Expansão sucroalcooleira ameaça índios do Mato Grosso do Sul, alerta Ministério Público

Ao abrir novas oportunidades para produtores rurais e para a indústria sucroalcooleira, a expansão das lavouras de cana-de-açúcar poderá resultar no aumento da exploração de trabalhadores rurais em situação degradante, inclusive de indígenas. A preocupação é do subprocurador-geral do Trabalho, Luís Camargo, coordenador Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério Público do Trabalho (MPT).

“Se em situação normal já ocorre a exploração, imagina com a perspectiva de instalação de mais de uma centena de empresas, destilarias de açúcar e álcool, que serão implantadas no país atendendo a um crescimento enorme para essa produção”, questiona ele. De acordo com Camargo, no caso dos indígenas, a preocupação é que com a entrada de novas empresas no mercado voltem a ocorrer problemas como os verificados durante quase vinte anos no estado do Mato Grosso do Sul.
Na semana passada, o grupo de fiscalização da Delegacia Regional do Trabalho (DRT) do Mato Grosso do Sul resgatou 409 trabalhadores em situação degradante, no canavial da Destilaria Centro Oeste Iguatemi, uma usina de álcool localizada no município de Iguatemi. Desses, 150 eram indígenas das etnias guarani e terena, que dormiam nas dependências da empresa, num alojamento de alvenaria construído para abrigar 50 pessoas, segundo informações do Ministério do Trabalho e Emprego.

“O trabalhadores indígenas no Mato Grosso do Sul sabem cortar cana-de-açúcar, ou seja, eles têm o know how, conhecem a atividade, então são muito requisitados”, explica o subprocurador. Segundo Camargo, até o início de 2001, a mão-de-obra indígena era explorada sem carteira assinada.

“Era como se os indígenas prestassem serviço sem um vínculo de emprego, o que é um completo absurdo. Nós tivemos que entrar com inúmeras ações civis públicas, e só depois de ganhar todas as ações na Justiça é que nós conseguimos com que os usineiros registrassem os contratos de trabalho”. O procurador teme que “com essa enorme quantidade de destilaria s, voltemos a nos deparar com esse episódio de exploração”.

Outra preocupação, segundo Camargo, é com o grau de exploração dos trabalhadores rurais. Segundo ele, muitas empresas exigem que cada trabalhador corte cerca de 15 toneladas de cana-de-açúcar por dia. Para o subprocurador, o volume é “humanamente absurdo”. Apenas no interior de São Paulo, de acordo com ele, pelo menos seis trabalhadores rurais morreram nos últimos anos em função desse exigência.

“Há alguns anos, o chamado campeão do corte, ou seja, aquele trabalhador que cortava muito, cortava oito, nove toneladas de cana por dia. Hoje, trabalhadores que cortam oito toneladas de cana já não são mais admitidos, já não prestam mais para esse serviço, porque não atingem os índices mínimos exigidos. O que se exige hoje é um número absurdo, e por conta disso há pessoas que estão morrendo de exaustão”.

Para minimizar os riscos de expansão das lavouras de cana-de-açúcar no país, Camargo defende que o processo de implantação das empresas seja feito de forma racional, com regularização da contratação da mão-de-obra. “Se houver uma implantação indiscriminada, com o objetivo de lucro rápido e imediato, a exploração dos trabalhadores e a degradação do meio ambiente vai ser inevitável”, alertou.

Segundo a DRT/MS, os 409 trabalhadores resgatados em Iguatemi eram mantidos em condições degradantes. “Os trabalhadores estavam lá sem fornecimento de alimentação, eles tinham que trazer alimento de casa, sem fornecimento de água em condições adequadas, sem instalação sanitária na frente de trabalho, sem local para refeição”, acrescenta o chefe da Seção de Inspeção do Trabalho da DRT do Mato Grosso do Sul, Antonio Maria Pena.

Segundo ele, nove empresas do ramo estão instaladas no estado. “Essa usina em que a gente encontrou a situação degradante é uma usina que está começando agora, talvez por isso não se prestou a devida atenção ao cumprimento da legislação no que diz respeito ao ambiente de trabalho”.

Pena informou que o grupo de fiscalização da DRT prepara mais uma ação numa dessas empresas para verificar denúncias de exploração de indígenas em situação de trabalho degradante. Para não prejudicar a operação, ele preferiu não adiantar o nome da usina nem a data da ação.

Universidade pública do Paraná tem 45 índios aprovados no vestibular

Curitiba – No Paraná, o ano letivo tem início com 45 índios aprovados num vestibular específico realizado em dezembro na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Foram 164 candidatos inscritos, oriundos de diversas tribos brasileiras. As inscrições foram gratuitas e a Fundação Nacional do Índio (Funai) viabilizou o transporte. Alimentação e despesas de acomodação  foram pagas com recursos da Secretaria de Ensino Superior do Ministério da Educação e do Ministério da Cultura.

Segundo o  professor Eduardo Harder, da Comissão Universidade para os Índios (CUIA), durante todo o período de estudos os alunos das universidades estaduais receberão uma bolsa da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior no valor de R$ 350.

Na UFPR, a bolsa é de R$ 210,00 complementados pela Funai, totalizando R$ 840,00.  Dos sete indígenas da universidade, apenas dois são do Paraná, outros dois vieram de tribos de Santa Catarina, um de Roraima, um do Rio Grande do Sul e o outro de São Paulo. Nas universidades estaduais todos são paranaenses, pois conforme explicou o professor, apenas a UFPR pode, de acordo com o regulamento, admitir povos de outros estados.

Atualmente, as universidades do Paraná têm 78 acadêmicos indígenas matriculados. O vestibular específico para os povos indígenas no Paraná é realizado desde 2002, numa iniciativa do governo estadual, através da Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Seti).  

Câmara Federal discute reforma da legislação indigenista

Encontram-se em tramitação no Congresso Nacional, hoje, mais de 70 diferentes projetos de lei e de emenda constitucional que tratam, direta ou indiretamente, de direitos indígenas. Grande parte desses projetos, infelizmente, visa restringir ou diminuir direitos já adquiridos, notadamente os relativos à terra e aos recursos naturais. Mas outros tentam avançar na atualmente confusa legislação indigenista e estabelecer um novo patamar de relação entre os povos indígenas, a sociedade brasileira e o Estado nacional. Questões como o uso de recursos naturais em terras indígenas e o fim da tutela oficial pelo Estado esperam há anos uma regulamentação clara que supere a legislação em vigor e oriente a implementação de políticas públicas específicas.

O seminário “Avaliação da Agenda Legislativa sobre os Direitos Indígenas e Definição de Prioridades” surgiu de uma reivindicação dos membros do Fórum em Defesa dos Direitos Indígenas (FDDI), durante o Abril Indígena de 2006, junto ao deputado Aldo Rebelo (Presidente da Câmara dos Deputados). A idéia é que seja criada uma comissão especial que reúna todos os projetos de lei referentes a direitos indígenas, evitando assim a fragmentação dos temas em diversas legislações esparsas. Nesse sentido, o objetivo do seminário foi discutir como avançar, na próxima legislatura, na análise e aprovação desses projetos e se é possível reuni-los todos dentro de um único marco legal, que seria o novo Estatuto das Sociedades Indígenas (PL 2057/91) e que se encontra parado na Câmara dos Deputados há mais de doze anos.

Essa questão não foi objeto de consenso, pelo menos entre os expositores. Luiz Fernando Villares, Procurador Geral da Fundação Nacional do Índio (Funai), afirmou que será apresentado ao Congresso, no princípio do próximo ano, um projeto de lei regulamentando a mineração em terras indígenas e que este deve ser tratado como um projeto autônomo, ou seja, fora do marco do novo estatuto. Para o procurador, essa manobra afastaria um dos focos de resistência ao projeto ora em tramitação e ajudaria a aprová-lo. Outros, porém, temem que o tratamento separado venha a significar a aprovação dos projetos sobres os quais incidem maior interesse econômico (como mineração e aproveitamento hidrelétrico), enfraquecendo e deixando para um futuro incerto o tratamento dos demais assuntos, muitos deles pouco importantes para o Poder Público ou para grupos econômicos, mas fundamentais para os povos indígenas. “O novo Estatuto das Sociedades Indígenas deveria ser aprovado antes, trazendo os princípios gerais pelos quais eventuais questões específicas viessem a ser tratadas em separado”, afirma o deputado Luiz Alberto (PT/BA).

Durante o seminário o representante do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) apresentou o conteúdo do anteprojeto de lei de mineração que está sendo discutido no Governo Federal. Desde os incidentes ocorridos entre índios Cinta-Larga da TI Roosevelt, em Rondônia, e garimpeiros, a Casa Civil da Presidência da República determinou prioridade ao assunto, mas, diante da resistência das organizações indígenas e indigenistas aos projetos ora em tramitação – e de um posicionamento contrário de setores do próprio governo -, resolveu elaborar um projeto totalmente novo a ser apresentado ao Parlamento. O senador Romero Jucá (PMDB/RR), autor de um dos projetos em trâmite, acredita que ele deve ser apresentado o mais rápido possível à Câmara dos Deputados (onde estão os dois principais projetos hoje sobre o tema), como um substitutivo ao seu projeto. Porém, o Procurador da Funai afirmou que, antes de ser enviado ao Congresso, o projeto será submetido aos povos e organizações indígenas diretamente interessados no assunto, conforme direito assegurado pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.

Potencial hidrelétrico

Outro assunto que desperta grande interesse, por sua importância econômica, é o da exploração de potencial hidrelétrico em rios que cortam terras indígenas. Segundo dados constantes do recém-publicado Plano Nacional de Recursos Hídricos, a bacia amazônica é a que tem maior potencial para exploração hidrelétrica dentre todas as bacias nacionais. O potencial estimado é de 107.143 MW totais. Desses, menos de 1% é atualmente utilizado. Considerando que as grandes bacias do sul e nordeste do país (Paraná, Uruguai, São Francisco) já estão próximas de sua utilização máxima, fica evidente que a região amazônica é a próxima grande fronteira energética do país, o que aliás já vem acontecendo no Pará, onde está instalada Tucuruí, uma das maiores hidrelétricas do país (bacia do Tocantins).

Como pouco mais de 20% da bacia amazônica são terras indígenas, é provável que a construção de novas hidrelétricas na região venha a ter impacto sobre essas terras, como ocorre com Belo Monte. Como a Constituição Federal exige regras específicas para casos como esses, de forma a proteger os modos de vida diferenciados dos povos indígenas e os recursos naturais dos quais sobrevivem – e garantir o direito de consulta prévia aos povos afetados -, é necessária a aprovação de uma lei que oriente o processo decisório sobre a instalação das usinas. O representante da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) no seminário sugeriu que uma mesma lei trate de mineração e aproveitamento hidrelétrico, o que o ISA não acredita ser possível, por serem temas complexos e com procedimentos administrativos bastante diferenciados.

Azelene Kaingang, socióloga indígena, defendeu que qualquer novo marco legal tenha como pressuposto a garantia do direito de consulta prévia aos povos indígenas para projetos e políticas que afetem seus direitos coletivos, como previsto na Convenção 169 da OIT. O PL 2057/91 traz regras genéricas sobre a consulta, que deve ser tanto mais complexa quanto for o projeto em questão, razão pela qual a retomada da discussão do novo estatuto deve começar por rever a forma de tratamento do tema, já à luz das disposições da Convenção 169 e da experiência em outros países. A falta de uma regulamentação em nível nacional fez com que, por exemplo, o projeto de implantação da UHE Belo Monte fosse aprovado pelo Congresso Nacional sem consulta prévia.

Ao fim, esvaziado o auditório e as mesas de apresentação, com poucos deputados presentes divididos entre as discussões e a agenda de votação no plenário da casa, não se chegou a uma conclusão sobre como resolver o atual impasse na tramitação do Estatuto das Sociedades Indígenas e nos demais projetos relacionados. Como prometido pelo presidente da Casa, Aldo Rebelo, essa discussão deve ser retomada ainda nesse fim de ano, para que em 2007 já se tenha uma orientação de como proceder. Falta, porém, um posicionamento claro e unívoco do Governo Federal para que isso possa ocorrer, o qual possivelmente só virá após a formação da nova equipe de governo.

Mineração em terras indígenas

A questão da mineração em terras indígenas é uma das mais polêmicas dentre as que devem ser tratadas pelos projetos sob análise do Congresso Nacional. Por ser uma atividade com grandes impactos ambientais e sociais, a Constituição Federal exigiu a aprovação de lei específica para que possa haver mineração em terras indígenas, razão pela qual o tema desperta tanto interesse.

Segundo levantamento realizado pelo Instituto Socioambiental há mais de cinco mil processos administrativos no DNPM que visam obter direito de exploração mineral em terras indígenas na Amazônia Legal, onde se concentra 99% da superfície de terras indígenas no País. Segundo todos os projetos em tramitação, para que possa haver mineração nessas áreas é necessário que exista claro interesse nacional na exploração de determinada jazida e que a escolha da empresa mineradora seja precedida de concorrência pública, de modo que a proposta com menores imp

actos ambientais – e com maior retorno econômico aos povos indígenas afetados – seja a selecionada.

Porém, uma das grandes polêmicas em torno do tema é o que fazer com os processos que foram iniciados antes da vigência da regra constitucional. Segundo levantamento do ISA, mais de 1.800 processos em tramitação se encontram nessa situação. Sua grande maioria é de requerimentos de pesquisa, que se limitam a expectativas de direito, e não geram concessões de direitos de exploração mineral, apenas eventual direito de prioridade com vistas a uma obtenção futura e incerta desses direitos. Ainda assim, alguns defendem que se forem cancelados, ou caso tenham que obedecer às regras novas (em que não há regime de prioridade), estariam sendo afetados “direitos adquiridos”, o que poderia gerar direitos indenizatórios contra o Estado. Segundo dados do ISA, porém, há apenas 4 concessões de lavra incidentes sobre terras indígenas na Amazônia, e nem todos concedidos antes de 1988, razão pela qual o temor de uma “enxurrada” de pedidos de indenização não procede.

O anteprojeto de lei apresentado pelo DNPM durante o seminário supera essa questão, ao determinar o cancelamento de todos os títulos ou processos abertos antes da promulgação da lei. Diz também que os recursos auferidos com a lavra mineral devem ser repartidos com os povos afetados pela atividade, em montante de cerca de 3% do total do faturamento bruto. Esses recursos, porém, não seriam manejados diretamente pelos povos e suas organizações, mas estariam submetidos a um comitê gestor, do qual a Funai faria parte. Além disso, metade dos recursos seria direcionada a um fundo, sob gestão integral da Funai, que serviria para compartilhar os recursos derivados da mineração com outras terras que não tenham recursos minerais em seu interior.

Esse anteprojeto, em elaboração há mais de dois anos dentro do Poder Executivo, se encontra atualmente na Casa Civil, à espera de um acordo final entre os ministérios. Segundo a Funai, ele será apresentado e discutido com os povos e organizações indígenas antes de ser enviado ao Congresso. Mas não parece ser essa a disposição dos demais ministérios, principalmente do Ministério de Minas e Energia.

Indígenas do Amazonas pedem apoio para fiscalizar terras em ato no Dia Mundial do Meio Ambiente

Manaus – Cerca de 80 lideranças indígenas de 15 etnias fizeram hoje (5) em Tefé (AM) um ato público pelo Dia Mundial do Meio Ambiente. No protesto, elas leram a carta com os resultados do seminário Sustentabilidade Econômica e Meio Ambiente em Terras Indígenas do Médio Solimões e Afluentes, do qual participaram no fim de semana.

"A gente precisa fortalecer o que os povos indígenas já fazem tradicionalmente: proteger suas terras", declarou à Agência Brasil o coordenador da União das Nações Indígenas de Tefé (Uni Tefé), Tomé Fernandes, da etnia cambeba. "Em muita coisa a Funai Fundação Nacional do Índio precisa também estar presente. Não basta só demarcar o território, é preciso proteger a área contra invasões de madeireiros e de pescadores."

A Uni Tefé busca parcerias para expandir a iniciativa piloto apoiada pelo Projeto Integrado de Proteção às Populações e Terras Indígenas (PPTAL), subprograma do Programa Piloto de Proteção das Florestas Tropicais do Brasil, conhecido como PPG 7, que é coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente e financiado pela cooperação internacional. "Em 2003, a gente começou esse projeto em quatro terras indígenas, oferecendo oficinas de legislação ambiental e construindo tapiris [casas de apoio, equipadas com radiofonia e veículos de transporte hidroviário]", contou Fernandes. "Com um motorzinho rabeta [canoa motorizada], em vez de passar três dias para visitar sua área, você passa um dia".

O projeto da Uni Tefé em parceria com o PPTAL envolve 1,6 mil moradores das terras indígenas Cuí-Cuí, Maraã-Urubaxi, Paraná do Paricá e Lago do Alá. O financiamento, com valor total de R$ 78 mil, termina no próximo mês.

A Uni Tefé atua na região do médio Solimões, que engloba 14 municípios, dos quais Tefé é pólo. Dados da entidade revelam que cerca de 10,5 mil indígenas, divididos em 84 comunidades, vivem na região.

Um estudo divulgado em fevereiro mostrou que o desmatamento nas terras indígenas é dez menor do que no seu entorno. Os pesquisadores chegaram a esse número analisando a cobertura vegetal de 121 terras indígenas brasileiras, com imagens de satélite referentes ao período de 1997 a 2000. A análise foi coordenada pelo norte-americano Daniel Nepstad, professor-visitante no Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará (Naea/UFPA) e membro do Instituto de Pesquisas da Amazônia (Ipam).

Carta Aberta de antropólogos sobre situação no Mato Grosso do Sul

Prezados,

Queremos fazer uma breve análise sobre a grave situação dos aproximadamente 40.000 indivíduos guarani-kaiowa e guarani-ñandéva do extremo sul de Mato Grosso do Sul.

O sinistro episódio do dia 01.04.2006 no Passo Piraju (Dourados, MS), além de se apresentar com toda sua dramaticidade, permitiu que determinados preconceitos e estigmas sobre os índios se manifestassem com extrema virulência. A imediata caracterização do evento por parte da Polícia Civil de que os Guarani-Kaiowa teriam tecido uma emboscada aos seus três agentes foi rapidamente divulgada pela mídia local como sendo “a verdade”, e não simplesmente uma hipótese preliminar, como de fato é.

A imprensa e a rádio não perderam a oportunidade de desenhar uma imagem dos índios como selvagens e truculentos, beirando os limites da desumanidade; as manchetes apontam que estes armam emboscadas e matam por motivo vil. Há aqui, antes de tudo, incitação ao preconceito e ao ódio – o que acaba por colocar em risco indistintamente toda a população guarani, inclusive as que não têm qualquer ligação com o episódio.

Cabe ressaltar aqui o modo de proceder dos kaiowa e dos ñandéva contemporaneamente. Estes têm demonstrado que priorizam a via diplomática a arroubos belicosos diante das muitas ocasiões em que são agredidos pelo “branco” – o que se manifesta em espectro amplo, que vai do racismo cotidiano (em ônibus intermunicipais, nos supermercados, nas lojas dascidades) até a freqüente presença de jagunços e seguranças particulares (que, observe-se, muitas vezes são policiais atuando em “bicos” fora do emprego oficial), os quais atuam rondando e atirando para o ar nas proximidades de áreas de conflito.

Uma variável importante deve ser considerada na análise do episódio.

Recentemente, em reunião no Gabinete do Chefe de Governo da Prefeitura de Dourados, com a presença das autoridades de segurança locais (inclusive a Polícia Civil e a FUNAI), foi encaminhada a decisão de que qualquer intervenção policial em comunidades indígenas não ocorreria sem se acionar prioritariamente a FUNAI. A iniciativa policial no Passo Piraju se furtou a esta determinação. A Polícia Federal, por sua vez, teve sua atuação marcada pela falta de empenho. Por fim, o argumento da Polícia Civil de que não estava em questão uma terra indígena oficial visa ofuscar o fato notório da presença no local de uma comunidade indígena, em área de conflito, com permanência autorizada (através da intervenção do Ministério Público Federal) pelo 3º Tribunal Federal de São Paulo, desde 2004.

Embora se espere da prática de um jornalismo democrático que investigue com acuidade os fatos para divulgá-los com responsabilidade, contrapondo fielmente versões das partes envolvidas de modo a que a opinião pública possa construir pensamento isento, não é o que se constata na mídia local diante do caso da morte dos dois policiais. Paradoxalmente ou estranhamente a postura dessa mídia foi oposta quando do homicídio de Dorvalino Rocha.

Este índio kaiowa, das terras homologadas do Ñande Ru Marangatu (Antonio João, MS), foi assassinado a queima roupa em dezembro passado por um segurança privado a serviço de fazendeiros que se opõem à regularização da terra em benefício dos índios. A mídia aqui evitou emitir opinião unilateral e precipitada, divulgando simultaneamente a versão dos indígenas e da empregadora do autor do disparo.

Constata-se que na divulgação de notícias e formação de opinião, os meios de comunicação locais podem sopesar diferentemente as informações e assim alimentar preconceitos latentes na opinião pública; policiais, comerciantes, estudantes universitários e cidadãos refletem esse proceder e reproduzem informações da mídia colhidas junto aos produtores rurais. Quando segmentos da população regional procuram compreender os índios, seu estilo de vida, suas exigências econômicas, políticas e simbólicas, não o fazem a partir de uma aproximação minimamente científica e pautada em algum rigor descritivo e analítico, mas a partir de um corpus de informações e de valores, que são antíteses da produção erudita: o senso comum.

Não constitui novidade que o senso comum seja responsável por grande parte das ações e das opiniões manifestadas na vida social pelo cidadão comum.

Tampouco é possível pensar, ingenuamente, que essas pessoas possam se transformar em cientistas sociais, chegando a uma visão relativística da vida humana, compreendendo em detalhes a visão do mundo dos índios e suas características organizativas. Ademais, não surpreende o fato de que, com base em seus interesses econômicos e de poder local, os produtores rurais, procurem por todos os meios impedir que os ditames constitucionais sejam cumpridos. Uma analise sumária é suficiente para mostrar que o senso comum que vigora no Mato Grosso do Sul é amplamente construído a partir de uma ideologia ruralista. Nesse sentido, não há dúvida alguma sobre o fato de que para a maioria da população sul mato-grossense os índios são um obstáculo ao progresso – identificado este nos empreendimentos do agronegócio.

Como antropólogos estamos, portanto, acostumados a lidar com categorias e representações morais nativas – e o senso comum da região em pauta não constitui uma exceção. Há, porém que se constatar que nestes últimos anos o nível dos conflitos locais entre fazendeiros e índios tem-se acirrado, os primeiros procurando cada vez mais se articular para que sua própria política seja mais eficiente, enquanto que os segundos multiplicam as reivindicações para recuperar seus territórios tradicionais. Nesse processo, cujos desfechos podem ser dramáticos (como o episódio de Passo Piraju ou de Ñande Ru Marangatu), o que parece surpreendente é o papel do Estado, a falta de um posicionamento claro, enérgico e ético, para enfrentar a situação e dar solução ao problema fundiário local, respeitando a Constituição Federal. (Observe-se que para este propósito não faltou assessoria cientifica qualificada para delinear propostas apropriadas).

Muito embora há décadas tenha sido aclarado (por nós e por outros colegas) aos responsáveis pela condução da política indigenisa oficial, sobre a importância de uma ação indigenista específica, pensada e planejada, priorizando a atenção sobre a produção de alimentos e as questões fundiárias, não houve reações compatíveis às dimensões do problema por parte do Estado brasileiro.

Nos últimos tempos, como dito, a situação vem se agravando, e, de 2003 para cá, isso tem se dado em progressão geométrica, uma das razões que nos levam aqui a apresentar algumas informações e análises, no intuito de contribuir para um mais acurado entendimento da realidade local.

Cabe destacar o fato de que o problema fundiário que embasa conflitos e crises permanentes foi detectado no final da década de 1970, quando os guarani-ñandéva e guarani-kaiowa do Mato Grosso do Sul iniciaram um movimento, organizado a seu modo, de recuperar parte das terras de ocupação tradicional tomadas pela colonização da região, mais intensa a partir dos anos 1960 e sôfrega a partir do milagre brasileiro dos anos 1970. O cenário regional criado nesse processo foi determinado a partir de interesses hegemônicos relacionados ao propalado agronegócio. Como revelado em inúmeros relatórios de Identificação de Terras guarani no estado, observadores atentos da vida indígena têm apontado o fato de que nas últimas três décadas os organismos de Estado vêm, de um modo ou de outro, contribuindo para a reprodução de uma sistemática desapropriação de terras tradicionais guarani que se transformaram em fazendas e empresas agro-pecuárias, resultando na superpopulação das áreas reservadas pelo SPI no início do século passado e na ampliação de conflitos e mortes por violência e fome, dada a impossibilidade desse povo agricultor te

r acesso à terra.

Observando o desempenho da Fundação Nacional do Índio, constata-se que por três ou quatro gestões se divulgou que os guarani do país e em especial os do Mato Grosso do Sul teriam atenção prioritária, reconhecendo-se formalmente, assim, a existência do problema. Da última vez, em 2003, o anúncio foi feito na presença de número representativo de índios em assembléia na Terra Indígena Jaguapire (Tacuru/ MS), organizada para receber o seu Presidente. Não houve, contudo, qualquer ação efetiva na continuidade.

A questão fundiária, ponto primordial na cadeia operativa dos problemas, se manifesta de modo flagrante. As ações dos organismos de Estado têm sido dirigidas no sentido de impedir a solução da dívida histórica para com os povos indígenas no Brasil, como determina a Constituição de garantir a ocupação de terras tradicionais. Cabe indicar que em relação aos Ñandéva e Kaiowa do Mato Grosso do Sul, não há qualquer dúvida quanto à tradicionalidade de ocupação, como revelam fontes documentais e estudos contemporâneos e recentes. Esta comprovação não exige nenhum esforço.

A morosidade administrativa em instâncias decisórias de poder, no entanto, tem sido fator relevante no acirramento de conflitos na disputa por terras entre fazendeiros e indígenas. As atitudes protelatórias do Poder Judiciário e a desconsideração tanto da especificidade étnica quanto da argumentação científica antropológica sobre os Guarani têm suscitado julgamentos sobre um universo social desconhecido, fortalecendo o senso comum e ampliando a dificuldade de administrar um país a partir da determinação de sua multiplicidade étnica.

É, assim, alarmante a atitude manifestada pelo Judiciário, do qual se esperaria um posicionamento ponderado, distante das diatribes locais, buscando informações nos acurados e aprofundados trabalhos científicos, como publicações acadêmicas, relatórios de identificação de terras indígenas e laudos periciais. Frustrando estas expectativas, mostra-se estarrecedor que sentenças judiciais possam, ao contrário, fundamentar-se exatamente no senso-comum, a partir de informações levantadas na internet, de modo descontextualizado e de credibilidade, quando menos, questionável, ou então a partir de uma declaração individual explícita de discordância com os ditames constitucionais. A propósito, resulta ser emblemática a seguinte argumentação de um Juiz Federal, retirada de sentença que emitiu liminar paralisando o processo administrativo de demarcação da terra indígena kaiowa de Jatayvary (Ponta Porã/ MS):

“Em artigo publicado [na internet] pelos antropólogos Fabio Mura e Rubem Thomaz de Almeida está escrito que os kaiowás se distribuem no Mato Grosso do Sul numa área de quarenta mil quilômetros quadrados. Esse território faz fronteira com os Terena, ao norte, ao leste e sul com os Guarani Mbya e com os Guarani Nandeva. Algumas famílias vivem nos litorais do Espírito Santo e Rio de Janeiro. Os territórios ainda fazem divisas com outras áreas indígenas de países vizinhos (www.socioambiental.org). Se a tese acima for procedente, os não-índios terão que buscar refúgio em Marte.”

Aqui, o Juiz não se pergunta se as informações veiculadas pelos antropólogos estão fundamentadas cientificamente; ele apenas aceita e faz próprias as mais corriqueiras argumentações procedentes do senso comum, que equaciona a demanda indígena como pretendendo recuperar a totalidade da superfície do Brasil. Tivesse ele consultado outros trabalhos desses autores, especialmente os técnicos, referentes às terras identificadas, poderia verificar que as demandas dizem respeito a famílias indígenas concretas, originárias de lugares também concretos. Tomando-se em conta, porém, a totalidade das reivindicações fundiárias guarani-kaiowa e guarani-ñandéva, o montante calculado não alcança um quinto de seus territórios originários.

Finalizando, continuamos a insistir na necessidade premente do Estado brasileiro se envolver profundamente com o problema Guarani do Mato Grosso do Sul. É seu dever Constitucional assumir e decidir com firmeza e rigor uma dinâmica para fazer respeitar Direitos e investir na composição de uma instância específica e que unifique organismos de Estado; é seu dever viabilizar recursos financeiros e humanos, refletir e planejar estratégias que culminem em soluções efetivas aos problemas fundiários e de produção de alimentos da população aqui focada. Tais iniciativas deverão contribuir, no tempo, para melhorar a qualidade de vida dessa grande parcela do povo guarani, cujas dificuldades, cabe reiterar, se avolumam em progressão geométrica.

Por favor, divulgar o máximo possível.

Rio de Janeiro, 08 de Abril de 2006.

Rubem Thomaz de Almeida (rubem.almeida@ig.com.br)
Fabio Mura (fmura@ig.com.br)
Alexandra Barbosa da Silva (ale.barbosa@ig.com.br)

Antropólogos

Presidente da Funai diz que projeto sobre mineração será submetido a lideranças indígenas

Antes de ser enviado pelo governo ao Congresso Nacional, o projeto de lei que regulamenta a mineração em terras indígenas será submetido à análise das lideranças indígenas que participarão da 1ª Conferência Nacional dos Povos Indígenas. O encontro será realizado em Brasília, entre os dias 12 e 19 de abril.

"Essa foi uma das ressalvas que eu fiz, que tem que passar pela conferência. Os índios têm que dizer se esse projeto de lei que o governo vai enviar ao Congresso está de acordo com aquilo que eles acham que é possível", afirmou o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Mércio Pereira Gomes, em entrevista às emissoras de rádio da Radiobrás.

Segundo Gomes, o texto está sendo finalizado pelos ministérios da Justiça e de Minas e Energia, ao qual o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) é ligado. Ele adiantou que uma das principais linhas do projeto é que a mineração deverá ter o consentimento dos índios que vivem na região onde a atividade será desenvolvida.

"Há a possibilidade de participação dos índios como empresa. Depois, tem como partícipe de outras empresas. E tem ainda o aspecto dos royalties, da porcentagem do valor bruto vendido do minério para a população local", explicou.

De acordo com Gomes, o projeto ainda prevê a criação de um fundo para ser usado em benefício da população indígena. "Digamos que tenha ouro numa terra indígena. Aí, que a porcentagem de 4%, 5% – o que foi acordado do retorno para os índios – dê, digamos, uma quantia cem. Desse fundo, metade seria para os índios daquela região e a outra metade seria um fundo geral para atender outras populações indígenas brasileiras", exemplificou.

Atualmente, a mineração em terras indígenas é considerada ilegal. Para o presidente da Funai, a aprovação do projeto poderá resolver o problema da extração de pedras preciosas em reservas indígenas. Ele citou o exemplo da Reserva Roosevelt, ao sul de Rondônia, ocupada pela etnia Cinta-Larga.

"Nos preocupa muito essa questão toda, porque é um garimpo de muita riqueza e atrai muita gente", observou. "A solução final é uma legislação que admita o que é, que pode ser mineração em terra indígena", acrescentou.

Em abril de 2004, índios Cinta-Larga mataram 29 garimpeiros que extraíam diamantes da Reserva Roosevelt.

ndios acampados em Brasília pedem política coerente e digna

O principal objetivo do 3º Acampamento Terra Livre é discutir formas para garantir os direitos dos povos indígenas, segundo um dos diretores da organização não-governamental (ONG) Centro de Trabalho Indigenista, Gilberto Azanha. A mobilização indígena começou hoje (4) e prossegue até amanhã. Participam cerca de 500 lideranças de mais de 120 povos em 20 estados, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília.

Durante o encontro serão debatidos os problemas da terra, da saúde, da biodiversidade e a falta de políticas públicas especificas. De acordo com Azanha, os participantes vão cobrar do governo uma política indigenista "mais coerente e digna".

"A questão dos direitos indígenas está cada vez mais complicada. A questão de saúde a mídia já divulgou bastante como está: precária. Os direitos indígenas não são feitos para serem negociados, mas para serem levados em conta e efetivados", afirmou Azanha.

Melhores condições de atendimento à saúde da população indígena permanecem como uma das principais reivindicações das lideranças. O líder Marcos Luidson, do povo Xucuru que habita Pernambuco, defende maior participação dos índios na elaboração das políticas de saúde.

"Um primeiro passo seria o fortalecimento de autonomia dos distritos indígenas, onde os conselhos distritais de saúde pudessem ter autonomia plena para definir a gestão da saúde dos povos indígenas", aponta. Essa foi também a principal reivindicação da 4ª Conferência Nacional da Saúde Indígena, que terminou sexta-feira passada em Rio Quente (GO).

Luidson também defende que a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) crie um grupo dentro da instituição que tenha a participação dos indígenas no controle social das ações e do uso dos recursos. "A Funasa não está correspondendo com a necessidade das populações indígenas; deixa muito a desejar e permite a quase municipalização dos serviços, sem o controle social os recursos não chegam nas bases da forma que deveria chegar", diz ele.

A criação da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), aprovada por decreto presidencial no dia 23 do mês passado, é apontada como uma conquista pelos índios. Agora, eles aguardam a criação do Conselho Nacional de Política Indigenista, que fará parte do Ministério da Justiça. "O conselho vai unificar nossas propostas, de modo a inserir os povos indígenas na discussão de políticas especificas", diz o líder xucuru.

A realização do 3º Acampamento Terra Livre faz parte do Abril Indígena, assim chamado por causa das intensas manifestações que ocorrem ao longo do mês. Na quinta-feira (6), indígenas participarão de uma audiência pública no Senado Federal para tratar da situação dos direitos dos povos no país.

ndios brasileiros criam foro para discutir a biodiversidade

Os descendentes dos primeiros habitantes do país passarão a atuar em bloco nas negociações internacionais sobre o acesso a recursos genéticos. Foi criado nesta quarta-feira (22/03) em Curitiba, onde se realiza a 8ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica, o Fórum dos Povos Indígenas do Brasil sobre Biodiversidade.

Os principais focos de atenção do novo grupo serão as negociações sobre o acesso e a partilha de recursos genéticos (tema conhecido pela sigla inglesa ABS), a criação de áreas protegidas e a defesa dos conhecimentos tradicionais dos povos indígenas associados ao uso de recursos genéticos – questão definida pelo artigo 8º da Convenção da Biodiversidade.

– Queremos influir com mais protagonismo nas negociações que estão em andamento. Se o Brasil é o fiel da balança dentro do grupo dos países megadiversos, queremos ser o fiel da balança com a nossa megasociodiversidade – anunciou a diretora executiva do Instituto Indígena para a Propriedade Intelectual, Lúcia Fernanda Kaingang.

Existem atualmente no Brasil, segundo a diretora, cerca de 230 povos indígenas, que falam aproximadamente 180 línguas. São cerca de 700 mil pessoas, observou, das quais poucas têm conhecimento a respeito das discussões em andamento na conferência que está sendo realizada em Curitiba. E nenhum representante indígena presente à cidade, lembrou ela, contou com recursos do secretariado da convenção para a sua viagem.

Um dos temas discutidos pela manhã, em um grupo de trabalho da conferência, foi justamente o do estabelecimento de um orçamento para garantir a presença de representantes de povos indígenas durante as próximas etapas da negociação da implementação da convenção. Delegados da Organização das Nações Unidas admitiram a possibilidade de custear as despesas, mas questionaram como seriam escolhidos os representantes indígenas.

As propostas iniciais de implementação do dispositivo 8º da Convenção, elaboradas em reunião preliminar ocorrida há um mês em Granada, na Espanha, foram bem acolhidas pela maioria das delegações presentes em Curitiba. Entre essas propostas, está a de criação de um código de conduta para as empresas interessadas em pesquisar espécies de plantas e animais contidas em terras indígenas.

Brasil tem racismo profundo contra índios e negros, diz relator da ONU

O relator especial da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Racismo Discriminação, Xenofobia e Intolerância, Doudou Diéne, disse que o racismo ainda é profundo no país, que índios e jovens negros são vítimas freqüentes da violência e que, ainda assim, alguns setores governamentais não estão dispostos a acabar com o preconceito racial.

"Fiquei perturbado com a violência contra os índios, em especial os caciques, e os jovens negros porque dezenas deles foram mortos recentemente. Percebi desespero e um sentimento de solidão por parte dessas comunidades", disse ele em entrevista à Radiobrás.

Diéne também se convenceu de que o Brasil está empenhado no combate ao racismo. Depois de uma reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Palácio do Planalto, ele disse que o presidente foi "firme" e "claro" ao dizer que a superação do racismo é uma das prioridades do governo.

Diéne encerrou hoje (26) a visita de dez dias ao Brasil. Durante esse tempo, o relator conversou com autoridades governamentais e representantes da sociedade civil para saber como o país está combatendo o preconceito racial.

Para o relator, a superação do racismo virá "das mudanças profundas de mentalidade" da sociedade. De acordo com a ministra da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro, que também participou da reunião, Diéne recomendou a ampliação das políticas sociais do governo. "A principal recomendação é que sejam intensificadas as ações afirmativas nas políticas públicas, visando a inclusão da população negra e indígena como cidadã de direito nesse país".

Doudou Diéne afirmou que as ações afirmativas lhe chamaram a atenção, porque podem corrigir distorções raciais históricas. "Acho que as ações devem ser bem explicadas para que a sociedade crie meios próprios de combater o racismo". O relatório final de Diéne sobre a visita ao Brasil será apresentado às Nações Unidas em 2006.

Lei aponta solução para terra pública se órgãos ambientais forem fortalecidos, diz ISA

"O projeto de Lei de Gestão de Florestas Públicas [PL 4776] não oferece obstáculos, na verdade, ele propõe uma solução para um problema histórico de ocupação de terras públicas: grilagem associada com desmatamento", analisa o advogado e coordenador de biodiversidade e florestas do Instituto Socioambiental (ISA), André Lima.

"O que a gente colocando em discussão é que o PL oferece soluções, mas, para que elas sejam viáveis, é fundamental que os órgãos ambientais sejam fortalecidos para fazer o monitoramento e o controle dessas concessões florestais."

Um dos motivos principais para a adesão da rede ONGs da Mata Atlântica ao projeto de lei, segundo Lima, é a questão da regularização fundiária das chamadas populações tradicionais como caboclos, ribeirinhos e extrativistas, que moram nas florestas públicas e precisam ter sua situação resolvida, antes de se destinar áreas para exploração.

"O projeto diz que, identificando a presença de populações em terras públicas, essas áreas serão prioritariamente destinadas e regularizadas em benefício dessas populações", afirma ele. "Elas não serão objeto de exploração e de concessão florestal."

André Lima reclama da fragilidade do governo em monitorar os programas ambientais. É o caso do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), que tem como objetivo estimular os pequenos agricultores à prática do cultivo de árvores para reflorestamento e a recuperação de áreas de preservação ambiental.

"É importante que se faça um monitoramento da conseqüência desse programa porque, em princípio, ele não tem uma escala significativa, é um programa com pouco recurso perto da demanda de recuperação e de plantio florestal na Mata Atlântica", aponta ele.

Na opinião do advogado, o "histórico de incapacidade dos órgãos públicos", principalmente em matéria ambiental, de fazer monitoramento e controle, justifica as críticas feitas ao projeto. "Há aqueles que acham que, como não temos condições, que não podemos mudar o sistema. Os nacionalistas dizem que esse projeto vai internacionalizar a Amazônia, o que é um equívoco", complemente Lima.

"A idéia do PL é que ele seja um projeto que mantenha as florestas como florestas e as suas terras como públicas. Mas têm aqueles que insistem no argumento de que é uma privatização e que só as empresas internacionais vão explorar a floresta Amazônica."