Diretor da Funasa diz que situação de índios guarani-kaiowá é "lamentável"

O diretor-executivo da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), Danilo Forte, avalia como "lamentável" a situação dos índios guarani-kaiowá, do Mato Grosso do Sul. Despejados há um mês, os indígenas estão desabrigados, vivendo na beira da estrada – que liga as cidade de Antonio João e Bela Vista.

"A tarefa de demarcação de terras não é nossa, é da Funai. É lamentável que aqueles que foram nossos preceptores sejam jogados, despejados a beira de uma estrada, de forma desumana", afirma.

Segundo Forte, a função da Funasa, responsável por garantir a saúde indígena, seria a de fazer um acompanhamento preventivo. Mas, devido a situação em que se encontram as famílias, a fundação tem sua atuação limitada. "A gente tem procurado suprir a nossa tarefa institucional. Mas é claro que deixa muito a desejar", avalia.

De acordo com o diretor-executivo, a Funasa está fornecendo cestas básicas e água e deslocou uma equipe médica até o local. Após o despejo, uma criança indígena morreu e outras 15 estão em estado de desnutrição.

Funai alerta sobre riscos à saúde das crianças em acampamento guarani-kaiowá

As condições precárias no acampamento dos índios guarani-kaiowá em Mato Grosso do Sul colocam em risco a vida das crianças da tribo, na opinião do coordenador regional da Fundação Nacional do Índio (Funai), Odenir Oliveira. Segundo ele, vários casos de desidratação e diarréia já foram registrados. Há 18 dias, cerca de 400 Guarani-Kaiowá estão acampados na estrada que liga os municípios de Bela Vista e Antônio João, a cerca de 350 quilômetros de Campo Grande. Em 15 de dezembro, por ordem judicial, eles foram despejados da terra homologada em favor da tribo.

"Desde o despejo, duas crianças já morreram. No acampamento, os índios estão sujeitos a condições desumanas de vida, o calor é intenso e água, quente. A situação é preocupante", alerta Oliveira. "Já foram entregues cestas básicas e as equipes da Fundação Nacional de Saúde Funasa baseadas nos municípios próximos ao acampamento estão prestando assistência diária. Ainda assim, o risco de novas mortes existe."

O líder indígena Isaías Sanches Martins conta que uma das crianças morreu ao nascer, no dia em que a tribo foi despejada da terra Nhande Ru Marangatu, porque a mãe, assustada com a ação de retirada, caiu e bateu com a barriga no chão. A índia estava grávida de seis meses. No dia 19 de dezembro, outra criança guarani-kaiowá morreu, desta vez no acampamento.

"Era uma menina de 2 anos. Ela ficou assustada com o despejo. Passou fome durante a montagem do acampamento e tomou água quente. Teve muita diarréia e morreu em conseqüência da desidratação", conta Martins. Segundo ele, na tentativa de melhorar as condições do acampamento, nos últimos dias, os índios passaram a se dedicar à construção de barracas de madeira, forradas com folhas de árvores de Bacuri. A intenção é proteger as famílias da chuva e do vento.

Em abril de 2005, cerca de 20 crianças indígenas morreram na região de Dourados (MS), em decorrência de desnutrição. Em relatório lançado no ano passado, os técnicos das Funasa ressaltaram que a desnutrição é um reflexo da falta de terras para os índios e dos problemas sociais que decorrem desse "confinamento" em áreas insuficientes para a sobrevivência indígena.

Patrus: indígenas serão prioridade do Suas

Uma das principais mudanças, com a implementação do Sistema Único de Assistência Social (Suas) no país, será a maior agilidade no repasse dos recursos do governo federal para estados, municípios e Distrito Federal. O anúncio foi feito pelo ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Patrus Ananias, durante entrevista concedida ao vivo na rede de emissoras de rádio da Radiobrás: Nacional AM, Nacional da Amazônia e Nacional do Rio de Janeiro. A entrevista também foi transmitida pela TV Nacional e pela TV NBR, o canal do Poder Executivo.

"Estamos vencendo a burocracia, acabando com os procedimentos antigos de processos, de assinaturas e informatizando, garantindo o repasse imediato de recursos. Além da agilidade, também a transparência, porque haverá maior controle, maior fiscalização dos conselhos de assistência social", informou Patrus. Cerca de dez emissoras participaram com perguntas ao ministro sobre o Suas. A entrevista também foi transmitida por mais de 200 emissoras que compõem a Rede Nacional de Rádio.

Durante a transmissão da entrevista, o ministro esclareceu dúvidas de ouvintes que ligaram para o estúdio. Muitos queriam saber se o Suas substituiria o Sistema Único de Saúde (SUS). "São dois programas distintos, mas que se complementam. O Sistema Único de Saúde continua e está sendo ampliado e aperfeiçoado, com novos programas, novos equipamentos. É um programa destinado a promover a saúde dentro de uma linha que vem se consolidando no Brasil", explicou o ministro.

Já o Suas, continuou Patrus, visa unificar e integrar as políticas de promoção social no país. "Estamos somando e integrando recursos do governo federal, dos governos estaduais e municipais que estão aderindo ao Suas, com a participação também da sociedade civil, das organizações não governamentais, entidades filantrópicas. Sabemos que, quando a gente soma esforços, a gente consegue mais e melhores resultados".

O Suas organiza serviços, programas e benefícios destinados a cerca de 60 milhões de brasileiros, em todas as faixas etárias. "Quando falamos do Suas, estamos falando do Bolsa Família; das Casas da Famílias que estão presentes nas comunidades pobres; do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil; do programa de prevenção e de combate à exploração sexual de crianças e adolescentes, o Sentinela; do Agente Jovens, um programa de apoio a jovens entre 15 e 17 para eles que possam continuar nos estudos, recebendo uma bolsa, prestando também serviços comunitários; de apoio à comunidades pobres, por meio de políticas de geração de trabalho e renda, da inclusão produtivas, das políticas de segurança alimentar, é nessa linha que se coloca o Sistema Único de Assistência Social", informou Patrus.

Projetos vão ensinar índios de Mato Grosso do Sul a cultivar hortas e pomares

Os índios guarani-kaiowá e terena que moram em Dourados, no Mato Grosso do Sul, vão aprender a cultivar hortas e pomares para superar o problema de falta de alimentos que atinge as tribos da região. O Ministério do Desenvolvimento Agrário e o Instituto de Desenvolvimento Agrário, Assistência Técnica, Extensão Rural e Pesquisa do Grosso do Sul vão desenvolver na região o Projeto Quintais de Subsistência e a Horta Escolar.

O projeto Quintais da Subsistência é destinado a famílias que disponham de pequena área para plantio de milho, arroz, amendoim e mandioca, além de árvores frutíferas. Já o Horta Escolar será desenvolvido ao lado da Escola Municipal Araporã, em uma área de mil metros quadrados. Os alunos e agentes indígenas vão aprender a plantar uma horta e cuidar dela.

De acordo com a coordenadora do Programa de Promoção de Igualdade, Gênero, Raça e Etnia do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Andréa Butto, a idéia do projeto é suprir a falta de alimentos da população indígena.

"O governo federal vem atuando para garantir a sobrevivência e a segurança alimentar dessas populações. Estamos adotando ações estruturantes de educação, de resgate do conhecimento tradicional dos índios para superar o problema de carência alimentar. A partir da produção de alimentos para o próprio consumo, a idéia é garantir também renda para os índios", informa a coordenadora.

Andréa Butto disse que o governo vai recuperar as práticas alimentares dos índios que foram prejudicadas por causa da degradação ambiental.

Cacique quer ações de saúde indígena executadas pela Funasa

Brasília – Um dos principais pontos da política indigenista do governo federal criticados por lideranças indígenas é a atenção à saúde dos índios. Para o cacique Marcos Xukuru, de Pesqueira (PE), a maior parte dos problemas ocorre devido ao repasse de verbas aos municípios pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa), órgão responsável pela assistência à saúde indígena. "A Funasa tem recebido muito recurso por parte do governo federal para fazer esse trabalho. Mas, infelizmente, como se dá a municipalização e a terceirização dos recursos, as ações nas bases ficam prejudicadas", afirmou.

Para mudar esse quadro, o cacique é a favor de que todas as ações na área de saúde sejam executadas diretamente pela Funasa. "Nós estamos tentando reverter essa situação e por isso defendemos a federalização, ou seja, que não entrem outros órgãos ou prefeituras, mas que seja responsabilidade do governo federal".

Já para o líder indígena Antão Rumori, da etnia xavante, a Fundação Nacional do Índio (Funai) deveria ser a gestora da saúde indígena. "Irregularidades existentes na gestão da Funasa é que motivam as reivindicações pela volta da Funai", explicou Rumori, durante a solenidade em comemoração ao Dia Nacional do Índio, realizada nessa segunda-feira (18). Na ocasião, o presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes, afirmou que a reivindicação se deve à crença de que apenas a Funai conhece a tradição, os costumes e as necessidades dos povos. "Os índios acreditam que é a Funai que tem conhecimento, mas basta a Funasa incorporar o espírito indigenista que tudo estará resolvido".

Para o presidente da Funai, desde que a gestão da saúde passou para a Funasa, muitas melhoras podem ser observadas, como a distribuição de água potável e queda da mortalidade infantil. "Nem tudo é retrocesso. Houve uma melhora na parte sanitária, poços artesianos foram abertos em 4,5 mil aldeias indígenas. Além disso, houve queda da mortalidade infantil, de modo que a gente pode comemorar", disse.

Mas, no entendimento do cacique Marcos Xukuru, um dos reflexos da falta de uma política adequada à saúde indígena é a morte de 19 índios da etnia Guarani-Kaiowá por causa de desnutrição e doenças decorrentes da desnutrição.

A Funai reconhece que a mortalidade infantil entre os povos indígenas é superior à média nacional. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o coeficiente de Mortalidade Infantil no Brasil em 2004 alcançou o índice de 25,1 para cada mil e o coeficiente de Mortalidade Infantil Indígena no mesmo ano chegou a 47,48 para cada mil. Atualmente, os esforços da Funasa relacionados à saúde indígena se concentram em campanhas de vacinação, ampliação de atendimento médico-hospitalar e combate à desnutrição.

As críticas contra a política indigenista do governo Lula foram reunidas em um documento lançado no final de março pelo Fórum em Defesa dos Direitos Indígenas (FDDI). "A saúde indígena é um escândalo. Milhões são gastos pela Funasa com seminários e reuniões, enquanto crianças indígenas morrem por subnutrição, a exemplo do que está acontecendo em Mato Grosso do Sul. As medidas emergenciais ora adotadas são paliativas. O problema requer a coordenação das ações de governo, hoje inexistente, e políticas públicas diferenciadas para os povos indígenas", diz o documento.

Entre as reclamações contidas no chamado Manifesto Indígena também está a demora nos processos de demarcação de terras indígenas. O documento propõe ainda a criação de um Conselho Nacional de Política Indigenista.

O FDDI é composto pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), pelo Conselho Indígena de Roraima (CIR), pela Associação Brasileira de Antropologia (ABA), pelo Instituto Socioambiental (ISA), pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), pelo Centro de Trabalho Indigenista (CTI) e pela Comissão Pró-Yanomami (CCPY).

Funasa vai investir R$ 4 milhões para levar água potável a três aldeias do Mato Grosso do Sul

A Fundação Nacional de Saúde (Funasa) vai destinar R$ 4,1 milhões para a implantação do sistema de abastecimento de água em três aldeias do Mato Grosso do Sul, onde vivem mais de 15 mil indígenas das tribos Bororó, Jaguapiru e Amambaí.

Essas aldeias foram selecionadas por serem muito populosas e estarem localizadas em pequenas áreas territoriais. Com a utilização de água potável, espera-se diminuir a incidência de doenças como diarréias e parasitoses. Para o coordenador regional da Funasa no estado, Gaspar Hickman, a iniciativa irá também reduzir as doenças associadas à desnutrição, já que muitas vezes os indígenas têm leite em pó, mas não dispõem de água potável para dissolvê-lo. Desde fevereiro, a Funasa já contabilizou 11 mortes de crianças indígenas no estado e várias delas estão relacionadas à desnutrição infantil.

A meta da Funasa é ampliar o abastecimento de água para todas as áreas indígenas do estado, atingindo 53 mil índios das 23 aldeias da região sul. A fundação afirma que o estudo topográfico já foi iniciado e, a partir dele, será dimensionada a necessidade de recursos para as licitações. Segundo Hickman, a colocação de sistemas de abastecimento de água nas aldeias é mais cara do que em áreas urbanas, em função da ocupação territorial. Ele diz que há casos em que é preciso colocar de seis a dez quilômetros de rede para abastecer uma residência.

O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) também anunciou a doação de US$ 100 mil em uma ação emergencial para combater a desnutrição de crianças indígenas da região de Dourados (MS). O programa distribuirá vitamina A e cestas básicas para as populações indígenas.

Com informações da Funasa.

Funasa e Unicef farão campanha para levar vitamina A e água potável a aldeias indígenas

O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) quer garantir acesso a água potável e vitamina A às aldeias dos municípios da região sul de Mato Grosso do Sul, para evitar que crianças indígenas morram por desnutrição e diarréia. Com este objetivo, lançará na quarta-feira (13), em parceria com a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), uma campanha nacional de arrecadação de recursos.

Pela primeira vez o Fundo realiza uma campanha voltada para grupos indígenas. A mobilização deverá durar no máximo um mês e, de acordo com o gestor de projetos do Fundo, Halim Antonio Girarde, auxiliará as ações emergenciais desenvolvidas nas aldeias Bororó e Jaguaripu, em Dourados, onde vivem mais de 11 mil índios – 62% dessas aldeias não têm acesso a água potável e o problema atinge ainda os municípios de Caarapó e Amambaí. "O Unicef está tentando contribuir para que não haja mais mortes, para que a sociedade brasileira ajude a não deixar que ocorram mais mortes. E uma das formas é oferecer água de qualidade", disse.

A Funasa e a Coordenação Geral do Programa de Alimentação e Nutrição do Ministério da Saúde, com apoio do Unicef, deverão oferecer vitamina A de emergência ainda neste mês para todas as crianças indígenas de seis meses até cinco anos de idade, também em outras áreas do País. A deficiência de vitamina A reduz a resistência das crianças às infecções e aumenta o risco de mortalidade.

De acordo com o diretor do Departamento de Saúde Indígena da Funasa, Alexandre Padilha, cerca de 9.562 crianças receberão vitamina A. "Será uma atividade permanente da Funasa e do Ministério da Saúde para essa população. O impacto da utilização dessa superdose da vitamina A será monitorado e esperamos com isso reduzir o número de óbitos por doenças associadas à desnutrição", acrescentou.

A morte de 18 crianças da etnia Guarani-Kaiowá entre janeiro e março, causada por doenças relacionas à desnutrição, fez a ação em Dourados ganhar status de crise humanitária emergencial, segundo o Unicef. O número de mortes nesses três meses é equivalente ao registrado durante todo ano de 2004.

Funasa confirma morte de mais duas crianças indígenas no Mato Grosso do Sul

A Fundação Nacional de Saúde confirmou a morte de duas crianças indígenas no Mato Grosso do Sul na última quinta-feira (17). Segundo o relatório oficial da Funasa, uma das crianças, de cinco meses de idade, morava em Amambai, a 420 km de Campo Grande. De acordo com a declaração de óbito, as causas do falecimento foram parada cardiorrespiratória, entero-infecção e desidratação. A segunda criança, de um ano e dois meses de idade, morava em Dourados, a 220 km da capital, e sua declaração de óbito registrou "como causa principal do óbito ‘desnutrição’ e como causa coadjuvante ‘desidratação’".

A criança de Amambai já havia sido internada com vômito e diarréia em fevereiro, estava se recuperando em casa, quando teve piora no quadro de saúde. Segundo o relatório da Funasa, ela foi levada ao Hospital Regional de Amambai por uma patrulha da Polícia Militar, mas não resistiu e chegou ao hospital já sem vida. A família do bebê mora na região desde o ano passado e a fundação não sabe a qual aldeia ela pertence, mas há informações de que a criança nasceu em Paranhos.

A segunda criança também já havia ficado internada no Hospital da Missão Caiuá no início de março. Mas, segundo informou a Funasa, "a pedido do pai, o médico Dr. Franklin Sayão concedeu alta hospitalar, mediante a assinatura pelo pai do Termo de Responsabilidade". A família morava na área rural da empresa "Mudas MS", em Dourados, e pertencia à aldeia de Caarapó.

Hospital que vai atender crianças guarani quer dar tratamento humanizado aos pacientes e familiares

A criança está doente e é internada, mas, no município onde mora, não há tratamento adequado. Os pais, assustados com a situação, acompanham-na, mas não têm dinheiro para comer nos restaurantes próximos do hospital e nem têm onde dormir, porque estão longe de casa. Para complicar, não falam direito o idioma dos médicos e enfermeiros que estão tratando seu filho, nem se vestem ou se comportam como eles – por isso, sentem que são tratados com desdém e preconceito.

Essa era a situação enfrentada até agora por pais de crianças guarani-kaiowá que são trazidas dos mais de 30 municípios de toda a região sul do Mato Grosso do Sul para tratamento médico em Dourados. A cidade, com cerca de 150 mil habitantes, é a segunda maior do estado, e um pólo regional reconhecido pelo Sistema Único de Saúde. A situação de emergência criada pelas recentes mortes de crianças indígenas internadas por problemas relacionados à desnutrição na cidade acelerou várias medidas destinadas a mudar esse quadro.

Desde 2003, vem sendo implantado o primeiro hospital totalmente público de Dourados, destinado a atender apenas pacientes do SUS, o Hospital Universitário de Dourados. Nesta segunda-feira, a Fundação Nacional de Saúde e a Prefeitura Municipal inauguraram a ala pediátrica da unidade, que inclui seis leitos de uma Unidade de Tratamento Intensivo para crianças – única em toda a região.

Segundo a diretora superintendente do hospital, Diraci Marques Ranzi, a obra custou R$ 26 milhões e receberá repasses mensais da prefeitura, estado e União no valor de R$ 1,2 milhão. Até abril, serão 104 leitos no HU, que, como conta Diraci, já está sendo implantado, desde o início, nos moldes da nova Política de Humanização do SUS, elaborada no Ministério da Saúde. "Estamos enfrentando as resistências da iniciativa privada na região, além dos profissionais que não acreditam nas inovações, mas os desafios são estimulantes", conta Diraci, que, antes de trabalhar no HU, era administradora de hospitais privados na região. "Nada mais justo que este hospital seja público e não repassado a uma entidade filantrópica, como queriam alguns. Afinal, os recursos para construí-lo foram todos público."

Entre as novidades que pretendem beneficiar não só os indígenas, mas toda a população da região, ela conta que haverá acomodações e refeições para os acompanhantes das crianças internadas. Além disso, a Funasa vai fornecer treinamento específico para os funcionários atenderem a população indígena, e um agente comunitário de saúde ficará permanentemente ali para atuar como intérprete – é comum, principalmente nas aldeias mais remotas, que as pessoas em geral, e principalmente as crianças, só falem o guarani.

Antropólogos ajudam governo a planejar soluções para os Guarani-Kaiowá de MS

Os antropólogos Rubem Thomaz de Almeida e Fábio Mura estão entre os maiores conhecedores no Brasil da cultura, da realidade e dos problemas enfrentados pelas comunidades Guarani kaiowá de Mato Grosso do Sul. Esta semana, a convite da Fundação Nacional do Índio (Funai), eles estiveram na capital federal para atuar como consultores dos diversos órgãos de governo que mantêm projetos junto a esses índios.

A repercussão na imprensa das recentes mortes de crianças kaiowá por desnutrição em Dourados (MS) levou o governo federal a intensificar suas ações na região. Há dois anos, Almeida e Mura já estão envolvidos num processo sistemático de levantamento das áreas originais de ocupação guarani e kaiowá no sul de MS, promovido pela Funai. Agora, auxiliam com sua experiência outros órgãos do governo, mas lembram que o problema fundamental a ser atacado é mesmo a falta de terras para os índios.

Almeida trabalha com os Guarani-Kaiowá desde os anos 70, quando, inspirado em projetos paraguaios de desenvolvimento local para comunidades indígenas, surgiu o PKN, Projeto Kaiowá Nhandeva, uma organização não-governamental que dava apoio a projetos de agricultura desses índios. Foi a partir das reuniões do PKN que as lideranças guarani-kaiowá e guarani-nhandeva passaram a se articular para a reação à perda de suas terras, que vinha se intensificando desde os anos 60, com a instalação da agricultura extensiva no sul de Mato Grosso do Sul.

Mura é italiano e também trabalha com os Guarani-Kaiowá desde 1991, em parceria com Almeida em diversos projetos. Os dois antropólogos são formados pelo Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atualmente, ambos também são professores na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul.

Leia a seguir a íntegra da entrevista, concedida nos estúdios da Rádio Nacional da Amazônia, em Brasília.

Agência Brasil – A mídia brasileira tem ecoado várias hipóteses sobre a origem do problema da desnutrição indígena em MS. Algumas chegam a aventar uma suposta "tradição cultural" dos guarani de descuidar-se das crianças, comer antes dos filhos, já que as cestas básicas do Fome Zero são levadas para lá desde 2003… O que está por trás dessa desnutrição, dessas mortes?

Rubem Thomaz de Almeida – Isso é bastante importante: dizer que os pais se alimentam antes dos filhos é totalmente desprovido de sentido. Para os Guarani, qualquer povo indígena, qualquer povo no mundo, a prioridade que se dá às crianças, aos filhotes, é muito importante.

O que está por trás dessa história da desnutrição é uma coisa histórica, é um fenômeno que está ocorrendo nos últimos 100 anos ou até mais, de espoliação da terra dos índios – enquanto os índios, por sua vez, tentam, num esforço bastante organizado, recuperar essas terras.

O que me parece mais importante de se levar em conta é a ausência de terra, porque é na terra que a gente pode plantar, e os guaranis são agricultores tradicionais, gostam muito da terra. Na medida em que eles não têm terra onde plantar, que a terra é retirada da mão deles por parte dos brancos, a colonização toma conta do estado, fica muito difícil para eles produzir seus alimentos, e as cestas básicas não estão dando conta do problema.

Agência Brasil – Como aconteceu essa perda de terras, essa expulsão dos Guarani da sua terra tradicional?

Fábio Mura – Podemos fazer uma retrospectiva. Atualmente, temos 35 mil guaranis, entre Kaiowá e Nhandeva, no Cone Sul do estado do Mato Grosso do Sul. Esses 35 mil têm uma posse, neste momento, de aproximadamente, somados todos os pedacinhos, 40 mil hectares.

Se consideramos que o Cone Sul de MS era todo território tradicional deles, com uma superfície de aproximadamente 3 milhões e meio de hectares, podemos perceber claramente a desproporção. Houve um processo lento de expulsão dessa população, e progressivamente esses índios foram sendo conduzidos para dentro de reservas.

O governo, por meio do órgão indigenista da época, que era o Serviço de Proteção do Índio (SPI), instituiu oito reservas na região entre 1915 e 1928. Só que, até a década de 70, existia muita floresta ainda. Os índios continuavam sem querer se assentar, mantendo o modo tradicional de ocupar o espaço.

Depois dos anos 70 é que nós temos um inchaço dessas reservas, justamente porque se desmata tudo na região, se destrói a situação local, criando outra extremamente negativa. As famílias que antes viviam pelas florestas se vêem obrigadas a ir para dentro dessas reservas demarcadas pelo SPI.

Isso criou situações como as que vemos agora: famílias inimigas colocadas sem critérios dentro das reservas, resultanto em situações hierárquicas, exclusão social etc. Um dos seus efeitos é o que estamos vendo ultimamente, a desnutrição das crianças.

Agência Brasil – Apesar de todas essas mortes, a população indígena tem crescido no país e mesmo lá na região, não?

Rubem Thomaz de Almeida – Sem dúvida, não só crescido, como tem uma organização social, política, econômica, absolutamente especifica. Quanto mais próximos do branco, mais eles querem mostrar que são diferenciados, insistem nisso. De fato, imaginava-se nesses últimos 100 anos, que os índios iam desaparecer, então toda política, todo tratamento dado aos índios foi como se eles fossem desaparecer. Isso, absolutamente, não é verdadeiro, muito pelo contrário.

Esses índios têm aí pelo menos 3 mil anos, e eu tenho absoluta segurança de que vão continuar mais 3 mil anos como Guarani Kaiowá, Guarani Nhandeva, e vão manter a sua identidade étnica. Há um esforço notável deles de manter a identidade étnica, isto é, manter-se como índios, apesar dos pesares, apesar do que acontece com eles.

Agência Brasil – Como está a organização dos Guarani e Kaiowá? Tem avançado, como em outras partes do Brasil?

Fábio Mura – Não só avançou como está cada vez mais, digamos, volumosa. Tem uma especificidade sobre os Guarani, eles têm uma organização que não é centralizada, não há alguém na frente das estratégias. Cada comunidade local se organiza politicamente, a luta desse povo não é simplesmente uma luta política, é uma luta político-religiosa para recuperar a terra.

Não se trata de recuperar simplesmente um espaço onde se podem desenvolver atividades econômicas. Para eles, recuperar a terra significa poder manter o equilíbrio no mundo. Não só o mundo para eles, o mundo para nós também.

Há convergências entre as várias comunidades, que criam todo um fermento. Está muito enganado quem pensa que tem alguém manipulando, tem alguém que está induzindo, tem algum índio espertalhão que consegue a terra para depois poder negociar com o fazendeiro, isso é absolutamente desprovido de sentido. Todas essas comunidades que estão em luta são guiadas por xamãs, pessoas de grande respeito, isso tem que ser levado em conta.

Agência Brasil – De onde surge essa mobilização?

Rubem Thomaz de Almeida – Trata-se de um movimento político, uma tentativa de que o Estado os reconheça como população indígena, trata-se de algo absolutamente legítimo. A gente ouve lá na região que eles estão seguindo o MST (Movimento dos Sem Terra), como se o movimento deles fosse instigado.

Absolutamente não: é algo realmente legítimo e me parece que tem dado conta do problema. Eles têm conseguido grandes avanços e, nos últimos 30 anos pelo menos, mais de 20 áreas foram conquistadas, apesar de não estarem regularizadas. Isso mostra como eles são organizados, como eles pensam, como eles conseguem, portanto, avançar na sua tentativa de recuperação de terras que foram perdidas para as fazendas.