Ambientalista considera aprovação da MP 327 “descaso com a população”

A ambientalista Gabriela Vuolo, da Organização Não-Governamental(ONG) Greenpeace, considerou lamentável a aprovação, na Câmara dos Deputados, da MP 327, que altera as regras para o plantio de transgênicos no entorno das unidades de conservação. Em entrevista à Agência Brasil, ela disse que a medida “comprova o descaso com as questões ambientais, com a população”.

Entre os principais pontos da MP, está também a liberação comercial de uma variedade de algodão transgênico, ainda não liberado pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), que já foi plantado e colhido. Na opinião de Gabriela Vuolo, está "acontecendo o mesmo que ocorreu com a soja, a política do fato consumado".

Outro ponto da MP 327 diz respeito à mudança no sistema de votação da CTNBio. Agora, para liberar comercialmente um produto transgênico, o quórum será de 14 votos, ou seja, maioria absoluta, e não mais de dois terços (18 votos) como foi todo o processo durante os 13 meses de funcionamento da comissão. No total, A CTNBio é formada por 27 membros.

Segundo a ambientalista, a entidade não vai desistir da luta: “vamos continuar lutando para que a biossegurança do Brasil seja respeitada. A segurança das pessoas, dos agricultores, deve ser garantida. Essa aprovação da Câmara mostra uma tendência muito séria de privilegiar uma minoria, como a bancada ruralista, os grandes agricultores, o lobby do agronegócio e da indústria de biotecnologia”.

A medida provisória permite o cultivo de transgênicos nas zonas de amortecimento (faixas de 500 metros entre as plantações e as áreas ambientalmente protegidas) de unidades de conservação, em áreas de proteção de mananciais de água utilizável para o abastecimento público e nas áreas declaradas como prioritárias para a conservação da biodiversidade.

A MP segue para preciação no Senado Federal,e deve ser votada somente na próxima legislatura. "Vamos aguardar a votação no Senado. Se também for aprovada, vamos recorrer ao Executivo, ao próprio presidente, para que ele vete a MP", acrescentou Vuolo.

Nova queda no desmatamento da Amazônia

O governo estimou hoje em 13.100 quilômetros quadrados a taxa anual de desmatamento na Amazônia para o período agosto de 2005 a agosto de 2006. O número corresponde a uma queda de 30% em relação ao período anterior. Este é o segundo ano consecutivo de queda, desde o pico de 27.429 quilômetros quadrados registrados em 2003-2004 – o segundo maior da história.

A estimativa foi feita com base na análise de 34 das 229 imagens de satélite que cobrem a Amazônia Legal. Essa área respondeu por 67% dos desmatamentos no período 2004-2005. Trata-se portanto de uma projeção que, segundo o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), teria uma margem de erro de 10%.

O número atual significa a segunda menor taxa anual registrada desde 88, quando o Inpe começou a monitorar a perda de cobertura florestal da Amazônia.

Os dados foram anunciados pessoalmente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante cerimônia no Palácio do Planalto, em Brasília, a quatro dias do segundo turno das eleições.

“Sem dúvida, trata-se de uma boa notícia já que esse é o segundo ano consecutivo de redução na taxa de desmatamento, o que mostra que medidas de governança – como criação de áreas protegidas e operações de fiscalização no campo – estão fazendo efeito”, disse Paulo Adário, coordenador da campanha da Amazônia do Greenpeace. “A queda é importante, mas só poderemos celebrar quando os fatores estruturais que levam ao desmatamento – como o agronegócio voltado para a exportação – derem lugar a um modelo de desenvolvimento baseado na floresta em pé, no uso responsável dos produtos florestais e na conservação deste que é o maior patrimônio ambiental dos brasileiros”.

“É bom lembrar que, na média anual, o desmatamento do governo Lula ainda é superior ao do governo Fernando Henrique. Esperamos que o próximo governo, seja ele Lula ou Alckmin possa fazer realmente a diferença.”

Relatório afirma que consumo humano supera capacidade de recuperação do planeta

A degradação dos ecossistemas naturais acontece num nível sem precedentes na história. É o que mostra o Relatório Planeta Vivo 2006, relatório bianual divulgado hoje pela rede WWF. O documento analisa o estado da natureza e indica que, se as atuais projeções se concretizarem, a humanidade consumirá perigosamente até 2050 duas vezes mais recursos que o planeta pode gerar por ano. Entretanto, existe uma clara diferença entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. O Brasil, por exemplo, está praticamente na média de consumo mundial, mas ainda assim os brasileiros consomem mais do que o planeta agüenta.

O Planeta Vivo 2006 reúne diferentes dados para compilar dois indicadores do bem estar da Terra. O primeiro é o índice Planeta Vivo, que avalia a biodiversidade, baseado nas tendências de mais de 3600 populações de 1300 espécies vertebradas no mundo. O segundo índice, a “pegada ecológica”, mede a demanda da humanidade sobre a biosfera (quantos hectares uma pessoa necessita para produzir o que consome por ano).

O documento, o sexto da série, confirma a tendência de perda de biodiversidade, já apontada nos levantamentos prévios. Os números gerais indicam uma acentuada perda de recursos naturais. Em 33 anos (entre 1970 e 2003), houve redução em um terço das populações de espécies de vertebrados analisados. Simultaneamente, a “pegada ecológica” da humanidade aumentou, com a demanda 25% maior do que a oferta de recursos, a ponto de ameaçar a capacidade de regeneração do planeta, ou biocapacidade. O ponto de equilíbrio entre o consumo e a regeneração dos recursos naturais do planeta seria equivalente a 1,8 hectares globais por ano por pessoa. Porém, o relatório mostra que já consumimos mais que isso para manter os padrões atuais de vida. O consumo médio, ou a “pegada ecológica”, foi de 2,2 hectares globais por pessoa anuais.

Os dados mostram ainda que o consumo é mais acentuado nos países desenvolvidos. Porém as maiores perdas (biodiversidade, biomas) encontram-se em áreas em desenvolvimento. Em 30 anos, 55% das populações de espécies tropicais desapareceram por causa da conversão de habitats naturais em lavouras e pastagens. No mesmo período, as populações de espécies de água doce analisadas sofreram redução de 30%. Em apenas dez anos, metade dos manguezais da América Latina foi destruída (2 milhões de hectares).

“O ritmo de consumo dos recursos naturais disponíveis supera a capacidade de recuperação da Terra. O grande desafio é aumentar a qualidade de vida e reduzir o impacto sobre o meio ambiente”, diz Denise Hamú, secretária-geral do WWF-Brasil. Países em desenvolvimento têm sofrido as maiores perdas, entretanto, suas “pegadas ecológicas” de maneira geral não ultrapassam a biocapacidade per capita ao longo dos últimos 30 anos. Eles conseguiram melhoras expressivas em seus Índices de Desenvolvimento Humano (IDH). No entanto, desde a ECO 92, houve um incremento de 18% na “pegada ecológica” dos países de alta renda. “Para que tenhamos desenvolvimento sustentável é preciso um equilíbrio entre IDH e biocapacidade per capita, ou seja, desenvolver sem destruir” completa Hamú.

A “pegada ecológica” de gases causadores do efeito estufa resultante do uso de combustíveis fósseis foi o item que mais cresceu mundialmente: mais de nove vezes entre 1961 e 2003. Os grandes vilões são os países desenvolvidos. A participação das emissões de gases causadores do efeito estufa resultante do uso de combustíveis fósseis dos Estados Unidos, por exemplo, é de 59% de sua “pegada”. Para os Emirados Árabes, o percentual fica em 77% e para o Canadá, 53%. Dentre os países em desenvolvimento, Índia, China e México apresentam números elevados de participação de emissões de CO2 em suas pegadas (32%, 47% e 45% respectivamente). No Brasil, as emissões por uso de combustíveis fósseis estão na casa dos 17%. A agricultura (26%), a pecuária (29%) e os usos florestais (21%) são os principais contribuintes às emissões dos gases causadores do efeito estufa. Estes números mostram uma matriz energética razoavelmente limpa, mas as pressões, como o desmatamento, sobre os ecossistemas são enormes.

“Para nos desenvolvermos de forma sustentável, temos de melhorar no que já somos bons, não podemos sujar nossa matriz energética.Devemos investir em eficiência e ampliar a diversidade de fontes renováveis não-convencionais no Brasil. Porém, isso só não basta. É imprescindível evitar a perda de nossas florestas. Temos de estabelecer metas claras para redução do desmatamento” afirma Leonardo Lacerda, superintendente de Conservação do WWF-Brasil.

Os países com mais de um milhão de habitantes que tiveram a maior “pegada ecológica” foram os Emirados Árabes Unidos, os EUA, a Finlândia, o Canadá, a Estônia, a Suécia, a Nova Zelândia e a Noruega. Apesar de estar entre as quinze maiores economias mundiais, o consumo médio per capita dos brasileiros coloca o país na 58ª posição do ranking da “pegada ecológica”. A China encontra-se num patamar intermediário (em 69º lugar), mas o rápido crescimento econômico indica um papel central na manutenção de um caminho para a sustentabilidade.

O relatório aponta ainda para a idéia de regiões e países com crédito ou débito ecológico, isto é, onde a biocapacidade é maior (crédito) ou menor (débito) do que a pegada ecológica. Com isso, nos próximos cem anos, a geopolítica atual deve mudar da divisão entre países em desenvolvimento e desenvolvidos para o conceito de credores e devedores ecológicos.

Para que a “pegada ecológica” e o índice Planeta Vivo sejam mais positivos, são sugeridas várias medidas urgentes como planejamento familiar, oferecendo à mulher melhoras no acesso à educação, saúde e oportunidades econômicas; redução do consumo em países desenvolvidos; diminuição da intensidade da “pegada” por meio da redução dos recursos usados na produção de bens e serviços; aumento das áreas produtivas com a recuperação de áreas degradadas; e incremento na produtividade por hectare, levando em consideração aspectos tecnológicos e de degradação.

Fiscalização contra biopirataria é insuficiente, diz relatório do TCU

A venda clandestina de animais silvestres e plantas medicinais para pesquisas no exterior resultam ao Brasil prejuízos ambientais e econômicos. A conclusão é do relatório elaborado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que aponta a fiscalização como a principal causa para a biopirataria.

Segundo o relatório, a floresta amazônica abriga 70% da biodiversidade do mundo e está ameaçada. Os aeroportos, portos e fronteiras entre Brasil, Colômbia e Peru são os locais mais vulneráveis e, ao mesmo tempo, com falhas na fiscalização. De acordo com o levantamento, a presença do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) nos aeroportos é deficiente.

O Ibama, órgão responsável pela fiscalização da fauna e flora brasileira, possui um posto de fiscalização localizado no aeroporto de Brasília.

“No aeroporto internacional de Manaus verificou-se que a fiscalização ostensiva de bagagens e passageiros só acontece quando há interesse tributário, sendo nesse caso realizada pela Receita Federal, que, quando detecta algum material genético nas bagagens solicitam a ajuda do Ibama. O único equipamento utilizado na vistoria de bagagem é de propriedade da RF. Existem ainda vôos fretados que se destinam à Europa e, como não há interesse tributário, não há fiscalização”, aponta o relatório .

Além disso, o aeroporto de Manaus passa por outros problemas. A falta de capacitação dos funcionários no manuseio de cargas facilita invasões biológicas. No levantamento, o TCU ressalta que o risco de contaminação da floresta amazônica é ainda maior devido à proximidade do aeroporto com uma área florestal.

“Disso [contaminação biológica] decorrem impactos que se constituem, em muitos casos, nas principais ameaças à sobrevivência de espécies ameaçadas de extinção. As conseqüências principais são a perda da biodiversidade e a modificação dos ciclos e características naturais dos ecossistemas atingidos, bem com a alteração fisionômica da paisagem natural, com conseqüências econômicas vultuosas”, aponta o relatório.

A entrada de pragas já trouxe prejuízos ao agronegócio.  Em 2003, o Brasil teve prejuízo de US$ 2 bilhões na safra de soja, devido a entrada da “ferrugem da soja”.

De acordo com o relatório, a biopirataria vem crescendo a partir do interesse de países estrangeiros em desenvolver pesquisas com a utilização do material genético das espécies brasileiras. Através desses estudos, são feitos produtos para fins comerciais. No entanto, com a entrada ilegal de animais e plantas, não se estabelece a repartição dos benefícios e lucros gerados pelo produto comercializado.

Estima-se que o prejuízo inicial, no caso de medicamentos desenvolvidos com base na biodiversidade brasileira, seja de US$ 240 milhões por ano. No entanto, o relatório propõe algumas soluções para isso. “Incentivo ao estudo e desenvolvimento de produtos derivados da biodiversidade dentro do Brasil”.

Além de destacar as principais falhas da fiscalização, o Tribunal de Contas da União deu um prazo de 180 dias (até março de 2007) para que o governo federal melhore os serviços de fiscalização nas áreas consideradas vulneráveis do território brasileiro.

Expedição encontra possíveis novas espécies para a ciência

Uma espécie desconhecida de copaíba, duas de pererecas, dois peixes diferentes, um novo registro para primata e uma ave de ocorrência na caatinga e no cerrado, que ainda está sendo descrita. Este foi o saldo preliminar das pesquisas de campo realizadas no Parque Nacional do Juruena pela Expedição Juruena-Apuí no dia 27 de junho. "Vale ressaltar que para comprovar que as espécies são realmente novas para a ciência é preciso fazer vários testes. Isso será feito assim que expedição terminar", afirma Claudio Maretti, Coordenandor do Programa Áreas Protegidas e Apoio ao Arpa do WWF-Brasil.

A ocorrência de algumas espécies de plantas e animais endêmicas (típicas da região) já era esperada pela maioria dos pesquisadores na área visitada. Isso porque a região em ambientes particulares para a Amazônia, tanto por ser transição de biomas, como por ter vários ambientes definidos por limites do substrato e do solo. Além disso, quase não sofre pressão antrópica, isto é, humana, o acesso é difícil e principalmente por ela ter sido até o momento pouquíssimo estudada.

Até agora os técnicos e pesquisadores já encontraram 200 espécies de aves, jaguatiricas, um boto cor-de-rosa e enfrentaram corredeiras perigosas pelo Rio Juruena. O achado do boto foi totalmente inesperado e a equipe não pensava que o animal habitasse a região.

A Expedição começou dia 13 de junho e está em sua terceira e última fase. Ao todo, serão 20 dias de pesquisas no recém-criado Parque Nacional do Juruena, o terceiro maior do país, com 1,9 milhão de hectares. As aventuras estão descritas com detalhes no site do WWF-Brasil (www.wwf.org.br), que está acompanhando a viagem online. Há fotos no site e em alta resolução na Assessoria de Comunicação do WWF-Brasil. Todo o material pode ser utilizado desde que dado o devido crédito.

A iniciativa da expedição é do WWF-Brasil (Programa de Áreas Protegidas e Apoio ao Arpa), Ibama, e Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (SDS-AM), e conta com parceria do ICV (Instituto Centro da Vida) e do WWF-Alemanha.

Essa ação enquadra-se nas atividades complementares do WWF-Brasil em apoio à implementação do Programa Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa). Coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente, o Arpa é implementado pelo Ibama em parceria com governos estaduais da Amazônia que aderiram ao programa. A gestão financeira e os processos de aquisição e contratação são de responsabilidade do Funbio. Também participam do programa o Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF), o Banco Mundial, o KfW (banco de cooperação da Alemanha), a GTZ (agência de cooperação técnica da Alemanha) e o WWF-Brasil, com doações e cooperação técnica.

Reunião de Curitiba sobre biodiversidade termina em fracasso

O Greenpeace decretou o completo fracasso da última reunião da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), que termina hoje, em Curitiba. Os países membros que participaram da 8ª Reunião das Partes (COP 8) da convenção perderam a oportunidade, durante duas semanas de negociações, de costurar algum acordo real que pudesse brecar a perda global da biodiversidade e da vida nas florestas e oceanos do planeta.

“A CDB é como um navio no meio do oceano, sem capitão”, afirmou Martin Kaiser, assessor do Greenpeace Internacional para Florestas. “As negociações tiveram um resultado pífio na adoção de medidas que colocassem um fim à biopirataria e a práticas ilegais e destrutivas de extração madeireira ou exploração marinha. Também não se chegou a nenhum resultado sobre financiamento a áreas de proteção marinhas ou terrestres”, concluiu.

Apesar de a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, presidente da COP 8, ter convocado os participantes no início da reunião a aderir a um acordo contra a biopirataria, a Austrália, a Nova Zelândia e o Canadá bloquearam qualquer avanço no processo, se negando até mesmo a aceitar um prazo para as negociações. “Isso simplesmente dá mais tempo às indústrias de biotecnologia e farmacêutica de assegurar patentes de seres vivos sob o regime da Organização Mundial do Comércio (OMC)”, disse Kaiser.

No começo da COP 8, o Greenpeace apresentou um detalhado estudo que alertava para a necessidade urgente da criação de uma rede de proteção das últimas florestas preservadas e de áreas marinhas internacionais. No entanto, os governos não deram ouvidos ao chamado, mas o que se viu foi um verdadeiro retrocesso. Na CDB passada, em 2004, na Malásia, os membros tinham acordado sobre a necessidade de uma rede global de áreas protegidas, e os países ricos prometeram dinheiro para a implementação dessa rede.“Tanto os países ricos quanto os países pobres quebraram a promessa, e a rede global de proteção não saiu da retórica” disse Paulo Adário, coordenador da campanha Amazônia do Greenpeace. “Ao invés disso, os governos colocam a natureza em risco ao tratar a biodiversidade como uma commodity”, afirmou.

A proteção dos oceanos também não avançou. “Em relação aos oceanos, a moratória sobre a prática altamente destrutiva de pesca de arrasto em alto mar foi bloqueada por alguns países com atividade pesqueira, que priorizaram seus interesses comerciais em detrimento da proteção da biodiversidade marinha”, disse Karen Sack, assessora política do Greenpeace Internacional para Oceanos.

Há quatro anos, os líderes mundiais comprometeram-se a acabar com a perda da biodiversidade até 2010, mas até hoje não foi dado dinheiro para impedir que os países pobres continuem a explorar de forma insustentável sua biodiversidade. “O Brasil, como anfitrião da conferência, fracassou em impor uma agenda que criasse novos mecanismos de financiamento para a biodiversidade”, disse Kaiser.

Enquanto as negociações sobre proteção da biodiversidade não avançaram na COP 8, a cidade de Porto Alegre tornou-se mais uma cidade amiga da Amazônia. O prefeito de Porto Alegre, José Fogaça (PPS-RS), assinou hoje termo de compromisso com o programa Cidade Amiga da Amazônia, do Greenpeace, em solenidade realizada à bordo do navio MY Arctic Sunrise, da entidade ambientalista, que está na capital gaúcha para mobilizar a população em defesa da floresta. O objetivo do Cidade Amiga da Amazônia é incentivar prefeituras brasileiras a adotarem leis que evitem o consumo de madeira nativa de origem criminosa nas compras e licitações públicas.

Representantes da sociedade civil expõem frustração com a COP-8

Enquanto aguardavam o início da plenária final da 8a Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica, que se encerrou na sexta-feira, 31 de março, participantes foram convidados a fazer uma breve avaliação do evento, apresentado como o mais importante realizado no país desde a Rio-92. As opiniões, em sua maioria feitas em tom de desabafo, apontam que, com exceção da moratória às tecnologias Terminator, não houve avanço sobre os principais temas discutidos. Leia a seguir alguns trechos dos depoimentos.

Martin Kaiser, do Greenpeace Internacional
“Basicamente, essa conferência foi um fracasso. Perdeu-se a oportunidade de estabelecer acordos para brecar a perda global da biodiversidade e práticas ilegais e destrutivas de extração madeireira ou de exploração marinha. Foram adiadas decisões de combate à biopirataria e a respeito da adoção de um regime internacional de acesso e repartição de benefícios, em vez de negociar essas questões aqui. Em relação ao financiamento da CDB, os Estados Unidos querem enfraquecer as contribuições do GEF para a biodiversidade, e os outros países doadores não pretendem dar mais dinheiro. Também não se chegou a nenhum resultado sobre financiamento a áreas de proteção marinhas ou terrestres. Sobre a meta de redução de perda de biodiversidade até 2010, nenhum país estava realmente preparado e teve vontade política para que fosse atingida. O Brasil, como anfitrião da conferência, fracassou em desencadear uma agenda para a criação de novos mecanismos de financiamento para a proteção da biodiversidade.”

Lim Li Lin, da Rede do Terceiro Mundo
“Esta foi uma das mais intensas e difíceis COPs das quais eu já participei. O tema particularmente mais difícil foi o de acesso e repartição de benefício. Nós não estávamos nem discutindo a sustância do regime internacional, mas seu modus operandi. Isso é muito crítico, porque os países em desenvolvimento querem um processo claro, com um cronograma definido a respeito de quando terminaremos as negociações, e os países desenvolvidos, tais como Austrália, Nova Zelândia e Canadá, não querem um regime de nenhuma maneira. Nós tivemos, entretanto, decisão boa em relação às sementes Terminator. Por causa da pressão pública de fora e do bom trabalho dos negociadores, a moratória foi mantida. Em relação às árvores transgênicas, existe uma decisão de que seja aplicado o princípio de precaução porque não existem suficiente dados, conhecimento e capacidade técnica acumulada sobre o assunto. Não é a melhor decisão que poderíamos ter tido. A melhor decisão seria a moratória às árvores transgênicas, mas, dentro das circunstâncias, ao menos existe um acordo de que existem efeitos de longo prazo e transfronteiriços, pouca informação a respeito dos impactos no meio ambiente e também foram reconhecidos os possíveis impactos sobre comunidades indígenas e locais. Parte da decisão é que esse tema será discutido no SBSTTA – órgão subsidiário de aconselhamento científico, técnico e tecnológico da CDB – e redefinido na COP-9; então, daqui até lá nós temos muito trabalho pela frente.”

Marciano Toledo da Silva, da Via Campesina
“De certa forma ela reflete o que está acontecendo em outras convenções: todas as questões estão virando produtos comercializáveis. Os resultados da conferencia não foram satisfatórios. Tivemos grandes vitórias, como a moratória aos GURTs e a adoção do princípio de precaução em relação às árvores transgênicas, mas muitos pontos não avançaram, empurrados para serem discutidos daqui a alguns anos, e a redução da perda da biodiversdade até 2010 não vai ser conquistada e, até lá, perderemos muita biodiversidade e consequentemente conhecimento tradicional associado.”

Fernanda Kaingang, do Instituto Indígena Brasileiro para a Propriedade Intelectual
“Os povos indígenas do mundo estão frustrados. A gente assistiu aos países iniciarem uma negociação sobre a criação de um regime internacional de acesso repartição de benefícios na qual eles não reconhecem o nosso papel de protagonistas na conservação da biodiversidade, não reconhecem o nosso direito de decidir sobre o uso dos conhecimentos tradicionais – o consentimento prévio e informado e o direito de dizer não, eu não quero o acesso. Países desenvolvidos como o Canadá, Austrália e Nova Zelândia sistematicamente resistiram a reconhecer os direitos fundamentais dos povos indígenas. Por que durante a discussão do regime internacional e dentro da convenção todo mundo se lembra da OMC, da OMPI, mas ninguém se lembra dos tratados de proteção dos direitos indígenas, como a Convenção 169? Saímos frustrados. Mesmo em relação ao artigo 8j nós não vimos nenhum avanço. Mais uma vez a voz e a participação dos povos indígenas foi restrita. Esperamos que nas próximas COPs se passe a retroceder menos e a implemente mais um pouco do muito que já foi discutido.”

Ricarda Steinbrecher, da Federação dos Cientistas Alemães
“Em termos do que essa conferencia conquistou, parece que foi muito pouco, o que é muito triste, uma vez que é essa é única convenção internacional que nos temos com mandato para proteger a biodiversidade e o seu uso sustentável. Nós deveríamos passar para frente o eu nos foi dado e nós estamos fazendo uma bagunça disso. Sobre as questões que acompanhei na COP-8, acho que são únicas bem–sucedidas: a reafirmação da moratória às tecnologias Terminator, o que é crucial, especialmente quando pensamos em termos dos impactos sobre as comunidades indígenas e locais e pequenos agricultores, e a outra foi a adoção do princípio de precaução em relação às árvores transgênicas. Todos concordaram que não temos dados suficientes, não sabemos quais são os impactos e potenciais destrutivos sobre os ecossistemas florestais mundiais.”

Ângela Cordeiro, do Centro Ecológico – Assessoria e Formação em Agricultura Ecológica
“Não sei se é muito pessimista, mas a minha avaliação é de que temos uma série de derrotas consolidadas. Acho que os textos aprovados são versões enfraquecidas das propostas iniciais. Prevaleceram as propostas de eliminar qualquer coisa que envolvesse incentivo para a biodiversidade local e participação das comunidades locais, não só nas discussões especificas de 8j e ABS, mas em outros temas. Essa foi uma prática do Canadá, da Austrália e da Nova Zelândia. Acho que isso reflete um despreparo, uma incapacidade e falta de coordenação de outras delegações, inclusive a do Brasil. Acho que a decisão a respeito das árvores transgênicas ficou ruim. Temos também algumas outras derrotas adiadas, como é o caso do Terminator, uma vez que a gente nunca sabe o que vem na próxima COP. O que a gente tem ouvido dos povos indígenas eles também estão bastante frustrados.”

Marcos Terena, do Fórum Indígena Internacional sobre Biodiversidade
“A participação dos povos indígenas no Brasil aqui na COP-8 foi importante para mostrar que a megabiodiversidade do Brasil envolve também uma sociobiodiversidade. Em relação às discussões e decisões, em todo processo da ONU não podemos falar como agentes principais, quem fala por nós sãos os Estados. Além disso, os acordos são definidos nas plenárias oficiais, onde nós não podemos participar.”

Michael Schmdleher, da Amazonlink.org
“Esse é um processo muito, muito lento. O que é um problema, uma vez que a adoção de um regime internacional de acesso e repartição de benefícios é uma questão urgente. E, nesse ritmo, a gente vê vai demorar muito para sair. Outra notícia preocupante é a que diz respeito da intenção dos Estados Unidos de diminuir em 50% as contribuições para o Fundo Mundial para o Meio Ambiente. A gente percebe que a CDB e

stá um pouco afastada da realidade. As decisões tomadas aqui não têm tanta validade, pois, muitas vezes, outras práticas e outros acordos internacionais, como os da OMC, prevalecem. Além disso, a gente está vendo que a mídia nacional e internacional deu pouca atenção à conferência.”

Edna Marajoara, da Cooperativa Ecológica das Mulheres Extrativistas do Marajó
“Nós participamos de todo o processo e durante as decisões sobre acesso e repartição de benefícios as discussões foram feitas em inglês, sem tradução, e a gente não tinha como acompanhar. Acho que o governo brasileiro deveria prover um intérprete para acompanhar as comunidades tradicionais. Em relação às decisões, nós temos uma proposta de regime internacional de acesso a repartição de benefícios que vai começar a ser discutida daqui a quatro anos. Isso até parece a questão dos transgênicos. Daqui a alguns anos os nossos conhecimentos tradicionais terão sidos todos violados. E aí, eles vão proteger o quê?”

José Naim Perez, Machupe, Chile, do Fórum Internacional Indígena sobre Biodiversidade
“Eles nos deixam com um sabor amargo em nossas bocas. Não houve nenhum avanço em relação às questões dos povos indígenas. Eles não querem se comprometer com os direitos indígenas. Eles não querem entender que o acesso à biodiversidade e aos recursos genéticos muitas vezes afeta diretamente os povos indígenas. E se eles não estabelecerem um mecanismo sobre acesso e repartição de benefícios vai ser muito complicado, porque nós não vamos permitir que eles se apropriem dos nossos últimos recursos e de nossos conhecimentos.”

ndios brasileiros criam foro para discutir a biodiversidade

Os descendentes dos primeiros habitantes do país passarão a atuar em bloco nas negociações internacionais sobre o acesso a recursos genéticos. Foi criado nesta quarta-feira (22/03) em Curitiba, onde se realiza a 8ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica, o Fórum dos Povos Indígenas do Brasil sobre Biodiversidade.

Os principais focos de atenção do novo grupo serão as negociações sobre o acesso e a partilha de recursos genéticos (tema conhecido pela sigla inglesa ABS), a criação de áreas protegidas e a defesa dos conhecimentos tradicionais dos povos indígenas associados ao uso de recursos genéticos – questão definida pelo artigo 8º da Convenção da Biodiversidade.

– Queremos influir com mais protagonismo nas negociações que estão em andamento. Se o Brasil é o fiel da balança dentro do grupo dos países megadiversos, queremos ser o fiel da balança com a nossa megasociodiversidade – anunciou a diretora executiva do Instituto Indígena para a Propriedade Intelectual, Lúcia Fernanda Kaingang.

Existem atualmente no Brasil, segundo a diretora, cerca de 230 povos indígenas, que falam aproximadamente 180 línguas. São cerca de 700 mil pessoas, observou, das quais poucas têm conhecimento a respeito das discussões em andamento na conferência que está sendo realizada em Curitiba. E nenhum representante indígena presente à cidade, lembrou ela, contou com recursos do secretariado da convenção para a sua viagem.

Um dos temas discutidos pela manhã, em um grupo de trabalho da conferência, foi justamente o do estabelecimento de um orçamento para garantir a presença de representantes de povos indígenas durante as próximas etapas da negociação da implementação da convenção. Delegados da Organização das Nações Unidas admitiram a possibilidade de custear as despesas, mas questionaram como seriam escolhidos os representantes indígenas.

As propostas iniciais de implementação do dispositivo 8º da Convenção, elaboradas em reunião preliminar ocorrida há um mês em Granada, na Espanha, foram bem acolhidas pela maioria das delegações presentes em Curitiba. Entre essas propostas, está a de criação de um código de conduta para as empresas interessadas em pesquisar espécies de plantas e animais contidas em terras indígenas.

Rede WWF comprova: Proteger espécies ajuda a reduzir a pobreza

Os esforços para salvar a arara-azul, pandas, gorilas, tigres e outros animais em extinção não se limitam apenas à conservação de espécies para geração futuras. Um novo estudo realizado pela Rede WWF comprova o impacto destas iniciativas na redução da pobreza e na melhoria da vida das comunidades afetadas pelos projetos.

A pesquisa, que traz estudos de caso do Nepal, Uganda, Índia, Namíbia, Costa Rica e China, demonstra que o trabalho de conservação de espécies contribui na erradicação da pobreza e da fome, assim como estimula o desenvolvimento sustentável e justo em áreas rurais destes países.

Os resultados indicam que a conservação e o gerenciamento sustentável de espécies em extinção e seus habitats tem com consequência direta uma maior proteção de florestas, rios e áreas marinhas. Com isso, as populações que dependem diretamente destes recursos têm mais acesso à riquezas que a natureza lhes oferece. Isso não apenas aumenta a renda, mas melhora a saúde e afeta positivamente questões como a educação e direitos das mulheres. Com isso, a pesquisa da Rede WWF demonstra que os projetos de campo de conservação de espécies atendem a quatro dos oito Objetivos do Milênio propostos pela ONU: acabar com a fome e a miséria, igualdade entre sexos e valorização da mulher, qualidade de vida e respeito ao meio ambiente e todos trabalhando unidos pelo desenvolvimento mundial.

De acordo com o estudo, alguns projetos de ecoturismo baseados na observação de espécies selvagens, por exemplo, podem gerar um importante desenvolvimento econômico local. Além disso, o conhecimento sobre hábitos e movimentação de animais em determinada área, estimula um planejamento sustentável e um melhor aproveitamento do uso da terra.

“Muitas vezes, as questões que ameaçam as espécies são as mesmas que contribuem para a pobreza, a perda de habitats e de recursos naturais”, afirma Dra. Susan Lieberman, diretora do projeto global de conservação de espécies da Rede WWF. “Esta pesquisa nos prova que quando os animais ameaçados são salvos, as pessoas lucram junto”.

Com a abertura em Curitiba (PR) da Oitava Conferência das Partes (COP8) da Convenção da Biodiversidade (CBD) nesta segunda-feira, dia 20/03, a Rede WWF acredita que os governos participantes devem integrar os esforços de conservação de espécies com as estratégias de desenvolvimento social.

“Parece ilógico que bilhões de dólares sejam gastos para reduzir a pobreza e promover o desenvolvimento econômico sustentável sem olhar para os enlaces entre melhoria de qualidade de vida, meio ambiente saudável e conservação de espécies”, conclui Dra. Lieberman. “Agora é a hora de fazermos esta conexão e de agirmos para concretizá-la”.

Teremos mais quatro anos de contaminação livre”

Para o coordenador da Campanha Por um Brasil Livre de Transgênicos, o economista Jean Marc van der Weid, a sociedade brasileira não deve comemorar a mudança do governo brasileiro sobre a identificação e rotulagem de Organismos Vivos Modificados (OVMs) destinados à exportação. A nova posição – que prevê a distinção clara dos produtos transgênicos – foi oficializada pela ministra Marina Silva na segunda-feira (13/3) e apresentada pela delegação do Brasil ontem na 3ª Reunião da Partes do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança.

Especialista em desenvolvimento agrícola, Jean Marc van der Weid afirma que o País ainda tem muito a temer. “O compromisso me parece muito vulnerável e há grandes riscos de contaminação durante estes quatro anos que o governo concede de prazo para os produtores se adaptarem à nova regra”. Na tarde da terça-feira 14, enquanto avançavam as discussões sobre o polêmico artigo 18-2 (a) do protocolo – que trata da identificação e rotulagem – e também as pressões pelos corredores da MOP3, tanto para que países se juntem ao Brasil em defesa do “contém”, quanto para que não cheguem a um consenso deixando a questão em aberto, Weid concedeu a seguinte entrevista ao ISA:

ISA – Porque o senhor classifica o novo posicionamento do governo brasileiro como temerário?

Jean Marc van der Weid – Porque a decisão mantém o status quo por mais quatro anos. Na verdade, a posição anterior, de manter o “pode conter” era tão ruim, que agora está todo mundo comemorando, ainda que o progresso seja muito pequeno, se é que há algum progresso. Pois nesse interim, neste 4 anos, continuaremos sem controle dos movimentos transfronteiriços de transgênicos e, sem identificação, não há como tomar medidas mais rigorosas de contenção e assim se abre o caminho para a contaminação. Em outras palavras, o governo permitiu mais quatro anos de contaminação livre. Isso pode ser o suficiente para chegarmos a um nível de comprometimento que não seja mais possível controlar a produção dos transgênicos, num processo sem volta.

Esse risco é real?

É real porque a estratégia dos fabricantes de transgênicos é espalhar seus produtos pelo planeta, sobretudo nos países de terceiro mundo, que têm menos capacidade de resistência e controle. Isso vai fazer com que a contaminação nestes países se generalize.

Trata-se de uma estratégia deliberada?

Exatamente. A indústria não pode permitir que se crie um sistema de controles nos países e internacionalmente. Isso significaria que os consumidores de países importadores de transgênicos poderiam optar se querem ou não comprar estes produtos. Até agora a tendência em diversos lugares de mundo, inclusive nos EUA, é optar por produtos não-transgênicos. Todas as pesquisas americanas mostram que a grande maioria da população daquele país quer uma rotulagem clara de produtos e, uma vez sabendo sua composição, escolhe os não-transgênicos. Isso é uma paulada para a indústria. Então ela não pode permitir que se estabeleça essa separação clara no mercado por atacado internacional como no mercado de varejo de qualquer país.

Sobre a contaminação, quais as culturas mais expostas no Brasil a esse risco?

Milho e algodão são os casos piores. A soja é problemática por se tratar de um grande volume produzido, mas tem um sistema de reprodução diferente que não permite um nível de contaminação tão alarmante, chega a 1 ou 2% por safra. A longo prazo isso é significativo, mas com o milho, você começa a plantar e o cruzamento entre o que é e o que não é transgênico é imediato. Isso faz do milho o caso mais grave, ainda que o algodão também seja um caso perigoso.

Existe uma região do País que esteja mais exposta à contaminação?

A contaminação pode acontecer em qualquer lugar do Brasil. Porque nesta altura do campeonato é muito difícil de se cumprir as medidas de contenção que ainda estão sendo discutidas, por exemplo na Embrapa, para evitar a contaminação dos algodões que são nativos do Brasil. Como a biodiversidade nativa brasileira está ameaçada pelos transgênicos, decidiu-se o algodão transgênico pode ser plantado no Centro-Oeste, mas não no Norte ou no Nordeste, onde tem incidência destes algodões nativos. Agora, como se pode controlar o fluxo de sementes nas divisas entre, por exemplo, Goiás e Bahia? Se não conseguem controlar esse fluxo na fronteira do Brasil com Argentina – na verdade mal tentam – o que dizer dos controles entre estados brasileiros? Isso simplesmente não vai acontecer e se começarem a plantar, vai haver contaminação.

Há um mapeamento das plantações contaminadas no Brasil?

Há uma estimativa aproximada. Até onde podemos identificar, o algodão ainda é muito pouco, sobretudo no Centro-Oeste, mas está crescendo. A soja ainda está fortemente concentrada no Rio Grande do Sul, o grosso da produção transgênica ainda é lá. E tem dois tipos de movimentos interessantes: no primeiro, as sementes que facilitaram o cultivo clandestino no Sul não se adaptam bem às condições climáticas do Centro-Oeste. Por isso não avançou. Podia ter entrado no Paraná, mas foram duramente reprimidas pelo governo do estado, o que funcionou como uma barreira importante. Agora, já que está legalizada a multiplicação de sementes desde o ano passado, então a Monsanto está trabalhando para produzir e multiplicar sementes adaptadas ao Centro-Oeste. O segundo movimento está sendo feito por produtores de grande porte que estão percebendo que há um problema de mercado, que não vale a pena arriscar nos transgênicos, sendo que há um mercado garantido, que está pagando inclusive um sobrepreço pelo não-transgênicos, por uma hipotética vantagem na hora de se aplicar herbicida.

Quer dizer que os transgênicos não estão seduzindo mais os produtores?

Aquela euforia passou. Os grandes produtores do Mato Grosso e Goiás não passaram para os transgênicos. No fundo foi até bom que o Rio Grande do Sul tenha forçado a barra no começo e ficado sozinho pois deu tempo para o resto do País verificar o que acontece a partir do terceiro e quarto ano de cultivo. Os dados estão começando a surgir agora e dizem basicamente o seguinte: bateu seca ou alta temperatura, a soja transgênica dança e dança muito mais rápido; no ano passado, com uma seca no Paraná e no Rio Grande do Sul de estatística semelhante do ponto de vista de chuva e temperatura, a perda da soja no foi de 75% no RS, e no PR, de 25% da safra. Uma diferença cavalar. Outra coisa é que o Rio Grande do Sul mal exportou no ano passado e essa falta de produtividade está fazendo com que o estado esteja perdendo os mercados estrangeiros, como o europeu e o chinês, para os paranaenses. O que está ocorrendo também é que os produtores de transgênicos começam a plantar usando menos herbicida nos primeiros anos, mas depois passam a usar cada vez mais, entrando num ciclo vicioso maluco, que eleva os custos lá para cima. Isso porque as antigas ervas invasoras adquirem resistência e voltam mais fortes para atacar as plantações. E o que é mais comum – a seleção das espécies invasoras é tão violenta que só vão brotar aquelas que resistem aos herbicidas. E estas começam a se multiplicar rapidamente, ocupando o espaço deixado pelas que foram completamente eliminadas.

A principal crítica da agroindústria em relação a rotulagem clara e precisa “contém transgênicos” afirma que os custos de rastreamento e separação da produção oneraria o setor a ponto deste perder competitividade em relação a seus concorrentes, principalmente EUA e Argentina. Esse problema é real?

De modo algum, isso é uma cortina de fumaça, pura cascata. O aumento sobr

e o valor da soja vendida hoje no mercado internacional seria de 0.02 %. Isso para fazer o exame da identificação, pois é apenas isso que pede o protocolo: que em uma carga que sai de um porto brasileiro esteja escrito que contém tais tipos de transgênicos em tantas porcentagens. O custo que deve ser contado pela regra do “contém”, portanto, é quanto custa fazer uma análise quantitativa e qualitativa num porto. No caso brasileiro, nosso caso só diz respeito à soja, que é o único transgênico que exportamos. E essa soja tem um único evento, que é a resistência ao glifosato. Então trata-se de uma única análise, que custa 250 dólares. Esse valor quem me passou foram as empresas certificadoras. Esse custo é para você analisar 5 mil toneladas. Como exportamos 20 milhões de toneladas, vamos ter um custo de 1 milhão de dólares para fazer a identificação. Isso não representa nada, por exemplo, se comparado ao que se perde de soja no transporte por caminhão, que é em geral de 10 a 20% da carga total. Então se o produtor quer fazer economia, que invista para diminuir o chamado Custo Brasil, a precariedade das estradas. A nossa competividade internacional, portanto, não está em jogo na identificação da soja transgênica.

Qual é o próximo desafio da campanha?

Apesar de termos um problema grave no Brasil de se cumprir a lei e de eu achar que está se desenhando com o milho um panorama de contaminação parecido com o que ocorreu com a soja – contaminação essa que conta com a cumplicidade do governo federal, assim como contava com a do governo anterior – o que vai pegar nos próximos meses é a legalização das seis variedades transgênicas de milho na CNTBio (Comissão Nacional de Biossegurança), pedida pela Monsanto e pela Syngenta Seeds. Isso vai levar uns três meses para ser analisado e vai ser um debate duro. Agora, o curioso é que hoje a comissão tem menos opiniões formadas, consolidadas, do que eu podia imaginar. Isso vai fazer com que ocorra um debate de fundo no lugar do embate ideológico, que sempre prevaleceu, puxado pelos pró-transgênicos. Deste modo vamos ter mais chance de a votação levar em conta cada circunstância, tema por tema, risco por risco, e ser mais honesta do que as anteriores, que foram levadas basicamente na marra pelos pró-transgênicos.