Em carta, bispo diz que continuará a lutar contra a transposição do São Francisco

Depois de 24 dias em greve de fome, o bispo de Barra (BA), dom Luiz Flávio Cappio encerrou seu jejum. O anúncio foi feito por meio de uma carta, lida ao fim da missa das 20 horas na cidade de Juazeiro (BA) por Adriano dos Santos Martins, da Coordenadoria Ecumênica de Serviços (Cese).

Leia abaixo a íntegra da carta do bispo dom Luiz Flávio Cappio:

Sobradinho, 20 de dezembro de 2007
Advento do Senhor

Aos meus irmãos e irmãs do São Francisco, do Nordeste e do Brasil

Paz e Bem!

“Fortalecei as mãos enfraquecidas e firmai os joelhos debilitados. Dizei às pessoas deprimidas: ‘Criai ânimo, não tenhais medo! Vede, é vosso Deus, é a vingança que vem, é a recompensa de Deus: é Ele que vem para nos salvar’. Então se abrirão os olhos dos cegos e se descerrarão os ouvidos dos surdos. O coxo saltará como um cervo e se desatará a língua dos mudos”. (Isaías 35, 3-6)

No dia de ontem completei 36 anos de sacerdócio – 36 anos a serviço dos favelados de Petrópolis (RJ), dos trabalhadores da periferia de São Paulo e do povo dos sertões sem-fim do nordeste brasileiro. Ontem, vimos com desalento os poderosos festejarem a demonstração de subserviência do Judiciário. Ontem, quando minhas forças faltaram, recebi o socorro dos que me acompanham nesses longos e sofridos dias.

Mas nossa luta continua e está firmada no fundamento que a tudo sustenta: a fé no Deus da vida e na ação organizada dos pobres. Nossa luta maior é garantir a vida do rio São Francisco e de seu povo, garantir acesso à água e ao verdadeiro desenvolvimento para o conjunto das populações de todo o semi-árido, não só uma parte dele. Isso vale uma vida e sou feliz por me dedicar a esta causa, como parte de minha entrega ao Deus da Vida, à Água Viva que é Jesus e que se dá àqueles que vivem massacrados pelas estruturas que geram a opressão e a morte.

Uma de nossas grandes alegrias neste período foi ter visto o povo se levantando e reacendendo em seu coração a consciência da força da união, crianças e jovens cantando cantos de esperança e gritos de ordem com braços erguidos e olhos mirando o futuro que almejamos para o nosso Brasil querido. Um futuro onde todos, todos sem exceção de ninguém, tenham pão para comer, água para beber, terra para trabalhar, dignidade e cidadania.

Recebi com amor e respeito a solidariedade de cada um, próximo ou distante. Recebi com alegria a solidariedade de meus irmãos bispos, padres e pastores, que manifestaram de forma tão fraterna a sua compreensão sobre a gravidade do momento que vivemos. Através do seu posicionamento corajoso, a CNBB nos devolveu a esperança de vê-la voltar a ser o que sempre foi em seus tempos áureos: fiel a Jesus e seu Evangelho, uma instituição voltada às grandes causas do Brasil e do seu povo e com uma postura clara e determinada na defesa da dignidade da pessoa humana e de seus direitos inalienáveis, principalmente se posicionando do lado dos pobres e marginalizados desse país.

Ouvi com profundo respeito o apelo de meus familiares, amigos e das irmãs e irmãos de luta que me acompanham e que sempre me quiseram vivo e lutando pela vida. Lutando contra a destruição de nossa biodiversidade, de nossos rios, de nossa gente e contra a arrogância dos que querem transformar tudo em mercadoria e moeda de troca. Neste grande mutirão formado a partir de Sobradinho, vivemos um momento ímpar de intensa comunhão e exercício de solidariedade.

Depois desses 24 dias encerro meu jejum, mas não a minha luta que é também de vocês, que é nossa. Precisamos ampliar o debate, espalhar a informação verdadeira, fazer crescer nossa mobilização. Até derrotarmos este projeto de morte e conquistarmos o verdadeiro desenvolvimento para o semi-árido e o São Francisco. É por vocês, que lutaram comigo e trilham o mesmo caminho que eu encerro meu jejum. Sei que conto com vocês e vocês contam comigo para continuarmos nossa batalha para que “todos tenham vida e tenham vida em abundância”.

Dom Luiz Flavio Cappio

Romaria na Bahia reúne cerca de 5 mil pessoas em solidariedade a bispo

Um ato ecumênico em apoio ao bispo da Diocese de Barra (BA), Dom Luiz Flávio Cappio, está sendo realizado hoje (9) em Sobradinho, na Bahia. O bispo entrou no 13º dia de greve de fome contra o projeto de transposição do Rio São Francisco.

Caravanas de Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia participam do ato. A Comissão Pastoral da Terra calcula que 5 mil pessoas participem do movimento.

Os manifestantes são contra a transposição do Rio São Francisco porque acreditam que o projeto causará danos ambientais irreversíveis, além de beneficiar apenas a população com maior poder aquisitivo. O medo é de que ribeirinhos e cidadãos que dependem do rio para a sobrevivência percam sua fonte de renda.

Para Ruben Siqueira, representante da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o governo federal não representa a população mais carente e governa apenas para “o grande capital, maltratando as questões populares”.

“Não é concentrando água na mão do grande capital que se vai desenvolver o semi-árido. Não é impondo mais um uso sobre todos os outros que se vai salvar o São Francisco, mas sim levá-lo mais rapidamente à morte”, afirmou.

Siqueira informou que apesar de estar ingerindo apenas soro caseiro, o estado de saúde de Dom Cappio é bom. O líquido é utilizado deste o 9º dia de greve de fome, seguindo orientações médicas. “Ele se preparou muito bem para essa luta”, acrescentou.

Esta é a segunda vez em dois anos que o bispo deixa de se alimentar pela mesma causa. A greve de fome anterior durou 11 dias e foi encerrada após um acordo com o governo federal.

O Projeto de Integração do Rio São Francisco às Bacias do Nordeste Setentrional pode atingir cerca de 12 milhões de habitantes da região mais árida do Brasil. As obras dos primeiros trechos começaram em junho deste ano e estão sendo executadas pelo Batalhão de Engenharia do Exército. 

Pastoral diz que obras de transposição não foram paralisadas e cobra postura firme da Igreja

O representante da Comissão Pastoral da Terra (CPT) na Bahia e coordenador da articulação popular pela revitalização do São Francisco, Rubens Siqueira, disse hoje (12) à Agência Brasil que a manutenção da greve de fome do bispo de Barra, na Bahia, dom Luiz Flávio Cappio, é compreensível diante da falta de garantias quanto à paralisação das obras de transposição do rio.

“Dom Luiz está na expectativa dos desdobramentos da liminar. Até agora, um dia e meio depois da decisão [liminar concedida pelo desembargador Antônio Souza Prudente, Tribunal Regional Federal da 1ª Região], ela não foi cumprida. A notícia que temos é que continuam as obras e, inclusive, foi reforçado o efetivo de soldados na região”, argumentou Siqueira.

Segundo o coordenador da pastoral, ao anunciar a intenção de recorrer da liminar, o governo federal sinalizou que não pretende atender às reivindicações do bispo e de movimentos populares que apóiam o protesto. Siqueira se mostrou preocupado com o estado de saúde de dom Cappio.

“Sabemos da determinação, da clareza e da lucidez com que ele está fazendo esse embate, com a intenção de ir até o fim. A preocupação é pelo pior”.

Na avaliação da CPT, a Igreja Católica deveria adotar uma posição mais firme, e se mostrar contrária à forma como se conduz o projeto da transposição do São Francisco.

“A igreja está muito reticente e duvidosa. Mesmo que ela não se pronuncie a respeito do jejum, não há dúvida de que deveria ser mais crítica diante de uma postura totalitária do governo frente à decisão judicial. Há um amordaçamento geral não só na igreja, mas na própria sociedade. Estamos em uma ditadura branca e até agora ninguém colocou o dedo na ferida”, afirmou Siqueira.

Enquanto dirigentes da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) pediram hoje (12) ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva a retomada de estudos sobre a transposição do Rio São Francisco, o representante da CPT afirmou que o projeto não está sendo bem explicado para a população local.

“A verdade do projeto não se discute, se esconde, pois se for revelada, o povo potencialmente beneficiário vai ser contra,  porque vai  pagar a conta da água usada nos grandes empreendimentos.”

Para Siqueira, a transposição proposta favorece apenas criações de camarão e fruticultura irrigada, não tendo como prioridade a água para consumo humano ou para melhorar a condição de produção dos sertanejos. O melhor caminho, segundo ele, seria a exploração sustentável das terras, do clima, da energia solar e da água para o desenvolvimento do semi-árido.

Bispo diz que mantém greve de fome, mesmo com liminar que suspende transposição

A liminar que suspende as obras do Projeto de Integração do Rio São Francisco não foi suficiente para interromper a greve de fome do bispo de Barra (BA), dom Luiz Flávio Cappio, que teve início no dia 27 de novembro e hoje (12) completa 16 dias.

"A liminar pode, de repente, ser suspensa. Então nós queremos uma decisão mais segura, uma decisão mais permanente, para que a gente possa, então, deixar o jejum", afirmou o bispo hoje em entrevista à Rádio Nacional. A liminar, concedida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, acata recurso do Ministério Público Federal (MPF).

Apesar de ressaltar que a liminar foi "um grande passo", o bispo disse que só terminará com a greve de fome quando a obra for, de fato, paralisada.  "Na hora em que pararem as obras, que a liminar se confirmar e o exército sair do eixo norte e do eixo leste da transposição, eu também estarei saindo daqui", destacou.

Esta é a segunda vez que o bispo entra em greve de fome em protesto contra as obras de transposição do Rio São Francisco. Em 2005,  dom Cappio ficou 11 dias sem comer e só terminou a greve depois que o governo se comprometeu a promover uma discussão nacional sobre o projeto e dar atenção especial aos impactos ecológicos e à situação das populações ribeirinhas.

"Nesses dois últimos anos, as nossas tentativas de fazer acontecer o acordo não tiveram sucesso. O governo se fez surdo a todas as iniciativas de diálogo, que foi assumido. E, como resposta, o que aconteceu? O início das obras utilizando o Exército Brasileiro. Isso nos deixou muito indignado", afirmou o bispo.

A Secretaria de Saúde do Estado da Bahia anunciou algumas medidas para garantir o pronto-atendimento de dom Luiz Flávio Cappio, caso seja necessário. Entre as ações, acertadas por representantes da secretaria estadual e da secretaria municipal de Sobradinho (onde o bispo se encontra), está a reserva de um leito de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) na cidade baiana de Juazeiro. Além disso, será garantida assistência do Serviço de Atendimento Médico de Urgência (Samu) e reforço de medicamentos ao hospital de Sobradinho.