Suicídio e alcoolismo entre jovens levam lideranças indígenas ao debate

Lideranças políticas e espirituais das 26 comunidades indígenas dos Kaigang e Guarani, do Mato Grosso do Sul, irão se reunir com os jovens dessas etnias para debater assuntos como problemas, anseios e dificuldades da juventude. Mais de 100 pajés irão participar da mobilização, chamada de Vamos Proteger os Nossos Jovens, que acontecerá em meados de fevereiro. As duas comunidades registram altos índices de suicídio e alcoolismo entre a população mais jovem.

Para o gerente do Projeto Vigisus II da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), Carlos Coloma, o evento será "uma grande escuta coletiva".

O projeto, em parceria com a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), desenvolve intervenções nas áreas de saúde mental, promoção da medicina tradicional e vigilância nutricional, envolvendo treinamento de recursos humanos, estudos e pesquisas, produção de material educativo e publicações técnico-científicas.

Carlos Coloma explicou que o jovem indígena, assim como os de outras comunidades, enfrenta uma série de problemas e necessita de apoio. Segundo ele, as raízes da grande incidência do alcoolismo nas populações indígenas já são bem conhecidas. No entanto, as razões que levam aos suicídios ainda são bastante nebulosas.

Para Coloma, o desconhecimento e a falta de estatísticas e informações sobre o fenômeno do suicídio não são impedimentos para que agentes públicos, comunidades e famílias busquem evitar a repetição desses acontecimentos.

“Nós acreditamos que, ainda que continuemos não conhecendo melhor a arquitetura, como se cria esse processo, essa vontade de morrer, de se matar, é preciso apoiar os jovens das comunidades indígenas onde se verifica grande número de mortes”, afirmou.

Como em qualquer outra sociedade, ele afirmou que é preciso evitar que os jovens indígenas se sintam sozinhos. “Eles necessitam de alguém com quem conversar, falar de seus sentimentos, de seus problemas, de suas preocupações.”

De acordo com Coloma, o suicídio é decorrência de uma multiplicidade de fatores, sociais, econômicos e emocionais. “O que nós encontramos, especialmente nas comunidades Kaigang e Guarani do Mato Grosso do Sul, é uma coexistência de problemas, uma série de dificuldades, uma grande perda de território, uma grande restrição de mobilidade da população que é tradicionalmente nômade, uma grande ruptura entre as gerações, com uma consequente quebra de valores, de modos de vida, que em geral significa crise. Além da crise da adolescência, uma crise de valores culturais”, ressaltou.

A forma como os indígenas lidam com as emoções constitui-se em um componente a mais para incitar os jovens à morte. “São tão intensos alguns sentimentos, como por exemplo, a vergonha que pode levá-los a se matar diante um vexame público, uma humilhação. Essa reação é pouco comum em outras culturas, mas na indígena é muito significativa”, explicou.

Coloma salientou, contudo, que o fenômeno do suicídio é bastante complexo e não pode ser tratado levianamente, tampouco banalizado.

“Como a cultura indígena é intensamente espiritualizada, para tentar compreender o suicídio entre eles, teríamos que falar sobre a crença nos espíritos e como eles são afetados por essas entidades.”

Para Coloma, a reunião de fevereiro é apenas o primeiro passo de um longo caminho a ser percorrido na compreensão do alto índice de suicídio entre os jovens Kaigang e Guarani, do Mato Grosso do Sul. 

Abril Indígena denuncia ineficiência do Estado para demarcar terras

A coletiva de imprensa de apresentação do Acampamento Terra Livre será na sede da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira-Coiab (701 Sul, Ed. Assis Chateaubriand, Sala 21 – Sobreloja 2, Brasília-DF) e a iniciativa é do Fórum em Defesa dos Direitos Indígenas (FDDI). A ineficiência do Estado brasileiro em demarcar e proteger as Terras Indígenas (TIs) é um dos principais temas do Abril Indígena neste ano.

Hoje, no Brasil, há pelo menos 272 territórios reivindicados por povos indígenas que sequer são considerados como demandas para demarcação pela Fundação Nacional do Índio (Funai). O Ministério da Justiça deixou passar o prazo legal para a publicação das portarias declaratórias de 34 áreas que estão em processo de demarcação.

A Funai não vem cumprindo a principal função que lhe restou – de receber e encaminhar as demandas fundiárias indígenas – a partir da década de 1990, quando o atendimento à saúde e a educação passaram à competência de outros órgãos públicos. Nos últimos quatro anos, diminuiu a criação de Grupos de Trabalho de identificação de novas TIs, mesmo existindo um grande número delas para ser regularizadas. De 2004 a 2006, os recursos públicos para a política indigenista federal caíram de R$ 47,1 milhões para R$ 40,6 milhões. Grande parte do corte atingiu os programas de regularização e proteção dos territórios indígenas, que continuam ameaçados pela expansão de grandes empreendimentos.

Ao omitir-se sobre as demandas indígenas por seus territórios, o Estado brasileiro agrava os conflitos fundiários e a violência contra os povos indígenas. A falta de terra vem causando mortes, fome e doenças para os povos Guarani (MS, SC, RS e ES), Tupinikim (ES) e Pataxó Hã-Hã-Hãe (BA), por exemplo. Em 2006, quatro índios foram assassinados por mês no Mato Grosso do Sul.

Em desrespeito á Constituição e à Convenção 169 da Orgnização Internacional do Trabalho (OIT), as comunidades indígenas continuam não sendo consultadas sobre as várias obras de infra-estrutura que as afetam, algumas listadas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), anunciado com estardalhaço pelo governo federal como a solução para o crescimento econômico medíocre do País. A quase totalidade dos 225 povos indígenas brasileiros continua recebendo atendimento precário às suas necessidades básicas de saúde, educação e segurança.

Temas

Durante os quatro dias da mobilização, os representantes de cem povos indígenas de todo o Brasil participarão de debates e manifestações para propor soluções aos seus principais problemas e denunciar as agressões aos seus direitos. Na pauta, estão temas como saúde, educação, violência e a participação das comunidades na elaboração das políticas públicas.

Uma Audiência Pública no Congresso Nacional sobre a situação dos direitos indígenas no País está marcada para o dia 19 de abril, “Dia do Índio”. O acampamento solicitou também audiências com o presidente Lula e a ministra Ellen Gracie, presidente do Supremo Tribunal Federal.

Em 2007, faz dez anos que Galdino Pataxó Hã-Hã-Hãe foi assassinado, queimado vivo por jovens de classe média, em Brasília, enquanto dormia na rua, durante uma das várias viagens, de negociação com a Funai para regularização do território de seu povo. O processo de nulidade dos títulos incidentes sobre as terras dos índios Pataxó Hã-Hã-Hãe da Bahia aguarda julgamento pelo STF há 24 anos.

Contatos:

Paulino Montejo (Coiab)–(61) 3323-5068 / comunicacao@coiab.com.br / ascomcoiab@terra.com.br
Priscila Carvalho (Cimi) – (61) 2106-1650 / 9979-6912 / imprensa@cimi.org.br
Marcy Picanço (Cimi) – (61) 2106-1650 / 9979-7059 / editor.porantim@cimi.org.br
Edvard Magalhães (CTI) – (61) 3349-7769 / 8114-0932 / comunicacao@trabalhoindigenista.org.br
Oswaldo Braga de Souza (ISA) – (61) 3035-5104 / 8428-6192 / oswaldo@socioambiental.org.br

Confira a programação do Abril Indígena em todo o País:

Rio Grande do Sul – II Encontro Internacional Sepé Tiaraju reúne movimentos sociais e representantes Guarani do Brasil, Paraguai e Argentina, em Porto Alegre, entre 11 e 14 de abril.

Minas Gerais – Romaria na terra indígena Xakriabá lembra os 20 anos do massacre de lideranças indígenas em Minas Gerais, no dia 15 de abril.

Bahia – Debates sobre violência no campo e contra as mulheres marcam 10 anos do assassinato de Galdino, no dia 21 de abril.

Pernambuco – 10 a 13 de abril – Mobilização Terra Toré, na terra do povo Pankará, vai reunir 100 pessoas, de 30 povos de PE, PB, AL, BA, RN, PI e SE, em debates sobre terras e direitos indígenas do nordeste, sobre práticas rituais como o Toré e a luta pela terra.

Imperatriz (MA) – 12 a 14 de abril – Acampamento Indígena Regional na Praça Brasil, em Imperatriz, organizado pela Coordenação das Articulações dos Povos Indígenas no Maranhão (COAPIMA), Cimi e MST. Na pauta, discussão sobre os objetivos do Abril Indígena e definição de estratégias do movimento em relação aos Grandes Projetos de infra-estrutura previstos para o Sul do Maranhão. No dia 14, haverá uma marcha pelas principais ruas de Imperatriz, com a participação da delegação indígena do Pará que vai ao Acampamento em Brasília.

Pará – Acampamento com movimentos campesinos em Belém, de 16 a 20 de abril, e Semana dos Povos em Santarém, de 12 a 19 de abril.

Ji Paraná (RO) – 11 a 13 de abril – Manifestações a atividades indígenas. Na noite do dia 13, parte o ônibus para Brasília.

Cuiabá (MT) – 16 a 20 – Atividades com estudantes das escolas da cidade sobre temas como Economia Rikbaktsa antes e depois da chegada dos seringueiros e dos jesuítas; sobre os estudantes e os trabalhadores indígenas na capital de Mato Grosso, sobre Índios em contexto urbano, e a Questão Fundiária dos Chiquitano. No dia 20, acontecerá a Celebração pelos 20 anos do Martírio do Ir. Vicente Cañas, SJ, na Igreja São Judas Tadeu (Av. Coronel Escolástico), às 19 horas, e Bênção para o início do Monumento do artista Jonas Correia em homenagem ao Ir. Vicente Cañas, SJ, assassinado há 20 anos no Mato Grosso, com depoimentos dos que o conheceram.

Campo Grande (MS) – 13 de abril – Cerca de 500 indígenas de todo o estado e os movimentos sociais, especialmente do movimento dos Sem Terra e Quilombolas, realizarão passeata pelas ruas centrais de Campo Grande e Ato Público. À tarde, haverá debates e entrega de propostas às autoridades estaduais. À noite, as lideranças participam de debate na Assembléia Popular e, depois, dois ônibus com indígenas partirão para Brasília.

Líderes indígenas acusam o governo Lula de traição

Mais de 500 índios de 20 estados brasileiros deram início ontem em Brasília ao Acampamento Terra Livre, mobilização que abre a agenda do Abril Indígena, série de eventos, debates e reivindicações dos povos indígenas brasileiros que ocorre ao longo deste mês. Sob uma lona de circo há poucos metros do Congresso Nacional, representantes de dezenas de etnias somaram críticas à política indigenista do governo federal. Destacaram, entre as principais falhas e omissões da gestão do presidente Lula, a falta de demarcações de terras indígenas há muito tempo reivindicadas e o descaso com a saúde indígena.

“Sempre tentamos eleger um presidente que representasse o movimento social. Nos enchemos de esperança quando Lula ganhou, pensamos que finalmente teríamos saúde, terra e educação”, lembra Jecinaldo Barbosa Cabral, coordenador da Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira). “Mas tudo mudou. O governo fechou o diálogo conosco e se aliou aos inimigos dos povos indígenas, traindo todos os compromissos antes firmados”.

O loteamento da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e a concessão a deputados e governos estaduais – principalmente de Santa Catarina e Roraima – colocando os direitos indígenas como moeda de troca, para o fortalecimento da base governista no Congresso, foram apontados pelas lideranças presentes ao evento como as práticas do governo Lula que mais contrariaram os interesses indígenas. “Como o governo nunca teve maioria na Câmara Federal, precisou barganhar nossos direitos nos estados para formá-la. Isso é inaceitável”, afirmou Uiton Tuxá, do povo Tuxá, de Pernambuco. “Como é inaceitável que o Estatuto dos Povos Indígenas esteja engavetado a 12 anos no Congresso Federal e o governo não mova uma palha para votá-lo”.

"Mortos como cachorros"

A abertura dos trabalhos foi marcada por discursos revoltados e emocionantes. Muitos denunciavam o perigo de povos inteiros serem extintos. “Estamos sendo mortos como cachorros”, gritou o cacique Anastácio, do povo Guarani Kaiowá, do Mato Grosso do Sul. “Os fazendeiros atacam a gente e nada acontece com eles, nenhuma punição”. O cacique Nailton Pataxó denuncia o descaso com o atendimento sanitário de sua aldeia, no sul da Bahia. “Quando um parente fica doente, demora mais de um mês para conseguir medicamento. Quando o remédio chega, o quadro já piorou tanto que não serve mais”.

Membros do Fórum de Defesa dos Direitos Indígenas (FDDI) também tomaram a palavra ontem para analisar a atual conjuntura política nacional em relação aos interesses e lutas dos povos indígenas. O antropólogo Marco Paulo Schettino, do Ministério Público Federal, afirma que o governo federal confunde os direitos dos índios com os interesses da Fundação Nacional do Índio (Funai). “E a Funai age como se a demarcação de terras fosse um favor aos índios, como se a tutela exercida por ela fosse a melhor política indigenista”.

As críticas à Funai seguiram na voz de Gilberto Azanha, do Centro de Trabalho Indigenista. “O papel do órgão não é brecar as reivindicações dos índios, mas buscar atendê-las. Infelizmente esse governo faz menos pelos interesses indígenas do que qualquer outro governo, inclusive o dos militares”. O advogado Raul Silva Telles do Valle, do ISA, lembra também que a mobilização dos povos indígenas é fundamental para enfrentar a frente anti-indígena existente no Congresso Nacional e nos estados brasileiros. “Vivemos um momento histórico em que muitas conquistas recentes, como as da Constituição Federal, estão sendo ameaçadas. Mais do que nunca os povos indígenas precisam estar unidos e atuantes”.

A realização do Abril Indígena pelo terceiro ano consecutivo também foi valorizada ontem pelos líderes indígenas. A criação no mês passado da Comissão Nacional de Política Indigenista , pelo governo federal, atendeu a uma demanda expressa no acampamento de 2005. Os povos indígenas presentes ao acampamento querem, agora, que a comissão priorize o encaminhamento, pelo Ministério da Justiça, das terras que estão paradas no órgão à espera da publicação da portaria que define seus limites, para que o processo de demarcação possa avançar. Cinco das 13 terras que já haviam sido levantadas pelo movimento indígena como prioritárias desde o ano passado estão localizadas em Santa Catarina.

As atividades no Acampamento Terra Livre continuam hoje, quando os participantes do acampamento se dividem em grupos para debater demarcação de terras, proteção dos territórios, sustentabilidade e gestão territorial, saúde Indígena, política indígenista e gênero. Após os trabalhos em grupos, as conclusões serão compartilhadas entre os participantes. Na quinta-feira, as atividades serão finalizadas com a discussão e aprovação de um documento final do Abril Indígena/Acampamento Terra Livre 2006, que será apresentado ao Senado Federal em audiência pública no mesmo dia.

Nenhum posseiro de Raposa Serra do Sol foi indenizado no prazo de um ano

A uma semana de expirar o prazo para a retirada de todos os ocupantes não-índios da terra indígena Raposa Serra do Sol, conforme estabelecido no decreto de homologação, assinado em 15 de abril de 2005, nenhum posseiro foi indenizado, de um total estimado de 250 famílias.

O administrador da Funai em Boa Vista, Gonçalo Teixeira, informa que a Instituição tem recursos para pagar 28 processos de famílias em que o levantamento fundiário já foi concluído.

De acordo com o decreto homologatório, o Governo Federal deveria, no prazo de um ano, indenizar os ocupantes de boa-fé e reassenta-los em áreas do Incra, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.

A competência do Incra é reassentar clientes da reforma agrária, em áreas de 100 ou 500 hectares, a depender do tamanho da posse. A maioria absoluta dos posseiros é considerada pequeno produtor.

Raimundo Lima, diretor de Programas para a Região Norte, do Incra Nacional, garante que o Instituto já dispõe de áreas para reassentar as famílias. “Apenas os rizicultores (grandes produtores), que se negaram a discutir uma alternativa para a desintrusão, não serão atendidos de imediato pelo Governo”, informa.

Além de receberem a indenização e os lotes de terra do Incra, os pequenos produtores poderão acessar financiamentos do Pronaf [Programa Nacional da Agricultura Familiar]. “Essa uma forma que o Governo Federal está buscando para amparar as famílias”, acrescenta Lima.

Nagib Lima, coordenador do Comitê Gestor, encarregado de cumprir as metas pós-homologação, inclusive a desintrusão da terra indígena, assegura que até o dia 15 de abril, todos os posseiros serão cadastrados. “A partir do dia 17 de abril, eles [posseiros] poderão procurar o escritório do Grupo de Trabalho formado por Funai e Incra, para receberem as indenizações”, comenta Lima.

O coordenador destaca, ainda, que até hoje, 10/4, cerca de 95% dos posseiros já foram cadastrados e que a única resistência enfrentada pelo Grupo de levantamento fundiário foi nas lavouras de arroz e na vila Surumu.  Para que o trabalho seja concluído, a Polícia Federal está fazendo a segurança dos servidores.

O Conselho Indígena de Roraima – CIR, está atuando no sentido de que o Comitê Gestor conclua o levantamento fundiário e o Governo Federal pague as indenizações imediatamente. Devido aos rumores de possíveis conflitos na região da Raposa Serra do Sol, o CIR solicitou a presença da Polícia Federal para garantir a segurança das comunidades indígenas.

Apesar de toda a tensão vivenciada na terra indígena Raposa Serra do Sol, principalmente na região de Surumu (próxima aos arrozais), nenhum incidente foi constatado até esta data.

Ministério Público Federal recupera amostras de sangue ianomâmi

O Ministério Público Federal (MPF) em Roraima recuperou na última semana amostras de sangue de 90 ianomâmis, que estavam na Universidade Federal do Pará (UFPA). Elas foram coletadas em 1990 sem o necessário consentimento informado, nem um pedido formal aos indígenas, que ignoravam seu uso imediato e futuro.

"Recebemos amostras de DNA em solução aquosa, já sem aparência de sangue", explicou hoje (6) à Radiobrás o procurador-geral da República no estado, Maurício Fabretti. "Estamos em contato com as lideranças indígenas para devolvê-las às seus verdadeiros donos".

"O sangue foi coletado em três localidades da terra indígena Ianomâmi: Alto Mucajaí, Baixo Mucajaí e Paapiú. Para ir até lá, é preciso pegar avião e nem sempre há vôo", explicou o antropólogo do MPF, Jankiel dos Santos. "Queremos entregar as amostras diretamente às comunidades. Acredito que no máximo em um mês isso tenha ocorrido".

De acordo com um documento enviado ao MPF pela UFPA, as amostras foram usadas em exames laboratoriais de investigação epidemiológica da malária. Esse era o objetivo original da coleta – mas após os primeiros testes, o sangue foi usado também para obtenção de DNA (informações da cadeia genética). "As amostras foram enviadas pela UFPA à faculdade de Medicina da USP ( Universidade de São Paulo ), em Ribeirão Preto. Depois, retornaram a Belém", detalhou Santos.

De acordo com ele, a devolução do material genético aos ianomâmis é essencial para o bem estar das comunidades. "Quando um ianomâmi morre, os parentes cremam seus restos mortais e seus bens rituais – e nunca mais tocam no seu nome. Agora que eles conhecem a fotografia, elas também são queimadas", explicou. "É difícil dizer exatamente o porquê desse ritual, mas ele está ligado à destruição da lembrança da pessoa morta, para que ela passe para o mundo sobrenatural e não perturbe a sociedade. A existência dessas amostras significa um sofrimento psicológico para os ianomâmis".

Santos afirmou ainda que recuperação das amostras sinaliza para a sociedade que o MPF está atento à ação dos cientistas. "Isso vai desencorajar a realização de novas coletas ilegais de sangue dos indígenas", ressaltou. "Além de estimular outras comunidades indígenas do Brasil a provocar o Ministério Público para que recupere o seu material genético coletado ilegalmente".

Guarani-Kaiowá diz que conflitos em Dourados devem continuar

Até que se resolva a demarcação e homologação de terras guarani-kaiowá na localidade de Porto Cambira em Dourados (MS), os conflitos devem continuar. É que o prevê o líder indígena Anastácio Peralta, em entrevista à Agência Brasil. No dia 1º, dois policiais civis foram assassinados a tiros, pauladas e facadas por indígenas guaranis-kaiowá, segundo a Polícia Civil do estado.

"Essas violências vão continuar, ninguém vai ficar tranqüilo. Ali, onde os assassinatos aconteceram, é um lugar de conflito. Ainda é uma terra de confusão, que não está demarcada nem homologada", disse Peralta.

De acordo com o delegado Fernando Paciello Júnior, assessor de comunicação da Polícia Civil do estado, os índios teriam atirado nos policiais com armas tomadas dos próprios agentes. Para Anastácio Peralta, o fato de os policiais não terem se identificado como agentes da Policia Civil, de estarem armados e desacompanhados dos representantes da Fundação Nacional do Índio (Funai) teria assustado os índios.

Segundo o Guarani-kaiowá, os índios teriam confundido os policiais com jagunços. "Eles não se identificaram, foram por conta própria e por isso aconteceu isso. O fato de os índios reagirem assim revela medo, porque lá eles [os jagunços] matam mesmo. Lá tem jagunço e quando as pessoas chegam sem se identificar isso já é bastante suspeito. Aí, o pessoal reagiu também de uma forma bastante assustada".

Ontem, o presidente em exercício Fundação Nacional do Índio (Funai), Roberto Lustosa, considerou lamentável o assassinato dos policiais civis. Porém, alertou que os riscos poderiam ter sido menores se funcionários da Funai estivessem presentes. "Infelizmente, essa equipe [de policiais civis] adentrou o acampamento sem qualquer acompanhamento da Funai e sem qualquer aviso à nossa administração".

De acordo com Paciello Júnior, os policiais foram ao acampamento para procurar um suspeito de ter matado um pastor evangélico. Segundo Lustosa, os índios relataram que os agentes estavam à paisana e chegaram em carro sem identificação da Polícia Civil.

"Mesmo que a operação tenha sua legitimidade, na busca de supostos criminosos, não poderia ter havido sem que houvesse plena participação da Funai exatamente para evitar um conflito dessa ordem", avaliou. "Ninguém está aqui descriminalizando esses homicídios, mas, numa área de conflito como essa toda cautela é necessária para a condução de qualquer intervenção de agentes públicos de segurança que não sejam aqueles orientados pela Funai."

"As sementes Terminator foram feitas para nos escravizar” , diz líder indígena

Na manhã de ontem, dia 23 de março, quinta-feira, um senhor colombiano chamado Lorenzo Muellas Hurtado pediu a palavra no Grupo de Trabalho (GT) sobre diversidade agrícola que está discutindo o tema das tecnologias genéticas de restrição de uso (GURTS, na sigla em inglês) na 8ª Conferência das Partes (COP-8) sobre a Convenção da Diversidade Biológica (CDB), que acontece em Curitiba (PR), até o próximo dia 31. Ele fez um discurso contundente contra o uso das sementes modificadas geneticamente, denominadas Terminator, que geram plantas estéreis, incapazes de produzir novas sementes, mas são mais resistentes a mudanças climáticas e a certos tipos de herbicidas. As pesquisas com este tipo de tecnologia estão proibidas atualmente, mas o poderoso lobby das empresas multinacionais de tecnologia, como a Monsanto, tenta liberá-las na CDB. O assunto é considerado um dos mais polêmicos da COP-8.

Hurtado qualificou as Terminator não só como “sementes assassinas”, mas também como “genocidas”. Organizações da sociedade civil, o movimento social e vários pesquisadores temem que plantações desenvolvidas com este tipo de manipulação genética possam contaminar e, em consequência, extinguir variedades locais e tradicionais de algumas espécies agrícolas. Além disso, o uso dos GURTS também pode vir a consolidar o monopólio das grandes empresas multinacionais de transgênicos e a dependência financeira dos pequenos e médios produtores rurais.

Hurtado: "A CDB não foi feita por uma necessidade das populações indígenas, mas pelos governos e pelas empresas multinacionais de biotecnologia."

Pertencente ao povo Guambiano, Hurtado, 68 anos, mal aprendeu a ler e a escrever, mas já foi governador, senador e deputado constituinte de seu país. Ele concedeu uma entrevista ao ISA logo depois de fazer seu discurso no GT de biodiversidade agrícola. Nela, fala sobre os GURTS, a CDB e sobre o regime de acesso aos recursos genéticos, que está sendo negociado na Convenção e pretende estabelecer regras internacionais para regular as relações entre os países provedores e os usuários dos recursos genéticos.

Por que o Sr. é contra as pesquisas com os GURTS?

Lorenzo Muellas Hurtado – Essas sementes foram feitas para nos escravizar. O tipo de tecnologia dos GURTS foi desenvolvido para nos obrigar a comprar mais e mais sementes de seus fornecedores. Por outro lado, as Terminator também ameaçam nossa identidade cultural. Para nós, Guambianos, as sementes não servem apenas para o nosso sustento, para nossa alimentação e para o nosso vestir. Elas têm papel importante na comunicação com nossos antepassados e com o mundo espiritual. Tem um valor simbólico importante, como oferenda para os espíritos que estão no alto das montanhas e nos lagos.

Mas você não acha que as sementes geneticamente modificadas podem significar uma boa alternativa econômica, se as variedades tradicionais forem preservadas também?

Nossas sementes já estão suficientemente testadas por milhares de anos de inovações e experiências. Se quiserem considerar a questão apenas do ponto de vista econômico, posso garantir que nossas sementes são muito boas e resistentes. Mas este tipo de visão é para capitalistas e nossas sementes não podem ser reduzidas apenas a um bem econômico.

Qual a sua expectativa em relação às negociações da COP-8?

A CDB não foi feita por uma necessidade das populações indígenas, mas pelos governos e pelas empresas multinacionais de biotecnologia. Essas negociações nos causam preocupação e temor, nos incomodam. Creio que as determinações tomadas na Convenção não servem para proteger e garantir os direitos das populações indígenas. Não esperamos nada de bom da COP. Aqui, estão cegos, surdos e mudos para nossos problemas e nossos direitos.

Qual a solução, então, para proteger os recursos biológicos e os conhecimentos associados à biodiversidade das populações tradicionais?

A solução é articularmos uma mobilização massiva dos povos indígenas, uma grande organização em nível internacional que possa levar adiante a nossa luta.

Como o Sr. avalia a atuação do Fórum Internacional Indígena para a Biodiversidade (FIIB), órgão auxiliar oficial do secretariado da CDB?

Não acho que o FIIB está tendo uma atuação correta. Eles trabalham na perspectiva de que a CDB vai conseguir implementar mecanismos para uma repartição justa e equitativa dos benefícios. Não acho que isso vá acontecer.

O Sr. acha que os delegados indígenas deveriam retirar-se da COP-8? Isso poderia ser uma arma política eficiente?

Alguns indígenas acreditam nessa repartição justa e eqüitativa de benefícios. Eles estão pensando em dinheiro. Estes nem deveriam estar aqui. Os representantes dos povos indígenas deveriam estar lutando contra a venda de seus recursos. Nossa luta é em defesa de nossa dignidade. Estamos na América há milhares de anos lutando por ela.

O Sr. não acredita ser possível instituir um sistema internacional de repartição justa dos benefícios da biodiversidade?

Os colonizadores da América foram responsáveis pelo saque do continente. Eles nos fizeram pobres, não porque fôssemos pobres. Hoje, as grandes multinacionais querem nos levar os últimos recursos. Nunca vão querer dividir de forma justa, mas vão querer arrancar de nós o máximo, nossas águas, nossas terras, nossos recursos biológicos e até o nosso sangue. Isso foi tudo o que os nossos antepassados nos deixaram e é aquilo que devemos deixar para os nossos descendentes. Este é o nosso legado.

O Sr. acha que os recursos e os conhecimentos dos povos indígenas podem ser comercializados?

Nossa luta tem de ser para mantê-los em seus sítios originais. Nossos sábios sabem que não somos os donos de nossas terras e de nossos recursos: somos seus administradores. E os deuses nos orientam como usá-los. Também precisamos sempre presenteá-los com o fruto dessas terras e desses recursos. Assim eles continuarão nos abençoando.

Qual seria a alternativa a um regime internacional de acesso aos recursos genéticos e repartição dos benefícios?

Temos duas culturas: a ocidental e a nossa cultura tradicional. Concordamos que deve haver trocas entre elas. A cultura tradicional também desenvolve ciência e deve ser usada pela ciência ocidental para desenvolver tecnologia. Mas isso não deve acontecer a serviço das grandes empresas multinacionais de biotecnologia. Isso deve ser feito com cuidado, com zelo e envolvendo pessoas honestas, pessoas dignas, e não mentirosos. Nós mesmos, povos indígenas, temos nos apropriado da tecnologia ocidental para nosso proveito: estamos usando os computadores e o correio eletrônico para nos organizarmos, por exemplo. Isso é uma coisa positiva.

Em linhas gerais, como é a legislação colombiana sobre o assunto? Os povos indígenas colombianos estão satisfeitos com ela?

A Colômbia ratificou a CDB. A Constituição colombiana reproduz vários dos dispositivos da Convenção. A CDB é muito ampla: trata desde microorganismos até o material colido de seres humanos, como sangue. Não estamos satisfeitos com isso. Temos denunciado as conseqüências disso, porque a legislação liberalizou o acesso aos nossos recursos e conhecimentos. Um pesquisador com a lei na mão tem acesso liberado aos nossos territórios e aos nossos recursos. Somos contra este livre acesso para a bioprospecção (pesquisa biológica com fins comerciais). Eles virão de qualquer jeito, até à força, e queremos tentar impedir isso.

Existem muitos casos de roubo de conhecimentos e recursos dos povos indígenas na Colômbia?

Em 1992, logo nos 500 anos da chegada dos colonizadores, por exemplo, pesquisadores colombianos vieram até mui

tas aldeias afirmando que iriam curar ou pesquisar problemas de saúde. Retiraram o sangue de várias pessoas afirmando que iriam fazer análises para curar essas doenças. Quando nos demos conta, o material já estava em laboratórios de genética dos Estados Unidos. Quando era senador, lutei para repatriar o material, mas até hoje não conseguimos fazê-lo.

Quase um ano depois, não-índios continuam na TI Raposa-Serra do Sol (RR), homologada em abril de 2005

O governo federal não vai cumprir a promessa feita pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e oficializada em decreto assinado no ano passado de retirar, até o dia 15 de abril próximo, todos os posseiros da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol, em Roraima. A maior parte dos ocupantes sequer foi indenizada. A regularização fundiária do território de mais de 16 mil Ingarikó, Wapixana, Taurepang, Macuxi e Patamona é propalada frequentemente pelo Palácio do Planalto como o maior trunfo da política indigenista da administração atual.

Segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai), de 2002 a 2005, dos mais de 220 ocupantes existentes na área (o número não é definitivo), apenas 52 foram indenizados por benfeitorias construídas de boa-fé. O governo diz que já tem os R$ 754 mil necessários para pagar outros 25 colonos cujos processos já estão finalizados. Resta ainda terminar os processos de aproximadamente 145 posses, o que a Funai promete fazer até o dia 15 de abril próximo.

A retirada de todos os ocupantes pode arrastar-se ainda por vários meses e até anos – tudo depende da agilidade administrativa, da disponibilidade orçamentária e do andamento de eventuais ações judiciais. Os posseiros podem não aceitar os valores oferecidos como indenização. Neste caso, o dinheiro é depositado em juízo e os ocupantes, de acordo com a legislação, podem ser retirados pelo governo. O problema é que principalmente a Justiça Federal local pode conceder liminares garantindo a permanência na TI. Sobretudo os grandes fazendeiros prometem uma longa batalha judicial por suas posses.

Peregrinação no Planalto

Na semana passada, 13 lideranças indígenas de Roraima estiveram em Brasília e fizeram uma verdadeira peregrinação por vários órgãos da administração federal – Casa Civil, Ministério da Justiça, Funai, Polícia Federal, Ministério do Exército – para encaminhar reivindicações sobre uma série de problemas em áreas como meio ambiente, saúde, educação, segurança e questão fundiária. A TI Raposa-Serra do Sol foi o primeiro ponto da pauta. Os representantes indígenas arrancaram a promessa de que a desintrusão (retirada de invasores) da área seria apressada e que a equipe responsável pelo processo seria ampliada. A PF também avalia a possibilidade de manter um contingente de policiais na região.

As lideranças acusam o governo de ter iniciado muito tarde o levantamento fundiário e a avaliação das benfeitorias: o trabalho só começou em setembro do ano passado. Segundo o coordenador-geral de Assuntos Fundiários da Funai, José Aparecido Donizete Briner, o treinamento da equipe responsável pela tarefa começou já em maio, mas logo em seguida a Fundação enfrentou uma greve de 40 dias. Burocracia e problemas administrativos, como a mudança nos procedimentos de algumas licitações, teriam atrasado ainda mais o processo. “Só para ter uma idéia, levamos 35 dias para alugar um carro. Honestamente, em termos de Funai, um ano é um tempo muito curto. Alguns processos como este levam anos”, justifica Briner. Ele garante que mais quatro técnicos devem se integrar ao trabalho nos próximos dias. Apesar de não informar valores, Briner diz que governo já tem disponível o dinheiro para indenizar todos os posseiros.

O advogado Raul Silva Telles do Valle, do Instituto Socioambiental (ISA), considera que os entraves burocráticos possivelmente impedirão que o governo cumpra a meta por ele mesmo estabelecida. “É incrível como o Estado não consegue realizar uma ação concentrada e articulada, mesmo quando o caso é identificado como prioridade política. Se houvesse planejamento estratégico, pelo menos para este caso – que é usado como bandeira da política indigenista do governo federal – as equipes de campo já estariam treinadas e com verba garantida para começar os trabalhos na semana seguinte à homologação, o que significaria que hoje a maior parte dos posseiros de boa-fé já estariam indenizados e fora da área”, defende. Valle ratifica a avaliação de que, com greves e desorganização, o caso possivelmente se arrastará por um longo tempo.

Clima tenso

Enquanto isso, segundo o Conselho Indígena de Roraima (CIR), o clima na região está mais tenso – com constantes ameaças da parte de grupos chefiados por grandes produtores rurais que se recusam a sair da área – à medida que se aproxima a data-limite fixada pelo decreto. O CIR divulgou a informação de que seis homens teriam entrado atirando para o alto na aldeia Cumanã I e ameaçando atear fogo nas casas, na manhã do último dia 9 de março. A PF abriu um inquérito sobre o caso. Segundo a organização indígena, os funcionários da Funai e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) responsáveis pelo trabalho de campo têm sofrido ameaças. Briner confirma a denúncia e informa que, na semana que vem, os técnicos do governo contarão com escolta da PF para chegar a algumas regiões.

“Desde meados do ano passado, a Raposa-Serra do Sol está sem nenhuma segurança. O posto da PF foi desativado. A situação está ficando mais tensa. Muitos fazendeiros dizem que não vão sair, que vão resistir a qualquer ação para retirá-los”, alerta Marinaldo Justino Trajano Macuxi, coordenador do CIR. Ele conta ainda que grandes produtores rurais estão assentando grupos de indígenas cooptados por eles em locais próximos às suas lavouras para tentar justificar sua permanência na TI e até mesmo a exclusão de trechos de seu território. “Esta situação só será resolvida com a desintrusão total de nossas terras”. O CIR também tem denunciado o apoio dado pelo governo e por parlamentares estaduais aos grandes fazendeiros com posses na área.

Em 17 de setembro do ano passado, alguns dias antes do início da festa pela homologação da TI, cerca de cem homens encapuzados e pintados, entre índios e não-índios, invadiram e destruíram a maior parte dos dois prédios do Centro Indígena de Formação e Cultura Raposa-Serra do Sol, na comunidade do Barro, a aproximadamente 200 quilômetros de Boa Vista. Durante a invasão, quatro pessoas ficaram feridas. No dia 22 de setembro, já durante as celebrações, a ponte de acesso à aldeia de Maturuca, centro dos festejos, foi parcialmente incendiada. A suspeita é que o crime teria sido cometido pelo mesmo grupo.

Waimiri-Atroaris assumem controle da rodovia que quase os dizimou

A construção da rodovia Manaus-Boa Vista (BR-174) quase extinguiu o povo Waimiri-Atroari, que vive no norte do Amazonas e no sul de Roraima. Desde 1998, porém, os indígenas monitoram os 125 quilômetros de estrada que atravessam seu território – e a população voltou a crescer em uma média 6% ao ano.

"Em 1974, os Waimiri-Atroari eram estimados em 1,5 mil pessoas. Em 1987, um censo mostrou que só restavam 374 indígenas. Mas agora eles já são 1.106 indivíduos", contou o coordenador do programa Waimiri-Atroari, Marcílio Souza Cavalcante, em entrevista ao quadro Meio Ambiente, que todas as sextas-feiras vai ao ar no programa Ponto de Encontro, da Rádio Nacional da Amazônia.

O Programa Waimiri-Atroari é executado pela Fundação Nacional do Índio (Funai), em parceria com a Eletronorte. Ele foi criado em 1987, quando a construção da usina hidrelétrica de Balbina inundou 36 mil hectares do território desse povo – demarcado no mesmo ano, mas homologado dois anos depois, com 2,5 milhões de hectares. Os 80 funcionários atuam principalmente na promoção da saúde e educação formal (escolas bilíngues) dos indígenas.

"Os Waimiri são um povo guerreiro , que vivia totalmente livre e sem contato com os brancos", lembrou Cavalcante. "Mas em 1974 foi construída a BR e houve conflitos violentos com os trabalhadores. Depois, as doenças levadas pela nossa sociedade – como gripe, sarampo, varíola e malária – foram matando os índios".

O programa passou então a vacinar os indígenas. Em 1997, quando a BR-174 foi asfaltada, só puderam trabalhar nas obras pessoas que não tivessem doenças contagiosas.

"Antes do asfaltamento, o Exército acompanhava em comboio, durante o tempo todo, a passagem de veículos pela terra indígena, com medo de ataques. Lá pelos anos 80, passou a fazer isso só durante a noite", revelou Cavalcante. "Com o asfaltamento e o nosso trabalho, o controle do tráfego passou para a comunidade indígena".

Cavalcante contou que durante a noite, duas cancelas que ficam na altura dos quilômetros 208 e 326 da rodovia proíbem a passagem de veículos, com exceção de ônibus e daqueles que transportem carga perecível. "A gente também monitora a quantidade de animais que morrem atropelados. Infelizmente, ainda é alta: são cerca de 40 por mês".

Funai e Funasa firmam acordo para garantir direito à saúde dos indígenas

A partir de agora a Fundação Nacional do Índio, (Funai) e a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) vão buscar trabalhar em conjunto para atender as demandas da população indígena. Hoje (23), o presidente em exercício da Funai, Roberto Lustosa, e o diretor-executivo da Funasa, Danilo Forte, afirmaram que as barreiras burocráticas e administrativas que impediam a integração das duas instituições serão superadas.

"Muda a orientação que existia desde 1999 quando a saúde indigenista foi retirada da Funai e levada para a Funasa. Agora, temos a boa vontade das duas entidades", disse Lustosa. "A preocupação agora é ajustar, trocar informações, conhecimento e experiência."

Com a parceria, as duas instituições poderão compartilhar, por exemplo, automóveis e instalações, além de melhorar questões administrativas, criar mecanismos de controle social das ações indigenistas e aperfeiçoar a atenção à saúde indígena. De acordo com Lustosa, a Funai e a Funasa, principalmente dentro das aldeias, estarão em diálogo permanente. "Acabou o divórcio. Quando houver uma necessidade os dois órgãos vão colaborar em todos os níveis para que os recursos materiais e humanos sejam utilizados de maneira solidária, lá onde é mais necessário, que é na aldeia, junto aos índios", argumentou.

O diretor-executivo da Funasa, Danilo Forte, acrescentou ainda que a parceira fortalece as duas instituições. "A perspectiva é que esse documento se transforme em uma política de governo. Queremos, com o desenrolar dessa discussão, distribuir a idéia pelo país inteiro e de forma democrática com a participação da comunidade nas aldeias e das organizações não-governamentais, elaborar um documento que dê subsídio para uma nova política de governo no atendimento à saúde indígena", explicou.

A Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e Fundação Nacional do Índio (Funai) participaram do encerramento do 1º Encontro de Administradores Regionais da Funai e chefes de Distritos Sanitários Indígenas da Funasa. Os trabalhos começaram na terça-feira (21), com a participação de cerca de 150 representantes dos dois órgãos governamentais. O objetivo foi discutir um planejamento estratégico conjunto para melhorar a assistência aos povos indígenas.

Funai e Funasa precisavam de parceria maior desde 1999, avaliam indígenas

O representante da etnia Baré no município de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, Valdez Baré, avalia que a parceria entre a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e Fundação Nacional do Índio (Funai) deve beneficiar a atenção à saúde indígena. "Vai melhorar bastante. Essa parceria era para ter sido firmada antes", afirmou.

Segundo Valdez Baré, problemas de locomoção de índios doentes e a falta de remédios podem acabar se o acordo sair do papel. "Temos a dificuldade deslocamento da aldeia para os postos (de saúde) que são longe, com a parceria, vai melhorar. Agora vamos ter mais recursos e eu acho que essa parceria vai funcionar de verdade", disse.

Para o líder Caipó, Megaron Txucarramae, do Mato Grosso, a reunião entre Funai e Funasa deveria ter ocorrido muito antes, logo assim que a Funasa passou a cuidar da saúde dos índios. Ele acredita que a parceria é positiva. "Vai ser muito bom. Da nossa parte, a intenção é trabalhar em conjunto", disse Txucarramae. "A Funai e Funasa foram criadas em função do índio, então eles têm que trabalhar juntos. É o que eu espero que isso aconteça agora em diante", afirmou.