Líder indígena colombiano é encontrado morto em território brasileiro

O líder indígena colombiano Saúl Márquez Tovar, 28 anos, foi assassinado e o corpo encontrado, no último dia 7 de janeiro, nas proximidades da cidade de Tabatinga (AM), na fronteira com a Colômbia, 1.105 km a noroeste de Manaus. Pertencente à etnia Uitoto, Tovar era presidente da Associação Indígena da cidade de Arica, na Colômbia, e porta-voz da Associação de Autoridades Tradicionais Indígenas do estado colombiano do Amazonas. Ele vinha desenvolvendo um importante trabalho nas negociações realizadas com o governo para a implementação de programas de saúde indígena, especialmente na fronteira Colômbia–Peru.

Nos próximos dias, o Instituto Socioambiental (ISA) vai encaminhar um informe sobre o caso ao Ministério da Justiça e à Secretaria Especial de Direitos Humanos com um pedido formal de providências da parte do governo brasileiro.

O corpo de Saúl Tovar foi achado com as mãos e pés amarrados, cinco tiros na cabeça e vários sinais de tortura, entre eles marcas que podem ser de estrangulamento, uma orelha e os dentes arrancados. A notícia do assassinato provocou comoção e protesto entre as organizações indígenas da Colômbia, que pediram ao governo do país que paute o assunto durante o encontro a ser realizado entre o presidente Álvaro Uribe e o presidente Luís Inácio Lula da Silva, nesta quarta-feira, dia 19 de janeiro, na cidade colombiana de Letícia, separada por uma rua de Tabatinga.

A hipótese de motivação política não foi descartada, mas entidades indigenistas colombianas informaram que a causa mais provável para o crime é o latrocínio – roubo seguido de morte – cometido por uma quadrilha formada por colombianos e brasileiros. A polícia da Colômbia já teria detido quatro suspeitos. Segundo versões de alguns de seus colegas do movimento indígena, Tovar teria sido visto pela última vez antes de entrar em um táxi, em Letícia. O taxista o teria abordado com o recado de que um amigo precisava de sua ajuda em Tabatinga.

Tovar circulava com quantias vultosas de dinheiro recebido do governo para desenvolver projetos, realizar compras e obras para a sua comunidade. Na Colômbia, os chefes indígenas são reconhecidos pela Lei como autoridades públicas e, no departamento do Amazonas (unidade político-administrativa local), alguns deles recebem recursos do Estado diretamente. (veja mais detalhes no quadro abaixo)

Pouco antes de ser achado morto, Tovar estava em Letícia justamente para cobrar os repasses de verbas para seu povo. Ele havia chegado à cidade em novembro para participar da VI Mesa Permanente de Cordinación Interadministrativa, que é a instância onde se reúnem as organizações indígenas e o governo local para avaliar a execução dos programas de educação e saúde indígenas.

Em outubro de 2002, o líder indígena foi roubado em 54 milhões de pesos colombianos – pouco mais de R$ 61 mil – dentro de uma delegacia, em Tabatinga, depois de ser revistado e detido por policiais militares brasileiros para uma suposta averiguação da origem do dinheiro. Apesar das denúncias feitas pelo próprio Tovar a autoridades colombianas e brasileiras, o caso não foi esclarecido até hoje.

Os direitos indígenas na Colômbia

A Colômbia é um dos países onde mais se avançou no reconhecimento de direitos aos povos indígenas. Entre 1982 e 1990, o governo do país reconheceu cerca de 20 milhões de hectares de terras indígenas na Amazônia colombiana, garantindo aos povos indígenas a propriedade coletiva desses territórios, considerados como inalienáveis, imprescritíveis e impenhoráveis.

A aprovação de nova Constituição e a ratificação da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1991, abriu espaço para novos avanços relacionados à gestão dos territórios indígenas dentro da legislação nacional, como é o caso do Decreto nº 1.088, de 1993, que regula a criação das Associações de Autoridades Tradicionais Indígenas (AATIs), organizações indígenas reconhecidas como de direito público, cujo objetivo é coordenar, junto a autoridades locais, regionais e nacionais, a execução de projetos de saúde, educação e gestão de acordo com as prioridades estabelecidas pelos povos indígenas.

A criação dessa figura jurídica permitiu que as Autoridades Indígenas da Amazônia trabalhassem na consolidação da administração autônoma de seus territórios, dentro da ordem jurídica e política do Estado colombiano. Para tanto, foram criadas as chamadas Mesas Permanentes de Coordenação Interadministrativa (MPCI), espaços de comunicação e coordenação entre as AATIs e outros órgãos públicos locais e regionais, que se reúnem periodicamente para discutir e coordenar os esforços e ações nos diferentes campos das políticas públicas (saúde, educação, gestão territorial, atividades produtivas etc.).

No Brasil, na região do Alto Rio Negro (AM), a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) busca traçar um caminho semelhante, por meio de sua proposta de Programa Regional de Desenvolvimento Indígena Sustentável do Rio Negro (PRDIS-RN), que pretende estabelecer um conjunto coordenado de ações e políticas públicas, a partir de demandas e prioridades estabelecidas pelas organizações indígenas locais, com apoio dos governos local, estadual e federal. Confira.

Programa beneficia 10 milhões de pessoas na fronteira

Cerca de 10 milhões de pessoas, distribuídas em 588 municípios de 11 estados, localizados ao longo dos 16 mil quilômetros de fronteira do Brasil com diferentes países sul-americanos, passam a ter agora oportunidade de trabalho e produção a partir do Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira, do Ministério da Integração Nacional. Segundo o secretário de Programas Regionais do ministério, Carlos Gadelha, o objetivo do projeto é descobrir a vocação econômica de uma determinada região, capacitar os cidadãos, organizar a atividade produtiva em cooperativas e apresentar linhas de financiamento para aquisição de equipamentos e material.

“Esse é mais um projeto de inclusão social do governo Lula”, disse Gadelha. De acordo com o secretário, é preciso acabar com a idéia de que a população fronteiriça é marginalizada e ligada ao tráfico. “Com esse programa estamos dando a oportunidade para essas pessoas mostrarem que sabem e podem fazer excelentes trabalhos.”

Mas Carlos Gadelha lembra que é necessário respeitar a diversidade cultural para que os projetos dêem certo. O ministério da Integração Nacional instalou fóruns nos municípios da fronteira para que a população se organize e defina suas prioridades, vocações econômicas e as raízes do projeto. Tudo isso em um trabalho bem estruturado para cada região. “O trabalho feito com o artesanato indígena na região Norte não pode ser o mesmo dos criadores de gado do Sul”, concluiu.

A região do Alto Solimões -AM, que faz fronteira com a Colômbia e é uma das faixas prioritárias do Programa, já tem implantado um trabalho com piscicultura e artesanato indígena. Os pescadores da região foram treinados e capacitados pelo Ministério da Integração e agora, além de terem aprendido novas técnicas de captura e tratamento do peixe, tem também unidades de resfriamento do pescado. A população indígena envolvida com o artesanato também foi capacitada e já produz peças de acordo com os novos designs ensinados pelos especialistas do Faixa de Fronteira.

O Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira conta ainda com um grupo de trabalho interministerial que reúne 21 ministérios para colaborarem dentro de suas áreas de competência como saúde e educação.