Relatório [R]evolução Energética vê luz no fim do túnel do aquecimento global

No dia em que o IPCC divulga em Paris os dados que reforçam a preocupação geral em relação ao aquecimento global e os efeitos das mudanças climáticas em todo o mundo, apresentamos o relatório [R]evolução Energética (baixe o relatório disponibilizado pelo Greenpeace) – Brasil, um guia prático que mostra a viabilidade de se ter uma matriz energética limpa baseada em fontes renováveis – ventos, sol e biomassa – sem comprometer o crescimento econômico do país e contribuir para piorar o efeito estufa.

Nossa conclusão é que o país pode crescer até 2050 impulsionado por fontes renováveis de energia e eliminar as fontes sujas – petróleo, carvão e nuclear . Para isso, é preciso uma estruturação do setor em torno da conservação de energia e políticas públicas de apoio a energias renováveis.

Os dados do relatório integram o capítulo brasileiro de um estudo global encomendado pelo Greenpeace e pela Comissão Européia de Energia Renovável (Erec) ao Centro Aeroespacial da Alemanha (DLR), um dos mais conceituados institutos de pesquisa na área de cenários energéticos.

No Brasil, a parceria foi com o GEPEA (Grupo de Engenharia de Energia e Automação de Elétricas da Escola Politécnica da USP) para projetar os cenários de geração de eletricidade no Brasil. Por meio de um software, o relatório [R]evolução Energética apresenta cenários futuros para a geração e distribuição de eletricidade no país até 2050, com base em avaliações de aumento populacional, crescimento do PIB e fontes e tecnologias de energia disponíveis.

E não ficamos apenas no discurso. Durante o lançamento do relatório [r]evolução energética, inauguramos 40 painéis solares fotovoltaicos na sede da organização em São Paulo que captam a luz do sol e geram 2.800 watts. O sistema foi conectado à rede pública de energia e a ela repassará o excedente de energia gerado – o que não é permitido por lei. Praticamente, fizemos um ‘gato’ ao contrário: em vez de roubar energia do sistema público de energia, estamos devolvendo energia à rede.

A instalação deve suprir até 50% da demanda diária de eletricidade do escritório do Greenpeace.

“Decidimos praticar este ato de desobediência civil para questionar o atual modelo de geração e distribuição de eletricidade”, explica Marcelo Furtado, diretor de campanhas do Greenpeace. “Em linha com a revolução energética que estamos propondo, acreditamos na descentralização da geração de energia e na criação, por meio de políticas públicas consistentes, e de um mercado de energias renováveis como eólica, biomassa, solar e pequenas centrais hidrelétricas, acessível ao consumidor final. Também vamos aplicar medidas de eficiência energética em nossa sede para demonstrar as vantagens econômicas da sustentabilidade”, afirma Furtado.

Mudanças Climáticas: agir é mais que necessário, é urgente

O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) confirmou hoje há 90% de certeza de que o homem é o responsável pelas mudanças do clima no planeta. O relatório estima que as temperaturas devem aumentar entre 1,8 e 4,0 graus ainda neste século. Para garantir a qualidade de vida atual, é preciso que o aumento da temperatura média do planeta não ultrapasse 2º C em relação aos níveis pré-industriais, na metade do século XIX. Por isso, é fundamental que todos tomem consciência do problema e façam sua parte!

De acordo com o estudo Planeta Vivo, feito pela rede WWF, a média anual per capita de emissão de CO2 para cada brasileiro é de 1,8 tonelada do gás, caso as emissões provocadas pelo desmatamento de nossas florestas forem desconsideradas. Entretanto, quando o desmatamento é incluído nesse cálculo o Brasil passa a ser o quarto maior poluidor do planeta. Os gases das queimadas oriundas do desmatamento são responsáveis por 75% de todas as emissões nacionais.

“Mas não podemos deixar de lembrar que cada um precisa fazer sua parte para combater o aumento de temperatura do planeta”, recomenda Denise Hamú, secretária-geral do WWF-Brasil. Dentro de uma série de atitudes que as pessoas podem tomar para reduzir sua responsabilidade nas mudanças climáticas, estão a compra de eletrodomésticos que consomem menos energia, adoção de aquecimento solar de água ou ainda plantar pelo menos três árvores por ano.

Segundo o relatório do IPCC, os efeitos das mudanças climáticas já estão sendo sentidos no mundo. O documento afirma que houve um aumento significativo das chuvas no Brasil e outras partes da América do Sul. Secas mais longas e mais intensas foram observadas em grandes áreas, particularmente na região dos trópicos. Sobre as previsões, há confirmação da probabilidade de os eventos climáticos extremos como ondas de calor, secas e furacões se tornarem cada vez mais freqüentes. Outra previsão é o derretimento do Pólo Norte até 2100. Isso implicaria em um aumento de 59 centímetros no nível dos oceanos.

A próxima conferência do clima das Nações Unidas será em Bali, em dezembro deste ano. “Com estes novos dados, se torna imprescindível que os governos cheguem a logo um acordo sobre a próxima fase do Protocolo de Quioto, pós-2012.”, afirma Karen Suassuna, técnica em Mudanças Climáticas do WWF-Brasil. Mas, antes disso, a sociedade brasileira deve discutir qual será a contribuição nacional para o próximo período de compromisso. “É preciso investir em energias renováveis não convencionais e eficiência energética e estabelecer metas claras para a redução do desmatamento”, completa. A contribuição dos países desenvolvidos também deve aumentar. É necessário que todos reduzam suas emissões em 30% até 2020.

O IPCC é vinculado às Nações Unidas e foi criado em 1988 com o objetivo de avaliar as informações científicas, técnicas e socioeconômicas relevantes para a compreensão da mudança do clima, seus impactos e as opções para mitigação e adaptação. A cada cinco anos, o IPCC lança um relatório baseado na revisão de pesquisas de mais de 2500 cientistas de todo o mundo.

O Painel tem três grupos de trabalho:
• O grupo de trabalho I avalia os aspectos científicos do sistema do clima e da mudança do clima.
• O grupo de trabalho II avalia a vulnerabilidade socioeconômica e dos sistemas naturais em conseqüências da mudança do clima e as opções para se adaptar.
• O grupo de trabalho III avalia opções para limitar emissões de gás da estufa e outras maneiras de acabar com a mudança do clima.

O primeiro relatório foi lançado em 1990, o segundo em 1995 e o terceiro em 2001. O quarto será concluído em 2007 e divulgado de acordo com a seguinte programação:

– Grupo I, em Paris, 2 de fevereiro

– Grupo II, em Bruxelas, 6 de abril

– Grupo III, em Bangkok, 4 de maio

– Síntese, em  Valença, 16 de novembro

Energia para crescer, sim. Angra 3, não.

Artigo publicado em 24/01/2007 no jornal Correio Braziliense por Rebeca Lerer, coordenadora da Campanha Energia/Clima do Greenpeace Brasil

Sim, o Brasil deve investir em geração, diversificar sua matriz energética e descentralizar a geração de energia para que a economia continue crescendo. Indiscutível. Porém, quando a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), órgão vinculado ao Ministério de Minas e Energia, recomenda investimentos em tecnologias sujas e ultrapassadas como nuclear e carvão, ou diversos setores do governo Lula parecem dispostos a ressuscitar o Programa Nuclear Brasileiro sob a fachada do risco de um novo apagão, estamos dando um passo de volta aos anos 70 em vez de olhar para frente e apostar em políticas públicas que podem, efetivamente, garantir a sustentabilidade e a segurança energética do país.

O sentimento de que o Brasil está na contramão do resto do mundo é reforçado quando vemos Angra 3 na pauta da próxima reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), marcada para o dia 30 de janeiro em Brasília. Enquanto isso, a União Européia se compromete a aumentar a participação de fontes renováveis de energia na sua matriz em 20% até 2020.

O planejamento energético de médio prazo é, geralmente, elaborado com base em dados de crescimento do PIB e de população. Esta é a lógica usada pela Agência Internacional de Energia, que subsidia os estudos da EPE. A pedido do Greenpeace, pesquisadores da Escola Politécnica da USP elaboraram cenários de geração e consumo de energia elétrica no Brasil para 2010. Os resultados indicam que a geração elétrica será de 466 TW/h e o consumo de 429TW/h, baseados em um crescimento do PIB da ordem de 3,5% ao ano. Para suprir esta demanda de eletricidade, o estudo conclui que o potencial hídrico, de biomassa e eólico do país é suficiente para abastecer o mercado, sem a necessidade de construir Angra 3. Esses e outros dados farão parte de um relatório a ser lançado este mês pelo Greenpeace traçando cenários elétricos para o Brasil até 2050.

Além de desnecessária, a opção nuclear para gerar energia é a mais dispendiosa de todas. As usinas Angra 1 e 2 custaram mais de R$ 20 bilhões. Já o investimento necessário para construir Angra 3 pode chegar a R$ 7 bilhões para gerar apenas 1350 MW. Com este volume de recursos, poderia ser criado um parque eólico com o dobro da potência, sem produzir lixo radioativo, sem o risco de acidentes nucleares e gerando 32 vezes mais empregos.

Defensores da energia nuclear alegam ainda que o aumento no preço da geração hidrelétrica está tornando a opção atômica mais competitiva no Brasil. Não por coincidência, são os mesmos setores que alegam não ser economicamente viável investir em tecnologias renováveis, pois lhes falta escala. É complicado falar em preços reais da energia nuclear, que sobrevive graças a generosos subsídios governamentais – não só no Brasil, como em todo mundo. Um estudo de maio de 2005 do Massachussets Institute of Technology (MIT) afirmou que a energia nuclear não é competitiva sem subsídios. No cálculo atômico, também não entram os custos com destinação de resíduos radioativos nem despesas com o descomissionamento de antigas instalações nucleares. Portanto, só é possível comparar os custos e vantagens das tecnologias renováveis e nuclear considerando-se o ciclo de vida das usinas e o montante de subsídios envolvidos.

E, por falar em custos, mesmo entre os defensores das energias sujas existe o consenso de que a forma mais barata de gerar energia é justamente economizando energia. Um bom exemplo dos benefícios de investir em eficiência energética é o Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (Procel), do governo federal. Ao longo de 20 anos e com recursos da ordem de R$ 850 milhões, o Procel conseguiu economizar o equivalente à capacidade de geração de uma usina de 5124 MW, ou quase quatro vezes o potencial de Angra 3.

Para concluir, vale lembrar que, apenas em 2006, o mercado global de energias renováveis como solar e eólica movimentou US$ 38 bilhões, 26% a mais que no ano anterior e gerou milhares de empregos. Este não é um clube exclusivo dos países ricos; conta também com gigantes em desenvolvimento como China e Índia. O Brasil, ao olhar para trás, pode perder, mais uma vez, o bonde do desenvolvimento sustentável.

Grandes corporações discutirão em Davos as mudanças climáticas do planeta

As alterações climáticas mundiais serão um dos principais temas na pauta do Fórum Econômico Mundial 2007, que começa hoje (24) na cidade suíça de Davos. O encontro, que acontece desde 1971, reunirá até o próximo domingo (28) cerca de 2,4 mil líderes globais – a maioria, executivos de grandes corporações.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva será o único presidente sul-americano em Davos, ao lado de outros 23 chefes de estado ou de governo. Estrelas internacionais como os músicos Bono Vox e Peter Gabriel e o escritor brasileiro Paulo Coelho também confirmaram presença.

Desde o início do Fórum Social Mundial, em 2001, na cidade de Porto Alegre, o Fórum Econômico Mundial tenta incorporar pautas da sociedade civil. Ambos discutem, agora, os efeitos nocivos na emissão de gases de efeito estufa, a diminuição nos níveis de água potável, catástrofes naturais, doenças infecciosas no mundo em desenvolvimento, guerras civis, corrupção, crimes transnacionais e globalização. A diferença está no foco da discussão.

“A perspectiva do Fórum Econômico é a perspectiva do setor privado. É claro que é convergente e consistente com o processo de globalização e de abertura de mercados, enquanto o Fórum Social discute os efeitos da globalização sobre a sociedade. São duas faces da mesma moeda”, resume o cientista político Ricardo Caldas, professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília.

O coordenador do Curso de Diplomacia Econômica da Unicamp, Mário Ferreira Presser, destaca que, durante muitos anos, o Fórum Econômico Mundial destinava-se a festejar “efeitos positivos” da globalização. Hoje, Davos é uma arena de debates dos problemas da globalização.

“Especialmente depois das crises financeiras muito agudas dos anos 90, esse entusiasmo com a globalização passou a ser moderado por uma preocupação com alguns aspectos não resolvidos, como a pobreza na África, com problemas políticos, como a segurança energética, e com questões geopolíticas, como o terrorismo e os conflitos no Afeganistão e no Iraque”, explica.

Muitos ainda são céticos quanto às preocupações sociais das grandes corporações. “Infelizmente não conseguimos, ainda, uma correlação de forças onde esse discurso seja mais do que retórica. As estatísticas todos os anos da ONU [Organização das Nações Unidas] e do próprio Banco Mundial têm revelado que o verdadeiro abismo que existe entre o mundo rico e o mundo pobre se amplia”, diz Antonio Martins, integrante do Conselho Internacional do Fórum Social Mundial e membro do Attac-Brasil.

As cerca de mil empresas representadas no fórum de Davos totalizam receitas conjuntas de cerca de US$ 10 trilhões – praticamente um quarto do PIB mundial.

Estudo traça cenário de mudanças climáticas no Brasil para os próximos 50 anos

O Brasil sofrerá sérias mudanças climáticas nos próximos 50 anos, se não forem tomadas medidas de preservação do meio ambiente, como a redução dos índices de desmatamento e de liberação de gases causadores do efeito estufa.É o que aponta o estudo "Cenário climático futuro: avaliações e considerações para a tomada de decisões", coordenado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O trabalho foi financiado pelo Ministério do Meio Ambiente e teve apoio do Banco Mundial.

O estudo leva em conta dois cenários: um pessimista e outro otimista. No primeiro, estima-se que o desmatamento e a poluição continuem na proporção em que ocorrem atualmente e que o Protocolo de Quioto não seja seguido. Nesse caso, nos próximos 50 anos, a temperatura na Amazônia poderia sofrer aquecimento entre 6 e 8 graus e redução da chuva em 20%.

O cenário otimista considera uma sociedade ecologicamente correta, onde seriam reduzidas a poluição e o desmatamento e seguido o Protocolo de Quioto. O aumento de temperatura na região amazônica não seria evitado, porém seria menor, entre 4 e 5 graus e a redução das chuvas ficaria entre 10% e 15%.

O Nordeste seria outra região gravemente afetada. De acordo com o estudo, o clima da região pode passar de semi-árido para árido, que se assemelha ao clima de deserto, sem chuvas. A alteração teria, inclusive, conseqüências sociais, como a migração da população local, aponta o estudo. Em outras regiões, como a Sul, deve haver mudanças na distribuição das chuvas durante o ano, o que pode resultar em problemas para a agricultura.

De acordo com o coordenador do estudo, José Antônio Marengo, para amenizar o cenário futuro, é preciso evitar a queimada de biomassas, reduzir o desmatamento e oferecer incentivos governamentais para as empresas que poluem menos. Segundo Marengo, que é pesquisador do Inpe, a população também pode colaborar usando menos os veículos e consumindo menos água. .

Marengo alerta que, apesar das pessoas se adaptarem às temperaturas, que vêm sofrendo um processo de aumento contínuo há cerca de 50 anos, as crianças e os idosos são os mais afetados pelas alterações. “Os idosos podem ter infartos ou desidratação, podendo chegar à morte”, afirma.

As análises traçadas pelo estudo, que segue para a segunda etapa, servirão para subsidiar políticas ambientais de enfrentamento à situação. “O estudo quer saber também quanto vai custar a mudança climática no Brasil. É o primeiro estudo efetivo que vai organizar o cenário climático de todo o país”, afirma o pesquisador.

Pesquisador critica audiências antes de estudos sobre hidrelétricas no Rio Madeira

Brasília – Estão marcadas para hoje (29) e amanhã (30) audiências públicas nos municípios de Abunã e Mutum-Paraná (RO) para discutir a construção de duas usinas hidrelétricas no Rio Madeira. O projeto é questionado por pesquisadores da região. Entre eles, o professor da Universidade Federal de Rondônia, especializado em planejamento energético, Artur Moret.

Segundo Moret, as audiências ocorrem de forma precipitada, sem que tenham sido realizados estudos completos sobre o impacto das hidrelétricas no meio ambiente. O pesquisador diz que falta avaliar o impacto do empreendimento em toda a extensão da bacia do Rio Madeira, que é de 1,4 milhão de quilômetros.

Somente 260 quilômetros, nas proximidades de Porto Velho, teriam sido avaliados. Estudos feitos pelo próprios empreendedores do complexo hidrelétrico (Furnas e Odebrecht) foram enviados ao Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

“A obra é importante na perspectiva da energia. Mas não tem como a sociedade tomar uma decisão a respeito dessa obra se você não tem todas as informações e parâmetros para analisar”, afirma o professor da Universidade Federal de Rondônia.

De acordo com Moret, além de poder gerar problemas no abastecimento de água na capital de Rondônia, Porto Velho, há uma preocupação de que o empreendimento cause inundação em parte do território boliviano.

Entretanto, segundo o Ministério das Relações Exteriores, não há motivo de preocupação porque todas as informações sobre a obra serão repassadas à Bolívia.

Entre os dias 10 e 11 de novembro, foram realizadas audiências públicas sobre as obras nas cidades de Porto Velho e de Jaci Paraná. A previsão é que as usinas hidrelétricas tenham capacidade de gerar 6,4 mil megawatts de energia.

De volta, as velhas assombrações

Dizia o grande escritor Pedro Nava – tantas vezes citado aqui – que a experiência é como o farol de um automóvel virado para trás: ilumina o trajeto percorrido, mas não aclara o futuro. A cada dia, a realidade se encarrega de mostrar com que freqüência ele está certo. Neste momento mesmo, três megaprojetos brasileiros são a evidência disso: transposição das águas do Rio São Francisco, usina nuclear Angra 3 e grandes hidrelétricas na Amazônia – todos às voltas com complicados processos no Judiciário, além de contundentes questionamentos que emergem de vários pontos. São uma espécie de assombrações que ressurgem no panorama brasileiro de tempos em tempos, como se os questionamentos houvessem sido afastados, mas exibindo a um olhar mais atento as mesmas feridas.

Mais uma vez, anuncia-se que o governo federal, paralisado por 12 ações em tramitação na Justiça, agora vai lançar um edital de licitação "só para os projetos executivos" da transposição, e não para as obras dos dois canais (622 quilômetros ao todo), 35 reservatórios, 5 estações de bombeamento, 5 aquedutos, orçadas em R$ 4,5 bilhões. Parece esquecido da experiência de ver o projeto fulminado ao longo dos anos por tantas demonstrações de sua inadequação. A começar por um parecer demolidor do Tribunal de Contas da União (TCU), ainda no governo Fernando Henrique.

Pois agora outro parecer do mesmo TCU mostra que não serão 12 milhões de pessoas beneficiadas, "às quais se levará uma caneca dágua", como alardeia o Ministério da Integração, e sim alguns milhões menos; que o custo previsto de R$ 4,5 bilhões desconsidera o investimento necessário em redes de captação, tratamento e distribuição da água; que, se a transposição estivesse feita hoje, apenas 22% dos municípios previstos teriam condições de usar a água; que as tarifas de água encarecerão. Pior que tudo, que nos Estados receptores as perdas de água nas redes públicas são imensas: 55,7% em Pernambuco, 49% no Rio Grande do Norte, 66,6% no Ceará, 40% na Paraíba. Confirmando o que tantos especialistas têm dito: o problema na região não é de escassez de água, é de má gestão. Mas quem pagará os R$ 466 milhões já gastos com o projeto nos últimos dois anos (Folha de S.Paulo, 7/11) ou os R$ 90 milhões que se pretende gastar com os projetos executivos (Valor Econômico, 6/11), se as obras não forem licenciadas?

Já o projeto de Angra 3, que teve o processo de licenciamento ambiental suspenso pela Justiça Federal – porque não tem leis federais que autorizem a construção e determinem o local da usina, exigidas pela Constituição -, parece agora estar acompanhado de outras assombrações, os projetos de mais algumas usinas do mesmo tipo, planejadas pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. Continuam de pé e sem resposta todos os questionamentos: é uma energia mais cara que as outras; o risco de acidentes é alto; não há destinação para o lixo nuclear; 82% dos brasileiros são contra (pesquisa do Iser para o Ministério do Meio Ambiente). Mas quem ouve vozes como a de Mikhail Gorbachev, ao manifestar-se contra a energia nuclear ("Eu sei do que estou falando, tive que enfrentar o custo da explosão do reator de Chernobyl")?

Também as velhas assombrações das megahidrelétricas dos Rios Xingu e Madeira voltam à pauta, todas questionadas na Justiça. As do Madeira, agora confrontadas também pela Bolívia, já que parte da bacia está em seu território. As do Xingu, com as demonstrações de que sua produção cairá brutalmente durante a seca e só se viabilizará por completo com outras usinas rio acima, para "regularizar" o curso do rio – tudo com graves custos sociais e ambientais. E, no caso do Rio Madeira, com perguntas sem resposta, como a de quanto custarão as linhas de transmissão (fala-se em mais R$ 20 bilhões), pois não haverá consumo para toda a energia nas áreas próximas.

De que adiantam estudos como os da Unicamp/WWF, mostrando que o País pode economizar até 30% de seu consumo de energia, com um programa de eficiência e conservação? Que pode economizar ainda mais, e a custo muito menor, se fizer repotenciação de usinas antigas? Ou a demonstração de que os Estados Unidos, entre 1973 (segundo choque do petróleo) e 1988, viram seu produto bruto crescer quase 40% sem aumentar um só kilowatt no consumo, com programas de conservação, eficiência, substituição de equipamentos obsoletos?

Seguimos aferrados à tese de que sem essas megaobras não haverá crescimento econômico, correremos risco de "apagões" – esquecendo-nos de que investimentos economizados numa área podem deslocar-se para outras carentes (educação, saúde); que o "crescimento" não pode dar-se à custa da depleção de recursos e serviços naturais, já em situação grave.

Parece inútil argumentar que as dificuldades de licenciamento ambiental se devem quase sempre à insuficiência de estudos de impacto ambiental – muitas vezes feitos mais para ocultar problemas do que para evidenciá-los -, e não à inadequação das leis ou à lentidão dos processos. Como também parece inútil lembrar o estudo do Ipea (Estado, 14/11) segundo o qual as taxas de crescimento econômico só aumentarão em 2017, e dependendo da queda da taxa de juros e da carga tributária – e não de novas regras para o licenciamento ambiental, como as que se anunciam.

Teremos de esperar outras greves de fome por bispos brasileiros, para chamar a atenção de novo para as graves questões da transposição? Ou que surja outra índia encostando o facão no pescoço de um dirigente do setor elétrico?

Washington Novaes é jornalista
Texto originalmente publicado em "Espaço Aberto" no jornal "O Estado de São Paulo"

Participe: ajude a manter a matriz energética brasileira limpa

Em setembro, o WWF-Brasil e parceiros lançaram o estudo Agenda Elétrica Sustentável 2020. A pesquisa indica uma série de medidas que se forem implantadas pelo governo brasileiro devem gerar:

  • Economia de R$ 33 bilhões em investimentos;
  • Geração de oito milhões de empregos;
  • Diminuição do desperdício de energia em até 38% da expectativa de demanda;
  • Estabilização das emissões dos gases causadores do efeito estufa e vai afastar fantasma de novos apagões.

Participe!

Clique aqui e envie uma mensagem para as autoridades brasileiras pedindo que sejam adotadas as medidas propostas pelo estudo Agenda Elétrica Sustentável 2020 no Plano Nacional de Energia 2030 e deixem que o Brasil continue sendo referência nas questões de geração de energia limpa >>

Mudanças climáticas podem representar grande risco econômico para o planeta

O relatório “Stern Review”, lançado nesta segunda-feira, 30 de outubro, pelo especialista em mudanças climáticas do governo do Reino Unido, o economista Sir Nicholas Stern, ratifica a urgência de se tomar atitudes sobre o aquecimento do planeta na próxima Conferência das Partes sobre clima (COP 12). A reunião da ONU acontece na próxima semana em Nairobi, no Quênia.

“A economia de todos os países está em risco se o planeta for superaquecido”, alerta a secretária-geral do WWF-Brasil, Denise Hamú. O relatório mostra que se não começarmos a reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa, todos irão sofrer com secas e furacões e outros desastres causados pelas mudanças climáticas. “É preciso um esforço global para estabilizar o efeito estufa agora, antes que seja tarde demais. O Brasil pode começar a dar o exemplo diminuindo suas emissões oriundas do desmatamento”, afirma Hamú. O Brasil é o 4º. país no ranking dos que mais liberam gases causadores do efeito estufa ao queimar madeira para desmatar. Essas queimadas são responsáveis por 75% das emissões brasileiras.

O relatório afirma ainda que os custos mundiais para combater as mudanças climáticas serão de aproximadamente 1% ao ano do Produto Interno Bruto (PIB) Global. Caso estes investimentos não sejam feitos imediatamente, para amenizar os estragos futuros decorrentes do aumento de temperatura, o montante gasto seria de até 20% do PIB Global anual.

“Os países em desenvolvimento, como o Brasil, serão os mais prejudicados, pois não teremos recursos dessa ordem para investir em adaptação às mudanças do clima”, explica Karen Suassuna, técnica em Mudanças Climáticas do WWF-Brasil.

Para a rede WWF, é preciso que os 189 governos reunidos na próxima semana em Nairobi produzam uma estratégia clara e efetiva para o protocolo de Quioto Pós-2012, garantindo a redução das emissões dos gases causadores do efeito estufa. Além disso, os países em desenvolvimento devem ter acesso ao dinheiro que já está garantido a eles no fundo de desenvolvimento limpo contra os impactos das mudanças climáticas.

Os países em desenvolvimento não têm metas para as reduções de emissões, mas o Brasil irá propor um mecanismo voluntário de reduções compensadas para o desmatamento, o que a princípio pode ser uma boa saída e estimulo às reduções. “Mas ainda não está claro de onde virá o dinheiro, pois os recursos internacionais já destinados para conter as mudanças climáticas não podem ser desviados. Teria de ser injetado mais dinheiro dos países desenvolvidos especificamente para este mecanismo”, alerta Suassuna.

Outro ponto importante diz respeito às emissões do setor elétrico, segundo o relatório, é que elas terão de ser reduzidas em, no mínimo, 60% até 2050 neste setor. No Brasil, a matriz elétrica é invertida em relação aos demais países, ou seja, a maior parte de nossa eletricidade é gerada através de hidrelétricas. “Mas o país tem dado sinais claros de que pretende aumentar a parcela de combustíveis fósseis. Isto é estar na contramão da história, temos de continuar sendo exemplo, temos um enorme potencial para tecnologias como solar, eólica e biomassa, sem falar da eficiência energética, forma mais barata de dispor de energia” afirma Suassuna. “É preciso ter metas claras para reduzir drasticamente o desmatamento e investir em eficiência e renováveis é a nossa lição de casa para contribuir positivamente com o clima do planeta”, completa.

Agenda Elétrica Sustentável 2020

Economia de R$ 33 bilhões para os consumidores, diminuição no desperdício de energia de até 38% da expectativa de demanda, geração de 8 milhões de empregos, estabilização nas emissões dos gases causadores do efeito estufa e afastar os riscos de novos apagões são os principais benefícios do estudo realizado pelo WWF-Brasil, apresentado dia 14 de setembro de 2006, no hotel Blue Tree, em Brasília. O relatório, intitulado Agenda Elétrica Sustentável 2020, foi desenvolvido por uma equipe de especialistas da Unicamp e balizado por uma coalizão de associações de produtores e comerciantes de energias limpas, grupos ambientais e de consumidores e traça dois cenários elétricos para o país de 2004 a 2020.

Ambos assumem as mesmas hipóteses de crescimento e condições socioeconômicas da população. O cenário Tendencial segue os moldes adotados atualmente, mantendo o nível de desperdício de energia e o limitado papel das fontes não convencionais. Já o cenário Elétrico Sustentável apresenta políticas de planejamento mais agressivas, maior eficiência na geração e na transmissão de energia, racionalidade no consumo e maior utilização de fontes não convencionais para a produção de eletricidade. “O Brasil é referência hoje nas negociações internacionais sobre energias renováveis e mudanças do clima e temos que garantir que esse papel continue sendo exercido pelo país no futuro”, explica Denise Hamú, Secretária-Geral do WWF-Brasil. “Entretanto, se as decisões tomadas sobre o setor elétrico forem equivocadas, podem colocar o Brasil na contramão de acordos e esforços globais, tais como o Protocolo de Quioto”, completa.

A aplicação do cenário Elétrico Sustentável no Brasil resultará na economia de R$ 33 bilhões para os consumidores até o ano de 2020, o que equivale a 2,5 vezes o orçamento do Programa Fome Zero do governo federal para 2006 ou ao PIB de 2005 da Bolívia e do Paraguai juntos. A redução do desperdício de energia elétrica promovida pela adoção desse cenário, propiciará a diminuição da expectativa de demanda de energia elétrica em até 38%. Em termos práticos, isso corresponde à geração de 60 usinas nucleares de Angra III, ou 14 hidrelétricas de Belo Monte ou 6 hidrelétricas de Itaipu, ou seja, essas usinas não precisariam ser construídas. “Consumir energia de modo mais eficiente custa menos para o consumidor e para a sociedade do que construir nova usinas hidrelétricas o termelétricas a gás e a carvão. O Brasil fez um grande esforço de conservação energética na época da crise, mais já esquecemos aquelas boas lições”, afirma Gilberto Januzzi, professor da Unicamp responsável pelo desenvolvimento do estudo.

Haverá ainda redução de sete vezes da área inundada planejada para a construção de reservatórios de hidrelétricas, o que diminuirá os impactos sobre as populações tradicionais e a biodiversidade nacional. A geração de 20% da demanda esperada de eletricidade em 2020 por fontes renováveis, como biomassa, eólica, solar e pequenas hidrelétricas irá gerar 8 milhões de novos postos de trabalho. “O cenário Elétrico Sustentável é uma proposta positiva para afastar de vez o fantasma do apagão e minimizar os conflitos socioambientais na evolução da matriz elétrica brasileira de forma barata e inteligente e ainda dar um bom exemplo para as nações desenvolvidas”, lembra Leonardo Lacerda, Superintendente de Conservação do WWF-Brasil.

Com a adoção do cenário Elétrico Sustentável, em 2020, estará garantida a estabilização das emissões de dióxido de carbono e de óxido de nitrogênio, principais gases causadores do efeito estufa, em um patamar próximo ao de 2004. O cenário Elétrico Sustentável poderia reduzir 413 milhões de toneladas de CO2 acumuladas durante o período 2004-2020. Para se ter uma idéia, em 25 anos, o Programa Proálcool evitou a emissão de 403 milhões de toneladas de CO2. “No mercado internacional de carbono, as vendas desses 413 milhões de toneladas poderiam gerar uma receita acumulada de R$ 4,5 bilhões. Este é o tipo de proposta que o Brasil precisa para aproveitar o mercado de carbono e contribuir com os esforços globais no combate às mudanças do clima”, contextualiza Giulio Volpi, Coordenador do Programa de Mudanças Climáticas para América Latina e Caribe da rede WWF.

Entretanto, para que a Agenda Elétrica Sustentável se concretize é necessário que um conjunto de recomendações de políticas públicas seja adotado e implementado pelo governo e por diversos setores da sociedade. Dentre elas, é possível destacar a implantação de um plano nacional de eficiência energética com metas quantificadas e o lançamento da segunda fase do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa II).

O estudo organizado pelo WWF-Brasil e parceiros faz parte de uma iniciativa internacional da rede WWF para reduzir a dependência de carbono da matriz energética de vários países do mundo. Ao todo, 16 países como vários da União Européia, China e Índia fazem parte do esforço da rede neste momento.