecido por imagens que divulgam lutas sociais e denunciam mazelas nos países em desenvolvimento, Salgado defende a criação de um movimento nacional em defesa do parque. Ele considera o Xingu uma referência cultural para o Brasil e a humanidade. "Eu espero que haja uma ação nacional contra essa corrida ao lucro, essa ganância do mundo da soja. É preciso tomar cuidado para não destruir essa referencia nacional", diz.

O fotógrafo conta que está no Xingu colhendo imagens para seu novo projeto, intitulado Gênesis. "Estou procurando referências do início da humanidade, culturas que representem o início do gênero humano como um todo. Com muito prazer, é o que acabei de encontrar aqui no alto Xingu", disse ele, em entrevista exclusiva à Agência Brasil.

O Gênesis foi lançado em 2003, tem duração prevista de oito anos e conta com apoio da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). No Alto Xingu há 40 dias, Salgado documenta não só o Kuarup, mas vários outros rituais dos xinguanos. Antes, o fotógrafo conta que esteve nas ilhas Galápagos, no oceano Pacífico, e também na Antártida. Do Xingu, irá para a Namíbia, na África, onde fotografará povos do deserto, como os Bushmen. Depois, passará pela Etiópia e o Sudão.

Economista, Salgado iniciou a carreira na Organização Internacional do Café, nos anos 70, na Europa. A partir desse trabalho, visitou países africanos e asiáticos em missões ligadas ao Banco Mundial e, ali, passou a fotografar o mundo em desenvolvimento. Hoje, é embaixador especial da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e membro honorário da Academia de Artes dos Estados Unidos. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Agência Brasil – Qual é a importância do Xingu para o Brasil?

Sebastião Salgado – O Xingu, principalmente para as pessoas da minha geração, que estão hoje no comando do país, em função da idade, foi muito importante. Quando éramos jovens, os primeiros contatos feitos aqui, na época do Getulio Vargas, as primeiras apresentações do Kuarup, tudo isso teve um simbolismo muito grande.

Aos poucos, isso aqui passou a ser uma referência nacional da tradição indígena, e hoje é essencial a preservação desses rituais e das culturas aqui do Alto Xingu. Tudo isso está muito ameaçado. A fronteira do parque hoje termina dentro de uma quantidade imensa de fazendas de soja. Hoje, as fontes do rio Culuene, que na realidade é a base do rio Xingu, estão ameaçadas pela construção de barragens. Uma barragem já começou e houve uma liminar, graças à ação dos indígenas aqui do Alto Xingu. A construção foi paralisada temporariamente.

Eu espero que haja uma ação nacional contra essa corrida ao lucro, essa ganância do mundo da soja. É preciso tomar cuidado para não destruir essa referência nacional. Há muito risco. É uma cultura aquática, eles não comem outra carne senão a do peixe, então eles dependem das águas dos rios, e tudo isso está realmente ameaçado.

A minha proposta seria a de se começar uma luta nacional para transformar toda essa região, incluindo todas as fontes do rio Xingu, em parte da extensão do parque. O governo poderia fazer uma indenização dessas fazendas de soja e replantar as matas na região.

ABr – Como o mundo enxerga hoje o Xingu?

Salgado – A história das tribos do Xingu é muito anterior à história do Brasil moderno. Existem escavações aqui na região em que se encontraram aldeias antiqüíssimas, com populações imensas, com uma verdadeira cultura. Isso deveria ser divulgado no Brasil, para a gente ter a honra de ter as nossas origens a partir um pouco dessa região. É uma região importante e poderosa dentro da cultura brasileira. Não pode só haver lucro e ganância, a cultura tem que ser preservada.

ABr – Qual o sr. pensa que deveria ser a atitude da população amazônica em relação a esse tipo de ameaça?

Salgado – A população realmente amazônica tem que ficar atenta à destruição da região. A região amazônica é forte, é potente, em função das águas, pela floresta que tem, pelas reservas indígenas. Essa penetração na região para a retirada da madeira, para o lucro rápido, não serve à população real da Amazônia, serve apenas às empresas que estão à cata do lucro. A ganância não serve à população real da região.

A verdadeira população da Amazônia tinha que lutar pela preservação, porque essas é que são suas riquezas reais. Se essas riquezas se forem, isso aqui passará a ser uma região devastada e pobre. Temos a maior reserva de água doce do planeta, a maior reserva de floresta tropical: essa possivelmente deve ser a maior riqueza do Brasil hoje.

Desaquecimento na agricultura explica queda do desmatamento na Amazônia

A redução das estimativas de desmatamento na Amazônia em 2005 anunciada hoje pelo Governo Federal é uma boa notícia. Porém, é preciso entender as possíveis causas a ela associadas. Além dos esforços oficiais, como a criação de unidades de conservação e aumento da fiscalização, a redução da especulação imobiliária provocada pelo desaquecimento do mercado agrícola contribui para diminuir o desmatamento. Com a queda da rentabilidade do setor, a redução do desmatamento é, infelizmente, menos resultado das ações governamentais que da atual situação econômica.

A comparação dos dados em um período de 11 meses (de 2003/04 a 2004/05) indica significativa redução no desmatamento de 18.724 Km2 para 9.106 Km2. É importante lembrar que essa não é a taxa de desmatamento anual divulgada pelo governo e que os números são gerados por um outro sistema, chamado DETER, inadequado para calcular áreas. Nos meses de julho e agosto deste ano, a imprensa brasileira já noticiava a possível queda da safra de grãos. O Ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, declarou que espera uma redução de 2% a 3% na área plantada de grãos.
 
A queda de 36% no preço internacional da saca da soja, mais importante commodity brasileira, entre março de 2004 a agosto deste ano, aliada à desvalorização do dólar reduz a rentabilidade do setor. Com tantos fatores relacionados ao desmatamento no Brasil, é fácil identificar as políticas que, por acaso, ajudaram a baixar as taxas na Amazônia.
 
Ações governamentais articuladas pelo Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento, como as operações Curupira 1 e 2, os esforços para criação de unidades de conservação na Terra do Meio e no sul do Amazonas têm papel importante, porém pontual, na redução das estimativas do desmatamento.
 
"O Governo pode reduzir as taxas de desmatamento, mas não se deve pensar que isso é tarefa apenas  do Ministério do Meio Ambiente e do Ibama", diz a Secretária-geral do WWF-Brasil, Denise Hamú.
 
Reduções como a anunciada hoje já aconteceram no passado, e as taxas de desmatamento voltaram a subir e a quebrar recordes. Precisamos agora entender e registrar os mecanismos que contribuem para essa  queda, como o fomento ao manejo florestal.
 
"Enquanto o Ministério da Agricultura convence o Ministério da Fazenda a rolar a dívida de agricultores a um custo de cerca de R$ 1,8 bilhão para o governo, empresas florestais raramente conseguem acessar  linhas de crédito oficiais para realizar o manejo florestal sustentável", diz Mauro Armelin, coordenador de Políticas Florestais do WWF-Brasil.

Semi-árido comemora nos próximos dias a construção de 100 mil cisternas

O Brasil deve comemorar até setembro a construção da centésima milésima cisterna do programa 1 Milhão de Cisternas, coordenado pela Articulação do Semi-Árido Brasileiro(ASA). A ASA é uma rede que diz contar atualmente com 750 organizações da sociedade civil. A iniciativa surgiu em 1999. Na construção das cisternas, que começou em julho de 2003, o Ministério do Desenvolvimento Social é o principal parceiro da rede (70 mil das 100 mil construídas até agora), mas, segundo a ASA, o programa já angariou apoios da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) e de várias entidades internacionais, como a ONG católica internacional Oxfam.

A previsão de chegar às 100 mil cisternas até setembro é da ASA. Atualmente, já foram construídas mais de 99.400. A assessoria de imprensa da ASA diz que a rede ainda não sabe onde será inaugurada a cisterna de número 100.000, nem a data exata da comemoração.

As cisternas instaladas em municípios do semi-árido em 926 municípios de 11 estados (os nove do Nordeste, mais Minas Gerais e Espírito Santo) consistem na montagem de uma série de calhas para captação da água da chuva que cai sobre o telhado de uma residência, conduzindo-a a um reservatório de alvenaria com capacidade para 16 mil litros. "Se for bem cuidada a água, a família tem água para beber e cozinhar por seis meses, até chover de novo", explica Lourival Almeida de Aguiar, um dos coordenadores executivos da ASA.

Aguiar chama a atenção para as ações desenvolvidas pela ASA em torno da construção das cisternas: "A cisterna é quase um pretexto. Na verdade, é um projeto de mobilização social. O que a gente faz é empoderar a comunidade". Ele conta que, em cada município onde o programa é instalado, elege-se em assembléia aberta uma comissão municipal, que vai determinar que famílias receberão a cisterna.

Segundo Aguiar, a condição para a família receber o equipamento é participar de um curso de Gestão de Recursos Hídricos: "A família vai aprender a garantir que a água vá ser potável e dure todo o período de seca". Ele diz que também se oferece o curso de pedreiro na comunidade, transmitindo-se conhecimento necessário para a reprodução da cisterna.

O programa 1 Milhão de Cisternas (P1MC) também é conhecido como Programa de Formação e Mobilização Social para Convivência com o Semi-Árido. A ASA espera que ele seja concluído até julho de 2008, com o custo total de US$ 424,3 milhões (cerca de R$ 1 bilhão). Segundo a rede, a construção de cada cisterna custa em média R$ 1,6 mil.

Questão fundiária centralizou discussões no Encontro de Comunidades Tradicionais, diz participante

O acesso aos recursos naturais, principalmente à terra, foi a questão central das discussões do 1º Encontro Nacional de Comunidades Tradicionais, segundo informou o diretor do Departamento de Agroextrativismo de Desenvolvimento Sustentável do Ministério do Meio Ambiente, Jorg Zimmermann.

"Temos um conflito instalado em relação à questão fundiária", afirmou Zimmermann, ao participar do encontro, que termina hoje em Luziânia (GO). Ele disse que a questão do acesso à terra centralizou as discussões.

Durante três dias, caiçaras, babaçueiros, pescadores artesanais, extrativistas, ciganos, povos indígenas e quilombolas debateram políticas públicas que possam atender a essas comunidades, respeitando suas diferenças. A regularização da terra faz parte das necessidades apresentadas por grupos como, por exemplo, os quilombolas e os moradores de faxinais, que são áreas localizadas no Paraná onde as famílias vivem de atividades como a criação de pequenos animais e a agricultura familiar.

A representante da Coordenação Nacional de Quilombos, Jô Brandão, ressaltou que a posse da terra é uma revindicação antiga dos quilombolas e é importante para garantir a implementação de políticas públicas nos quilombos. "Os quilombolas estão na terra, mas elas não são regularizadas. Muitas outras políticas não conseguem ser implementadas em função disso".

No encontro, os remanescentes de quilombos discutiram também a necessidade de uma educação diferenciada para esse tipo de comunidade. "Queremos uma educação que seja diferenciada, que leve em conta a diversidade étnica dos quilombolas, a realidade de vida dessas populações", disse Jô Brandão.

Segundo a representante da Coordenação Nacional de Quilombos, outro ponto é o fortalecimento institucional das organizações quilombolas para que tenham capacidade de gerenciar seus projetos. "Não tem sentido pensar um grupo como prioridade se esse grupo não consegue acessar recursos, discutir seus projetos e participar da elaboração. Ele vai sempre ter intermediários e isso pode trazer o insucesso da maioria das ações voltadas para essas populações", explica.

O 1º Encontro Nacional de Comunidades Tradicionais pretende também elaborar as diretrizes para uma proposta de Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável das Comunidades Tradicionais. O Encontro é realizado pela Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável das Comunidades Tradicionais, que foi criada em dezembro de 2004 e é presidida pelo ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Patrus Ananias. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, é a secretária executiva da comissão, que tem entre seus membros representantes de diversos ministérios.