Legislação ambiental não impediu sucesso do agronegócio

por Aldem Bourscheit – WWF-Brasil

Análise apresentada à Frente Parlamentar Ambientalista na Câmara dos Deputados jogou na balança das discussões sobre o projeto de reforma do Código Florestal o poderio econômico do agronegócio e suas demandas por infra-estrutura e menos proteção ambiental.

Doutora em Geografia pela Universidade de São Paulo (USP), Regina Araújo ponderou que o superávit do modelo agrícola exportador nacional parece blindar a economia interna de crises econômicas globais cada vez mais comuns. Levando assim a um cenário onde governos seriam aparentemente obrigados a ceder a suas exigências crescentes por estradas, portos e ferrovias, bem como pelo desmanche da legislação ambiental brasileira.

“Nossas leis ambientais estão em construção desde a década de 1930, e até agora não provocaram nenhum impedimento ao espantoso crescimento do agronegócio”, lembrou a pesquisadora. O Brasil é hoje o segundo maior exportador individual de produtos agrícolas, logo atrás dos Estados Unidos e da União Européia.

“Essa conquista não é exclusiva do setor, mas do conjunto da sociedade brasileira, que bancou com subsídios e créditos anos de pesquisa e desenvolvimento”, ressaltou.

Observando o bloco econômico europeu, Regina também comentou que lá a agropecuária foi estruturada em pequenas e médias propriedades. Bem diferente do modelo concentrador de terras e renda focado em produzir commodities de exportação e não alimentos para chegarem à mesa dos brasileiros.

Da onde vem a força do agronegócio?

Sete em cada dez quilos de soja produzida no Brasil são processados por apenas nove empresas, e destas cinco são transnacionais: ADM (Estados Unidos), Cargill (Estados Unidos), Bunge (Holanda), Louis Dreyfus (França) e Grupo Noble (Cingapura).

“Não deixa de ser irônica a crítica que setores do agronegócio tecem à suposta ingerência do movimento ambientalista em assuntos de interesse brasileiro”, escreve a pesquisadora em conjunto com a geógrafa Paula Watson (USP) no artigo De onde vem a força do agronegócio?.

Avançando há décadas sempre para onde a terra é “mais barata” e a infra-estrutura é precária, setores atrasados do agronegócio pautam governos incessantemente com exigências por asfaltamento de estradas, construção de portos e outras obras embaladas em pacotes como o do PAC – Programa de Aceleração do Crescimento.

“Mas a sociedade ainda não entendeu a extensão e os reais custos desses projetos, quase sempre destinados a atender demandas setoriais e não aos interesses reais e de longo prazo do país. O país não pode seguir como refém de um modelo perverso de produção e exportação que despreza nossas riquezas socioambientais”, disse Regina Araújo.

Se aprovado, novo código florestal anisitia R$8.4 bilhões em multas

(Segundo reportagem da Folha de São Paulo, a aprovação do novo Código Florestal, prevista para esta semana, deve levar à suspensão de três em cada quatro multas acima de R$ 1 milhão impostas pelo Ibama por desmatamento ilegal.)

Pouco antes de ser vaiado durante o seminário Código Florestal – o que diz a ciência e os nossos legisladores ainda precisam saber, na Câmara, o relator do projeto de reforma do Código Florestal, deputado Paulo Piau (PMDB-MG), admitiu que manterá anistias a quem desmatou ilegalmente em seu texto e que o Governo Federal tem interesse em aprovar a absurda peça o mais rapidamente possível, reduzindo os efeitos sobre a Rio+20, que acontece em junho no Rio de Janeiro.

Pois, uma outra análise encabeçada pelo jornalista Leão Serva aponta pelo menos 10 pontos de anistias no texto em tramitação no Congresso. Eles livram de responsabilidade quem destruiu mangues, ocupou margens de rios, encostas, nascentes e topos de morros, sempre com a justificativa de legalizar para oferecer segurança jurídica a quem trabalha no campo.

“Vai se dar bem quem até agora desrespeitou a lei. Impressiona como os parlamentares vêm ignorando completamente os alertas da Ciência e da própria natureza quando apontam a necessidade de preservação dessas regiões”, comentou ele, lembrando de tragédias recorrentes que se abatem sobre populações que vivem em áreas de risco, como as ocorridas em janeiro do ano passado no Rio de Janeiro ou as mais recentes no Acre. Evitar anistias foi uma das promessas de campanha da presidente Dilma Roussef.

Conforme o jornalista, a Rússia alterou sua legislação florestal em 2007 em moldes semelhantes ao que propõe a bancada ruralista com aval do Governo Federal. A “estadualização” da gestão florestal aprovada por um Congresso russo que também ignorou alertas de cientistas não trouxe outro resultado senão o aumento franco do desmatamento e das queimadas em todo o país, um dos mais ricos em cobertura verde do planeta.

“Pode ocorrer o mesmo aqui se o texto em tramitação for derrubado, no Congresso ou pela Presidência da República”, ponderou Serva. “E isso é ainda mais preocupante quando pesquisadores russos acabam de descobrir que as florestas funcionam como corações, bombeando ventos e chuvas para várias regiões”, ressaltou.

Com tantas evidências na mesa, é mais do que claro que a proposta de reforma do Código Florestal não está pronta para ser votada. “Do jeito que está, é puro atropelo. O projeto é repleto de falhas técnicas e legislativas que deixam completamente a descoberto o patrimônio ambiental brasileiro”, completou Regina Araújo, da USP.

Sobrevôo na região do Xingu revela a tapeçaria do agronegócio

Sobrevoando a região do Parque Indígena do Xingu em um monomotor rumo ao oeste, constata-se que o agronegócio está mesmo ali, 6 minutinhos pelo ar, ou menos de 30 quilômetros para além do parque, de acordo com a percepção do piloto que conduz os repórteres ao município mato-grossense de Sinop.

O tapete verde da área indígena dá lugar, então, a amplos quadrados e retângulos beges, marrons, vermelhos ou verdes claros, com retalhos verde-escuro de mata aqui e ali. Talvez por ironia, as linhas que os tratores escavam e os arados riscam  muitas vezes lembram as pinturas corporais com jenipapo e urucum e as tapeçarias de buriti e algodão dos povos indígenas.

Ou a escarificação feita com um pente de dentes de peixe-cachorro, com o qual os alto-xinguanos preparam os jovens em reclusão no programa de fortalecimento para lutar o huka-huka numa das festas desses povos.

Os desenhos mecanizados significam dinheiro para o país: no ano passado, o Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio – isto é, a soma das riquezas produzidas no setor – foi de R$ 540,06 bilhões, segundo estudo da Confederação da Agricultura e da Pecuária (CNA).

Significam também obtenção de divisas, isto é, entrada de moeda estrangeira. Segundo os dados do governo federal, o agronegócio respondeu por 93% do superávit (saldo positivo) comercial brasileiro em 2006, que totalizou US$ 46 bilhões. Os setores que mais colaboraram para isso foram os ligados à soja, com saldo de US$ 9,37 bilhões.

O Mato Grosso responde por mais de um quarto da produção nacional do grão, que registrou safra recorde este ano, apesar da redução na área plantada. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) prevê expansão da sojicultura na próxima safra no estado, usando principalmente áreas que já têm ocupação humana.

O Instituto Socioambiental (ISA) identifica risco para a floresta amazônica e para o Xingu nessa perspectiva. “Abraço da morte” é o cercamento do parque indígena pela derrubada de vegetação, pela soja e pelo gado, nas palavras do secretário executivo da entidade, Márcio Santilli.